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Plinio Corrêa de Oliveira
A
Reforma Agrária socialista e confiscatória – A propriedade privada e a
livre iniciativa, no tufão agro-reformista
1985 |
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Parte II –
No PNRA, socialismo x propriedade privada, autogestão x livre iniciativa
– alguns comentários
Secção
A - Reforma Agrária, um sacrifício certo e ingente, para obter uma
vantagem incerta e vácua, à custa de riscos vertiginosos[1]
TEXTO
DO PNRA Ministério
da Reforma e do Desenvolvimento Agrário – MIRAD Proposta
para a elaboração do 1º Plano Nacional de Reforma Agrária
da Nova República – PNRA Brasília,
maio de 1985 APRESENTAÇÃO Honrando
os compromissos assumidos pela Aliança Democrática, estamos
apresentando, para conhecimento e debate da Nação, a Proposta
para a elaboração do 1º PLANO NACIONAL DE Reforma Agrária,
com que a Nova República dá início ao resgate
desta imensa dívida social perante a sociedade brasileira. Assim
fazemos, no cumprimento da lei no. 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto
da Terra) e em consonância com
o 4º Plano Nacional de Desenvolvimento, que o governo do
presidente JOSÉ SARNEY acaba também de anunciar. Esses procedimentos
têm sido adotados através de simples decretos do Executivo, como
determina a lei em vigor mas entendemos que assunto de tal relevância
deve ser antes discutido com a sociedade civil e com as legítimas
representações dos trabalhadores e proprietários rurais. A audiência
do Congresso Nacional é buscada pela manifestação dos partidos e das
suas lideranças, já que se trata de simples operacionalização de lei já
votada e em execução há mais de quatro lustros. Completa-se,
com esta providência, o elenco de medidas preliminares iniciado com a
criação do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário e a
adaptação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária às
suas novas funções. Esperamos
que todos nos ajudem a implantar a Reforma Agrária no Brasil e com isso,
colocar em uso milhões de hectares de terras agricultáveis mantidos como
reserva de valor; evitar que o País se transforme, dentro de uma década,
em uma imensa praça de guerra, onde se multipliquem os conflitos agrários;
estancar as migrações predatórias que derrubem inutilmente florestas e
pressionem as cidades já saturadas e incapazes de oferecer empregos e
serviços; incorporar, enfim, à
vida econômica e política da Nação, milhões de patrícios que estão
atualmente afastados do nosso convívio de País que legitimamente aspira
ao pleno desenvolvimento. NELSON
RIBEIRO MINISTRO
DA REFORMA E DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO COMENTÁRIO A
Proposta para a Elaboração do 1º Plano Nacional de Reforma
Agrária da Nova República (PNRA) tem como pressuposto a lei n.o
4.504, de 30 de novembro de 1964, o Estatuto
da Terra. Este, como já ficou visto (cfr. Parte I, Cap. I, 2), é
complementado por cerca de 696 outros diplomas legais dispondo sobre a
mesma matéria. O que torna o estudo do PNRA inviável para o homem comum,
a cuja apreciação o mesmo PNRA foi submetido por louvável decisão do
Governo Sarney. Acresce,
para dificultar tal estudo, que o PNRA deverá ser executado “em
consonância com o 4º Plano Nacional de Desenvolvimento que o
governo do presidente José Sarney acaba também de anunciar”. Tal
circunstância tornará ainda mais ampla a massa de material de estudo a
ser analisado e tomado em conta. *
* * Uma
primeira motivação do PNRA, segundo a Apresentação
do Ministro Nelson Ribeiro, é “colocar
em uso milhões de hectares de terras agricultáveis mantidos como reserva
de valor”, de modo a “evitar
que o País se transforme, dentro de uma década, em uma imensa praça de
guerra, onde se multipliquem os conflitos agrários”. 1
. Esse prognóstico importa em supor que existe no País uma gravíssima
ameaça. Ora, tal suposição ou é considerada como obviamente
verdadeira, pelos partidários da Reforma Agrária, ou devem eles dar à
Nação amplas provas dela. Como
nenhuma prova é sequer esboçada, só se pode concluir que eles
considerem óbvia a existência de tal ameaça. E,
a ser assim, é por sua vez evidente que tomam por autênticas as agitações
agrárias tão artificiais, de que o Brasil está sendo palco, e entendem
que: a
) a não se fazer a Reforma Agrária pretendida pelo Governo, o nosso pacífico
País se transformará na tal “imensa
praça de guerra”; b
) pelo contrário, se forem atendidas as intenções agro-reformistas do
Governo, todos os problemas se resolverão, todo o País se aquietará
etc. Como
evidentemente o ponto de partida de toda a argumentação usada pelos
partidários da Reforma Agrária consiste, neste ponto, na suposição de
que a agitação agrária procede, não da manipulação de alguns setores
da população rural por eclesiásticos e leigos influenciados pela
Teologia da Libertação, e em estreita cooperação com comunistas de
variados matizes, mas da autêntica indignação popular, seria preciso
que fosse demonstrada a objetividade do pressuposto no qual se colocam.
Ora, tal não se dá. De onde cair por terra todo o valor dessa argumentação,
pelo menos para aqueles que vêem na fermentação revolucionária artificial a causa principal da agitação
agrária. Porém
o tema acarreta ainda outra indagação. Uma vez que os partidários da
Reforma Agrária estão persuadidos da autenticidade da agitação rural,
devem eles explicar à Nação quais
são, no seu modo de ver, as
causas de tal agitação, até que ponto elas se fundam na situação de
carência dos trabalhadores rurais, quais são as verdadeiras características
dessa carência, e a amplitude dela no território nacional. Também
nada disso se encontra no PNRA. 3
. Com uma franqueza na qual os promotores do PNRA devem ver a expressão
de um cordial desejo de colaboração, ficam aqui feitas mais estas
perguntas: até que ponto a agitação
rural tem como causa esse estado de carência também nas zonas prósperas
do Estado de São Paulo e de outros Estados do Brasil, onde entretanto
ela se tem manifestado com impressionante pertinácia? Há algum nexo
psicológico entre as agitações rurais e as agitações urbanas nesse
Estado? Por exemplo, entre as agitações rurais da região de Ribeirão
Preto (Guariba, Sertãozinho, Bebedouro, etc.) e as escandalosas greves
dos metalúrgicos do ABC e de São José dos Campos [2]?
Até que ponto o estado de carência
é responsável pela conduta dos grevistas da metalurgia, não
obstante serem eles os operários mais bem pagos do Brasil? 4
. Dir-se-ia que os próprios líderes de certas greves rurais e urbanas
reconhecem o artificial de seu movimento, uma vez que não encontram meios
de dar um mínimo de amplitude às ditas greves, sem o recurso a
piqueteiros. Isso, que constitui uma confissão indireta da
artificialidade subversiva, não leva os promotores do PNRA a desconfiar
que tal artificialidade, patente nesses casos, se projeta ao longo de
ramificações subterrâneas cuja extensão ninguém do grande público
pode conjeturar com firmeza. 5
. A tal propósito, cumpre finalmente perguntar: como vêem os promotores
do PNRA a inércia de certas autoridades estaduais ante essa ação dos
piqueteiros, a qual aos próprios grevistas inflige considerável prejuízo,
pois lhes desfigura o movimento, e os torna antipáticos aos próprios
colegas? Todas
estas são questões às quais é indispensável responder para que sobre
o PNRA opine o País. Entretanto,
é forçoso reconhecer que elas são múltiplas e delicadas, e impõem
assim um considerável prolongamento do prazo de debates, cuja dilatação
até o dia 20 de agosto p.f. é manifestamente insuficiente para abarcar. 6
. Outro pressuposto do PNRA está em que a transformação das grandes e médias
propriedades em “assentamentos” autogestionários e cooperativizados
(cfr. Comentário ao n.o 137), e que a substituição da família
proprietária, tanto quanto possível, pela família “assentada”
resolverá os problemas do campo, sobretudo a situação de carência dos
trabalhadores rurais, a qual costuma ser alegada por todos os
propugnadores do agro-igualitarismo. Ora,
a imensidade da transformação proposta tem proporção com a amplitude
da alegada carência? E, de outro lado, o
regime de salariado será de tal maneira defeituoso, que não poderia ser
sujeito a progressivas melhorias, de maneira a evitar para o País a
imensa reforma visada pelo PNRA? A situação dos trabalhadores rurais
é bem essa, insinuada pelo PNRA? Os remédios apontados por ele são
realmente eficazes para atingir tal fim? São os únicos? Onde as provas
de tudo isso? Tampouco
sobre esses pontos o PNRA dá informações. 7
. Por que não publica o Governo todos os estudos feitos pelas administrações
anteriores, e pela atual, de posse dos quais se sentiu capacitado para
endossar o PNRA, assumindo por este modo toda a responsabilidade perante o
Brasil, perante o mundo, perante a História? 8
. Convém ainda ponderar que a Reforma Agrária é assunto inexcogitável
se não for relacionado com a produção. Obviamente, esta é o fim da
agricultura. E o valor de tudo quanto o PNRA propõe não pode ser
auferido sem que se dê resposta a estas perguntas fundamentais: - a
produtividade da atual estrutura agrária poderia ser maior? – de
quanto? – a Reforma Agrária aumentará essa produtividade? – por sua
vez, de quanto? O
Brasil vive principalmente da agricultura. Em não pequena parte, o mundo
se abastece de produtos de origem agrícola procedentes do Brasil, dos
quais é hoje o 2º ou 3º exportador a nível
internacional (cfr. Título II, Cap. I, 3, B). Se cair a produção
brasileira, seremos responsáveis pelas carências daí decorrentes dentro
e fora do País. Ora,
o PNRA pouco ou nada diz, que habilite nosso público a formar um juízo
sobre questões tão fundamentais. 9
. É o PNRA tão sucinto em dados justificativos, que nem sequer informa
sobre se as múltiplas reformas agrárias que se têm feito pelo mundo,
notadamente atrás da cortina de ferro, constituem exemplos alentadores
para que se opere uma análoga reforma no Brasil... (cfr. Título II, Cap.
II, 4). Desprovido
de todos esses dados, o homem médio da rua se vê numa alternativa: ou
entregar-se a laboriosos estudos, comprar livros, assinar revistas, ler e
quiçá anotar o material – aliás dispendioso – assim acumulado; ou
então opinar sem ter sequer de longe conhecimento suficiente sobre a matéria. Opinando
sem conhecimento, terá ele a sensação de que se joga no escuro.
Abstendo-se de opinar, cerrando em conseqüência os lábios, cruzando os
braços, e deixando cordata e passivamente implantar-se o PNRA, terá ele
a sensação de que é o Brasil que se joga no escuro. Reduzir
todo um povo a essa alternativa não é o que esse povo entende por
abertura política. Tanto
mais quanto, acerca desse salto no escuro, um só ponto é claro: é que
tal “escuro”, na realidade, constitui um abismo. Uma tão imensa
reforma, no ponto mais vital de nossa economia, uma transformação total
no País inteiro não pode deixar de levá-lo ao abismo se ela não for
acertada. *
* * Depois
de vaticinar as conseqüências últimas que receia caso seja mantida a
atual estrutura fundiária, a Apresentação
deixa entrever o que será, na sua concepção, o Brasil afinal “resgatado”
pela Reforma Agrária: “Esperamos
que todos nos ajudem a implantar a Reforma Agrária no Brasil e com isso
... incorporar, enfim, à vida econômica e política da Nação, milhões
de patrícios que estão atualmente afastados do nosso convívio”. O
vaticínio sinistro ocupa seis linhas datilografadas. A profecia do futuro
que devemos comprar a preço de tão alto risco – e, como adiante se verá,
de tão ingente despesa – cabe em três linhas. E não poderia ser nem
mais módica nem mais vaga. Um sacrifício certo e ingente, para obter uma
vantagem incerta e vácua: que desproporção! Quantos
são precisamente os “milhões
de patrícios” que a Apresentação
vê “atualmente
afastados do nosso convívio de País que legitimamente aspira ao pleno
desenvolvimento”? No
que consiste esse “convívio” do qual, segundo insinua a Apresentação, estariam
afastados, no plano político, esses inidentificados “milhões de patrícios”?
Não bastaria, para tal convívio, o exercício de todos os direitos políticos
e de todas as liberdades civis que a lei assegura indiscriminadamente aos
filhos deste País? Pensa porventura a Apresentação
que, só com essas palavras, está tudo explicado aos brasileiros? E
o convívio no plano econômico? No que consiste ele senão em participar
na produção e no consumo? Mais uma vez: quantos são os brasileiros que
a Apresentação
do PNRA reputa excluídos presentemente de tal convívio? Ou pelo menos da
normalidade desse convívio? Qual é o padrão de normalidade adotado,
para efeito dessa classificação, para as condições de vida dos
brasileiros, pelo PNRA? No que
se funda esse padrão? *
* * Comentada
assim a sóbria e rápida Apresentação
que S. Exa. o Ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário faz do
vasto documento, é o momento de passar para a análise direta deste. [1] Notação gráfica O texto oficial do PNRA, a seguir transcrito na íntegra em tipos itálicos, está dividido em itens (1 a 8) e sub-itens, mas não tem seus parágrafos numerados. A numeração aqui feita, de 1 a 386, teve em vista facilitar as referências. O agrupamento em secções, dos tópicos do PNRA e dos respectivos comentários, é de responsabilidade do autor. As palavras ou frases do PNRA transcritas nos comentários do autor vão em negrito. Tomou-se como base a publicação mimeografada distribuída pelo próprio Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Brasília, maio de 1985, 69 pp.). [2]
Cfr. Técnicas de guerrilha
rural e urbana e Revolta “espontânea” ou agitação planejada,
visando a Reforma Agrária, “Catolicismo”
n.o 402, junho de 1984, pp. 3 a 5 e 14 a 20; Ivinhema
e Guariba: ensaio de revolução social?, “Catolicismo”, n.o
406-407, outubro-novembro de 1984, p. 3; As
táticas da “guerrilha metalúrgica”, “Catolicismo” n.o
413, maio de 1985, p. 15. |