Plinio Corrêa de Oliveira
EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA |
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O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibali, 404 - São Paulo - SP - Brasil |
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SEGUNDA PARTEA A.C. e a vida interior CAPÍTULO I
Graça,
Livre Arbítrio e Liturgia
Se bem que sejam numerosos e complexos os
problemas suscitados, a respeito da A. C. e suas relações com a
Hierarquia, é bem certo que não são menores as questões relacionadas com a
A. C e a vida interior.
Liturgia e vida interior
Se alguns desvarios doutrinários referentes à
questão do mandato se poderiam explicar pela exegese forçada e até
forçadíssima de certas declarações pontifícias, pela leitura e
interpretação por vezes audaciosas de certos autores europeus, não sabemos
de que forma explicar a origem de certas doutrinas que sobre Liturgia, de
boca em boca, circulam infelizmente em alguns meios da A. C.. O certo é
que os apóstolos destas doutrinas alegam como base exclusiva de sua
posição um só texto pontifício, isto é, uma declaração meramente verbal
que o Santo Padre Pio X teria feito à interlocutores aliás dignos de todo
o respeito. Essa declaração não constitui fundamento lógico para erro
algum. Aliás, é sumamente incorreto fazer uso dela.
Com efeito, o próprio Pio X estigmatizou este
processo de argumentação. Disse ele: – “Em todo tempo, nas discussões
sobre A. C., deve-se evitar de firmar o triunfo de opinião pessoal,
citando palavras do Soberano Pontífice, que se pretende hajam sido ditas
ou ouvidas em audiências privadas. Deve-se, “a fortiori”, evitar de o
fazer em congressos públicos, pois que, além do pouco respeito que assim
se demonstra ao Soberano Pontífice, corre-se com isto um sério perigo de
mal-entendidos, segundo as opiniões pessoais de cada um. O caminho certo
para saber o que quer o Papa consiste em cingir-se aos atos e documentos
emanados da autoridade competente”. (Pio X, Carta aos Bispos da Itália, de
28 de Julho de 1904).
Seja como for, afirma-se, sustenta-se,
propaga-se a boca pequena que a prática da vida litúrgica, uma certa graça
de estado própria à A. C., bem como a ação empolgante da grandeza dos
ideais da A. C. fazem calar, no íntimo dos membros desta, a sedução
natural para o mal e as tentações diabólicas.
Isto implica em uma ascese inteiramente nova.
Sem negar que o fervor pela Liturgia da Igreja
constitua uma das mais belas manifestações de uma piedade verdadeiramente
esclarecida, e precisamente porque consideramos a Sagrada Liturgia, como a
própria Igreja, da qual ela é a voz, “uma dama sem mácula nem ruga”, não
podemos admitir que, de um espírito litúrgico bem formado, possam decorrer
as conseqüências desastrosas que abaixo mencionaremos.
Pretende-se, em última análise, que a
participação nas funções da Sagrada Liturgia proporciona ao fiel a infusão
de uma graça tão especial que, desde que ele se porte de modo meramente
passivo, santificar-se-á, porque calarão no seu interior os efeitos do
pecado original e as tentações diabólicas.
Assim, a Sagrada Liturgia exerceria sobre os
fiéis uma ação mecânica ou mágica, de uma fecundidade toda automática, que
tornaria supérfluo todo o esforço de colaboração do homem com a graça de
Deus.
O “mandato” e a vida interior
Da A. C., talvez como corolário do mandato,
que lhe é atribuído, se supõe que confere graça de estado idêntica. –
Finalmente, sustenta-se que a simples fascinação dos ideais de conquista
da A. C. é suficiente para vacinar contra a sedução do mundo, da carne e
do demônio, a todos os fiéis.
Estas idéias penetraram muito largamente em
certos círculos da A. C., e constituem a teologia errada de que os
princípios dos mesmos círculos em matéria de estratégia apostólica não são
mais do que a aplicação ao domínio próprio da Ciência Pastoral.
A ascese tradicional
Admitida esta intrincada ordem de idéias, toda
a concepção da vida interior se altera. Precisamente por isto milita-se
nos círculos dominados por tal doutrina, assídua e efetivamente, contra
todos os meios tradicionais de ascese que procedem do reconhecimento dos
efeitos, que a Igreja aponta no pecado original, e implicitamente ensinam
o homem a se premunir contra os extravios de sua vontade e de sua
sensibilidade, adquirindo pela correspondência generosa à graça um domínio
real sobre uma e outra.
Nesse sentido, não foram poupadas censuras e
ásperas críticas aos retiros espirituais, pregados segundo o método de
Sto. Inácio, que foram apontados como odiosos e retrógrados. Os retiros
deveriam pois ser substituídos por dias ou semanas de estudos, o que
facilmente se explica, já que o retiro se destina sobretudo ao
adestramento da vontade no domínio das paixões, e, tornado tudo isto
necessário, a simples iluminação das inteligências nos “dias de estudos” e
nas “casas de estudos” é perfeitamente suficiente.
Também a meditação individual é concebida como
mera iluminação. Estes erros repudiam o exame de consciência, o exercício
da vontade, a aplicação da sensibilidade, os chamados tesouros
espirituais, a que, tudo, apontam como métodos decrépitos, torturas
espirituais, etc..
A obra da Contra-Reforma
É óbvio que grande número desses desvios
doutrinários já tentaram, em séculos passados e especialmente na
Pseudo-Reforma, infiltrar-se na Igreja.
O esmagamento dessas tentativas foi, por
excelência, obra do Sagrado Concilio Tridentino, das belíssimas correntes
de espiritualidade nascidas na Contra Reforma, e dos grandes Santos que
elas produziram.
E, precisamente porque tanto naquele Concilio,
como na vida daqueles Santos e no esplendor daquelas escolas espirituais,
brilha particularmente nítida a doutrina da Santa Igreja sobre estes
erros, alguns membros da A. C., repudiam tudo quanto daquela gloriosa
época nos vem, sob pretexto de que as escolas espirituais daquele tempo
ficaram imbuídas do individualismo protestante a cujo contágio não se
souberam furtar inteiramente.
Desagradam-se também das Missões
Redentoristas, pregadas segundo o método de Santo Afonso, bem como de
muitas obras desse autor, particularmente quanto a certos capítulos de
Moral e Mariologia.
Ridicularizam as Ordens contemplativas, por
viverem, dizem eles, uma vida contemplativa mal orientada.
Levam a ridículo as obras místicas de S. João
da Cruz, que chamam de “truque”.
Seu grande pretexto é que essas
espiritualidades são eivadas não só de individualismos mas ainda de
“antropocentrismo”, já que desviam de Deus os olhos, para os fitar sobre
as misérias humanas, e os combates da vida interior. É o que, em outros
termos, chamam também “virtutocentrismo”.
Afirmam, como dissemos, que isto tudo
constitui uma infiltração do individualismo protestante e do humanismo
renascentista na Igreja.
A autoridade da Santa Sé
Em sua carta “Com particular complacência”, o
Santo Padre Pio XII desmentiu essa opinião, louvando dois frutos típicos
do espírito inaciano, as Congregações Marianas e os Exercícios.
Quanto a estes últimos, disse ele: – “Com
singular agrado vemos que os membros deste pacífico exército mariano...
temperam, constantemente, suas armas em freqüentes retiros espirituais, e
na frágua dos Exercícios que cada ano praticam”.
A distinção é clara: não são só os retiros em
geral, mas os Exercícios em particular, que o Santo Padre Pio XII, como
todos os seus antecessores, louva, abençoa, recomenda e inculca.
Voltaremos ainda a este assunto.
Ainda nesta ordem de idéias, combatem os
inovadores da A. C. ativamente o Rosário e a Via Sacra, devoções que,
exigindo o esforço da vontade, são por isso mesmo consideradas antiquadas.
Origem destes erros
Não é difícil ver que todo este encadeamento
de erros provém, em última análise, do espírito de independência e prazer,
que procura libertar o homem do peso e das lutas que o trabalho de
santificação impõe.
Eliminada a luta espiritual, a vida do cristão
lhes aparece como uma série ininterrupta de prazeres espirituais e de
consolações.
Por isto, os que assim pensam evitam, e chegam
a desaconselhar, a meditação dos episódios dolorosos da vida do Redentor,
preferindo vê-lo sempre como vencedor cheio de glória.
Como já dissemos, recomendam expressamente
ambientes impregnados de uma alegria que, tendo pretextos espirituais,
entretanto se mostra sôfrega de satisfações naturais.
Ensina-se aos membros da A. C., em certos
círculos, que trajem exclusivamente roupas de cores claras e alegres,
vestidos de feitio de adolescente, mantenham uma atitude sempre risonha, e
evitem os assuntos sérios ou tristes.
Como adiante diremos, as antigas fórmulas de
cortesia são severamente condenadas.
As regras de modéstia cristã
Uma camaradagem completa nivela sexos, idades,
condições sociais, em uma igualdade apresentada como a realização da
fraternidade cristã. Não espanta que, considerando supressos os efeitos do
pecado original – “.... os sentidos e os pensamentos do coração do homem
são inclinados para o mal desde a sua mocidade” (Gen., VIII, 21), adverte
entretanto a Escritura – , e das tentações diabólicas, desprezem e se riam
de muitas das barreiras, que uma tradição cristã introduziu entre os
sexos, na sociedade.
Dessas barreiras, algumas não se destinam
tanto a proteger a inocência, quanto a reputação da jovem. Muito vivazes
no Brasil, constituem preciosa proteção de integridade da vida doméstica.
Ademais, são expressamente conformes ao que nos diz S. Paulo, quando nos
preceitua que evitemos o mal e até “nos guardemos de qualquer aparência de
mal” (1 Tes. 5, 21-22).
Esses elementos, sob o especioso pretexto de
que a infração desses costumes não é intrinsecamente imoral, não só
toleram mas aconselham que os membros da A. C. os ponham de lado.
Exemplifiquemos: ninguém ignora que, em tese é
possível que uma moça saia à noite inteiramente só, com um grupo de
rapazes estranhos à sua família, sem com isto cair em pecado.
Mas em um país como o nosso, em que esse
perigoso hábito não se introduziu, todo o mundo sabe quanto tem que lucrar
a sociedade com o repúdio de uma prática tão imprudente.
No entanto, estes elementos não só permitem
como aconselham a assim se proceder na A. C..
Ninguém ignora os múltiplos perigos, que os
bailes trazem consigo. Tais bailes, entretanto, não são tolerados mas
recomendados, não são recomendados, mas até impostos: os retiros
espirituais durante o carnaval, são considerados uma deserção, pois que o
membro da A. C. deve fazer apostolado nas festas pagãs do carnaval.
Houve quem pretendesse que, indo a lugares
suspeitos e escandalosos, faria apostolado, levando ali “o Cristo”.
Vacinados contra o pecado, pelos efeitos
maravilhosos da Liturgia e do mandato da A. C., pretenderiam, certos
membros desta, como salamandras, instalar-se em pleno fogo, sem se
queimar.
Agasta-os tudo que, lembrando a delicadeza
feminina, acentua a diversidade dos sexos.
Combatem, por exemplo, o uso de véus nas
Igrejas. Não censuram o uso de calças masculinas para as mulheres, nem o
do cigarro.
Tendo embora a Santa Igreja estabelecido uma
distinção prudente entre os ramos masculino e feminino da A.C., há
espíritos em cujas concepções esta distinção é quase negada na prática,
pela interpenetração a bem dizer completa, que desejam para as respectivas
atividades, horas de lazer, etc.. Tudo quanto signifique combate direto e
de viseira erguida contra as modas indecentes, as más leituras, más
companhias, maus espetáculos, passa, muitas vezes, sob o mais profundo
silêncio.
Não espanta, pois, que a educação da pureza
seja feita freqüentemente, de modo temerário, impregnada de um
sentimentalismo mórbido e de idéias paganizantes, cheias de perigosas
concessões aos costumes modernos.
Ao que parece, tantas e tão lamentáveis
liberdades seriam “privilégios” inerentes à A. C.. Os antigos métodos de
mortificação e fuga das ocasiões eram certamente muito aptos para as
antigas associações onde realmente se pode ser severo e exigente. A A. C.,
porém, representaria a libertação de tudo isso.
Estas precauções eram muletas sobre as quais se apoiava a insuficiência
estrutural, jurídica, orgânica e vital das antigas associações. De tudo
isto, poderia e deveria prescindir a A. C.
[1] A despeito de tudo, entretanto, cumpre acentuar que os fautores de tais erros são muito freqüentemente pessoas de um procedimento pessoal e de uma modéstia de trajes modelar, com o que, longe de servirem a causa dos bons princípios, pelo contrário, ainda facilitam a propagação do mal, dando a tais doutrinas um caráter desinteressado e puramente especulativo. NOTAS [1] “O insensato brincará com o pecado”, diz a Escritura (Prov. XIV, 9). Pelo contrário, o “sábio teme e desvia-se do mal” (Prov. XIV, 16). “O homem hábil viu o mal e furtou-se a ele; o imprudente passou adiante e recebeu o dano” (Prov. XXII, 3). Que dano? - “Não olhes para o vinho que começa a parecer louro... mas no fim morde como uma serpente” (Prov. XXIII, 31) e “os teus olhos olharão para as mulheres alheias, e o teu coração dirá palavras desregradas. E tu serás como um homem adormecido no meio do mar e como um piloto sonolento que perdeu o leme” (Prov. XXIII, 33, 34) Que melhor imagem do endurecimento da consciência? E continua a Escritura: “Dirás: “espancaram-me e não doeu, arrastaram-me e não senti” (Prov. XXIII, 35). É a surdez obstinada à voz da consciência, que decorre do fato de não se fugir às ocasiões de pecado e de não se seguir o conselho: “Retira-te do iníquo, e os males se retirarão de ti” (Eclesiástico, VII, 1). A luta interior ativa e diligente contra as paixões é sempre a condição da santificação e até da salvação. Dí-lo o Espírito Santo: “Não te deixes ir atrás das tuas paixões, e refreies os teus apetites. Se condescenderes com tua alma no que ela deseja, ela fará de ti a alegria de teus inimigos” (Eclesiástico, XVIII, 30-31)
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