Bem-aventurado Cardeal conde Clemens August von Galen (22/3), exemplo de Prelado em épocas tempestuosas: em plena Alemanha sob jugo de Hitler, increpou o nazismo com todos seus erros

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Nobre de alma e de sangue, Dom Clemens August von Galen (1878-1946) não hesitou em defender os altos interesses da Igreja Católica e de seus fiéis, denunciando a eutanásia, a imposição de costumes imorais, os cultos à natureza e à raça, a negação do direito de propriedade promovidos pelo regime nazista

Vejamos alguns trechos de seus célebres sermões, que se mantêm atuais face à onda de neopaganismo materialista em meio à qual vivemos.

“Eu grito: exigimos justiça!”

Sábado, 12 de julho de 1941: o bispo é comunicado da ocupação das casas dos jesuítas que se encontravam na Königstrasse e em Haus Sentmaring. Com o avanço da guerra, os chefes supremos do partido intensificaram o seqüestro de bens das confissões cristãs, e, bem nos dias em que Münster sofrera graves danos em razão dos bombardeios, a Gestapo começou a deportar sistematicamente religiosos e a ocupar e confiscar conventos. Até os conventos das irmãs de clausura foram seqüestrados. Os religiosos e as religiosas, insultados e expulsos. O bispo agiu imediatamente. Enfrentou pessoalmente os homens da Gestapo, dizendo a eles que estavam exercendo “um papel infame e vergonhoso”, e chamou-os com muita clareza e franqueza de “ladrões e bandoleiros”.

Considerou, então, que chegara o momento de se expressar publicamente. Estava pronto a assumir tudo sobre si, por Deus e pela Igreja, mesmo que isso pudesse custar sua vida. No dia seguinte, depois de preparar a homilia com cuidado, subiu ao púlpito decidido a chamar as coisas pelo nome.

“Nenhum de nós está seguro. Mesmo que em sua consciência seja o cidadão mais honesto, nenhum de nós está seguro de não ser um dia levado de sua residência, espoliado de sua liberdade, remetido aos campos de concentração da polícia secreta de Estado. Estou consciente de que isso pode acontecer hoje até mesmo a mim…” (C. A. Graf von Galen, Un vescovo indesiderabile, op. cit., p. 122). E não hesitou em desmascarar diante de todos as vis intenções da Gestapo, considerando-a responsável por todas as violações da mais elementar justiça social:

“O comportamento da Gestapo traz graves prejuízos a partes muito grandes da população alemã. […] Em nome do povo alemão honesto, em nome da majestade da justiça, no interesse da paz, […] eu elevo minha voz na qualidade de homem alemão, de cidadão honrado, de ministro da religião católica, de bispo católico, e grito: exigimos justiça!” (id., ibid., p. 122).

Com força e segurança, as frases saíam como trovões da sua boca. Denunciou, com ardor indômito, um por um os “atos infames” e os abusos de que tomou conhecimento. “Os homens e as mulheres”, lembra uma testemunha, “puseram-se de pé, ouviram-se vozes de consenso e até de horror e de indignação, coisa que geralmente é impensável aqui entre nós, na igreja. Vi pessoas romperem em lágrimas” (Positio super virtutibus beatificationis et canonizationis servi Dei Clementis Augustini von Galen, vol. I, Summarium, p. 418).

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O sermão pregado no domingo, 20 de julho de 1941, na igreja Nossa Senhora de Münster

O efeito desse primeiro sermão foi avassalador. No segundo sermão, em 20 de julho, a igreja estava mais que lotada. As pessoas vinham de longe para ouvi-lo. Von Galen, mais uma vez, abriu os olhos para a loucura do projeto buscado pelo poder, que levaria o país à miséria e à ruína, e trovejou outra vez:

“Deus seja louvado! Há vários dias, nenhum ataque aéreo veio convulsionar nossa cidade. Infelizmente, eu o devo declarar, o mesmo não se deu no concernente aos ataques de nossos inimigos internos.

“Como havia oficialmente denunciado no último domingo, a Gestapo [polícia secreta nazista] cometeu uma infâmia flagrante ao dissolver a congregação do convento de Wilkinghege e a casa dos jesuítas de Münster, confiscando seus bens – móveis e imóveis –, lançando seus habitantes na rua e os expulsando de sua pátria. A administração regional (Gauleitung) igualmente confiscou o Convento de Nossa Senhora de Lourdes, localizado na Frauenstrasse. Nesse mesmo dia, domingo 13 de julho, a Gestapo ocupou o colégio São Camilo. Depois, no dia 15 de julho, os beneditinos da Abadia da Adoração perpétua de Vinnenberg foram expulsos para além da fronteira da província. No dia 17, foram as religiosas da Santa Cruz da casa de Aspel, próxima de Rees; foi preciso que elas abandonassem não apenas sua propriedade, mas ainda deixassem a circunscrição de Rees.

“Sem a caridade cristã, estes infelizes, estes homens e estas mulheres sem abrigo, teriam sido entregues à fome e às intempéries.

“Tais vias de fato, contrárias a qualquer espírito cavalheiresco e só podendo provir de um ódio profundo contra a Religião cristã e a Igreja Católica, têm por efeito a sabotagem e a destruição da coesão nacional.

“Não! Nenhuma comunhão de pensamentos ou de sentimentos é possível entre eu e eles e todos os que participam de suas responsabilidades.

“Assim, conforme nos recomendou nosso Salvador, estamos decididos a rezar por todos os que nos perseguem e nos caluniam. Mas recuso qualquer acordo com eles enquanto continuarem a despojar os inocentes de seus bens, a expulsá-los ou a interná-los.

“Obviamente, nós, cristãos, não faremos uma revolução. Continuaremos a cumprir nosso dever em obediência a Deus e por amor à nossa pátria e aos nossos compatriotas.

“Vemos claramente e temos experiência do que esconde a nova doutrina [refere-se à doutrina defendida pelo Partido Nacional-socialista], esta que nos é imposta há vários anos, em nome da qual a religião foi banida das escolas, nossas associações são oprimidas e os jardins de infância católicos supressos: um ódio insondável ao Cristianismo, que se deseja exterminar.

Pais cristãos, vós deveis vos preocupar com tudo isto, se não quereis faltar aos vossos mais sagrados deveres, se quereis ter a consciência em paz e subsistir diante de Quem vos confiou estas crianças, para que por vós fossem conduzidas nos caminhos de Deus.

Obedecer a Deus antes que aos homens! Deus se dirige a cada um de nós por meio da consciência formada pela fé. Obedeçamos sempre e sem hesitação à voz de nossa consciência. Sigamos o exemplo daquele Ministro da Justiça prussiano, de Frederico o Grande, o qual pediu para que anulasse um julgamento que fizera, dentro de toda legalidade, e que modificasse seu veredicto, atendendo aos desejos do soberano. Este cavalheiro deu a seguinte magnífica resposta: ‘Minha cabeça está à disposição de Vossa Majestade, não porém minha consciência`. Desapareceram os homens dessa têmpera, que defendiam a todo custo suas convicções? Eu não posso nem quero acreditar que tal tenha sucedido. Antes morrer do que pecar! Que a graça de Deus, sem a qual nada podemos, nos proporcione – a vós e a mim – esta firmeza inabalável e nela nos mantenha!”

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Os nazistas substituem o Deus verdadeiro por ídolos

Mas foi o terceiro sermão, que, pela virulência das palavras, foi julgado pelo Ministério da Propaganda “o ataque frontal mais forte desferido contra o nazismo em todos os anos de sua existência”.

O bispo tomara conhecimento pessoalmente do plano de extermínio dos deficientes, dos velhos, dos doentes mentais e das crianças paralíticas nos sanatórios da Vestefália. O plano era mantido em segredo pelos nazistas. Comenta uma testemunha (Positio…., vol. I, Summarium, p. 422): “Só quem experimentou o tempo da ditadura nazista pode medir o significado das seguintes palavras que um bispo ousou pronunciar”, no dia 3 de agosto de 1941, domingo, na igreja Nossa Senhora de Münster:

Quanto não se observa até aqui, em Münster, de impúdico e de vil! A que despudor nos trajes os jovens são obrigados a se habituar: é a preparação de adúlteros futuros! Destrói-se o pudor, esta muralha da castidade.

“Como acreditar ser possível manter um respeito sincero e uma obediência conscienciosa para com as autoridades do Estado, se se continua a violar os Mandamentos de Deus, a combatê-los, a tentar exterminar a fé em Deus, o Senhor do céu e da terra?

“Em lugar do único Deus verdadeiro, Eterno, inventam-se e veneram-se ídolos ao seu bel-prazer: a natureza, o Estado, o povo, a raça. E numerosos são aqueles cujo deus verdadeiro é ‘o ventre`– para retomar a expressão empregada por São Paulo em sua epístola aos Filipenses (3,19) –, ou seja, o bem-estar pessoal, ao qual sacrificam tudo, até a honra e a consciência; o prazer dos sentidos, a ebriedade com o dinheiro, com o poder! Em seguida, procuram auto atribuir-se direitos divinos, como a audácia de se dizerem com direito de vida e de morte em relação aos seus semelhantes.

“Jesus chora. Ele chora por causa deste pecado abominável e pelo castigo inevitável. Deus não permite que se zombe dEle impunemente.

“Queremos evitar qualquer relacionamento com quem persiste em desafiar o Tribunal de Deus. Queremos nos subtrair, a nós e aos nossos, à influência de quem faz causa comum com os que desviam nossa juventude do Cristianismo, que expropriam nossos religiosos, que enviam seres inocentes para a morte. Não queremos ser contaminados por seus pensamentos e suas atitudes contrárias à Vontade divina, a fim de não nos tornarmos cúmplices e incorrermos, por causa disto, no castigo que Deus, em sua justiça, deve infligir e infligirá a todos os que, semelhantes à ingrata cidade de Jerusalém, não querem o que Deus quer.

“Ó Jesus, Sagrado Coração, afligido até às lágrimas pela cegueira e pelas iniqüidades dos homens, ajudai-nos por vossa graça, para que procuremos sempre o que Vos é agradável e renunciemos ao que Vos desagrada, a fim de que guardemos vosso amor e encontremos a paz de nossas almas! Amém.”

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Os sermões tiveram enorme difusão e logo deram a volta ao mundo. Foram impressos e lidos em toda parte. Chegaram até aos soldados no front. Basta dizer que as pessoas cobiçavam a tal ponto possuí-los que os sermões se apresentavam como moeda de troca por mercadorias. O povo alemão, cristão e não cristão, os ouvia com enorme gratidão. Pela documentação encontrada entre os destroços de Berlim, vê-se que no inverno de 1941-1942 muitos judeus foram presos pela Gestapo pela difusão dos “sermões subversivos” do bispo de Münster (nota: a respeito da relação do bispo de Münster com os judeus, consultem-se as biografias de Von Galen: Max Bierbaum, Nicht Lob nicht Furcht, Münster, 1974; Joachim Kuropka, Clemens August Graf von Galen. Neue Forschungen zum Leben und Wirken des Bischofs von Münster, Münster, 1992).

Por esses discursos, todos pensavam, inclusive o bispo, que dentro em pouco ele viria a ser justiçado. O chefe das organizações juvenis da SS publicou esta declaração: “Eu o chamo o porco C. A., ou seja, Clemens August. Esse alto traidor e traidor do País, esse porco está livre e usa a liberdade para falar contra o Führer. Deve ser enforcado” (R. A. Graham, “Il ‘Diritto di uccidere’ nel Terzo Reich – Preludio al genocidio”, in: La Civiltà Cattolica, 15 de março de 1975, vol. I, p. 154). No entanto, isso não aconteceu.

O “caso Von Galen” foi minuciosamente discutido pelo Ministério da Propaganda e na Chancelaria do partido. Até o “delfim” de Hitler, Martin Bormann, queria enforcá-lo. Mas o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, aconselhou o Führer que adiasse sua execução, por cálculos de oportunidade política. A tática do regime era não fazer dele um mártir, e matá-lo significaria perder o consenso de parte da população, particularmente dos soldados no front. Os nazistas adiavam, assim, “o acerto de contas” com Von Galen para depois da “vitória final”Só então, declarou Hitler em 4 de julho de 1942, se acertariam as contas com ele, “até o último centavo”.

O irmão de Von Galen, conde Franz, dá este testemunho: “Mesmo que não tenha sido preso, meu irmão continuava a ser exposto aos ataques, aos abusos e às injúrias dos inimigos da Igreja. Conservou, apesar disso, sua postura ereta e continuou a anunciar a verdade intrepidamente. Um dia, eu lhe perguntei o que tínhamos de fazer caso ele fosse preso. ‘Nada’, foi sua resposta. ‘São Paulo também ficou preso por muitos anos e o Senhor não tinha medo de que os pagãos não se convertessem por algum tempo.’ Ele me dizia que as forças diabólicas haviam entrado em ação, mas lembrava também as palavras confortadoras do Senhor: ‘As portas do inferno não prevalecerão sobre a Igreja’” (Positio, op. cit., vol. I, Summarium, p. 65).

Fontes de referência: Catolicismo, Abril de 1997 e 30 Dias, número 08, 2004.

Abaixo, vídeo-documentário MUITO BOM, com áudio em italiano e subtítulos em espanhol e em inglês.

 

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