Voltando as costas a uma controvérsia-realejo – Folha de S. Paulo, 28 de agosto de 1984, seção livre

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IMAGINE-SE em minha posição um leitor da “Folha”: por razões já explanadas nesse jornal, a memória dulcíssima de minha veneranda Mãe, vejo-a ligada a uma acesa controvérsia. Ela, que transcorreu sua longa e digna existência na intimidade encantadora e respeitável de ‘seu lar paulista, perfumado por uma tradição cristã quatro vezes secular. Ao mesmo tempo, vejo-me contestado na qualidade que mais prezo, na minha qualidade de católico “sans peur et sans reproche”.

Como declarei a esse jornal, em carta publicada no dia 17 do corrente, compreendo que o assunto concernente à minha Mãe e a mim seja controvertido entre os que não o conhecem suficientemente. Disponho-me até contribuir para a elucidação dele. Contudo, estou no direito e até no dever de exigir que tal elucidação se faça com o respeito correspondente. E, portanto, sem delongas e volteios extemporâneos. De modo nenhum estou disposto a contribuir para que o assunto se veja arrastado indefinidamente, fora da órbita do essencial, por meandros e delongas que o transformem em pretexto de publicidade sensacionalista. E que servem de abrigo para um contendor disposto a tudo, exceto a entrar no essencial.

Ora, esse o uso que o prof. Orlando Fedeli vem fazendo do espaço que generosamente as “Folhas” lhe vêm concedendo. Tal se tornou especialmente claro com a publicação de uma carta em “A Palavra do Leitor” de 23 do corrente.

Resumamos. Em 6 de junho de 1983, entregava-me ele uma carta de ruptura com a TFP, acompanhada de duas outras, escritas anteriormente, porém não enviadas, as quais, todas, gotejavam acusações.

Cumpria responder, o que foi feito com seriedade e elevação em um livro de dois volumes, intitulado Refutação da TFP a uma Investida frustra.

Como de direito, nenhuma matéria abordada nesse livro o foi com mais dedicação e perspicácia do que a atinente ao ponto central de todas aquelas acusações, isto é, o culto prestado na TFP à memória de minha Mãe e a mim.

Sai o livro em junho p.p. Ele estava a pedir, a clamar por uma réplica de igual altura. Pelo contrário, o que saiu foi uma crônica-pilhéria do sr. João V. Strauss, própria a sofregamente proteger o sr. Orlando Fedeli com uma cortina de gás hilariante. O Serviço de Imprensa da TFP emitiu então um comunicado que a “Folha de S. Paulo” publicou em 16 e 17 do corrente, sob o titulo “A TFP afirma sua posição doutrinária e interpela opositor”.

A este nosso apelo à seriedade e à elevação não correspondeu o sr. Orlando Fedeli. Esquivou-se de apresentar uma refutação séria e sistemática do livro da TFP, alegando que “não teve tempo de estudar o volumoso documento”. Mas, paradoxalmente, acusa esse livro de ter “arrumado e penteado” os fatos. Então ele teve tempo de estudar o livro quanto aos fatos, e não quanto às questões de doutrina, nessa controvérsia precisamente as mais centrais, mais sérias, mais nobres? Que curioso seletivo é esse?

Ora, a obra da TFP mostra que as acusações do sr. Orlando Fedeli, no ponto mais central, pecaram precisamente por falhas doutrinárias. Ele incide em dois erros: a) toma a palavra culto num sentido estrito (culto de dulia só devido aos Santos), ao passo que, na linguagem teológica, é utilizada largamente para significar toda homenagem prestada à excelência de alguém; b) mesmo tomada a palavra em sentido estrito, o sr. Orlando Fedeli não prova que os atos que se passam na TFP são os reservados pela Igreja para o culto aos Santos.

Para abreviar, não desenvolvo aqui análogas observações concernentes ao tema profetismo, também de importância capital.

Fugindo a essas matérias centrais através dos meandros de temas colaterais, promete o prof. Orlando Fedeli uma réplica, em livro que escreverá algum dia, em data não marcada.

É cômodo. Mas é espantoso. Pois, para impugnar o que a TFP escreveu por exemplo sobre o tema “culto”, bastaria que o sr. Orlando Fedeli lesse as páginas 155 a 229 e 403 a 460 do volume I e 255 a 260 do volume II. O que é isto para um homem afeito a ler?

Em seguida, a “Folha” o entrevistou, e eis que ele toca muito de passagem nesses temas centrais, e logo se embrenha nas veredas menos escarpadas dos temas secundários.

No comunicado de seu Serviço de Imprensa, esta entidade o emprazava entretanto a abordar os temas essenciais, aceitando “taxativamente a réplica da TFP”, ou retrucando a esta “no nível de seriedade e elevação que merece”.

Obtém o sr. Orlando Fedeli então da “Folha” espaço para uma longuíssima carta na seção dos leitores, discorre caudalosamente em tal espaço sobre toda sorte de coisas, e responde ao desafio da TFP dizendo, pura e simplesmente, e sem argumentação doutrinária, que mantém suas posições.

E nisto se mostra sua sem-cerimônia. Ele parece imaginar que simplesmente assim escapa da dura contingência de apresentar argumentos. Ora, segundo toda evidência, em uma controvérsia, a manutenção de posições não se faz por uma mera repetição do enunciado da tese controvertida. O realejo não substitui a lógica. É preciso opor argumento a argumento e, conforme o caso, citação a citação. Foi precisamente do que o sr. Orlando Fedeli se esquivou.

A essa altura dos fatos, a controvérsia fica carecendo notoriamente das condições de seriedade, profundidade e dignidade que estou no direito de exigir. Dela a TFP e eu nos desinteressamos.

Poderá o sr. Orlando Fedeli continuar a tocar seu realejo durante todo o tempo em que a bonomia da “Folha” consinta em lhe servir de caixa de ressonância. De minha parte, volto as costas à controvérsia, pois tenho mais o que fazer, neste momento crucial em que a convulsão agrária vai agitando o País e o sangue dos brasileiros já começou a correr.

E só consentirei em voltar ao assunto no dia em que tenha diante dos olhos uma refutação argumentada com seriedade e riqueza de substância proporcionadas com a altura dos teólogos, moralistas e canonistas célebres em que o livro da TFP se baseia.

Meu zelo, minha pena e minha palavra estão solicitadas por temas bem outros. Entre os homens de Fé – falo de verdadeira Fé – não haverá quem não o compreenda.

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Presidente do Conselho Nacional

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