Auditório São Miguel, quarta-feira, 28 de dezembro de 1988, Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de exposição verbal do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, e não passou por revisão do autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Para fazer o download do livro aqui comentado, clique aqui
Nós fizemos na última reunião uma referência ao segundo Marquês de Comillas, homem cujo processo de canonização foi introduzido na Arquidiocese de Barcelona na Espanha e foi aprovado.
* Processo de beatificação do Marquês de Comillas
O processo deste Marquês de Comillas foi aprovado a nível diocesano e foi mandado para o Vaticano. E o Vaticano – eu sei de fonte certa – deu a seguinte resposta: “O processo de beatificação dele está concluído. Não há nenhuma objeção à beatificação, ele foi realmente um homem de virtudes heroicas” etc.
O que eu tenho aqui em mãos – me deu uma pessoa na Espanha – é o próprio processo de beatificação, um pouco abreviado e posto ao alcance do público pelo próprio advogado do processo de beatificação. Quer dizer, é um documento, portanto, dos mais seguros. O título é: “Um Marquês Modelo”. E depois embaixo está: “O Servo de Deus, Cláudio de Lopez Bru, Segundo Marquês de Comillas”. “Pelo Rvdo. Pe. Eduardo E. Regatillo SJ (da Companhia de Jesus), Postulador”, quer dizer, que ele pediu a causa da beatificação dele. De maneira que é um documento solidíssimo, muito seguro etc.
Eu já tive ocasião na reunião passada de dar em pinceladas muito rápidas as linhas gerais da vida desse homem. Eu repito apenas porque hoje, o torvelinho das coisas e das circunstâncias é tão grande, que bem pode acontecer que alguns se tenham esquecido dos dados principais.
* A vida do 1º Marquês de Comillas, filho de uma mendiga
Esse Marquês de Comillas nasceu e viveu no século XIX. Morreu no século XX já no Pontificado de São Pio X. Ele viveu, portanto, bastante tempo. O pai dele era um homem que tinha nascido na mendicância e tinha feito fortuna. Eles eram de um lugarzinho da Catalunha, antigo Condado da Catalunha que faz parte do Reino da Espanha, num lugarejo muito pequeno chamado Comillas. A mãe dele era uma mendiga, uma senhora que tinha um bom número de filhos e não tinha dinheiro com que manter os filhos. Então, quando não tinha outro meio, ela ia a casas de conhecidos e pedia umas sopas que se fazem lá na Europa, para alimentar operários e gente assim, e pedia que dessem também para a família dela. As pessoas tinham pena, iam dando alguma coisa e com isso ela ia vivendo.
Quando o filho dela chegou a ser mocinho – aquele que veio a ser de futuro o 1º Marquês de Comillas -, ele pediu licença à mãe para ir a Barcelona. Ela estava na miséria, ele queria ver se ganhava a vida e com a sobra do ordenado dele, ele poderia mandar alguma coisa para a mãe, para que a mãe mais normalmente pudesse educar os irmãos etc. E por causa disso a mãe deu a bênção e ele foi para Barcelona.
O primeiro Marquês de Comillas, pai do Servo de Deus Don Cláudio de López Bru
* Seus negócios prosperam em Barcelona
Em Barcelona a primeira coisa que fez foi tomar contacto com outro rapazinho da idade dele, mas que em vez de ser um trombadinha, qualquer coisa assim, parece que era uma pessoa aproveitável, senão do ponto de vista religioso, pelo menos do ponto de vista humano.
Trabalhavam juntos, fizeram amizade e dentro de algum tempo eles resolveram não ser mais empregados, mas fazer negócios juntos. De maneira tal que, com o dinheirinho que eles economizavam, faziam como que um minúsculo capitalzinho, que eles iam aplicando juntos, porque o que cada um tinha era tão pouco que não dava nem para fazer negócio minúsculo. E iam aumentando, aumentando, e afinal de contas cresceu tanto o bolo de dinheiro deles que eles puderam meter-se pelo comércio adentro, e o comércio da Espanha com uma parte de suas antigas colônias na América Central e na América do Sul, que parte continuava naquele tempo sob o domínio da Coroa Espanhola.
* Sua Companhia de navegação
Então eles fizeram negócio sobretudo com Cuba. Ganharam dinheiro, não sei se exportando ou importando de Cuba, não me lembro bem, ou fazendo uma coisa e outra, ganharam dinheiro e afinal de contas foram a Cuba.
Em Cuba eles montaram uma espécie de cabeça de ponte. Tinham alguém em Barcelona – que é o principal porto da Espanha – que representava a eles e outro em Cuba. E eles faziam assim um “ping-pong”, mandavam vir artigos da Espanha para Cuba, de Cuba para a Espanha, vendiam em ambos os lugares e iam amontoando dinheiro e fizeram uma empresa razoável.
Em certo momento, como eles tinham combinado, eles resolveram separar-se. Eles tinham combinado que quando chegasse a tanto, cada um tinha bastante capacidade para não precisar do outro e iam começar a andar pelas próprias pernas. Separaram-se e cada um fez uma empresa.
E este primeiro, filho mais velho dessa viúva mendiga, resolveu lançar uma coisa muito arriscada, que era uma companhia de navegação transatlântica, que devia fazer todo o trajeto de Barcelona até Cuba e de Cuba até Barcelona, levando passageiros e sobretudo mercadorias. Naquele tempo, para o vulto das coisas naquele tempo, era uma empresa que supunha capitais enormes. E depois tinha que ter um mínimo de tantos navios, não podia ter um navio só.
Ele resolveu jogar-se e foi muito bem sucedido, a companhia prosperou enormemente, ele se tornou um homem muito rico e começou a aplicar os lucros em outros gêneros de empresas na Espanha: exploração de metais, plantações, gado etc., porque ele não tinha o que fazer daquele dinheiro, tinha que aplicar. E naturalmente a fortuna foi se multiplicando pela fortuna e ele se tornou um dos homens mais ricos da Espanha.
* Senso monárquico desinteressado do futuro 1º Marquês de Comillas
Agora, acontece que ao mesmo tempo ele era um homem de convicções monarquistas muito profundas, e como na Espanha houve no século passado vários movimentos republicanos de fundo comunista, anarquista etc., ele resolveu, para combater esses movimentos, estabelecer na França, fora da garra do governo republicano espanhol, um centro de invasões militares na Espanha. Então faziam guerrilha monarquista contra os exércitos republicanos ou comunistas da Espanha, que contribuíram seriamente para a derrocada do regime republicano.
Os Srs. estão vendo aí, no 1º Marquês de Comillas, não apenas um comerciante preocupado só em fazer dinheiro, mas um homem que tinha vistas mais elevadas. Ele se interessava pelo futuro do país, ele era monarquista. Então sacrificava dinheiro, sacrificava tempo, arriscava sua própria posição econômica – podia ser perseguido pelo governo -, para fazer prevalecer um governo que ele reputava melhor para sua pátria. Era, portanto, um homem que ao contrário de tantos e tantíssimos homens de negócio de hoje em dia, ele era um homem que tinha ideais.
Agora, acontece que o Rei, Afonso XII, agradecido pelo serviço que ele prestou, nomeou-o então Marquês de Comillas. Marquês, como os srs. sabem, é um título de nobreza. Mas é um título de nobreza bem alto. O título mais alto de nobreza é o título de duque. Mais alto que duque só os príncipes e o Rei. Na Espanha o título de príncipe é dado só aos membros da Família Real, que pairam acima do restante da nobreza.
Os títulos de nobreza, de baixo para cima, são: barão, visconde, conde, marquês e duque. E ele foi nomeado Marquês de Comillas. Era uma promoção – para um filho da mendiga – uma promoção de estontear. O Rei lhe perguntou que ele queria ser marquês do quê. E ele teve o bom gesto, o bom gosto de pedir para ser nomeado marquês da cidadezinha onde a mãe dele tinha praticado a mendicância e onde ele tinha sido visto molequinho, andando de um lado para outro carregando sopa. Como quem não se envergonha de seu passado, mas compreende que era um trabalho honesto, numa situação honesta, que ele era dotado de bons predicados comerciais e que de outro lado ele tinha saúde, era um homem forte etc., a Providência o favoreceu e ele fez uma grande fortuna. Ficou o Marquês de Comillas.
Esse é o 1º Marquês de Comillas, quer dizer, não houve outro antes.
* Antônio e Cláudio, filhos do Marquês: sua educação
Ele teve dois filhos, – creio já ter contado da outra vez aqui – um chamado Antônio e outro Cláudio. Não me lembro bem qual dos dois foi mais velho, eram intimamente ligados com uma amizade de vida e de morte. E a esses dois filhos ele quis dar uma educação exímia. E deu ao mesmo tempo uma educação que convinha a eles, como herdeiros de uma grande fortuna comercial – então tudo quanto é necessário um moço aprender para gerir uma grande empresa – e de outro lado uma educação intelectual e social muito boa, de maneira que eles pudessem – para usar a expressão espanhola interessante – reluzir nos grandes salões da época, aonde o título de Marquês de Comillas dava acesso para eles.
Assim, eles estudaram muito, mas o livro, sem dizer claramente, dá a entender que o Antônio era muito menos piedoso do que o Cláudio, e que o verdadeiramente piedoso era o Cláudio. Apesar da grande amizade entre os dois, um era muito mais piedoso do que o outro. O Cláudio era mais piedoso.
* Viagem pelas cortes europeias
Quando a educação de um jovem se completava naquele tempo, um jovem dessa categoria fazia o que se chamava as Cortes da Europa. Na Europa daquele tempo ainda não havia repúblicas, só havia a República Francesa. O resto todo da Europa era governado por monarcas.
Então um rapaz de categoria visitava as cortes de toda a Europa. Digamos, a começar por Portugal e acabar em St. Petersburg, no outro extremo. A começar, se quiserem, por Londres e acabar em Roma, por exemplo, passando por Viena, por Berlim, por Paris, aonde visitavam a família real francesa destronada, mas que tinha príncipes morando em Paris etc. Eles entravam nesse ambiente de corte da Europa, que é um ambiente brilhante, de alta distinção, mas que evidentemente podia seduzir para o mundanismo enormemente.
Esse giro pelas cortes deveria acabar a educação deles. Eles deveriam ficar de um porte distinto, de maneiras bonitas, sabendo tratar com os grandes da terra, sabendo conversar desembaraçadamente com os homens mais importantes, mais dignos de atenção etc., de maneira que eles ficassem dos pés à cabeça preparados.
* Piedade de Cláudio Lopez Bru
Mas ao mesmo tempo com uma formação religiosa muito boa. Isso o pai mandou dar aos filhos e o nosso Cláudio Comillas aproveitou profundamente e desde menino foi um menino extraordinariamente piedoso.
Em todo o trajeto que ele seguiu, ele era de Comunhão assídua ou diária. E mesmo em países onde a Comunhão não era fácil, porque naquele tempo o Catolicismo estava muito pouco desenvolvido, por exemplo, na Inglaterra, eximiamente.
E a viagem terminou com uma visita a Pio IX. E ele tem uma linda carta à família dele contando sobre Pio IX, que é um Papa que também tem o processo de beatificação concluído, mas que ainda não recebeu a honra dos altares porque o Vaticano não julgou político elevá-lo.
Então, ele ficou extasiado com a grande personalidade de Pio IX, escreveu uma carta muito bonita aos pais etc., e voltou para Barcelona.
* A tuberculose mata Antônio e atinge Cláudio
E em Barcelona começa então a vida de trabalho. Porque estava tudo muito bonito, tudo lustrado, tudo enfeitado, agora precisa carregar a fortuna nas costas. E agora, como carregar uma “fortunaça” [grande fortuna] dessas? Ele e o irmão se puseram ao trabalho.
O irmão (Antônio) contraiu uma tuberculose galopante e ele, Claúdio, cuidou dele. E cuidou com tanta dedicação que apanhou a tuberculose do Antonio e foi tuberculoso durante a vida inteira. E de uma tuberculose que o fazia sofrer muito, mas que ele escorava no duro levando a vida de um homem normal. Naquele tempo não sabiam curar a tuberculose como hoje, não havia os antibióticos, e sobretudo eles não tinham muita ideia do papel do ar livre para reconstituir o tecido pulmonar, e depois do repouso etc., toda essa cura era muito mais elementar.
* Vida de D. Cláudio no palácio de Madri
Ele levava a vida de um homem comum, e de homem que trabalhava intensamente. A tal ponto trabalhava intensamente que na casa dele por exemplo, – ele tinha um escritório lá naturalmente – um palácio em Madri, e tinha um escritório comercial no centro. Ele de manhã levantava-se, comungava, voltava e ficava trabalhando até a hora do almoço. E quando vinham dizer que o almoço estava pronto, ele ficava trabalhando até a hora em que todos estivessem sentados. Só nessa hora ele entrava para poder aproveitar até o último minuto de trabalho.
Durante o almoço ele conversava, até de um modo agradável, com a senhora dele, com parentes – ele não teve filhos -, os Srs. sabem que na mesa dos ricos nunca faltam convidados, de maneira que tinha sempre gente. E a conversa dele era muito agradável, muito afável, muito inteligente, muito interessante. Ele era um homem muito inteligente. Depois com a experiência da vida que ia crescendo, as viagens que fez, a prosa dele era muito cheia de evocações etc. Gostava-se muito de conversar com ele, embora ele tivesse uma prosa puríssima, e nunca em ocasião nenhuma proferisse uma palavra porca nem nada disso, era um homem irrepreensível debaixo desse ponto de vista.
Devoto muito especial de Nossa Senhora, ele comparecia com frequência às igrejas de Madri onde estivesse exposto o Santíssimo Sacramento. Ficava muito tempo rezando e se pode dizer que era o único lugar onde ele por assim dizer esbanjava tempo, era rezando diante do Santíssimo Sacramento ou diante de uma imagem de Nossa Senhora. Aí ele gastava tempo à vontade.
* D. Cláudio na Corte fazendo respeitar a lei de Deus
E nas ocasiões necessárias, ele comparecia à corte. Comparecia então com traje de gala, com as condecorações todas que ele tinha etc., e na corte ele sabia se impor.
Infelizmente os costumes da nobreza europeia eram péssimos. Eram apenas um pouco melhores do que os costumes da burguesia contemporânea. Portanto baixos. E aqui conta o caso – um caso entre outros – do respeito que ele impunha.
Durante uma recepção no Palácio Real estavam conversando o Rei e uma série de pessoas. E o marquês X – não era ele – começou a contar anedotas porcas. O rei ouviu e, olhou para a ponta da galeria, viu o D. Claudio que entrava, disse: “Silêncio, Comillas entrou na sala. Vão parar as conversas sujas”. Quer dizer, ele fazia a lei. E se fosse dizer na sua presença dele, ele censurava.
* Jornais católicos do Marquês de Comillas
Era um homem muito atento para todo o serviço da Igreja no tempo dele e com muita evidência de que, favorecer a ação da Igreja, não só no domínio puramente espiritual, mas também no domínio temporal, quer dizer, fazer com que as leis da Espanha fossem favoráveis à Igreja, fazer com que as leis fossem segundo as leis do Evangelho, era uma preocupação contínua dele. Ele nisso inverteu quantidades de dinheiro colossais.
Chegou a fundar mais de um jornal católico do qual ele dava a direção. Mas como havia muita máfia [calúnia] – ele aguentou a máfia no duro! – e muita oposição, os jornais católicos eram deficitários, e ele dizia aos funcionários dele: “Pouco importa, para isso eu tenho dinheiro. Se eu não tenho dinheiro para favorecer a imprensa católica, não me adianta ser rico e carregar essa fortuna nas costas. Eu carrego essa fortuna para poder gastar em benefício da Igreja, da Civilização Cristã. Portanto eu vou aplicar”.
Então havia esses jornais, que ele sucessivamente editava, com corpo de redação próprio etc.
E há até cartas de consolação dele para seus diretores de jornal, quando estes viam que havia dado déficit no fim do ano. Ele dizia: “Não se incomode que o responsável sou eu, quem paga sou eu. Você está triste com o prejuízo que me deu, eu estou alegre com o que a minha alma lucrou no Céu pelo bem que fez a sua folha. Vamos continuar. Economize o que puder, o que não puder não economize. Toque para a frente porque a vida é essa”.
* Influência junto ao Episcopado : a presidência da Ação Católica
Ele era homem de não se contentar apenas com isso. O episcopado espanhol daquele tempo era naturalmente muito mais conservador do que o de hoje. Era um episcopado que passaria hoje por ultramontano, como ultra contra-revolucionário em comparação com o episcopado espanhol de hoje. Esse episcopado gostava muito dele. Os Núncios Apostólicos sucessivos – embaixadores do Papa em Madri – gostavam muito dele.
Quando havia um posto que exigia inteligência, coragem e absorção de tempo, eles confiavam esse posto, desde que fosse proporcionalmente alto, ao Marquês de Comillas. Então ele foi por exemplo, presidente da Ação Católica Espanhola. Pelo que se entendia naquele tempo, algo completamente diferente do que foi depois a Ação Católica. Era uma coligação de forças católicas. Ele foi seu presidente durante muito e muito tempo.
Nas agendas dele figurava assim: A Transatlântica, a Mina de Ferro de não sei quê, a Ação Católica, tal Banco, depois tal outro Banco, tudo coisas dele. Entre as ocupações principais para a agenda durante o dia estava uma reunião na Ação Católica.
Às vezes, as pessoas que participavam da reunião diziam a ele: “Marquês, nós vemos que estamos lhe tomando um tempo enorme, o Sr. tem outros encargos. O Sr. não que cessar a reunião?” Ele dizia: “Do meu tempo cuido eu, o Srs. cuidam dos interesses da Igreja. Quando eu entender que vale a pena eu sair, eu sairei, mas eu prefiro deixar de ganhar mantendo-me ausente do expediente durante algum tempo, do que ganhar mais, mas não fazer nada pela causa da Civilização Cristã”. Com o que ele dava aos outros um magnífico exemplo!
* Condecorações pontifícias
Ele obteve com isso as maiores condecorações que um Papa pode dar. Há duas ordens insignes sobretudo, uma chamada Suprema Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Ordem de Cristo, dada somente aos soberanos, sem nenhuma exceção. Ele não era um soberano. Ele tinha um soberano, Afonso XII e depois o filho de Afonso XII, Afonso XIII. O único homem da Europa e do mundo, que era membro da Ordem de Cristo sem ser rei era ele.
Havia uma outra, a Ordem da Espora de Ouro, era a segunda ordem que era dada aos muitos altos homens que não são soberanos. Ele tinha essa ordem. Eram ordens incompatíveis, porque um indivíduo não pode ter a ordem de um soberano e de quem não é soberano. Mas os Papas não sabendo mais o que fazer por ele, o cumulavam de contradições honoríficas.
O Rei da Espanha deu-lhe o Tosão de Ouro, tudo o que um Rei da Espanha pode dar o reis deram. Ele era Grande de Espanha. A nata mais fina da nobreza espanhola, são os Grandes de Espanha.
* Calúnias contra o Marquês
Ele era tudo junto e o tempo inteiro com uma fortuna gloriosa, irradiante. Mas, como eu disse aqui, mafiado. E por causa disso, às vezes alguns políticos faziam ondas contra ele para prejudicá-lo nos negócios.
Para funcionar um banco é preciso ter uma licença governamental. Houve quem quisesse caçar as patentes do banco dele. Para funcionar uma companhia transatlântica com sede na Espanha, para aportar em portos espanhóis, era preciso ter uma licença governamental. E de tempos em tempos era preciso renovar a licença. E se ele obtinha essa licença em Barcelona, por exemplo, nenhum outro podia ter a mesma licença para o mesmo trajeto em Barcelona. De maneira que isto era concedido pelo Parlamento Espanhol. Levantavam-se pessoas no Parlamento e falavam que ele era um carola, um retrógrado, um homem impossível etc., e às vezes procurando pôr em dúvida a honestidade dele.
E aí conta que um primeiro-ministro espanhol liberal, de posição oposta ao Marquês de Comillas, o Conde de Romanones, foi atacado no Parlamento por ter dado uma patente ao Marquês de Comillas. Disseram que ele, Romanones, não tinha verificado bem qual era a honestidade de Comillas. O Romanones disse: “Eu sou adversário político do Marquês de Comillas. Mas eu devo dizer que ele é o homem mais honesto que há na Espanha”. Quer dizer, era desse jaez a coisa dele.
* Peregrinação de 10.000 operários espanhóis a Roma: prestígio moral do Marquês
Na Ação Católica ele promoveu, por exemplo, atos de um alcance extraordinário dentro do âmbito espanhol. Ele, por exemplo, organizou com os diretores da Ação Católica espanhola e com a aprovação do Episcopado, uma peregrinação de nada menos de 10 mil operários espanhóis para visitarem a Santa Sé e agradecerem ao Papa a promulgação da Encíclica “Rerum Novarum”. Era uma encíclica sobre a condição dos operários.
A oposição que os revolucionários tinham a essa colossal migração (peregrinação) foi tal que organizaram em Roma piquetes de agressão contra os espanhóis que estivessem batendo perna em Roma, para conhecer igrejas, santuários, lugares vários, restaurantes etc., para agredir e para depois dizer que os espanhóis que tinham agredido. A autoridade do Comillas era tal que àqueles operários – em grande parte não eram dele – ele deu ordem – conseguir isso, meus caros espanhóis, conseguir de espanhol não é fácil – que ninguém respondesse às provocações, que acolhessem as agressões com dignidade, mas com humildade e não brigassem em nenhum caso. Depois, que saíssem de casa o menos possível, e só saíssem em grupos muito grandes para ir ao Vaticano, porque eles foram algumas vezes ao Vaticano, fora disso, não. Pois bem, ele conseguiu isso de tal maneira que não houve um incidente com esses 10 mil espanhóis na cidade de Roma.
Os srs. veem por aí a alta respeitabilidade moral desse homem. Não era pelo dinheiro que ele tinha, nem pelo título que ele tinha, mas era o respeito moral que ele incutia. Eram razões morais.
Ele encaminhou essa gente toda de volta para a Espanha, mas com uma coisa que mostra bem também o atraso do tempo etc. Ele pôs grande parte de seus navios à disposição para transportar os operários dos portos espanhóis para os portos italianos. E um bom número desse operários, quando chegou a hora de voltar disse que não queria viajar de navio, que tinham se enjoado demais e que não tinham coragem de embarcar. O Comillas fretou trens para todos que não queriam ir de navio, que subiam pela Itália, passavam pela França, entravam na Espanha e deixava cada um em casa. Mas a procissão se realizou na perfeição.
O Rei da Espanha Alfonso XIII inaugura o monumento ao Sagrado Coração de Jesus no “Cerro de los Ángeles”
* Construção do monumento ao Sagrado Coração no “Cerro de los Angeles”
Ele, para simbolizar bem o predomínio de direito que a Igreja tinha adquirido – e que Ela tinha direito de ter – na Espanha, ele foi um dos que mais contribuíram para que se erguesse o famoso monumento do Cerro de los Angeles. A palavra cerro em português se usa muito também, significa uma certa elevação de terreno, uma montanha não muito alta.
É bem perto de Madri. Se não me engano fica no centro geográfico da Espanha, levantaram aí um monumento ao Sagrado Coração de Jesus. Ele esteve presente na inauguração e foi uma das pessoas principais no ato inaugural pelo muito que ele fez para que esse monumento se levantasse.
Comemoração no Cerro de los Ángeles, pouco tempo depois de sua inauguração
* Apoio a intelectuais, operações financeiras: um império econômico e um império espiritual
Agora, ao par de todas essas atividades, ele era um intelectual, recebia intelectuais para promover a Contra-Revolução intelectual. Então favorecia os intelectuais que mais publicassem obras católicas etc., para combater essa onda má.
Os srs. imaginem na São Paulo de hoje um plurimiliardário que agisse assim. Eu tenho e impressão de que em qualquer grande cidade de hoje a fortuna dele não resistiria, porque seria tal o ataque vindo de todos os lados, tal a sabotagem, tal a difamação, tal a retração de encomendas, tal ataque, que um homem desses afundava, qualquer que fosse a sua fortuna afundava. A do Comillas, ele conseguiu manter no alto e crescendo, de maneira tal que ele se lançou até – num canonizável causa surpresa – em operações financeiras. Quer dizer, emprestando a juros, comprando uma moeda, vendendo outra moeda etc., ele se apresentou e ganhou dinheiro também. Ele tinha tudo. Tinha um império – se diria hoje em dia -, ele tinha um império econômico e tinha um império espiritual.
* O trato com a esposa sobre a preparação para a morte
Para os Srs. terem ideia da seriedade dele – eu creio que contei isto da última vez aqui -, na noite de núpcias dele, ele fez com a esposa um trato: quando um dos dois morresse, esse avisaria ao outro logo que entrasse em perigo de morte, para o outro [cônjuge] poder chamar um padre e preparar-se para morrer condignamente.
A marquesa, esposa dele, morreu depois dele. Logo que ele caiu em perigo de morte, a marquesa avisou: “Cláudio, lembra-se de tal compromisso assim?”. Ele disse: “Me lembro”. Ela: “Eu estou cumprindo meu compromisso. Você está em perigo de morte”. Ele: “Obrigado, eu já estava percebendo. Mande chamar o padre tal, mande fazer aquilo, aquilo outro…“, com toda lucidez, com toda a calma, e caminhou para a morte como um Bem-aventurado.
* A coragem contra o respeito humano
Agora, acontece o seguinte: eu me perguntava a mim mesmo o que esse homem teria propriamente de um gênero de virtudes que a nós nos interessa um tanto e a respeito das quais o autor do processo de beatificação não diz uma só palavra. Esse homem era muito corajoso contra o respeito humano. Eu dou mais valor ao homem que é mais corajoso contra o respeito humano do que ao homem que é corajoso no que diz respeito à sua vida.
Resistir a uma gargalhada prova mais heroísmo do que atravessar circunstâncias em que possa levar um tiro, portanto dou mais valor. Mas eu gosto que um homem reúna as duas formas de coragem! Às vezes há ocasiões em que por legítima defesa é preciso até dar um tiro. E às vezes não é só legítima defesa da própria pessoa, mas é a legítima defesa de um templo atacado, de um personagem que tem direito a viver e que o homem tem que defender.
Eu me perguntava: “Esse homem tão bom, tão generoso, que criava para seus operários condições ideais de existência etc., etc., esse homem seria bastante corajoso quanto eu quereria? Tanta doçura não será o contrário da coragem?”
* O varão forte
De repente eu vou lendo o livro, e encontro quase no fim do livro, o capítulo XVII: “O Varão forte”. Eu sublinhei alguns trechos, mas não fiz isso com a intenção de lê-los aqui no auditório. Durante o dia inteiro eu não tive ocasião de coligir, de selecionar. Eu vou lendo aqui o que ocorre, com uns pequenos intervalos, com que Dom Bertrand e os srs. terão paciência. Mas não há remédio senão isso.
Quando eu vi “O Varão forte”, alegrei-me. Começo a ler, primeira frase:
* Empreender coisas árduas e arrostar perigos
“Mostra-se a virtude da fortaleza no Marquês de Comillas, em sofrer varonilmente as adversidades…”
Quer dizer, os infortúnios etc., etc.
“…E em empreender com grande presença de ânimo coisas árduas e arrostar perigos“.
A definição está muito bem feita!
A fortaleza supõe:
* força de alma nas circunstâncias más;
* supõe grandeza de alma para fazer coisas difíceis;
* e supõe coragem para enfrentar o perigo.
Isso define o varão forte.
É uma definição que vale a pena ter para o nosso exame de consciência, porque todo aquele que pertence a uma TFP deve ter por ideal ser um varão forte.
Os Srs. viram no Marquês de Comillas – estou só falando do 2º agora -, os srs. viram nele a fortaleza de sofrer com coragem a tuberculose, que é uma doença que mina, que desgasta, e dentro, vencendo um corpo que dá pouco, ele dar muito. Isso é fortaleza.
Empreender coisas grandes. Ele empreendeu coisas grandes de toda ordem. Quando essa peregrinação de 10 mil operários estava para embarcar, ele saiu do palácio do bispo com o bispo e com o governador da província, e os anarquistas atacaram o carro em que eles iam. O Comillas, de bastão na mão, dava porretadas em quem se aproximava, expondo-se ao risco de ser morto ele mesmo. Isto é um homem!
“A resignação tão admirável e sobre-humana do marquês nas maiores calamidades que afligiram o seu delicadíssimo coração, foi notável”.
E conta aí coisas de caráter íntimo, sensível, e que fizeram ele sofrer muito etc. Mais adiante:
“Nós vimos por ocasião da morte de suas pessoas mais queridas, quanto ele tinha em vista a possibilidade de perder sua fortuna de um momento para outro”.
Quer dizer, de ele morrer e a fortuna dele de repente desaparecer.
* Os riscos de perder a fortuna
“Era uma coisa sobre a qual ele falava com frequência: `Toda fortuna se arruína facilmente. Como eu farei se eu perder essa fortuna?'”.
Ele naturalmente tinha a noção de que ele estava se expondo muito e que de repente lhe passavam uma rasteira e ele caía no chão.
“Ele dizia: `Contando que a marquesa e eu tenhamos com que viver do meu trabalho, eu estarei contente, porque terei servido a Deus até o fim'”.
* Oposição contra o Marquês entre membros do Episcopado
“E quando em suas campanhas pela ação social católica ele encontrava desdém, quando não oposição, daqueles que deveriam prestar-lhe apoio…”
Os Srs. estão vendo que é uma alusão a membros do episcopado que não o apoiavam.
“…ou quando se anunciava a ele algum grande prejuízo como o naufrágio de um navio, em que o navio inteiro ia a pique, como por exemplo, o navio Santander, ele conservava o rigor de alma até o fim”.
* Ante o afundamento de seus navios
Por exemplo, um navio dele afundou, eu não me lembro bem se em Barcelona ou em Santander, creio que em Santander, e vieram avisá-lo: “Marquês, seu navio tal estava afundado aqui – o autor do processo não entra nas razões do naufrágio, eu desconfio que era uma sabotagem – e todos os esforços para salvar o navio foram vãos, de um lado. E de outro lado os passageiros estão se perdendo. É preciso tomar junto à Companhia de Seguros as providências mais imediatas”.
Ele disse: “Junto à Companhia de Seguros, não. Minha principal responsabilidade é por aqueles que estão lá perdendo a vida”. Por causa disse ele manda vir uma lancha, entra na lancha, e vai ele pessoalmente, doente daquele jeito, ajudar o salvamento daqueles que estavam afundando.
Foi só depois disto é que ele foi ver se os funcionários deles estavam tomando mesmo todas as providências de estilo, quando naufraga um navio. Ele tinha responsabilidade por isso também, era defender a empresa dele. Mas é menor do que salvar as almas.
“Estávamos numa reunião do conselho da Transatlântica em Madri – era um dos diretores da companhia que depôs no processo de beatificação – quando nos anunciaram ter afundado o navio Eizaguirre. `Houve vítimas?’ `Sim, senhor marquês’. Pereceram quase todos os navegantes. `Então, disse ele, não é hora agora de seguir tratando de negócios’. E suspendendo a sessão, ele foi em seguida à igreja [de San Ginés onde estava sendo exposto o Santíssimo Sacramento]. Ali ele esteve em oração durante uma meia hora. E logo em seguida ele retomou a reunião para tomar as providências sobre as famílias das vítimas“.
Desta vez ele não foi, por alguma razão, salvar pessoalmente, mas a primeira coisa que fez foi rezar por aquelas almas e depois ele voltou para a reunião. Os Srs. estão vendo como era, portanto, um homem de espírito sobrenatural afiado e a resignação. Em vez de ficar abatido por ter perdido um navio, nada! Vamos providenciar agora o que temos que providenciar. É um homem!
“Assim também ele deu provas de uma sublime resignação quando afundou, por razão criminosa, o navio chamado Afonso XII, um transatlântico, na Baía de Santander”.
E vem a história que contei aqui.
* Fortaleza em empreender grandes coisas: enfrentar atentados, grevistas…
“Ele mostrou a mesma fortaleza na constância com que ele empreendeu grandes empreendimentos. Tanto empreendimentos espirituais quanto materiais”, contra ventos e marés, nas circunstâncias mais opostas, ele resolvia fazer e fazia.
“O valor com que ele enfrentava os perigos deixava pasmados até os mais corajosos. Por exemplo, em Barcelona, ante a ameaça dos revolucionários, ele foi a pé, diante da carruagem real, abrindo o caminho para defender a vida do monarca“.
Os Srs. precisam notar que era carruagem daquele tempo, a cavalo etc., e que não queriam deixar o rei passar, eram revolucionários. Ele foi na frente, expondo-se para abrir caminho para a carruagem real, e abriu caminho e está acabado.
“Nós o vimos num Congresso Eucarístico de Madri, colocar-se atrás de um personagem suspeito, fiscalizando seus movimentos de perto, pronto para lançar-se sobre ele ao menor intuito criminoso que ele deixasse entender de matar o rei”.
Quer dizer, ele estava atrás, e, ao menor gesto, ele se atracava com o homem. E era um homem doente, era um tuberculoso. Ele podia disso morrer de uma hemoptise. Pouco incomoda, ele quer defender a vida do rei.
“Nós o vimos também lutando de pistola na mão num lugar chamado Bruch com outro que se aproximou de Sua Majestade em atitude inquietante”.
Ele achou a coisa inquietante e foi de pistola na mão em cima do homem. Lutaram e ele venceu o homem.
“O vimos também no ´palco de los calaveras’ vigiando caso alguém atentasse no teatro contra a família real”.
A gente vê que “Palco de los Calaveras” é algum lugar do palco, que fica disfarçado e que se chamava na gíria teatral do tempo “Palco de los Calaveras”. Ele ficou lá de arma em punho. Se ele percebesse na sala que alguém se levantava contra o rei, ele matava. O rei ou alguém da Família Real.
* Lutas físicas em defesa da religião
“Semelhante intrepidez ele desenvolveu na defesa da religião. No começo do século XX o governo anticlerical desencadeou uma perseguição contra os religiosos e especialmente com uma lei ímpia, chamada Lei das Associações. Os católicos realizaram uma grande manifestação em defesa dos religiosos na Praça de Toros de Barcelona, à qual assistiu ele com toda a sua ‘mesnada’…”.
É uma expressão antiga pitoresca, quer dizer todos os parentes, todos os empregados, tudo quanto era gente dependente dele, apresentou-se ali junto com ele. Chamava-se “mesnada”. Empregados e trabalhadores.
“Saíamos da praça desarmados e com as mãos nos bolsos – disse o Sr. Ferrer – quando os inimigos começaram a atirar contra nós. ‘A eles!’, gritou o marquês impertérrito. E ele foi quem se distinguiu nessa ocasião enfrentando os que vinham”.
E sem armas, hein?
Universidade Pontificia de Comillas, construída graças aos generosissimos donativos feitos pelo primeiro e sobretudo pelo segundo Marquês de Comillas
* Ajuda aos jesuítas perseguidos pelo governo
“Ele foi quem mais se distinguiu acima de todos, na defesa dos jesuítas, durante a revolta de 1900 em Barcelona, expondo sua vida a grandes perigos. Deu a cada jesuíta um bilhete para que se refugiasse num vapor dele no porto, que atrasou propositalmente sua saída para que os jesuítas pudessem descansadamente atingir o navio, para que este os levasse gratuitamente para onde eles queriam…”
“… trabalhou com o Governador e Capitão Geral para que enviassem ao colégio dos jesuítas nessa ocasião gente que os defendesse à unha. E ele mesmo enviou ali pessoas de sua confiança para que se pusessem à disposição do padre provincial. E ainda que estivesse proibida toda a circulação de carruagens, ele mesmo, às dez horas da noite, foi ao colégio para saber se os padres estavam tranquilos e bem protegidos. Tudo isso está escrito no diário do Pe. Arbona, um dos mártires da nossa última perseguição vermelha”.
* Atuação durante a “semana trágica”
“Ele foi quem, na semana trágica de Barcelona em 1900, defendeu com denodo os religiosos que eram atacados nas suas próprias igrejas“.
Defendeu a tiro, a músculo, os religiosos atacados em sua própria igreja.
“Em uma greve de operários do marquês, ele se encarregou do serviço de bondes. Ele mesmo empunhou, como um simples diretor de bondes, a manivela de um bonde para dirigi-lo. E quando um revolucionário pulou no bonde para imobilizar os seus braços, pelas costas, ele com agilidade voltou-se para trás e meteu uma tal bofetada no homem que este saiu correndo. Porque – seja dito de passagem – o marquês, apesar de suas enfermidades físicas, era muito forte“.
“No sanatório de Panticosa havia ainda um aparelho de ginástica consistente em uma polia com uma corda e um peso. Nenhum dos que ali estavam era capaz de levantar o peso, que só o D. Cláudio conseguia levantar. Vimos com que valentia ele foi entre as turbas agressoras, que em Valência tentavam impedir o embarque dos peregrinos para Roma“.
Aquela história com o bispo e governador da província.
* No enterro de uma vítima dos anarquistas
“Nota um de seus secretários: `Na época do terror em Barcelona ele saia pelas ruas com pistola no bolso, que nunca usou nem usaria para defender-se a si mesmo senão a outros. Foi assassinado pelos socialistas, em Madri, o principal contratista de obras, Sr. Madurell, por ter admitido no trabalho operários de sindicatos católicos. Depois de assistir o enterro desse homem em tais circunstâncias, embora soubesse que era arriscadíssimo, fez questão de acompanhar todo o enterro a pé, porque achou que poderia dar mais valentia aos socialistas e abater mais os católicos, o deixar de assistir ao enterro”.
Então ele foi.
“E contra pareceres de pessoas mais temerosas, ele mesmo presidiu o enterro expondo-se à morte a qualquer momento“.
Os srs. estão vendo, portanto, que era um homem de uma coragem inteiramente excepcional.
* Presença ostensiva em congressos católicos, contra as ameaças de anarquistas: “Deus o guardou”
“As ameaças concretas de morte contra ele foram bastante para que lhe aconselhassem de deixar de comparecer a um grande congresso católico em Madri. Pelo contrário, ele não temeu nada e durante todo o tempo do congresso – era um congresso católico – ele presidiu o congresso e depois foi na frente da procissão, enfrentando as ameaças de morte”.
“No cumprimento de seus deveres – diz o Marquês de Valdeiglesias – ele não teria vacilado nem sequer diante da morte. Quisemos fazê-lo desistir de presidir a Junta da Companhia de Tabacos das Filipinas, porque se supunha que iria ser tormentosa pela conjuração de muitos membros que queriam apresentar um caso para dar um voto de censura contra ele e derrubar a sua diretoria. Apesar dos nossos esforços, ele presidiu o congresso e o dirigiu durante duas horas. À força de medida e de prudência, ele fez com que tudo terminasse em calma“.
Não era apenas um valentão, mas era um homem que sabia aplicar a prudência e a medida nas ocasiões necessárias.
“A sanha dos revolucionários contra o patrão rico e cristão, contra o sustentáculo firme da ordem, era raro que se contentasse com ataques de pena. Como se explica que caindo tantos patrões de escassa significação, não se lembraram, entretanto, de matar o marquês? Deus o guardou, porque ele bem pouco fez para se guardar a si mesmo. Ele acreditava que um de seus deveres era apresentar-se tranquilo, em geral, no meio das perturbações e jamais demonstrar medo, mudando seu modo de viver”.
Quer dizer, se ele saísse em lugares diferentes, para lugares diferentes, a fim de despistar assassinos, ele demonstraria medo. Era o dever dele demonstrar valentia. E só para cumprir este dever, e dar assim coragem aos outros, ele arriscava a vida dele.
* Passeio pelas Ramblas, durante as greves
“A 1º. de maio 1890 os socialistas inundavam la Rambla de Barcelona, como a primeira festa do trabalho. O receio de possíveis agressões fez com que as pessoas, possivelmente alvos de ataques dos socialistas, baixassem as entradas de suas lojas e as venezianas de suas casas. D. Cláudio, pelo contrário, acompanhou o tempo inteiro a manifestação, e era o único que durante o desfile parecia tranquilo. E era ele dos mais visados“.
“Com essa greve geral, o horizonte tornou-se tão ameaçador, que ele fez subir a bordo de um de seus barcos as mulheres de sua família, com ele ficaram apenas a marquesa e seu cocheiro”.
Quer dizer, a marquesa não quis deixá-lo.
“‘Francisquito – disse ele ao cocheiro – quer fazer o favor de tirar o carro da estrebaria para eu sair?’ O cocheiro percebeu e disse: ‘Senhor, com o senhor eu vou para qualquer parte’. Diz o Marquês: ‘Vamos então sair e ver o que acontece’. E sua carruagem foi a única de Barcelona que andou por todas as ruas, fez-se ver, e foi à igreja onde se celebrava as 40 horas de Adoração. Depois ele saiu e fez visita a vários parentes, e voltou para casa sem que ninguém ousasse perturbá-lo em nada“.
“Seu honroso lacaio Fulano de Tal se ufanava em ostentar a benção papal que os marqueses lhe tinham trazido de Roma. E como uma relíquia mostrava o magnífico relógio de ouro de cuja corrente grossa pendia uma autêntica peça de ouro. Esse era um presente de D. Cláudio, agradecido por ele ter arriscado a vida levando-o a cavalo pelas ruas de Barcelona num dia de tanto perigo“.
Quer dizer, ele não agradeceu na hora, mas mandou comprar um relógio de ouro muito bonito, com uma corrente de ouro – usava-se naquele tempo o relógio assim: o relógio neste bolso aqui e, do lado de cá, ia um estojosinho para guardar moedas; e ligando o relógio ao estojo, uma corrente de ouro grossa, que era um símbolo de prosperidade e de importância social. E ao mesmo tempo arranjou para ele uma benção do papa. Entregou o prêmio do heroísmo. Vejam o bonito pensamento: não basta dar ouro, é preciso dar bênçãos.
* Fracassado atentado contra ele
“O Ministro do Governo, Marquês de Vadillo, lhe comunicou oficiosamente que uma junta anarquista de Seltz, tinham decretado sua morte para o ano de 1907 (alguns anos depois, portanto). Ao voltar do sanatório de Panticosa, o conde de La Viñaza lhe envia um folheto do lugar chamado Tárrida de Mármol, publicado no estrangeiro, em que Cánovas, Comillas e outros personagens, eram apontados como causadores das famosas e supostas torturas de Montjuich feitas contra anarquistas”. [Quer dizer, lugar onde diziam que houve torturas, mas eram mentiras socialistas], “Quando o Marquês viu isto já havia sido morto um dos sentenciados, o Cánovas. Ele, portanto, tinha todos os motivos para recear que o segundo seria ele. Contudo ao telegrama do Marquês de Vadillo em que este lhe ofereceu uma escolta de polícia, ele respondeu recusando, e também recusando os sinais do assassino. Se ao voltar algum dia para casa, aparecesse uma pessoa suspeita, ele saberia como agir.
“De fato um dia, ao chegar na sua casa, notou um homem suspeito. D. Cláudio dirigiu-se a ele diretamente, em passo reto e disse: ‘O que o Sr. deseja?’. A resposta: ‘Entregar ao Sr. este pedido’. Mais tarde esse homem explicou que ele tinha a intenção de matar o Marquês ao entregar o pedido. Mas tal era o estilo do Marquês que ele não teve coragem.”
Bem, esses são alguns traços desse homem verdadeiramente excepcional.
O que nós devemos deduzir disso?
Nós devemos deduzir que a verdadeira coragem católica abrange também esse estilo de fortaleza. E que não é apenas uma bondade nhê-nhê- nhê, estilo “Monsegneur Émery” [neologismo para atitude mole e sentimental, n.d.c.], não! Mas é coragem no duro, que na ocasião e dentro dos princípios de moral católica, não recusa nenhuma ocasião.
Com isso, está terminada a coisa do Marquês de Comillas e podemos nos retirar.
“Salve Regina, mater misericordiae…”
Nota: Para o “Santo do Dia” de 23-12-1988 com o início dos comentários à vida do 2o. Marquês de Comillas, clique aqui.