Ao Leitor
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Ser calmo ainda é uma qualidade? Dir-se-ia que, para muitas pessoas, não o é mais. Elas julgam que a calma difunde um odor de monotonia onde se instala, e para fugir da sonolência é preciso fugir da calma. E assim a agitação, a confusão e mesmo o nervosismo são vistos como algo que deve ser procurado, ou pelo menos tolerado neste ocaso da civilização cristã. O curioso em muitos dos que assim pensam, é que frequentemente criticam a falta de calma... nos outros. Enquanto isso, os consultórios médicos e hospitais se enchem de pacientes queixando-se de nervosismo e enfermidades conexas. Mas a verdadeira calma não é monotonia. Muito pelo contrário, como diz Dr. Plinio Corrêa de Oliveira: Essa calma que estou descrevendo é cheia de frescor e de mobilidade, com disposição para aceitar a variedade das coisas e não ficar atarraxado viciosamente num determinado objeto, com exclusão de outros. É uma espécie de flexibilidade de toda a alma, própria das articulações e da vivacidade de um organismo vivo. Diante de tudo o que vai acontecendo, ela vai aceitando, modelando, recusando, na alegria e no bem-estar da vida.1 A problemática vem de longe. Nascido em 1908, Dr. Plinio descreve seu tempo de menino com tintas expressivas: Eu me sentia enormemente vivaz. Sentia que não havia em mim a vitalidade dos agitados, mas a vitalidade de jorro forte dos calmos. Eu não era um menino de estar sempre pulando, era muito calmo. Nossa Senhora me conservou assim ao longo da vida inteira. Dentro dessa calma eu sentia um jorro vital, uma possibilidade e uma vontade de viver, uma vontade de fazer, uma vontade de ser.2 * * * Calma não é monotonia. Pelo contrário, é movimentação acertada. A tal ponto que, no presente livro, é analisado artigo do General Weygand, que comparava o Quartel General do Marechal Foch – generalíssimo das forças aliadas, na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) – com nada menos que a calma de uma abadia beneditina. A calma em plena guerra! Calma é força, e quem não tem calma não tem verdadeira força. Mas voltemos ao menino Plinio e às suas lembranças de quando percebeu o início da problemática calma versus nervosismo: Meus 15 anos… Um homem com 74 anos3 parecia estabelecido, definido, com todos os problemas solucionados. Sentado num rochedo, não tem mais sustos nem surpresas, e toca a vida tranquila para frente. Está tudo resolvido. Naquela época de tranquilidade, era tudo tão estável e tão seguro, que se tinha a impressão de que um velho estabelecido na vida era mais firme que um arranha-céu desses de inúmeros andares. Eu os comparava com a vitalidade que havia em mim. Sentia-me enormemente vivaz, porém sem nenhuma agitação.4 * * * Qual o sentido mais profundo da palavra calma? É mais fácil definir o que ela não é: nervosismo, agitação, ruído, movimentação. Mas qual seu sentido positivo? Dr. Plinio afirma: Calma é o estado temperamental inerente à inocência. A calma produz a inocência, e a inocência produz a calma.5 Este livro se insere em um fluxo de interesse pela inocência. Mas quem é inocente? É ainda Dr. Plinio que o define: É o homem de todas as idades, que adere àquele espírito primevo de equilíbrio e de temperança com que o homem foi criado, e por isso conserva-se aberto a todas as formas de retidão, de maravilhoso. Inocente é quem não pecou contra aquele espírito primevo de equilíbrio e de harmonia, e por isso conserva-se aberto a todas as formas de maravilhoso, é apetente delas.6 Este é o autêntico homem calmo. É nessa demanda de inocência e de maravilhoso que a calma se insere no presente trabalho. * * * Como nos outros livros desta coleção, os pensamentos de Dr. Plinio foram recolhidos de inúmeras conferências pronunciadas ao longo de muitos anos. Assim, como sempre acontece em casos semelhantes, a linguagem tipicamente oral teve de ser ligeiramente adaptada para ser publicada. Os textos que transcrevemos não foram revistos pelo autor. Notas: 1. 25-9-83. 2. 3-4-83. 3. Dr. Plinio tinha 74 anos quando fez a presente conferência. 4. 3-4-83. 5. 12-12-83. 6. A inocência primeva e a contemplação sacral do universo, Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, São Paulo, 2008, pp. 35-36. |