Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Reforma Agrária socialista e confiscatória – A propriedade privada e a livre iniciativa, no tufão agro-reformista

 

1985

Secção B – O utopismo agro-igualitário, fundamento filosófico-jurídico do PNRA

TEXTO DO PNRA

1 – INTRODUÇÃO

1 . A necessidade de profundas modificações de estrutura agrária do País é social e politicamente reconhecida há várias décadas.

2 . Em 1946, a Assembléia Nacional Constituinte incorporou à Carta Magna o imperativo constitucional de “promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

3 . Foram inúmeras as propostas de ampliação das bases legais para a realização das transformações estruturais no campo, sempre mais e mais reclamadas pelos movimentos sociais, oriundas de entidades representativas dos diversos segmentos organizados da sociedade, ao longo das duas décadas seguintes.

4 . Na proposta do Plano Trienal (1961/1963) reconheceu-se  que a deficiente estrutura agrária constituía empecilho à expansão do mercado interno consumidor e, em conseqüência, do próprio processo de industrialização.

5 . Com a Emenda Constitucional n.o 10, de 30 de novembro de 1964, foi dado um passo concreto a fim de se eliminar entraves ao cumprimento daquela disposição constitucional mencionada, suprimindo-se a exigência da prévia e justa indenização em dinheiro nos casos de desapropriações de áreas para fins de Reforma Agrária, e substituindo-a pela indenização com Títulos Especiais da Dívida Agrária.

6 . Mas só com a promulgação do Estatuto da Terra, em 30-11-64, o Brasil passou a contar com um balizamento jurídico-institucional mínimo para instrumentar a necessária transformação de sua estrutura agrária. No Estatuto estão os princípios e fundamentos filosófico-jurídicos que exigem e justificam a intervenção do Estado para a concretização dessa mudança. Nele estão também delineados as formas de ação governamental, consubstanciadas nas políticas de Reforma Agrária e Agrícola, os objetivos sociais, econômicos e políticos a serem atingidos, bem como os instrumentos possíveis de serem utilizados e as diretrizes operacionais a serem seguidas na implementação daquelas políticas distintas.

 

COMENTÁRIO

A necessidade de profundas modificações de estrutura agrária do País é social e politicamente reconhecida há várias décadas” (n.o 1).

Reconhecida” por quem?

A leitura sumária dos três tópicos seguintes (n.os 2, 3 e 4) dá, à primeira vista, a impressão de que esse “reconhecimento” é um clamor progressivamente emanado do mais profundo das aspirações populares do País, e expresso numa série impressionante de diplomas legais. A análise paciente e detida do texto mostra coisa diversa.

O dispositivo da Constituição de 1946 mencionado no tópico 2 contém uma referência à “justa distribuição da propriedade”. Porém uma distribuição justa não significa necessariamente uma distribuição igualitária.

Nessa matéria, a justiça consiste em que, em toda a medida permitida pelas contingências neste vale de lágrimas, todos – indivíduos e famílias – tenham pelo menos o necessário para subsistir de modo suficiente e digno. Porém ela não exclui que, isso posto, alguns possuam mais do que outros. Pode-se até afirmar que, em determinadas condições, uma proporcionada abundância para todos só pode resultar da desigualdade nas atividades agropecuárias. E, neste caso, a injustiça estará na igualdade (cfr. Comentário ao n.o 18).

Ora, o PNRA, fazendo abstração disto que entretanto é óbvio, erige como princípio de justiça a igualdade na estrutura agrofundiária do País. Não propriamente a igualdade de propriedades, já que a propriedade individual, ele a omite quase totalmente, para só preparar um futuro fundiário baseado em “assentamentos” de posseiros, de usuários. Mas, de uma igualdade de situação, em face da terra, de todos os indivíduos, distribuídos pelo PNRA nesses formigueiros de desiguais dimensões, que serão – não o permita Deus – os assentamentos.

Imagine o leitor formigas vivendo em situação idênticas, embora em formigueiros de tamanhos desiguais: terá uma idéia do que seja o igualitarismo de situações individuais, nos assentamentos de desiguais dimensões, previstos no PNRA (cfr. Comentário aos n.os 107 a 113, 141-142, 147).

Análogas ponderações se poderiam fazer acerca da “igual oportunidade para todos”, também estabelecida pela Constituição.

* * *

Foram inúmeras as propostas de ampliação das bases legais para a realização das transformações estruturais no campo, sempre mais e mais reclamadas(n.o 3). – Tais propostas, de que setores da população provinham? O PNRA se esquiva de especificar. Simplesmente passa dessa referência vaga, a um círculo mais restrito, dos que constituem o cerne “mais e mais reclamante” de onde provêm as reivindicações reformistas. As propostas “inúmeras” pareceriam provir de pessoas ou grupos “inúmeros”. É absolutamente notório que os “movimentos sociais”, as “entidades representativas dos diversos segmentos organizados da sociedade”, desejosos da Reforma Agrária “ao longo das duas décadas seguintes”, foram constantemente compostos de pequenas minorias de brasileiros, aglutinados em proporcional minoria de grupos.

Mas o PNRA, usando esse hábil método expositivo, talvez consiga dar a muito leitor incauto a impressão de um clamor público crescente, de um gemido ascendente de dor e indignação, ao qual por fim ele, PNRA, vai trazendo o remédio necessário. Ou seja, a igualdade de situações individuais no regime de assentamentos.

* * *

Sempre brumoso, o PNRA continua: “Na proposta do Plano Trienal (1961/1963) reconheceu-se...” (n.o 4). – Quem, entre o grande público, conhece em que consiste esse “plano”? Em todo caso, o que dele refere o PNRA não importa na afirmação de que a “deficiente estrutura agrária” ali reconhecida deva ter como corretivo a organização radicalmente igualitária que o PNRA propõe. Não se vê portanto, por que razão ele figura nesse cortejo de aspirações igualitárias, com o qual o PNRA procura justificar suas teses.

* * *

Chega assim o documento à Emenda Constitucional n.o 10, de 30 de novembro de 1964 (tópico 4), e ao Estatuto da Terra, da mesma data (tópico 5), um e outro efetivamente igualitários.

Entre o dispositivo da Constituição de 1946 e os atos legislativos de 1964 – ou seja, em 18 anos – o que de verdadeiramente representativo do País, e ao mesmo tempo de agro-igualitário, consegue mencionar o PNRA? Nada. Ou pouco mais do que nada. Do que dificilmente se dará conta o leitor corrente, ao qual não sobra tempo nem paciência para pormenorizações e para uma análise detida como esta.

* * *

O PNRA aborda no tópico 6 um aspecto do assunto, não exclusivamente econômico. Ao falar do Estatuto da Terra, afirma com razão que nele “estão os princípios e fundamentos filosófico-jurídicos que exigem e justificam a intervenção do Estado para concretização dessa mudança”. Isto é, da Reforma Agrária. Apraz encontrar no PNRA o reconhecimento da importância dos princípios “filosófico-jurídicos” nessa matéria, a qual tantos espíritos – inclusive agricultores e homens de negócio anti-agro-reformistas – vêem como exclusivamente econômica [1].

A preocupação pela justiça na área rural constitui, até, um dos aspectos dominantes do documento. Mas isto coloca o PNRA num campo que não é isento de problemas (cfr. Parte I, Cap. I, 5).

TEXTO DO PNRA

7 . Decorridos 21 anos desde a promulgação do Estatuto, o mínimo que se pode dizer é que os resultados da ação são absolutamente frustrantes.

8 . De acordo com os dados do Censo Agropecuário de 1980, os estabelecimentos com área igual ou superior a 1.000 hectares representavam cerca de 1% do total de propriedades rurais e aproximadamente 45% da área total. Em contrapartida, os estabelecimentos com  área inferior a 100 hectares configuravam quase 90% do total, mas sua participação era de apenas 20% na área total recenseada.

9 . Os dados do Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA, cuja implantação foi posterior à promulgação do Estatuto, refletem em maior precisão a concentração da propriedade fundiária, já que individualiza o “imóvel rural”, que se constitui em uma unidade de propriedade e posse da terra, enquanto que o Censo Agropecuário do IBGE define o “estabelecimento agropecuário”, que se constitui em uma unidade de produção.

10 . Assim, os imóveis com mais de 1.000 hectares que em 1967 ocupavam 46,9% da superfície total dos imóveis rurais do País, passaram a deter 58,3% em 1984. No outro extremo, os imóveis com menos de 100 ha tiveram sua participação reduzida de 18,7%, em 1967, para 14,0% em 1984. A má distribuição da terra pode ser melhor avaliada pelas cifras coletadas no levantamento: os imóveis com mais de 1.000 ha representavam, em 1984, apenas 2,0% do total e os com menos de 100 ha, 83,2%. Destes últimos, 66,4% (em números absolutos mais de 1.700.000 imóveis) possuíam superfície inferior a 25 ha.

11 . A concentração da posse da terra, historicamente garantida e contemporaneamente estimulada, fez prevalecer a injustiça social no campo. Enquanto, em 1984, constatava-se a existência de 10,6 milhões de trabalhadores rurais sem terra, os imóveis considerados segundo o Estatuto como latifúndios (portanto, não cumprindo sua função social) apropriavam 409 milhões de hectares. Esses imóveis apresentavam em 1972 cerca de 25% da sua área aproveitável não explorada. Essa situação agravou-se de forma substantiva, tanto que, em 1984, passou a ser de 41% a área aproveitável não explorada.

12 . Essa injusta situação social relativa à posse e uso da terra é agravada ao se considerar que os proprietários de imóveis acima de 1.000 há, na sua totalidade, apresentavam até o fim de 1984 débito acumulado, para com o Estado (indiretamente lesando os Municípios), de 20,2 bilhões de cruzeiros, cifra relativa ao não pagamento dos tributos rurais.

 

COMENTÁRIO

O PNRA passa a descrever, nestes tópicos, o que ocorreu no Brasil em matéria agrária, “decorridos 21 anos desde a promulgação do Estatuto” (n.o 7). E, à maneira de tese que se propõe demonstrar, afirma com ênfase: “O mínimo que se pode dizer é que os resultados da ação [governamental] são absolutamente frustrantes” nesse período.

Seguem-se então alguns dados estatísticos que serão analisados no estudo especializado do economista Carlos del Campo (cfr. Título II, Cap. I).

 

TEXTO DO PNRA

13 . A tendência à concentração e ao uso indevido da terra pelos latifúndios foi também acompanhada pelo aumento dos conflitos sociais e de mortes e violências de todo tipo.

14 . A estatística trágica dos conflitos de terras mostrou, nos últimos tempos, a evolução que se vê na tabela 1.

Tabela 1: Conflitos pela terra e mortes. Brasil 1971/1984

 

Ano

Ocorrências (no.)

Mortos (no.)

1971

109

20

1976

126

31

1981

896

91

1984 (*)

950

180

 

FONTE: CONTAG, CPT, ABRA; (*) Estimativa

 

COMENTÁRIO

O histórico feito nos tópicos precedentes desfecha em uma conclusão (n.o 13), seguida de uma tabela estatística dos “conflitos pela terra e mortes” (Tabela 1).

A conclusão dá ao leitor desprevenido a impressão de que o “aumento dos conflitos sociais e de mortes e violências de todo tipo” que “acompanhou”, segundo o PNRA, “a tendência à concentração e ao uso indevido da terra pelos latifúndios” é fruto autêntico e indiscutível de tal tendência.

Pois se uma coisa “acompanhou” outra, parece ser causada por esta outra.

Talvez por isso, imaginando inteiramente explicado o agravamento da agitação agrária, o PNRA se abstém aqui de mencionar qualquer outra causa para o fenômeno. No que se mostra coerente com a Apresentação.

Na realidade, esse modo de raciocinar constitui um erro que a sã filosofia exprime na fórmula “post hoc, ergo propter hoc” (depois disto, portanto em conseqüência disto).

O efeito é posterior à causa, mas é errado supor que tudo quanto se segue a um fato é necessariamente efeito deste.

Nesse falso silogismo incorre inadvertidamente a Introdução do PNRA. Em conseqüência, esta última – também aqui coerente com a Apresentação – se dispensa de qualquer referência à responsabilidade da agitação promovida pela esquerda católica, ou pelos movimentos políticos ateus. A culpa, o PNRA só a vê nas propriedades a que qualifica de “latifúndios”.

* * *

Não deixa de causar estranheza que um Ministério não cite sequer uma fonte oficial sobre o número de “conflitos pela terra e mortes”. E a estranheza sobe de ponto quando se constata que a “estatística trágica dos conflitos de terras” se baseia em dados fornecidos por três entidades pública e notoriamente agro-reformistas e, a tal título, interessadas em dramatizar tais conflitos: a CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura; a CPT – Comissão Pastoral da Terra; e a ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária.

Quanto à CPT, ela não só está interessada em dramatizar a “situação de violência no campo” (cfr. tópico 83), mas ela é um dos principais responsáveis por essa violência, como instigadora de conflitos (cfr. CEBs, pp. 171-201; “Catolicismo”, n.o 402, junho de 1984 e n.o 406-407, outubro-novembro de 1984).

Pode-se confiar inteiramente nos números apresentados por essas entidades?

 

TEXTO DO PNRA

15 . É patente o agravamento da questão agrária nacional. Ao longo desses mais de vinte anos de vigência do Estatuto da Terra foram intensas e variadas as lutas pela sua efetiva aplicação. O movimento sindical dos trabalhadores rurais – principais interessados no processo da Reforma Agrária – apesar da violência da repressão sofrida no período, se organizou, cresceu e fortaleceu. Outras entidades representativas de diferentes segmentos da sociedade empenharam-se também nesse processo e, ao longo desses anos, proliferaram as análises e as denuncias sobre a evolução do quadro agrário, os erros, desvios, contradições e equívocos que se acumularam a cada fase de ação do governo, bem como reivindicações e proposições alternativas para a questão.

16 . Assim, cumpre que se explicite, com objetividade, os principais conceitos e definições ora assumidos, bem como os equívocos e distorções identificados na formulação e aplicação das políticas, planos, programas e projetos governamentais até o momento. Urge, ainda, oferecer ao amplo e democrático debate da sociedade e, em particular, das entidades representativas dos principais beneficiários da ação de governo, a estratégia global que se pretende adotar na aplicação do Estatuto da Terra e demais instrumentos legais disponíveis em relação aos métodos e procedimentos operacionais, além de se reclamar a ação executiva que o problema requer.

 

COMENTÁRIO

O PNRA elogia no tópico 15, não sem calor, os movimentos agro-igualitários que vieram atuando em favor da Reforma Agrária no período de vinte anos de vigência do ET, sem tomar o trabalho de discriminar entre os que, ao seu ver, o tenham feito legal ou ilegalmente, de modo ordeiro ou violento.

Quanto às reações anti-agro-reformistas, indiscutivelmente importantes durante o mesmo período, já que o PNRA as responsabiliza – de modo aliás, muito fluido, se bem que claro – pela parca aplicação do Estatuto da Terra, o tópico 15 é vago. Mas encontra meios de, sem embargo, ser acusatório.

No espírito de quem tiver lido esse tópico 15, fica pairando a impressão de que “os equívocos e distorções identificados na formulação e aplicação das políticas, planos, programas e projetos governamentais até o momento” – referidos no n.o 16 – lograram prevalecer por motivo da ação de não sabemos que confusas e poderosas forças malfazejas.

Na propaganda agro-reformista religiosa, como na atéia, essas forças costumam ser identificadas com o capitalismo cruel e inimigo dos pobres...

TEXTO DO PNRA

17 . Em relação aos princípios, conceitos e definições que norteiam as propostas das ações governamentais, com vistas ao atendimento das reivindicações da ampla maioria da Nação e cumprimento dos compromissos da Aliança Democrática, de restauração da democracia e de efetiva aplicação do Estatuto da Terra, torna-se indispensável esclarecer o entendimento que presidiu a elaboração do presente documento.

18 . Inicialmente, cabe salientar a total identidade dos conceitos essenciais que informam a definição de Reforma Agrária constante do Estatuto da Terra com o conceito de democracia implícito no mandamento constitucional imperativo de “promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

“ Art. 1º .....

§ 1º - Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição de terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social  e ao aumento de produtividade”.

“ Art. 2º - É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei”.

“ Art. 16 – A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do País, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio”.

19 . Essa identidade é, de fato, de tal forma significativa que demonstra, de forma patente, a impossibilidade da realização plena do amplo projeto democrático da Nova República sem a realização da Reforma Agrária.

 

COMENTÁRIO

Segundo o tópico 18, a democracia parece identificada com a justiça, a qual estaria perfeitamente definida no princípio constitucional que preceitua “a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

Da leitura do PNRA se deduz a conseqüência inevitável desse entendimento da justiça: a igualdade das situações agropecuárias individuais. É forçoso concluir que, nessa perspectiva, a justiça importaria também na supressão da hereditariedade das situações pessoais. Pois do contrário não haveria efetivamente a “igual oportunidade para todos” que o PNRA parece entender do modo mais radical.

* * *

... a fim de atender aos princípios da justiça social”. – Bem se vê que as medidas preconizadas pelo PNRA podem ser encaixadas no conceito mais vago de “justiça social” do Estatuto da Terra. É de lamentar que o PNRA, o qual contém várias definições, se omita de enunciar com precisão os conceitos filosóficos e morais em que se baseia, limitando-se a uma remissão aos “princípios e fundamentos filosófico-jurídicos” que norteiam o ET (cfr. n.o 6). Mas seus anseios de igualdade – que freqüentemente afloram ao longo do texto – visam sempre uma igualdade de situações individuais no regime agropecuário, a qual não é compatível com a doutrina católica. (Sobre o igualitarismo, enquanto considerado do ponto de vista dos documentos tradicionais do Magistério Eclesiástico, cfr. RA-QC, pp. 32-33, 48-49, 62 a 68, 92 a 107, 177 a 180; SC, pp. 80 a 88, 180 a 182, 196 a 198).

* * *

Ao se identificar com o art. 2º do Estatuto da Terra, o qual declara “assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra”, o PNRA se mostra contraditório, ou pelo menos altamente ambíguo.

Com efeito, adiante se verá que ele visa assegurar, isto sim, o acesso à condição de “assentado” para grande número de trabalhadores da terra. Mas essa condição – que o PNRA também não define com clareza, embora tal fosse absolutamente necessário, dado que ele fez do “assentamento” o vínculo normal e generalizado entre o trabalhador e a terra (cfr. Comentário ao n.o 137) – difere muito sensivelmente do conceito de propriedade, como o estabelece o ensinamento tradicional da Igreja (cfr. RA-QC, pp. 33-34, 97 a 101, 185 a 188, 193 a 204; DMA, pp. 10-11; e SC, pp. 156 ss., 180 a 182, 196 a 198 e 213). De sorte que, ou o ideal enunciado pelo presente artigo do Estatuto da Terra não constitui realmente a meta do PNRA ou, se constitui tal meta, então tudo quanto o PNRA afirma sobre o “assentamento” precisa ser revisto, reajustado, remodelado.

Tenha-se presente que este é um dos pontos mais importantes de todo o PNRA.

* * *

É de notar a cândida esperança do PNRA (aqui expressa com palavras do ET), de que simplesmente “a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio”, a qual estabelecerá um novo “sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra”, seja “capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do País”. Em suma, seja capaz de conduzir a uma era de ouro. Atitude de espírito que perpassa todo o PNRA (cfr. Comentários aos n.os 178, 254, 271), e que traz, intrínsecos, todos os riscos das utopias.



[1] Sobre a importância dos aspectos doutrinários da questão agrária, cfr. HENRY MAKSOUD, Motivos para rechaçar a proposta de Reforma Agrária, in “Visão”, 10-7-85.


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