|
Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
|
Capítulo III – Obstáculos
para a formação da democracia, na atual conjuntura da vida pública
brasileira – Políticos-profissionais e profissionais políticos
São consideráveis os obstáculos para que, na
vida pública brasileira, os cidadãos tenham modos de pensar próprios
sobre os grandes temas de interesse nacional, de maneira a se tornarem
aptos a fazer uma escolha elevadamente patriótica – e não irrefletida,
ou então personalista – dos candidatos às funções públicas eletivas. 1. Caráter a-ideológico dos
temas postos em realce ante o grande público
A tiragem, tanto de livros quanto de revistas ou
jornais de bom quilate, é notoriamente menor no Brasil do que na América
do Norte e nos principais países da Europa. Especialmente no tocante aos livros de caráter
doutrinário, a saída só é satisfatória quando a venda deles é feita
diretamente ao público, de mão em mão. Esta forma de venda, em contato direto com o público,
explica a considerável saída dos livros postos em circulação pela TFP.
E a conseqüente repercussão deles em largos setores da opinião pública. Mesmo os quotidianos mais importantes vêm alcançando
entre nós tiragens que – em função das respectivas populações
urbanas – são muito menores do que as dos órgãos congêneres, dos
Estados Unidos e da Europa. A publicidade verdadeiramente ampla se faz por
meio das difusoras de rádio e de TV. Mas estas parecem ter excessivo
receio de uma suposta insensibilidade dos respectivos públicos em relação
a temas de bom teor científico ou cultural. Esse receio cresce de ponto
quando tais temas são expostos em conferências e debates verdadeiramente
sérios, e não em torneios oratórios farfalhantes e vazios. O êxito de alguns debates sobre problemas sociais
ou sócio-econômicos, transmitidos pelo rádio ou pelo vídeo, confirma
entretanto a boa acolhida de matérias doutrinárias de bom quilate, pelo
público. Contudo, tais debates são acompanhados freqüentemente mais num
espírito de “torcida”, para apurar qual dos contendores dará
“nocaute” no outro, do que com o fim de formar uma convicção sólida,
serena e imparcial sobre qual deles está com a razão. 2. A homogeneidade monótona
da preponderância centrista contribui para o amortecimento da controvérsia
democrática
Ademais, acresce que, entre as grandes forças
propulsoras da opinião pública, como a CNBB, os partidos políticos
realmente ponderáveis, as associações profissionais com alguma ressonância
publicitária, os órgãos da imprensa escrita ou falada de grande vulto,
a tendência ostensiva ou real é centrista e moderada. Também entre os órgãos da média e pequena
imprensa, como já se disse (cfr. Parte I, Cap. II, 6), a nota centrista
costuma ser predominante. Se bem que com um matiz centro-esquerdista por
vezes bastante acentuado. O que, tudo, concorre para envolver nossa vida pública
numa atmosfera ideológica homogênea e monótona. O centrismo já é de si uma posição ideológica
pouco própria a despertar grandes entusiasmos. As modalidades de
centrismo que em alguma medida conseguem entusiasmar, o fazem com uma nota
peculiar, pois elas comunicam – às impressões e convicções que
originam – o tônus moderantista inerente a todo centrismo. Entusiasmos,
pois, que mais se podem qualificar como tais por analogia, do que no
sentido próprio e corrente do termo. Não basta afirmar que o entusiasmo centrista
inclui não raras vezes certa nota de monotonia. Como é natural, a
monotonia gera a modorra. Modorra de pensamento, em primeiro lugar. Isto
é, modorra no informar-se, no analisar as informações obtidas, no
opinar, no tomar atitude definida ante os problemas. E, consequentemente,
modorra no conversar e no discutir, no lar como nos locais de trabalho ou
de lazer, sobre os grandes temas da atualidade. 3. Deficiência de informações
e absorção nos assuntos da vida privada afastam a atenção dos
problemas da vida pública
De outro lado, no que diz respeito aos aspectos
concretos e práticos de importantes questões postas em foco – como,
por exemplo, a tríade de reformas, agrária, urbana e empresarial – as
estatísticas oficias ou privadas de que o público dispõe são raras, e
publicadas com freqüência muito inferior ao que seria necessário
para manter o grande público informado, e portanto com suficiente segurança
para tomar partido consciente e responsável nas importantes questões do
momento. Como se tudo isto não bastasse para que esses
temas fossem cada vez mais postos de lado, acontece que, no campo da vida
privada, o dia de amanhã se vai tornando sempre mais laborioso, incerto e
complexo, para cada qual. As atenções se voltam então de forma cada vez
mais intensa, para os problemas imediatos da ordem privada. E se vão
desinteressando das cogitações atinentes à res publica. Todos estes fatores obstam a que seja rica de
pensamento e de idéias nossa vida pública. E tornam difícil que nossa democracia-sem-idéias
se transforme em uma democracia-com-idéias. 4. A opinião pública se
mostra bem pouco entusiasmada com os políticos-profissionais
Não surpreende, pois, que os homens de trabalho,
de todos os níveis, tenham sua atenção persistentemente voltada para a
respectiva área de ocupações pessoais. A política facilmente
desinteressa, assim, à grande maioria deles. E, em conseqüência quase
inelutável, nesta última só atuam os que estão em condições de fazer
dela uma profissão. No Brasil, “político” tornou-se freqüentemente
sinônimo de “político-profissional”,
sobretudo quando se trata de político que não tem haveres pessoais
suficientes para se manter sem o concurso dos honorários correlatos com o
exercício de funções na vida pública. * *
* Político-profissional é, pois, aquele que dedica à atividade política uma parcela muito
preponderante (quando só isto) de
seu tempo e de suas energias; que no êxito da carreira política põe o
melhor de suas esperanças e ambições; e ao qual resta, para outras
atividades, uma parcela pouco expressiva de sua atuação no exercício de
alguma profissão rendosa. Assim, mesmo fora dos períodos pré-eleitoral e
eleitoral, de si tão absorventes, o político-profissional passa o tempo
cultivando o seu eleitorado para conseguir eleger-se, ou reeleger-se. Nesse sentido, age ele junto aos poderes públicos
e aos setores adequados da economia privada, para obter cargos, gratificações,
favores grandes ou pequenos em benefício dos eleitores indicados pelos
cabos eleitorais respectivos. De maneira a manter sua “pirâmide
eleitoral” nas melhores condições de confiança e de dedicação para
com ele. Sobretudo está o político-profissional atento em
conseguir favores para os seus cabos eleitorais, a fim de que estes lhe
consigam, por sua vez, os eleitores de que precisa. Uma vez eleito, o exercício do mandato lhe
absorve quase todo o tempo. E pouco lhe resta para outras atividades.
Tanto mais quanto, logo depois de eleito, deve começar a preparar a sua
reeleição. A situação normal do político-profissional é a de um
candidato permanente. Em relação a tais políticos-profissionais, a
opinião pública se mostra – por motivos diversos – bem pouco
entusiasmada. Se bem que essa disposição de alma seja eventualmente
injusta em relação a este ou àquele político-profissional, o fato é
esse (cfr. Parte II, Cap. I, 7). E não há exagero em dizer que grande
parte dos votos em branco ou nulo, das últimas eleições, se
deveu à verdadeira saciedade que o público sente em relação a
candidatos que figuram habitualmente no amplo rol dos políticos-profissionais
(cfr. Parte II, Cap. XIII, 2). 5. Políticos por mero
idealismo, um gênero que as condições da vida hodierna tendem a tornar
impossível
O que seria, de outro lado, um político não
profissional? Alguém que, financeiramente independente, só faz política
por amor à arte, pelo gosto da fama, ou até da celebridade com que o
macrocapitalismo publicitário premeia os políticos do inteiro agrado
dele? Ou o homem abonado, e ao mesmo tempo lutador desinteressado, que
fosse levado à ação política por mero idealismo religioso ou patriótico?
Ou, por fim, o homem idealista que, embora não abonado, arrisca para si e
para sua família a aventura de sacrificar gravemente sua profissão
habitual, com o objetivo de se consagrar, com honestidade modelar, ao
serviço da Pátria? Tal é a elevação deste gênero de perfil moral
que, por isso mesmo, o político não profissional é inevitavelmente raro
em nossos tristes e convulsionados dias. Ademais, parece certo que a esta última categoria
não se ajusta bem o qualificativo de “profissional”. Pois, por homem
“financeiramente independente” parece entender-se mais bem o que vive
de rendas, sem profissão definida. E, portanto, com possibilidade de
consagrar à política todo o seu tempo. O que contribui obviamente para
serem ainda mais raros os políticos não profissionais. Pois o número de
pessoas “financeiramente independentes”, ou seja, abonadas, vai
decrescendo rapidamente dia a dia. Talvez fosse preferível qualificar esse gênero
de homem público, de político por mero idealismo. 6. Os “profissionais-políticos”:
representantes autênticos das mais variadas profissões ou campos de
atividade
Entretanto, além dos políticos-profissionais e
dos políticos por mero idealismo, há que considerar ainda um terceiro gênero.
Ou seja, o daqueles a quem, sem fazer mero jogo de palavras, se poderia
designar como profissionais-políticos. Trata-se, neste caso, de profissionais que,
tornando-se insignes pela categoria e abundância de seu trabalho
profissional, adquirem realce na própria classe ou meio social. Tendo atingido esta situação, é normal que
neles pensem muitos eleitores para o exercício de altas funções públicas
de caráter eletivo. Para o que os pode habilitar, conforme o caso, ou um
nexo peculiar entre a função pública em foco e a profissão em que se
destacaram, ou então a excepcional amplitude de horizontes e de cultura
inerente ao ramo de atividade ao qual tais personalidades se consagram. Quando alguém se destaca de modo notável em
qualquer setor de atividade, na respectiva profissão por exemplo, adquire
com isso uma autêntica representatividade daquele setor. Assim, se um
Carlos Chagas, ou um Oswaldo Cruz, estivesse vivo hoje, ele se destacaria
certamente como representante natural da classe médica em todo o País.
Face a uma eleição de excepcional importância para todos os setores da
sociedade, inclusive a classe médica, como foi a de novembro último,
seria ele naturalmente um dos candidatos – e candidato vitorioso a
priori – a deputado. Na Câmara, pela natureza de sua celebridade, e
pelo modo específico de seu mandato, seria ele o porta-voz dos colegas.
Porém não só deles. Os habitantes da região onde nasceu, seus
companheiros e amigos no campo das relações sociais e do lazer etc.,
todos os brasileiros inteirados de seus feitos e de seus méritos através
dos mass média, se sentiriam – a um título ou a outro –
representados por ele. Análoga coisa se pode dizer de outras profissões,
como comerciantes, industriais, agricultores, professores, militares,
diplomatas, bem como funcionários públicos das mais diferentes
atividades, engenheiros, advogados e técnicos de toda ordem. Esta enumeração, meramente exemplificativa, de
modo nenhum exclui, a seu modo, os representantes de quaisquer outros
grupos sociais ou profissionais, desde os mais elevados na escala social,
até os mais modestos: proprietários rurais tanto como bóia-frias ou
colonos, proprietários urbanos tanto quanto locatários, empresários
industriais ou comerciais como trabalhadores na indústria ou comércio. E
há que incluir ainda, nessa lista, grupos ou categorias naturais de outra
índole, como associações de filatelia, de enxadrismo, de esportistas,
de atividades recreativas honestas etc. Enfim, as pessoas notáveis de todos os ramos de
atividade devem ser particularmente viáveis como candidatos a um mandato
eletivo, especialmente quando este tem missão constituinte. Por sua vez, estes não aspiram naturalmente a ser
deputados ou senadores ad aeternum. A eleição para um mandato legislativo, máxime
para uma Constituinte, lhes é honrosa, lhes enriquece o curriculum
vitae. Mas a necessidade de estar sempre na vanguarda da profissão ou
campo de atividade em que adquiriram destaque, impede que eles dediquem
toda a sua existência política. Sua notabilidade profissional é o
pedestal de seu êxito político. E, portanto, é só excepcionalmente que
eles limitam sua atividade profissional em benefício de sua notoriedade
política. A notoriedade é a causa de seu mandato; não é o mandato a
causa de sua notoriedade. É a esse elevado tipo de
profissional que se deve designar honrosamente de profissional-político. 7. O ingresso de elevado número
de profissionais-políticos na vida pública enriqueceria o quadro político
do País
A esse respeito, cumpre ponderar também que, realçando
desta maneira as notabilidades não partidárias, não se prejudicaria a
vida partidária. Com efeito, segundo a lógica do regime representativo,
é indispensável o partido político, como fator de aglutinação, formação
e direção das pessoas que tenham iguais concepções e iguais metas no
tocante às coisas do Estado. E os diversos partidos políticos só se
beneficiariam com o livre acesso dessas notabilidades em suas fileiras.
Pois cada partido político é naturalmente interessado em atrair novos
eleitores. O que o partido obteria com especial facilidade, se incluísse
em sua chapa de candidatos um ponderável contingente de notabilidades
conhecidas e admiradas por brasileiros de todos os partidos. Ou sem filiação
partidária. A presença destes profissionais políticos nas
chapas eleitorais conduziria a conseqüências por assim dizer anti-sépticas.
Pois essas notabilidades não aceitariam figurar em chapas partidárias em
que estivessem pessoas desclassificadas para tal, como, por exemplo,
homossexuais, histriões ou pessoas do gênero. Com efeito, os candidatos
de boa fama se podem sentir amesquinhados e desdourados ao lados dos
candidatos do vício, da extravagância ou da algazarra. Mas, pelo contrário,
o político-profissional de reputação limpa, este sim, poderia figurar
ao lado de tais profissionais-políticos. O resultado de tudo isto consistiria em que a
presença das notabilidades exerceria uma ação saneadora e seletiva nos
vários ambientes partidários. Se grande número de profissionais-políticos
disputarem e alcançarem cargos eletivos, as Casas Legislativas, tanto
federais quanto estaduais nos apresentariam o espetáculo estimulante de
muitos homens autenticamente representativos dos respectivos setores
sociais, debatendo ao lado de probos políticos-profissionais, com competência
e profundidade, os grandes interesses do País. Esse debate, o qual, visto sob alguns ângulos,
melhor se chamaria de harmonioso colóquio, daria matéria abundante para
enriquecer intelectualmente a temática publicitária à disposição dos
meios de comunicação social. As correntes de opinião se delineariam nítidas
e vigorosas na opinião pública. E a luta eleitoral tomaria conteúdo e
elevação. Claro está que só com muita ingenuidade se
poderia imaginar que tal sistema de representação, profundamente orgânico
e natural, estivesse blindado contra as imperfeições que o homem põe em
tudo quanto faz. Nem constitui uma panacéia o advento freqüente
de profissionais-políticos em nossa vida pública. Mas é certo que,
abertas as comportas que atualmente obstam a tal advento, seriam de
esperar consideráveis melhoras em nossa máquina político-partidária. O
que, por sua vez, poderia pôr em ação outros fatores para tal necessária
restauração da vida política do País. O que com a mera presença de políticos-profissionais
na cena pública não se obtém. 8. Democracia-com-idéias no
Brasil-Império e no Brasil-República
Resulta isto de causas muito profundas. Tão-só dois anos separam do centenário da
proclamação da República em nosso País. Manda porém a verdade que se
reconheça não ter o regime republicano, nestes cem anos de vigência,
conseguido formar, nas camadas profundas do País, um conjunto de hábitos
intelectuais e morais, bem como de instituições partidárias, culturais,
e outras, que criassem entre nós um ambiente cívico-político denso de
cogitações patrióticas, quer filosóficas, religiosas e culturais, como
também políticas, econômicas, sócio-políticas e sócio-econômicas,
voltadas para os grandes problemas do mundo contemporâneo, bem como para
as realidades concretas do País. Cumpre confessar – sem qualquer eiva de
partidarismo – que o ambiente político do Brasil-Império apresentava,
a esse respeito, maior riqueza de conteúdo intelectual. Questões como a
libertação dos escravos, ou a alternativa monarquia-república,
interessavam muito mais ao quadro eleitoral, nos dias remotos do
Brasil-Império, do que a Reforma Agrária, a Urbana e a Empresarial vão
interessando a massa da população nas grandes cidades do País. O Brasil-Império foi muito mais autenticamente
uma democracia-com-idéias, do que o é, ao cabo de cem anos, o Brasil-República. Daí decorre que, sendo hoje tão desinformada e
amorfa a opinião pública de vastíssimos setores da população, os
grandes órgãos do macrocapitalismo publicitário tenham receio de não
atrair a atenção pública, empenhando-se por conferir ao debate pré-eleitoral
uma elevação de idéias e uma profunda objetividade de informações
que, em rigor, os exporiam ao risco de parecerem monótonos para grande
parte dos leitores, rádio-ouvintes e telespectadores na democracia-sem-idéias. 9. Retraimento ideológico dos
candidatos nas últimas eleições
Por sua vez, nas últimas eleições, os
candidatos eram representativos, em grande parte, das massas-sem-idéias.
E em geral não haviam se destacado, em suas atividades cívicas ou políticas
anteriores, por qualquer pronunciamento em que as idéias ou os fatos de
interesse público, analisados a fundo, desempenhassem papel de relevo. Esse gênero de candidatos, aliás, não causa
estranheza nas fileiras de nossos tão numerosos políticos-profissionais. Não dispondo de tempo suficiente para estudar e
refletir, o político-profissional se vê coagido a evitar quanto possível
pronunciamentos que o comprometam com grandes e complexos temas, como por
exemplo as três aludidas Reformas, Agrária, Urbana e Empresarial. Temas
esses que ele sabe conhecer insuficientemente. E acerca dos quais ignora
que efeito produziria seu pronunciamento, sobre uma opinião urbana ou
rural tão alheia ao conteúdo de qualquer dessas Reformas, e aos critérios
segundo os quais elas devem ser encaradas. Dos 559 Constituintes que ora elaboram a nossa
nova Carta, um número bastante grande não é constituído por políticos-profissionais,
nem por profissionais-políticos. Pertencem eles mais bem a uma nova
categoria, aliás muito sui generis. Os componentes desta categoria
não eram, anteriormente ao pleito, políticos-profissionais ou
profissionais-políticos de alto relevo nos respectivos Estados, ou no País
inteiro. Ainda é cedo para apurar com precisão de que
forma conseguiram aglutinar em torno dos respectivos nomes os contingentes
eleitorais que lhes proporcionaram a vitória. É certo, entretanto, que,
seguindo as pegadas dos políticos-profissionais, quer durante a campanha
eleitoral, quer durante o período da elaboração constitucional,
mantiveram e vêm mantendo uma clara atitude de retraimento ideológico.
De tal forma que os profissionais-políticos de grande destaque pessoal,
adquirido já anteriormente às eleições, são poucos, e exercem sobre
os debates da Constituinte uma influência consideravelmente menor do que
aquela a que fariam jus. 10. Campanha eleitoral – “show”:
caras e não idéias
Merece ser analisada, a tal propósito, a
propaganda eleitoral de 1986, espantosa pelo seu vazio, e ao longo da qual
uma verdadeira torrente de faixas e de cartazes inundava as paredes e
muros de todas as cidades, contendo tão-só o nome do candidato, sua
sigla partidária, e seu número de registro como candidato. Com
esclarecimento para o eleitor, apenas frases como esta: “Vote em Fulano
para deputado federal (ou estadual)”. Quando não, mais sucintamente
ainda: “Fulano é federal”. Ou: “Sicrano é estadual”. O grande, o
único argumento em favor do candidato, na grande maioria dos cartazes,
era a fotografia dele, impressa em cores, apresentando a expressão fisionômica
e a indumentária que o candidato julgasse mais própria a lhe atrair
votos. Face a esses “argumentos”, havia condições
para que os anelos do público se exprimissem de modo autenticamente
representativo? – Obviamente não. Diante dessa propaganda eleitoral que constituiu
um verdadeiro show gráfico, ao mesmo tempo caoticamente
diversificado e insuportavelmente monótono, não é de espantar que certa
parcela do eleitorado votasse em branco. E, de outra parte, também não
espanta que grande número de votos fosse emitido por eleitores tão
displicentes e desinformados sobre o modo de votar, que tiveram de ser
anulados. Ou simplesmente o anularam de propósito, talvez temerosos –
como de fato se propalou – de que as cédulas em branco fossem
fraudulentamente preenchidas durante a apuração. É reconhecido o feitio cordato do brasileiro. Em
povos com outro tipo de temperamento, uma campanha eleitoral tão vazia
daria normalmente em protestos, sarcasmos, manifestações de rua, quiçá
laceração de cartazes etc. A uma campanha eleitoral show – e que
magro show! – em que lhes eram apresentadas caras e não idéias,
grande número de brasileiros responderam pela displicência do voto nulo
ou pelo mutismo do voto em branco. Analisando o recente pleito, concluiu o Sr. Carlos
Estevam Martins, cientista político e professor da USP: “Terminada a
campanha, foi o que se viu: os eleitores simplesmente não sabiam em quem
votar. Uma grande parcela desperdiçou o voto, seja porque votou em branco
ou anulou o voto, seja porque o deu, de graça ou não, ao primeiro que
apareceu” (“Folha de S. Paulo”, 9-12-86). Analisar-se-ão adiante as causas da vitória do
Partido governamental (cfr. Parte II, Cap. III). Mas, desde já, cumpre
ponderar que vencer não importa necessariamente em estar revestido de autêntica
representatividade. Objetará alguém: e a vitória avassaladora do
PMDB, não exprime, porventura, uma profunda consonância da grande
maioria do público com as metas do partido? Pondere-se, antes de tudo, que este êxito da
legenda governamental tão brilhantemente majoritária, trouxe consigo
algo de contraditório. A vitória do PMDB foi indiscutível. Mas sem
entusiasmo. Se entusiasmo houvesse nas fileiras do Partido
governamental, o desfecho das eleições de novembro teria despertado um júbilo
generalizado, expresso por meio de comícios, de passeatas e de foguetório.
O que não se realizou. A eleição-sem-idéias desfechou em uma vitória-sem-idéias-vencedoras.
E portanto sem entusiasmo, sem calor, sem vida. Daí só podia resultar a Constituinte que
resultou. É muito de temer que, por sua vez, dela resulte uma Constituição
muito semelhante ao Projeto ora em debate, tão impugnável sob tantos
aspectos, como adiante se mostrará (cfr. Parte IV). |