Plinio Corrêa de Oliveira

 

EM DEFESA DA

AÇÃO CATÓLICA

O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela  Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibali, 404 - São Paulo - SP - Brasil

CAPÍTULO VI

O Clero na Ação Católica

 

Pretendemos encerrar todas as considerações, que o problema do mandato ou participação nos sugere, com uma reflexão especial sobre a posição dos clérigos dentro da Igreja.

Complexidade do governo da Igreja

Clero é um termo que, etimologicamente, indica os eleitos, os escolhidos. O corpo clerical se constitui das pessoas que, dotadas de vocação, se consagram inteiramente ao ministério divino. Por pouco que se reflita, ver-se-á que, de todas as funções de mando, nenhuma é por sua natureza, pelo peso das responsabilidades que impõe, pela terrível complexidade dos assuntos de que trata, mais onerosa e absorvente do que o governo da Igreja. Precisamente por isso, quis o Divino Redentor que, dentro da Santa Igreja, houvesse uma categoria de homens especialmente incumbida da distribuição dos Sacramentos e direção dos assuntos eclesiásticos.

Quer as funções da Hierarquia de Ordem, quer as da Hierarquia de Jurisdição requerem um tal conhecimento da Doutrina, uma tão grande integridade moral, uma tão perfeita renúncia a todas as preocupações terrenas, que, no decurso dos vinte séculos de sua existência, a legislação da Igreja vem acumulando, lenta mas seguramente, as precauções necessárias para a perfeita determinação das condições de formação e de atividade dos clérigos.

Formação especial do Clero

Paulatinamente, como conquistas sucessivas da experiência, posta ao serviço de uma alta sabedoria, foram sendo determinadas as condições da formação dos futuros clérigos: os seminários maiores, os seminários menores, o teor de vida, o programa de estudos, os problemas de formação espiritual dos seminaristas, têm sido objeto de desvelos incessantes da Igreja, que não tem poupado os maiores esforços nesse sentido. Nesta legislação se nota a preocupação uniforme de cercar, com garantias, cada vez mais completas, a formação dos futuros Sacerdotes e Bispos.

Para coroar todos estes esforços, a Santa Sé constituiu, não há muito tempo, uma Congregação especialmente incumbida deste assunto.

Inapreciáveis garantias de que com isso se mune a Igreja

Também a legislação referente ao teor de vida e obrigações morais do sacerdote se vem enriquecendo cada vez mais.

Duas disposições conexas, a proibição para o sacerdote de se dedicar a assuntos alheios ao seu ministério, bem como a proibição que o Direito Canônico estabelece, de serem confiados os cargos hierárquicos a outros que não clérigos, canalizam para o serviço de Deus todos os recursos desta elite, e a ela confiam potencialmente ou virtualmente todo o governo da Igreja.

Foi a esta sublime elevação, que, lenta, mas seguramente, a legislação eclesiástica conduziu a situação do Clero, tecendo uma admirável obra em torno dos elementos de instituição divina, que no assunto se encontram.

Por isto mesmo, o zelo dos fiéis não tem deixado, por um só momento, de acompanhar com suas preces, com seus sacrifícios e com seus recursos, a obra da santificação, do recrutamento e da formação dos Sacerdotes, e as grandes almas contemplativas têm destinado o melhor de suas expiações a esta capital necessidade da Igreja.

Riscos gravíssimos a que os erros sobre a essência da A. C. expõem estas garantias

Não será difícil compreender, depois de tudo isto, o absurdo que há em se pretender que uma elite, assim formada, fique, na ordem de direção, apenas com um veto irrisório, enquanto leigos, piedosos quiçá e instruídos, mas que não oferecem à Igreja a insubstituível garantia de todo um curso de preparação ao Sacerdócio, venham a ter em mãos funções que, praticamente, lhes dão, em muitas emergências, autoridade maior que a dos Sacerdotes.

É temerário, neste assunto, argumentar com exceções. É certo, por exemplo, e disto está cheia a história militar, que determinados cabos de guerra nascem com tal talento que, sem estudos, podem superar em eficácia os generais de mais apurada formação acadêmica. Isto não obstante, também é certo que nenhum exército moderno permite que as funções do oficialato sejam entregues a pessoas sem curso regular, pois que o exército tem uma necessidade vital de se proteger contra os mil e um aventureiros que, em caso contrário, lhe tomariam de assalto as funções de mando. Ponha-se esta reflexão na ordem de ideias que vimos expondo e o resto se tornará claro.

Ressalvas importantes:

a) - quanto às intenções com que muitas pessoas defendem estes erros

Desobrigamo-nos de um grave dever de justiça ao afirmar que, se muitas vezes é o velho espírito de revolta que desponta através das afirmações imprudentes sobre a A. C., não é raro notar-se que, em certos espíritos, é um generoso desejo de santificação e de conquista, que as dita. Por muito tempo, a infiltração dos princípios liberais, em certos círculos do laicato católico, produziu devastações tão profundas, que todas as almas zelosas conservaram um explicável horror a essa época. A defesa e expansão dos princípios católicos era tida como tarefa exclusiva do Clero, julgando muitos leigos que agiam de modo admiravelmente correto limitando-se a dar um cumprimento estritamente literal às obrigações mais essenciais impostas pelas Leis de Deus e da Igreja. Daí, o se ressentirem, muitas vezes, as associações religiosas de uma atonia crônica, que as imergia na mais lamentável rotina; e todo este quadro oferecia um desconcertante contraste com a audácia conquistadora dos filhos das trevas, sob cujos esforços empreendedores cada vez mais vergavam, se diluíam, se amalgamavam com mil erros as tradições cristãs, cedendo o passo a uma ordem de coisas inteiramente pagã.

Foi, pois, muito explicável a total desprevenção de espírito, com que certas almas, zelosas da glória de Deus, acolheram a perspectiva de uma participação dos leigos nos cargos ou funções hierárquicas, reforma estrutural que parecia destinada a fazer ruir por terra toda a herança do laxismo religioso, interessando diretamente os leigos na obra da Hierarquia, e comunicando, com isto, louvável incremento ao apostolado leigo.

O grande erro de nossa época consistiu precisamente em atribuir demais eficácia às reformas estruturais e jurídicas, supondo que elas poderiam operar, por si sós, o reerguimento de uma civilização que desaba. Na esfera política, pretendeu-se corrigir o liberalismo por meio da ditadura. Na esfera econômica, pretendeu-se corrigi-lo pelo corporativismo de Estado. Na esfera social, pretendeu-se coibi-lo com regulamentos policiais. E a despeito disto, ninguém ousará pretender que as condições contemporâneas sejam mais prósperas, mais tranqüilas e mais felizes, do que as da era vitoriana, em que o liberalismo atingiu seu apogeu.

Pretendendo corrigir o mal, a ineficácia radical dos remédios conduziu-nos a males ainda maiores. Precisava-se de uma reforma de mentalidades; e a reforma das leis, mostrando-se vã, tornou ainda mais patente a ação perigosíssima dos remédios errados, sobre doentes ameaçados de morte. O liberalismo era um mal: o totalitarismo é uma catástrofe.

O remédio dos males que, com mais generosidade do que clarividência, muitos elementos procuram combater por meio da doutrina do mandato, é muito mais fácil de se encontrar em uma instrução religiosa metódica e segura, uma formação espiritual generosa e sedenta de sacrifício. Para dizer tudo em uma palavra, não é em reformas estruturais que devemos depositar nossas mais ardentes esperanças de santificação e de conquista. Se em cada diocese ou em cada paróquia houvesse um grupo, pequeno embora, de leigos capazes de compreender e de viver o livro de D. Chautard, “A alma de todo apostolado”, seria outra a face da terra.

b) - Quanto à vantagem do espírito de iniciativa e cooperação franca, nos leigos

Queremos agora tratar de um assunto que, embora sem grande nexo lógico com a argumentação anterior, é indispensável para que se compreenda o espírito que nos anima ao escrever este livro. – A A. C. jamais será a realização do grandioso desígnio de Pio XI, se seus membros forem pessoas falhas de espírito de iniciativa e conquista.

Sustentando que na A. C. cabe ao Assistente Eclesiástico a plenitude de todos os poderes, devendo os diretores leigos ser tão somente os executores de seus desígnios, estamos longe de entender que constitua um modelo ideal de A. C. aquela em que o Sacerdote seja obrigado a intervir a todo momento, executar tudo por si e multiplicar seus próprios esforços, em lugar de confiar larga autonomia a leigos competentes, que, perfeitamente enfronhados dos verdadeiros intuitos do Assistente, saibam e possam dar-lhe plena realização, poupando a atividade do Sacerdote, em lugar de a multiplicar. É para este último tipo que deve tender a formação na A. C., e, só quando tiver um grande número de leigos nestas condições, poderá a A. C. triunfar. Jamais se acentuará suficientemente que a Igreja em geral, e a Hierarquia em particular, nada têm a temer da colaboração de leigos deste quilate, e que, confiando generosamente neles, Pio XI não se mostrou imprudente mas sábio.

O que não queremos, entretanto, é que se suponha que a atividade do leigo possa implicar na limitação dos poderes do Sacerdote, que ficaria, assim, impedido de exercer sua autoridade como, quando e onde lhe aprouvesse, sem dever satisfações a quem quer que fosse, que não a seu Ordinário. Em última análise, queremos que não se esbanje imprudentemente o tesouro inapreciável que D. Vital e D. Antonio Macedo Costa reivindicaram e salvaram com tão heróica luta, há mais de meio século.

c) - Quanto à preeminência das organizações fundamentais da A. C. sobre as auxiliares

Costuma ser ligada à questão do mandato, outra questão que, com ela, não tem senão um nexo relativo: é o problema das relações entre a A. C. e as associações auxiliares. Pergunta-se se a A. C. tem primazia sobre as associações auxiliares. É certo que, se a A. C. participasse da Hierarquia, teria primado sobre as outras organizações, que são meras colaboradoras da Hierarquia. Contestando, entretanto, o tão controvertido mandato, pode-se ainda afirmar que a A. C., além de ser a milícia máxima – a organização princeps, como disse S. S. Pio XII – do apostolado leigo, exerce uma função “rectrix” de toda a atividade apostólica do laicato, cabendo-lhe dirigir as atividades gerais, coordená-las e servir-se das associações auxiliares para a realização das finalidades gerais da A. C.. Neste sentido, há apenas uma questão de legislação positiva da Igreja, e o assunto escapa portanto ao terreno das controvérsias doutrinárias.

Entre nós, a questão está regulamentada pelos Estatutos da A. C. Brasileira, que possuem pleno vigor de lei, e aos quais só nos cumpre solícita e amorosamente obedecer. 


 

Atrás   Índice   Avante

 

Home