Plinio Corrêa de Oliveira
EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA |
||
O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibali, 404 - São Paulo - SP - Brasil |
||
CAPÍTULO IISemelhança
com o “modernismo”
Sistema
doutrinário completo
Era
preciso que fizéssemos uma exposição conjunta de todos estes princípios
errados, para que se percebesse claramente estarmos em presença, não
de erros esparsos, mas de todo um sistema doutrinário baseado em
erros fundamentais, e muito lógico em professar todas as conseqüências
daí decorrentes. Difícil
de ser percebido pelos observadores
À vista do capítulo anterior, a atitude de
nossos leitores variará conforme as experiências que tiverem tido
diante dos olhos, e sobretudo conforme a perspicácia com que tiverem
sabido analisar os fatos. Alguns, sem dúvida, rejeitarão, por
inverossímil, o quadro de uma situação dolorosa da qual foram
bastante felizes para não ver sequer os prenúncios. Outros, pelo
contrário, sentirão verdadeiro alívio ao notar que já se ergue
bastante alto o clamor das consciências vigilantes, contra uma ordem
de coisas que ameaça tornar-se cada vez mais grave. A uns e outros,
damos o conselho de analisar atentamente o alcance mais profundo de
todos os gestos, atitudes e inovações, que em certos ambientes
notarem. Se assim procederem, verão sempre que tais singularidades se
explicam por algum substrato doutrinário mais ou menos obscuro, que
se liga perfeitamente a um conjunto de princípios básicos e
fundamentais que são os móveis mais profundos de toda esta atividade. Por
motivo dos métodos de difusão que adota
Dolorosa, esta situação, entretanto, não é
nova. O modernismo, condenado por Pio X na Encíclica “Pascendi
Dominici Gregis” de 8 de setembro de 1907, contém doutrinas e métodos
quase idênticos aos que agora descrevemos, e a bem dizer podíamos
fazer com a Encíclica em punho, toda a descrição do presente
movimento. Assim, diz o Santo Padre, a tática dos modernistas, tática
aliás muito habilidosa, “consiste em jamais expor suas doutrinas
metodicamente e em seu conjunto, mas em as fragmentar de certo modo e
as disseminar aqui e lá, o que dá a impressão de que elas são variáveis
e indecisas quando suas ideias, pelo contrário, são perfeitamente nítidas
e consistentes; importa pois, e antes de tudo, apresentar estas mesmas
doutrinas sob seu aspecto unitário e mostrar o nexo lógico que
prende umas às outras”. É esta, a tarefa que nos propusemos
realizar com o neo-modernismo, consagrando-lhe toda a segunda parte
deste trabalho. Deve-se
procurar libertar o homem da agrura da luta interior
Esta disposição gera necessariamente a
revolta, e daí a inconsiderada temeridade com que se atiram contra
tudo quanto o magistério da Igreja consagra como santo e venerável.
Fruto típico de nossa época, este erro ressuscita de certo modo a
doutrina de Miguel de Molinos pondo a seu serviço os métodos de
combate e propaganda do modernismo. Tal defeito do homem contemporâneo, notava-o
claramente Pio XI quando do espirito de nossa época disse: “O
desejo desenfreado dos prazeres, enervando as forças da alma e
corrompendo os bons costumes, destrói pouco a pouco a consciência do
dever. De fato, não são senão por demais numerosos, hoje em dia,
aqueles que, atraídos pelos prazeres do mundo, nada abominam mais
vivamente, nada evitam com maior cuidado do que os sofrimentos que se
apresentam, ou as aflições voluntárias da alma ou do corpo, e se
conduzem habitualmente, segundo a palavra do Apóstolo, como os inimigos
da Cruz de Cristo. Ora, ninguém pode obter a beatitude eterna se
não renuncia a si mesmo, se não carrega a sua cruz e não segue a
Jesus Cristo”. (Pio XI – Carta “Magna Equidem” de 2 de Agosto
de 1924). Dando
uma formação litúrgica errônea
É vão, e destoa dos ensinamentos da Igreja,
o propósito de ver na Sagrada Liturgia uma fonte de santificação
automática, que dispensa o homem de qualquer mortificação, do esforço
da vida interior, da luta contra o demônio e as paixões. Com efeito,
por mais eficaz que seja a oração oficial da Santa Igreja e por mais
superabundantes que sejam os méritos infinitos da Santa Missa, “é
necessário que os homens completem, cada qual em sua própria carne,
a Paixão de Jesus Cristo, já que, tendo embora o Senhor Jesus
sofrido por nós, nem por isto estamos isentos de chorar e expiar
nossas faltas, nem autorizados a expiá-las com negligência” (Pio
XI, Enc. citada). Seria interessante ler ainda, a este respeito a citação
da obra do Padre [Maurice] De La Taille, que fazemos na pag. 185. É óbvio que, pondo em circulação
semelhantes ideias, com que ousam “reformar”, servidos por seus métodos
de propaganda eficacíssimos, o conceito da piedade cristã e uma de
suas mais salientes caraterísticas, que é o amor ao sofrimento, tais
elementos da A. C. causam, ainda que sem o saber, um mal muito maior
à Igreja do que inimigos declarados; e precisamente por isto, a eles
se aplica o que dos modernistas disse Pio X: “Falamos, veneráveis
irmãos, de um grande número de católicos leigos... que, sob
pretexto de amor à Igreja, absolutamente faltos de filosofia e
teologia sérias, impregnados, pelo contrário, até à medula dos
ossos, de erro... se colocam, violando, assim, toda a modéstia, como
renovadores da Igreja” (Pio X, Enc. citada). Com efeito, que haverá mais típico de um
reformador do que, pela pretensão de escoimar da Igreja germes de
liberalismo que nela se teriam esgueirado, destruir métodos
consagrados, instituições cumuladas de bênçãos da Igreja, práticas
de piedade aprovadas pelos mais augustos atos da Autoridade, e sobre
tantas ruínas assentar as bases de nova vida espiritual fundada em
uma concepção inteiramente diversa e “reformada” das relações
entre a graça e o livre arbítrio humano? No fundo, como dissemos,
todo o objetivo destes esforços consiste em um afrouxamento da vida
interior. Ora, Leão XIII disse que “o cristão deve
adaptar-se a uma grande paciência, não só de vontade, mas ainda de
espírito. Quereríamos que disto se lembrassem as pessoas que
imaginam e abertamente preferem, na profissão do oristianismo, uma
regra de pensamento e de ação cujas leis fossem muito mais dóceis,
muito mais indulgentes para a natureza humana, impondo-lhe pouco ou
nenhum sofrimento. Eles não compreendem suficientemente o espirito da
Fé e das instituições cristãs; eles não vêem que de todos os
lados, se nos apresenta a cruz, como modelo de vida e estandarte dos
que quiserem seguir Jesus Cristo, não apenas de nome, mas ainda por
meio de atos reais” (Leão XIII, Encl. “Tametsi Futura
Prospiscientibus”, de 1 de Novembro de 1900). Completando este
pensamento, disse ainda o mesmo Pontífice: “A perfeição da
virtude cristã é a generosa disposição da alma que procura as
coisas árduas e difíceis”. (Leão XIII, Encl. “Auspicato
Concessum”, de 17 de Setembro de 1882). E Pio XI escreveu: – “A este respeito não
ignoramos que certos educadores da juventude, assustados com a depravação
atual dos costumes, pensaram que seria indispensável inventar novos
sistemas de instrução e de educação. Mas a estes homens quereríamos
fazer compreender que não seria possível obter com isto vantagem
para a sociedade se deixassem de lado os métodos e a disciplina
hauridos nas fontes da sabedoria cristã, consagrados pela longa
experiência dos séculos e de que Luiz
Gonzaga experimentou sobre si mesmo a perfeita eficácia, isto é,
a Fé viva, a fuga das seduções,
a moderação e a luta contra os apetites, uma piedade ativa para
com Deus e a Santa Virgem, uma vida enfim freqüentemente entretida e
fortificada pelo alimento celeste” (Pio XI, Carta Apostólica
“Singulare Illud”, de 13 de Junho de 1926. – Os grifos são
nossos). A luta interior ativa e diligente, contra as
paixões, é sempre “condição de santificação e até da salvação”.
Di-lo o Espírito Santo: – “Não te deixes ir atrás das tuas paixões,
e refreia os teus apetites. Se condescenderes com tua alma no que ela
deseja, ela fará de ti a alegria de teus inimigos”. – (Eclesiástico,
XVIII, 30-31). Não podemos, pois, consentir que essa
condescendência se apodere da A. C.. Bem sabemos que nossas afirmações
espantarão. Com efeito, muitos destes elementos, como os modernistas,
causam impressão por um teor de vida em que até suas virtudes
privadas servem à difusão de seus erros. “Levam uma vida toda de
atividade, e um ardor singular em toda a espécie de estudos, costumes
recomendáveis ordinariamente por sua severidade.” (Pio X, Enc.
citada). Entretanto, as ideias que propagam, os conselhos que dão, não
são bons. Não quereríamos terminar este capítulo sem
uma observação que nos parece importante. Uma outra manifestação
curiosa do espírito frívolo e sensual de nossa época, e do modo por
que ele se amalgama, em muitas mentalidades, com os princípios e
convicções religiosas, tendendo a produzir uma piedade toda eivada
de laxismo e comodismo, está na preocupação de suscitar, a toda
hora, devoções novas ou antigas, a este ou aquele santo, a esta ou
aquela perfeição de Deus, a este ou aquele episódio da vida do
Redentor, atribuindo sempre a esta devoção o efeito mágico, e por
assim dizer mecânico de resolver todos os problemas religiosos
contemporâneos. No século passado, Monsenhor Isoard, Prelado francês,
publicou sobre este assunto palavras de ardente e profunda análise,
em que mostrava que a Deus agrada sobretudo “um coração contrito e
humilhado”, e que a penitência do pecador é indispensável para
conciliar as graças de Deus. Também Pio XI, em forte alocução, se
queixou das imposições tirânicas de muitas pessoas, que escreviam
ao Papa sugerindo-lhe, pedindo-lhe e quase ameaçando-o que acedesse
em salvar a Igreja por esta ou aquela devoção nova. Foi este
sentimento profundo de horror à mortificação que acabou por gerar a
doutrina da ação mecânica e mágica da Liturgia.
|