Jantar, Amparo, 10 de março de 1987
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de exposição verbal do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, e não passou por revisão do autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.
Foto ilustrativa: O Prof. Plinio cumprimenta o Cônego José Luis Marinho Villac, por ocasião de seu 25o. aniversário de ordenação sacerdotal, em dezembro de 1982.
“Primeiro ponto: nós [da TFP] somos religiosos? O que é que nós somos afinal de contas? Isso já tem sido tratado diante dos Srs., mas eu não sei se foi objeto assim de uma exposição meticulosa, formando um todo. E nada como “as boas contas para fazer os bons amigos”. Então vamos nos entender sobre isso claramente. (…) E na tranquilidade de nossas almas podemos ser assim, e até escrever que somos assim. Está escrito. Ninguém contestou…”
Durante jantar na sede da TFP brasileira, nas proximidades da cidade de Amparo (São Paulo), Dr. Plinio discorre sobre os assuntos em epígrafe. Para consultar as obras por ele mencionadas, veja:
* “Torreão I” = “Refutação da TFP a uma investida frustra – Volume I”
* “Servitudo ex caritate”
E outras que abordam o mesmo tema:
* “Guerreiros da Virgem – A RÉPLICA DA AUTENTICIDADE – A TFP sem segredos” (de autoria do próprio Dr. Plinio)
* “A TFP: uma vocação – TFP e famílias – TFP e famílias na crise espiritual e temporal do século XX, Vol. I” (mais especificamente as Secções II e III)
* 1973-09-01 – Convite de Nosso Senhor Jesus Cristo para se cumprir a própria vocação
* 1983-04-09 – “Algumas reflexões sobre a posição da TFP ante a Igreja (sociedade espiritual) e o Estado (sociedade temporal)” – Qual é o papel do Clero e dos leigos? O que a TFP é e pretende ser no futuro? Uma Sociedade inteira e abnegadamente a serviço da Igreja e da civilização cristã, submissa aos legítimos pastores espirituais e vivendo em perfeito acatamento às autoridades civis. Mas, ao mesmo tempo, irradiando os bons princípios e estimulando as boas iniciativas por toda a Cristandade, sem querer ocupar qualquer posição de mando nem na Santa Igreja nem na sociedade temporal.
* 1989-02-18 – Minha vocação: fazer a Contra-Revolução (Plinio Corrêa de Oliveira)
* 1990-06-23 – Nossa vocação: agir no foco de onde partiu a Revolução gnóstica e igualitária. Outros têm uma vocação mais elevada
* 1990-09-25 – O sacerdócio tem nas mãos um fogo sagrado, que é o creme dos cremes do apostolado – Por que o Sr [Dr. Plinio] não foi ser Padre?
* 1993-11-13 – Dr. Plinio, por que o Sr. não se ordenou Padre?
* Como nasce uma vocação – Nunca se é pouco quando se é dirigido por Nossa Senhora
A vocação, “vocare” quer dizer “chamar”, os srs. estão percebendo que vem de “vox”, “vocare”, fazer uso da voz para chamar. Daí desse verbo vem o substantivo “vocação” em português. Em castelhano: “vocación” e quase em todas as línguas deriva-se isso.
Esse conceito de “chamado” é bem o conceito católico a respeito de “vocação”. A vocação sacerdotal é um chamado de Deus para ser sacerdote. Vocação religiosa é um chamado de Deus para ser religioso.
Primeiro ponto: nós somos religiosos? O que é que nós somos afinal de contas? Isso já tem sido tratado diante dos Srs., mas eu não sei se foi objeto assim de uma exposição meticulosa, formando um todo. E nada como “as boas contas para fazer os bons amigos”. Então vamos nos entender sobre isso claramente.
Existem várias formas de vocação. Antigamente havia apenas a vocação para ser padre e a vocação para ser religioso, na Idade Média, por exemplo. Mas as duas vocações não se confundiam, eram fundamentalmente distintas.
O sacerdote é aquele que recebe a ordenação sacerdotal que lhe dá o meio, o poder para celebrar o Santo Sacrifício da Missa. O sacerdote, portanto, pontífice. Pontífice vem de ponte. “Ponte fax” é o que faz ponte! E o sacerdote faz ponte, quer dizer, faz-se de ponte, faz o papel de ponte entre Deus e os homens. Ele é o intermediário entre Deus e os homens. Ele é, portanto, aquele que representa Deus junto aos homens, representa os homens junto a Deus. Daí vem o poder que ele tem de celebrar o Santo Sacrifício da Missa que, como os senhores sabem, é a renovação incruenta do Santo Sacrifício do Calvário.
O Sacrifício do Calvário realizou-se uma vez só. E por esse sacrifício Nosso Senhor Jesus Cristo redimiu todo o mundo, todo o gênero humano. O que não quer dizer que Ele tenha garantido o Céu para todo o gênero humano. Fica dependendo de nós correspondermos às graças que Ele obteve para nós. Mas Ele obteve graças para todos. Antes do Sacrifício da Cruz, por causa do pecado de Adão e Eva, o Paraíso estava fechado aos homens, o Paraíso Eterno, mesmo aos justos. E por causa disso, homens da Antiga Lei, justos por excelência, antes de Nosso Senhor morrer na Cruz e descer ao Limbo para pegá-los, não tinham entrado no Céu.
É difícil imaginar, eu creio que não há possibilidade de haver uma dignidade igual a que teve São José. Porque pai jurídico de Nosso Senhor Jesus Cristo, ele não foi pai na ordem natural, mas ele tinha um direito jurídico ao fruto das entranhas de sua Esposa. E, portanto, ele tinha direito sobre Nosso Senhor Jesus Cristo, sobre o Homem-Deus.
Ele tinha um verdadeiro poder sobre a Rainha do Universo! Sobre a Rainha dos Anjos, de todos os santos, Aquela que esmaga o demônio definitivamente etc., ele tinha um poder. E eu lhes garanto que Nossa Senhora acatava esse poder com extremos de respeito. Ele por certo respondia com o tato insondável e exatíssimo que correspondia a uma situação tão inferior… na Sagrada Família, o modelo das famílias, o mais alto era o menor! Mas era infinitamente maior do que o Pai e a Mãe. A Mãe era maior do que o pai, incomensuravelmente maior do que o pai. E São José devia exercer autoridade sobre os dois!
E o episódio da fuga do Menino Jesus no Templo, no caminho do templo, antes de ser encontrado pelos pais no Templo, indica bem que eles tomavam a sério esta autoridade: o Menino Jesus some, os dois põem-se a procurar… quede o Menino? O Menino é Deus!
É uma dessas situações onde ou se é como eles eram – santíssimos -, ou se perde o pé da situação, porque o espirito humano nem consegue coordenar os vários aspectos e os vários dados dessa situação.
Está bem, São José ficou no Limbo esperando até que Nosso Senhor Jesus Cristo morresse. Sem isso não poderia ir para o Céu. Bem, quando Ele desceu ao Limbo, Ele libertou todos; quando Ele subiu ao Céu, Ele levou as almas para o Céu.
De maneira que Nosso Senhor Jesus Cristo nos salvou com o sacrifício. Mas Ele quis ter a possibilidade de repetir esse sacrifício de modo incruento, quer dizer, sem verter sangue: indolor, quer dizer, não sofre mais, a sua felicidade é eterna e perfeita por todos os séculos dos séculos. Mas Ele quis a possibilidade de renovar esse oferecimento do sacrifício dEle. E de fato com isso fazer novamente o sacrifício da Cruz. E quem tem o ministério para isso é o sacerdote.
Além disso o sacerdote tem o poder das chaves, no sentido de que ele confessa, ele é confessor. Pode dar absolvição. E assim por diante, todos as atribuições do sacerdote.
Eu tive ocasião de dizer um dia desses aqui – não nessa temporada, mas na anterior – que quando o padre dá a absolvição, é verdadeiramente a laringe do padre que fala, mas o padre empresta a sua laringe a Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque aquele “Ego te absolvo a peccatis tuis etc.”, aquilo é o próprio Cristo que fala na pessoa do padre.
Os senhores compreendem, portanto, como é alta esta vocação. E é propriamente uma vocação, quer dizer, um chamado. Deus escolhe esses, aqueles, aqueles que Ele entende e chama: “Você está chamado. Está acabado.” Bom, esses exercem então estas funções que eu acabo de dizer.
Qual é o religioso? Qual é a diferença entre o sacerdote e o religioso?
O sacerdote não tinha necessariamente voto de castidade. É uma coisa espantosa, mas os senhores sabem que até hoje existem ritos na Igreja Católica em que o padre exerce a função de padre, e não tem voto de castidade. Quer dizer, é casado. Ele não pode ser bispo… creio que só pode ordenar-se… casado pode ser ordenado. Eu creio que é isso, o que já está ordenado não pode casar. Bem, mas de qualquer forma existe a figura do padre casado.
Eu me lembro quando nós éramos pequenos no [Colégio] São Luís, descíamos a pé a Av. Angélica para irmos para nossas casas. E passávamos diante de uma casa pequena, modesta, que havia na Av. Angélica, quase na Av. Paulista. E tinha um padre, um homem já com certa idade, uma enorme barba branca patriarcal… corpulento, sentado na calçada – como faziam imigrantes e pessoas assim mais modestas – rodeado com a esposa e filhos. E uma filharada! E os senhores podem imaginar a brasileiradinha passando em frente dessa cena, vinda do Colégio São Luís, onde os padres eram todos proibidos de casar e depois vendo que nenhum padre se casava, os comentários, não é? Eles julgavam que se tratava de um padre que tinha vida corrupta, não é? E foram interpelar os padres do colégio.
Então o reitor mandou dar em todas as aulas uma explicação: era um padre católico, apostólico, romano, havia ritos orientais – nós nem tínhamos ideia de rito oriental – nesses ritos orientais era permitido o casamento, pápápápápá, tudo o mais que os senhores sabem estava explicado ali, foi explicado por eles “per longum et latum”. Aí que ficamos sabendo que o padre casava.
E o padre também não tem voto de pobreza. Ele pode herdar dinheiro, administrar seu dinheiro como qualquer um. Ele não pode trabalhar para ganhar dinheiro, ele não pode ser corretor, não pode ser advogado, médico, engenheiro. Mas aplicar seu dinheiro, tirar, comprar casa, vender casa etc., gerir o seu patrimônio, ele pode fazer.
Bem. O que é um religioso?
O religioso não é necessariamente um padre. É aquele que deixa a vida comum dos homens, para se entregar inteiramente e exclusivamente à santificação de sua alma e o serviço de Deus. De maneira tal que ele pratique os Conselhos de Nosso Senhor Jesus Cristo; não apenas os Mandamentos, mas os Conselhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, para ter a perfeição evangélica.
E para isso o religioso clássico, o religioso de convento deixa a sua casa, deixa a sua família, faz voto de obediência pelo qual ele renuncia à sua independência fazendo-se dependente em todas as coisas de um superior, de uma autoridade, para imitar a Nosso Senhor Jesus Cristo na sua humildade perfeita. Ele faz voto de pobreza, de maneira que ele não tenha bens e viva do que lhe dão os seus superiores. Ele faz voto de castidade perpétua pelo qual ele não tem família, não se casa. E por esta forma ele pratica os conselhos evangélicos perfeitamente. Assim ele visa a perfeição.
O religioso que deixa de visar a perfeição, que queira apenas ser um homem bom, mas deixe de visar a perfeição, esse comete pecado mortal. Não é pecado mortal o indivíduo não conseguir a perfeição. Mas tender, estar continuamente voltado para ela, e no desejo de subir, é pecado mortal se ele não tem.
Bom, e no começo do estado religioso havia, a quase totalidade dos religiosos não eram padres. O padre só o superior, para celebrar Missa, absolver os pecados etc., dos outros. Mas os religiosos não eram padres. E parece-me que em alguns conventos do rito oriental, dos ritos orientais, isto ainda continua assim. Eu não tenho certeza, mas me parece que ainda continua assim.
Bem, seja como for, os senhores estão vendo que a vida do religioso e a vida do padre são muito diferentes.
Com o tempo, as coisas foram evoluindo e os religiosos foram ficando padres. E as duas condições o mais das vezes se encontravam confundidas. Exceto, portanto, os irmãos leigos das Ordens religiosas, que fazem serviços e… correspondem aos “eremitas servidores” entre nós, exceto estes, os outros estudavam e ficavam padres. Mas não é por uma necessidade absoluta. É por uma conveniência. Já que eles estavam a vida inteira recolhidos etc., por que não ficarem padres? Então ficavam padres.
Bom, e no convento de tipo clássico, então, todo mundo era padre. É o que os senhores veem em geral nas grandes Ordens Religiosas: Jesuítas, Franciscanos, Beneditinos, Dominicanos etc. são todos padres exceto os correspondentes aos “eremitas servidores. E está acabado”.
Explicitada a necessidade do apostolado leigo, surge uma nova forma de vida comum: a dos que que querem dedicar-se inteiramente a este apostolado
Agora, com o tempo foi se especificando a necessidade do apostolado dos leigos e não apenas dos padres. E essa é uma noção tão simples que a gente fica com uma certa surpresa de que essa noção se tenha levado mil e tantos anos, mil e muitos anos na Igreja até se definir completamente. Mas as coisas da mente humana são assim, e a Igreja não violenta a mente humana. Ela conduz a mente humana amorosamente pela mão, como um pai ou como uma mãe conduzem amorosamente o filho através das várias idades.
A Igreja sempre sustentou que o leigo deve fazer apostolado. E sempre os leigos fervorosos fizeram algum apostolado. Mas era um apostolado individual, de tal maneira que, por exemplo, um homem, vamos dizer, tinha uma casa rica no meio de um bairro de gente pobre. Então, qual era o apostolado dele?
Ele sabia de uma família que era protestante. Ele em certo momento aproximava-se um pouco do chefe da família etc., tratava de fazê-lo católico, aproximar de um padre etc., etc. Mas muito frequentemente o que ele fazia era aproximar do padre. Depois cessava o apostolado dele, começava o do padre. E ele desaparecia. Por quê? Porque o apostolado era tido como coisa do padre.
Depois, sobretudo o que tinha é que não havia ideia de que o padre não bastava para converter todo um País, e que eram precisos leigos que trabalhassem sob as vistas do clero, sob a vigilância do clero ou, conforme o caso, sob a direção do clero, para fazer apostolado.
Isso em parte se explica da seguinte maneira. Esta ideia do apostolado dos leigos, a mais antiga que eu conheço – eu não sou muito versado em História da Igreja – mas a mais antiga que eu conheça, não se espantem, é uma sociedade secreta… [burburinho] Isto está causando mais estranheza do que o monsenhor do rito oriental aos meus colegas, ahah! Mas não é para menos.
Chamava-se Sociedade do Santíssimo Sacramento! Teve um fundador que todos nós veneramos; e eu todos os dias osculo uma relíquia dele: São Vicente de Paula, o santo famoso por sua caridade.
Ele fazia caridade em quantidade, mas ele era muito bem visto, muito protegido pela Rainha da França Ana d’Áustria.
E a Rainha o fez – eu vou simplificar – quase uma espécie de Ministro para assuntos de culto, assuntos de Religião. E com isso ele se relacionou com muita gente da corte. E eles viam entrar aquele mundo de ideias novas, heresias, etc., dentro da corte. E chegaram alguns, entre os quais um membro da Família Real, o Príncipe de Condé, chegaram à conclusão de que ou eles se constituíam numa sociedade secreta que ninguém conhecesse, a não ser a Rainha que era a regente do Reino, este tinha que conhecer, e o Arcebispo de Paris, – Versailles ficava sob a jurisdição do Arcebispo de Paris – exceto estas ninguém conhecia a não ser os membros da sociedade. Para trabalhar às ocultas, para fazer apostolado católico.
Porque eles perceberam que os jansenistas trabalhavam assim, para levar a corte como um conjunto. Eles então constituíram uma sociedade secreta para levar a corte num sentido oposto. Esta sociedade fez muito bem, e depois com o tempo se extinguiu. E foi só no século passado que começaram a se escrever livros sobre ela, os documentos vieram à tona etc., etc., e uma sociedade benemérita, magnífica, de apostolado de leigos.
Havia uns dois ou três bispos, uns dois ou três padres ali que frequentavam a corte. Mas que tinham uma atividade parecida com a dos leigos. Eles conversavam com aqueles nobres etc., iam dando assim as diretrizes, as coisas, os argumentos, coisa e tal, e também se reuniam secretamente para contar como foi a trama política inteira.
E nisso eles não eram uma sociedade secreta. Porque o Direito Canônico define como sociedade secreta aquela que a Igreja não conhece. Se o público inteiro não conhece uma sociedade, mas a Igreja conhece, deixa de ser secreta. Então não é sociedade secreta.
Bom, e daí nasceu a ideia de uma equipe, de um time, de um imenso time de leigos destinado a levar para a Religião o conjunto da sociedade considerando que havia meios, ambientes, onde o padre não entra, e o leigo tem que agir. Então esse é o papel do apostolado dos leigos.
Com isso começaram a aparecer no Pontificado de Pio XI – Pio XI foi Papa de 1920 e pouco até 1939… não, 39 morreu Pio XI… não me lembro bem, foi nesse período, entre Bento XV, fim da Guerra Mundial, e ascensão de Pio XII, veio Pio XI – começou a aparecer a Ação Católica. E muitos leigos começaram a ter ideias de que, ideia fundada, de que nas condições de hoje só o clero não converte um país. E que é absolutamente indispensável ter, portanto, um laicato grande que converte um país. Mas para ter esse laicato começou a aparecer uma coisa de fato. Alguns se empolgando tanto por esta ideia, compreendendo tão bem que é indispensável, conceberam a ideia de passar a vida inteira fazendo isso.
E então, para fazer isso, morando juntos; e para morar juntos a necessidade de uma autoridade. Então, a obediência. Depois, para consagrar a vida inteira a isso, não ter encargo de família, a castidade. E alguns, muito ricos, tendo dinheiro que sobrava e outros pobres não tendo meios de se manter, os ricos mantinham os pobres. Mas para dar uma garantia ao futuro dos pobres, davam aquele dinheiro para o grupo. E enquanto o pobre ficasse no grupo estava garantido com esse dinheiro.
* A TFP foi nascendo aos poucos de forma muito orgânica, sob o sopro da graça de Deus
Os senhores estão vendo como tudo é natural. Uma coisa que os senhores não sabem, mas antes de arrebentar essa crise na Igreja, o grupozinho do “Legionário” quis muito pertencer a uma organização dessas. E eu cheguei a ter um contato – eu, depois todo o Grupo – chegamos a ter um contato com um padre que era geral de uma congregação de leigos de Florença, senão me engano, um padre… eu não me lembro como chamava, a congregação muito conhecida. Desgarrou-se a mais não poder! E fomos falar com eles na casa de um italiano parente dele, quando ele passou aqui por São Paulo. Mas achamos que ele era um homem simpático, respeitável, mas não era bem o que nós queríamos.
Mas não houve um momento em que nós tenhamos conversando juntos, tenhamos exclamado: “Ora, pois, façamos uma congregação!” Nada disso. Isso foi nascendo pouco a pouco, espontaneamente. Primeiro nos encontramos todos os dias; depois alguns morando na sede; assim foi nascendo espontaneamente. Como um organismo se desenvolve e uma planta cresce, assim a TFP foi se formando como ela é hoje. Atraídos por esse chamado, por essa vontade, por esse desejo. Mas que era um desejo que era uma graça de Deus.
Por que é que se sabe que é uma graça de Deus?
Ninguém pode ter a intenção de fazer uma boa ação, com intenção sobrenatural, sem auxílio da graça. A graça entra naturalmente. E simplificando um tanto as coisas, chamar… era a graça evidentemente que nos chamava para esta boa ação. Ora, se ela chamava, era uma vocação. Quer dizer, nenhum de nós ouve um chamadinho assim: “psiuu, psiuu”! Nenhum dos senhores ouviu esse chamado assim. Como é o chamado?
É alguma coisa que pulsa mais em nossa alma, que entusiasma mais nosso coração, que nos diz: “Para isso eu sou, isso eu quero fazer!” Bom, é uma graça.
* Por vezes, a graça da vocação é dada de uma forma totalmente inesperada. Exemplo de uma fundadora
Às vezes a voz da graça não fala com clareza. Mas é a graça. Eu tenho o caso de uma prima paradoxalmente, é uma prima um pouco longe, paradoxalmente era filha do grão-mestre da maçonaria em São Paulo. Não podia ser pior, portanto. Chamada por Deus para ser carmelita reclusa num convento do Carmo que havia naquele tempo não Penha, eu tenho impressão de que não há mais.
Bom, e ela era maior de idade, o pai dela já não vivia, a mão me parece que não tomou muito ao trágico o negócio, e ela foi falar no convento. No convento disseram a ela que estava muito bem, tal, tal, tal, podia entrar no dia tanto. Mas ela tinha que apresentar atestado todo de saúde completo, exame médico completo. Sem isso não se recebe nenhuma carmelita.
Ela foi fazer o exame médico, e quando chegou o exame dos pulmões, verificou-se que ela era tuberculosa em alto grau. E naquele tempo não havia os antibióticos que há hoje, e a tuberculose se curava muito devagar, quando se curava. Muitas vezes não curava, morria. Mas era muito devagar. Bom, a primeira coisa que a família fez foi mandá-la para Campos do Jordão, para um hospital de tuberculosos. E ali anos, anos, anos… deitada na cama, com aquela janela aberta, deixando o tempo passar. E as radiografias, radiografias, radiografias… uma coisa horrorosa.
Durante esse tempo ela foi vendo a necessidade que havia de uma assistência religiosa nos hospitais. E compreendendo que ela passaria a vida inteira em hospitais, ela resolveu fundar uma congregação religiosa de freiras para trabalharem nos hospitais. Fundou essa Congregação. Pelo que me disseram, quando ela morreu a Congregação tinha perto de mil freiras no Brasil, com casas religiosas, com tudo.
A graça chamou para o Carmelo ou não? Chamou!… Chamou para bater com a cabeça na porta do Carmelo. Era chamada àquela provação, para depois ir parar no hospital e ali fundar essa Ordem. Deus queria dela essa provação.
* Há quem defenda a falsa ideia de que a vocação sacerdotal depende exclusivamente de um chamado do bispo
Bom, nesse conjunto há quem diga que a vocação sacerdotal depende exclusivamente do chamado do bispo. Que quando o bispo diz para uma pessoa: “Você está chamado para ser um padre… ele automaticamente está chamado. Quando o bispo não chama, por maior vontade que ele tenha, se o bispo não convida não está chamado para ser padre. Dom Mayer sustentava muito isto.
Eu nunca li nada sobre uma vocação que eu não tenho, que eu respeito enormemente, venero enormemente, mas não tenho. De maneira que nunca estudei a questão de vocação sacerdotal, mas me lembro que achei a coisa meio absurda, e insisti com ele: “Mas D. Mayer, vamos dizer que um bispo me chega e diga: – precisa ser o bispo da pessoa, não é? Portanto, conosco, D. Arns – “Venha cá, você está chamado para ser padre”. Eu poderia dizer:
– Mas Sr. Bispo eu não tenho nenhum empenho.
– Está bom, mas eu estou te chamando, você tem de vir. E estava configurada a vocação…
Eu acredito numa outra coisa. É que durante a cerimônia da ordenação dos padres, há um momento em que os candidatos ao sacerdócio, seminaristas com o curso concluído, exames feitos etc., estão em fila; e um cerimoniário vai chamando pelo nome um por um, em nome do bispo, para receberem a unção do bispo. E que ali se configura, se define inteiramente o chamado da Igreja. Isso eu acredito. Isso é uma coisa cheia de propósito. Mas é muito diferente de dizer para um… dava quase medo de passar perto do bispo…
Bom, agora, D. Mayer dizia: “Esta história de chamado interior, isto é uma conversa”.
Eu me lembro que ele ainda não era bispo quando eu discuti isso com ele. Quando o Sr. Bispo chama é; quando o Sr. Bispo não chama, não é. E acabou-se”
Bom, mas uma coisa é certa: para religioso não é assim. Nem ele sustentava. E aí tem que vir essa graça, esse desejo por onde a pessoa nota que é feita para aquilo. E que compreende que a sua vida tem sentido dando para aquilo. Se não for dar para aquilo sua vida não tem sentido. Isso é um chamado da graça, porque é um fruto da graça.
* A TFP é uma associação que se dedica ao apostolado leigo, mas que não está sob a jurisdição da Hierarquia eclesiástica
Agora, há associações do tipo da nossa – também aqui estou simplificando muito, porque do contrário não daria tempo – há associações do tipo da nossa que são fundadas pela Hierarquia eclesiástica. Pode ser um bispo, ter uma boa ideia e constituir uma associação dessas. E depois declará-la fundada, encher de indulgências etc., e dirigi-la. Pode ser, e é uma coisa inteiramente legítima. Mas pode ser também que uma coisa dessas se funde por si, espontaneamente.
Os senhores podem ver tudo isso muito bem no livro “Servitudo ex Caritate”, e no documentário do Torreão I. Estas coisas vêm todas muito bem explicadas etc.
Quando um grupo assim se forma, constituído espontaneamente, ele pode ir vivendo até que – sob a mera vigilância da autoridade eclesiástica, sem direção – parece-me, eu não me lembro bem no momento, mas parece-me que é até o momento de fazer votos. Feitos os três votos – de obediência, pobreza e castidade – feitos os três votos a coisa muda. E tem que passar para a obediência do bispo.
Em tempos normais da Igreja eu acho que não haveria ninguém que teria mais intenção e mais gosto em se pôr sob a obediência da autoridade eclesiástica do que nós. Tanto é que os senhores viram que nós até chegamos mesmo a pensar em entrar para uma congregação religiosa, constituída e tudo, sob a obediência da autoridade eclesiástica etc. Pensamos nisso. Mas depois… primeiro vimos que aquela não convinha, mas depois estalou aos nossos olhos a crise da Igreja. E nós compreendemos que era uma loucura, com o nosso apostolado especial, nós nos colocarmos sob a direção da Igreja. E que o que nós poderíamos fazer era colocarmo-nos sob a vigilância do ponto de vista da Fé, da moral, sob a vigilância da Igreja.
Agora, disso ninguém escapa, e disso ninguém deve querer escapar.
Bom, agora, a TFP é, portanto, o quê dentro da Igreja? Pelo Código de Direito Canônico é uma associação. Uma associação de leigos, fundada por leigos, mantida por leigos, dirigida por leigos. Agora, se nós fizermos alguma coisa contra a moral – que Deus nos livre – ou contra a boa doutrina, eles têm o direito de nos chamar na cabeça e punir etc. Evidente que eu sou o primeiro a querer. Não tem dúvida.
Alguém dirá: – “Bom, mas se eles chamarem de má doutrina uma coisa que é boa doutrina?” Vamos discutir…
Bom, agora com essa longa introdução eu já estou na conclusão!
(Nãããooo!)
Sim! Porque ficou explicado tudo, ficou explicado o que é uma vocação “in genere”, geralmente; depois o que é uma vocação em concreto no nosso caso. Porque é uma vocação, o que é que nós somos – uma associação de leigos etc., e não uma congregação religiosa, nem o que se chama hoje em dia um Pia Confraternitas, tem um nome que me escapa no momento, não somos isso também, nós somos uma pura associação de leigos, que vivemos… os que querem fazer esses votos, quem não quer não faz esses votos. Posso dispensar dos votos. E na tranquilidade de nossas almas podemos ser assim, e até escrever que somos assim. Está escrito. Ninguém contestou.