Plinio Corrêa de Oliveira
EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA |
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O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibali, 404 - São Paulo - SP - Brasil |
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CAPÍTULO V
Erros
fundamentais
Jamais será suficiente acentuar estas noções,
evitando as generalizações perigosas, as expressões ambíguas, os ilogismos
de toda espécie que tem prejudicado tão profundamente a elucidação deste
assunto. Com efeito, de tantos fatores de confusão, só podem sair
desinteligências, atritos, incompatibilidades que dividem os ânimos e
tornam quase estéril qualquer esforço no sentido da instauração do Reinado
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Note-se bem, entretanto, que a paz é, segundo
Santo Agostinho, a “tranqüilidade da ordem”. Se queremos paz, restauremos
a ordem, e se queremos a ordem, instauremos todas as coisas na Verdade.
Não é calando, velando ou diluindo a verdade, que chegaremos à paz.
Proclamêmo-la inteira. Outro caminho não há para que cheguemos à tão
desejada e decorosa concórdia de todos os ânimos.
Se insistimos tão longamente sobre nossa tese,
de que o mandato da A. C. e a participação que ele traz para os leigos no
apostolado hierárquico da Igreja implicam única e exclusivamente em uma
colaboração com a Hierarquia, colaboração dócil, filial, submissa,
praticada sem qualquer espécie de pesar ou desagrado, tínhamos para tanto
motivos de uma importância capital. Com efeito, não nos alarmam somente os
erros doutrinários contidos nas teses que refutamos, mas ainda as
deplorabilíssimas ocorrências de ordem prática a que elas têm dado motivo
ou pretexto.
Conseqüência dos erros que refutamos
Pretendeu-se que a A. C., conferindo a, seus
membros uma dignidade nova, os colocava em situação canônica radical e
essencialmente diversa da que têm os leigos nas associações anteriores à
A. C. ou estranhas ao quadro das associações fundamentais desta.
Situação do Clero até aqui
Como ninguém ignora, nas associações de
apostolado o Sacerdote ocupa sempre o lugar de maior relevo, não apenas do
ponto de vista meramente protocolar, mas ainda por sua autoridade da qual
dependem, e sob a qual funcionam, em última análise, todos os organismos
ou departamentos das entidades religiosas. Em outros termos, o Sacerdote,
na associação, representa a Santa Igreja, e os dirigentes leigos são seus
instrumentos, tanto mais meritórios quanto mais dóceis, na consecução das
finalidades sociais. É o que acontece, por exemplo, nas Congregações
Marianas e Pias Uniões de Filhas de Maria. O alto respeito devido à
dignidade sacerdotal, a evidente vantagem que tem a Igreja em que o
Sacerdote exerça um domínio eminente sobre todas as atividades sociais,
tudo concorre para que, em nosso ambiente católico, o leigo militante se
repute tanto mais correto quanto mais solicito em obedecer às normas do
Padre Diretor.
Em muitos sodalícios, como nas associações
funcionando em colégios, o Religioso ou Religiosa tem uma situação
análoga, se bem que inferior à do Diretor. O motivo disto é óbvio.
Como se pretende amesquinhar e por fim
destruir esta situação
Ora, com fundamento nessa “participação”, com
base nesse “mandato”, tem-se pretendido que os leigos se aviltariam,
obedecendo inteiramente ao Assistente Eclesiástico, e que os dirigentes da
A. C. têm uma autoridade própria que faz do Assistente mero censor
doutrinário das atividades sociais. Assim, enquanto qualquer atividade
nada tiver de contrário à Fé ou aos costumes, o Assistente deve calar-se.
Não se distingue, em geral, entre Assistente-Pároco e Assistente não
Pároco. Quanto aos Religiosos que não são Sacerdotes, ou às Religiosas,
devem simplesmente retirar-se e calar-se.
Muitos espíritos confiantes entendem que, com
isto, estão inteiramente salvaguardados os direitos da Santa Igreja.
Triste ilusão! Há, evidentemente, nas atividades da A. C., problemas
meramente doutrinários em que, vetando o erro ou o mal, o Assistente terá
implicitamente feito triunfar a verdade e o bem. Há também questões de
ordem concreta referentes a pequeníssimos pormenores de execução, em que a
doutrina católica não está diretamente interessada, e nos quais o
Assistente poderá, de ordinário, não entrar (conservando embora o poder de
o fazer quando entenda). Mas entre estes dois extremos há toda uma zona
intermediária, em que não se trata propriamente de pura doutrina, mas da
aplicação da doutrina aos fatos, da exata observação das circunstâncias
concretas, de discernimento daquilo que em um momento dado é de maior
glória de Deus, etc., etc.. O Assistente encontrará certamente preciosos
recursos se se servir das luzes de leigos bem formados, para elucidar tais
questões. Entretanto, ai dele se não puder dizer, nestes assuntos, a
última palavra!
Como a razão para tão temerárias afirmações
era a modificação introduzida na A. C. pelo mandato ou pela participação,
provado que nem aquele nem esta trouxeram alterações substanciais, ruem
por terra as conseqüências. Não é ocioso, entretanto, imaginar a que
catástrofes estas conseqüências nos conduziriam na prática
Exemplos concretos do que daí decorreria
Imaginemos, com exemplos concretos, a situação
daí decorrente. Consideremos o caso de uma Paróquia, em que o Pároco é, ao
mesmo tempo, Assistente Eclesiástico dos núcleos da A. C. ali existentes.
Com sua sabedoria de Teólogo, seu zelo de Pastor, sua experiência de
Padre, fortalecido na segurança de seus juízos pela graça de estado e pela
insubstituível ciência das necessidades das almas, que só a prática do
confessionário confere, vê o Sacerdote todos os problemas, todos os
perigos, todas as necessidades que pululam no campo confiado a sua
responsabilidade pelo Espírito Santo. Dada a carência de Sacerdotes, dada
a vastidão do trabalho, dada a impermeabilidade de certos meios à
influência do Padre, sente este toda a necessidade que Pio XI, com olhar
de lince, entreviu, de multiplicar seus próprios recursos. Apela para a
Ação Católica, isto é, para aqueles que o próprio Pontífice chamou “os
braços da Igreja”. Reúne, pois, os setores paroquiais da A. C.. E
imediatamente a luta começa. A A. C. só se move pelo impulso e iniciativa
dos leigos. Assim, deve o Pároco discutir pacientemente para persuadi-los
de que os núcleos paroquiais da A. C. devem recomendar de preferência esta
virtude àquela, combater de preferência os vícios arraigados no local, do
que defeitos ali inexistentes, trabalhar para fazer reparações na Matriz e
não num dispensário, para fazer um dispensário e não uma sede de
associações, para fazer uma sede de associações em lugar de não fazer
nada. E como nenhuma destas matérias empenha a Fé e a moral, é em última
análise a A. C. que vai decidir sobre a oportunidade, a exeqüibilidade, a
utilidade dos planos do Senhor Pároco, enquanto este, que só tem direito a
veto em matéria de Fé e de costumes, aguarda pacientemente o veredictum
dos novos titulares da Hierarquia, ou elementos dela participantes, que
lhe comunicarão se seus planos vão ser executados ou não, e, em caso
afirmativo, dentro de que medida e por quais processos. Basta que se tenha
a mais leve idéia da autoridade e encargos dados aos Párocos pelo Direito
Canônico para que se compreenda o absurdo dessa situação, e se veja que o
simples papel de censor está longe de munir o Pároco dos meios de ação
necessários, para que ele se desempenhe de suas funções e arque com o
fardo acabrunhador, inerente ao seu munus. Aliás, uma tão errônea situação
tocará facilmente às raias do ridículo, se a imaginarmos realizada em
alguma pequena Paróquia do interior, com o próprio Pároco às voltas com os
e as diretoras locais da A. C., cujo nível de cultura, em certas zonas,
não será muito superior ao que é estritamente exigido para ler um livro de
cozinha ou fazer a escrituração do botequim.
Voltaremos a este assunto mais tarde. Por ora,
continuemos a expor as temíveis conseqüências desta estranha doutrina
Voltaremos ao tempo das Confrarias
maçonizadas?
O leitor já terá notado a analogia existente
entre a situação que se pretende criar para o Assistente Eclesiástico na
A. C. e a da Autoridade Eclesiástica nas antigas confrarias maçonizadas.
Nos núcleos da A. C., como nas antigas
Confrarias maçonizadas, a nitidez dos limites sutis existentes entre
matéria espiritual e temporal pode ser facilmente perturbada por
argumentos especiosos, como este da Irmandade do Santíssimo Sacramento,
revoltada contra D. Vital por não querer excluir do seu grêmio os sócios
maçons: “A existência e fim de uma Irmandade, sustentava esta, é ato
voluntário dos associados e, uma vez respeitada a lei do país e da Igreja,
somente aos irmãos congregados cabe o direito de, conforme seus interesses
e experiência, propor alteração e modificação nas normas que
organizarem...”. O Conselho de Estado do Império concluiu no mesmo
sentido, chamando para o governo a parte do leão, e declarou que “sendo da
competência do poder civil a constituição orgânica das Irmandades no
Brasil, e cabendo aos Prelados Diocesanos somente a aprovação e
fiscalização da parte religiosa, não estava nas atribuições do Revmo.
Bispo ordenar à Irmandade a exclusão de qualquer de seus membros, pelo
fato de constar que pertence à maçonaria, e que portanto não podia
fundar-se em desobediência para declará-la interdita” (“O Bispo de Olinda
perante a História”, por Antônio Manoel dos Reis, edição de 1879, páginas
70 e 132). É a esta tristíssima condição que ameaçam de nos reconduzir os
erros que atualmente se difundem acerca da A. C.. Que caricatura do
grandioso sonho de Pio XI!
Desaparecerá com nosso aplauso uma de nossas
mais belas tradições?
Desde que ao Sacerdote só caiba a função de
censor, é óbvio que sua posição muda radicalmente dentro do ambiente
paroquial. Com efeito, até aqui os hábitos e piedosas tradições de nosso
povo têm reservado sempre ao Sacerdote uma situação impar, em qualquer
ambiente em que se encontre. Nas reuniões das associações religiosas, nos
atos da vida civil, e ainda mesmo nas solenidades de caráter puramente
temporal, em que ele se encontre por motivos inteiramente alheios ao
ministério sacerdotal, é o Padre colocado em lugar de inconfundível
primazia. Basta percorrer qualquer coleção de nossos jornais, não diremos
apenas dos que são católicos, mas de quaisquer outros, para ver, nas
fotografias das várias solenidades, até que ponto é isto real. O que
nossos maiores perceberam, o que se percebe hoje até em ambientes onde não
sobrevivem senão vagas e raras tradições religiosas, não o percebem certos
doutrinadores modernizantes da A. C., e um deles já nos causou o dissabor
de elogiar, em termos rasgados, certo país europeu, em que o sacerdote
ocupa, no protocolo das solenidades da A. C., não mais o lugar central,
mas o de obscuro e longínquo comparsa.
Ficará mutilada a autoridade do Pároco e
diretores de Colégios?
Desde que sejamos lógicos no desenvolvimento
de tal doutrina, devemos ir avante. Se ao Sacerdote cabe tão somente o
papel de censor doutrinário das atividades da A. C., é óbvio que a
nomeação dos membros das diretorias dos vários núcleos paroquiais, sua
exoneração eventual, a admissão de sócios, etc., é da exclusiva iniciativa
dos próprios leigos, podendo apenas o Sacerdote impugnar os nomes
contrários à Fé e aos costumes. Assim, não pode o Pároco preferir os que
lhe parecerem mais dóceis, zelosos, aptos ou influentes. Seus
colaboradores naturais não são de sua livre nomeação, e, enquanto em todos
os governos da terra se reputa a escolha dos auxiliares imediatos uma
atribuição inerente ao exercício da autoridade, só abrirá exceção,
doravante, o governo paroquial.
Tão marcada é em certos elementos a noção
dessa superioridade, que não hesitam em suprir as “deficiências” de muitos
Párocos, instalando, à revelia deles, núcleos de A. C. em suas paróquias!
O mesmo fenômeno se dá nos Colégios e
Associações. Conhecemos o caso concreto de uma obra, na qual se fundaram,
clandestinamente, núcleos da A. C., porque “talvez” não quisesse seu
Diretor Eclesiástico consentir em que se instalassem imediatamente. Um
venerando e ilustre sacerdote, diretor de um Colégio, contou-nos haver
recebido, certa vez, a visita de um adolescente, que lhe veio
comunicar a fundação da JEC no
estabelecimento. O respeitável diretor ponderou que seria necessária uma
licença, que ele não se sentia inclinado a dar a um desconhecido. A
resposta foi pronta: “Sr. Padre, tenho o mandato da A. C.”.
A “fortiori” este é o tratamento dispensado
aos Religiosos, que não são Sacerdotes. Assim, enquanto nas associações de
piedade, até aqui existentes em colégios, etc., a tradição e o senso das
proporções conferiam às Religiosas e aos Religiosos não Sacerdotes a
categoria de vice-diretores, são eles severamente proscritos das reuniões
da A. C. por certos doutrinadores, sempre sob pretexto de que não possuem
mandato. E estas doutrinas frutificam! Conhecemos o caso concreto de um
congresso feminino de A. C., reunido em um colégio de Religiosas, que
exigiu a retirada de todas as Religiosas do recinto, como condição para o
inicio dos trabalhos. Está precisamente nesse “self-governement”,
conseqüência do mandato próprio à A. C., segundo tais doutrinadores, a
diferença essencial entre a A. C. e as associações como Pias Uniões,
Congregações Marianas, Ligas “Jesus Maria José”, etc.. Estas não possuem
mandato, e estão na irrestrita dependência dos respectivos Diretores
Eclesiásticos; enquanto os leigos elevados, pelo mandato da A. C., à
categoria de participantes da Hierarquia, só dependem negativamente do
Assistente Eclesiástico, mero censor.
Não queremos sair, neste livro, do tema
essencial que nos propusemos, isto é, a A. C.. Não seria supérfluo
lembrar, entretanto, que a interpretação audaciosa e infundada do que
certos Teólogos escreveram sobre o “sacerdócio passivo” dos leigos,
concorre não pouco para criar estes desvios.
Tudo isto encontra sua fórmula geral na
seguinte afirmação, que bem poderia servir de lema para tais doutrinas: é
preciso que a A. C. não seja uma ditadura de Padres e Freiras.
Ao que ficará reduzida a autoridade dos
Bispos?
Premidos pela clareza meridiana de certos
textos pontifícios, reconhecem, é certo, que a A. C.. independente embora
do Clero, depende dos Srs. Bispos. Entendem mesmo que o próprio mandato
que recebem tem por efeito ligar a A. C.
diretamente, passando por cima
do Pároco, ao Bispo, do qual é prolongamento jurídico, pelo que, até,
acham que só o Bispo pode, condignamente, efetuar a cerimônia de recepção
de membros da A. C.. Tudo isso não obstante, dado que o próprio decoro da
Santa Igreja exige que, em um determinado setor da A. C., ninguém seja tão
da confiança do Sr. Bispo, em via de regra, quanto o Assistente
Eclesiástico; e, entendidas em sentido absolutamente restrito, como vimos,
as funções do Assistente; dado por outro lado que o Bispo não pode estar
universalmente presente, máxime em um país de tão vastas dioceses como o
nosso; dado finalmente que um Bispo não pode conhecer pessoalmente leigos
de sua confiança imediata, em todas as Paróquias de sua diocese; de tudo
isto resulta que a autoridade do Bispo fica, na prática, quase
inteiramente anulada. E não só na prática. Os exageros doutrinários a que
nos referimos há pouco, concernentes ao “sacerdócio passivo” dos leigos
abalou ou deformou profundamente em certos espíritos a noção do respeito
devido aos Bispos. O Boletim Oficial da Ação Católica Brasileira, Rio de
Janeiro, Junho de 1942, narra o caso típico de um jovem que escreveu a um
venerando Prelado: “aceite, Sr. Bispo, um abraço do seu colega no
Sacerdócio”.
Não seria preciso dizer tanto, para se
compreender que a doutrina de incorporação dos leigos à Hierarquia, ou a
funções hierárquicas, por meio de outorga do mandato da A. C., contém em
seu bojo conseqüências de uma incomensurável importância, e, por sua
própria natureza, facilita, lisonjeia e estimula o natural pendor de todos
os homens para a rebeldia. No dia em que este veneno penetrar nas massas e
as conquistar, será fácil extirpá-lo? Quem ousaria alimentar semelhante
ilusão?
Graças a Deus, como demonstramos, nenhuma
alteração se introduziu na natureza da situação dos leigos inscritos na A.
C.. E, por isto, ruem por terra todos os desvarios que alegavam tal
alteração como motivo ou pretexto. O leigo da A. C. deve se honrar em
prestar ao Assistente plena e ampla obediência.
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