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Plinio Corrêa de Oliveira
A Reforma Agrária socialista e confiscatória – A propriedade privada e a livre iniciativa, no tufão agro-reformista
1985 |
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Capítulo
III – ET e PNRA na convulsão agrária brasileira
1 . O
utopismo igualitário do ET e do PNRA
De
modo geral, tanto o ET quanto o PNRA visam uma só meta, e esta é
marcadamente utópica: a)
Laicos ambos os documentos – como o é também o Estado
brasileiro – eles fazem total abstração de uma existência post-mortem para o homem. E, portanto, do Céu como do inferno que,
na perspectiva do laicismo, são meros símbolos das vicissitudes da vida
terrena. Dir-se-ia que, para o ET e o PNRA, há um inferno, sim, mas este
consiste na existência em uma sociedade desigual e injusta, como
qualificam a atual, e aliás também todas as sociedades do passado. E o céu
se lhes afiguraria a existência em uma sociedade na qual, abolidas todas
as desigualdades, imperasse o que entendem por “justiça”. b)
Com efeito, não é difícil discernir que o ET e o PNRA vêem
na igualdade o supremo critério de justiça, e a fonte da qual dimana
para os homens a felicidade. Pelo contrário, a desigualdade é, segundo
eles, a injustiça, responsável última pelas rivalidades, lutas, revoluções
e guerras que assolam o gênero humano. c)
Segundo a mente dos igualitários de todos os países e épocas,
a efetivação dessa utopia igualitária tem precedência sobre todas as
outras considerações. Assim se explica que, na lógica das várias
correntes de pensamento radicalmente igualitárias, a comparação entre a
prosperidade do Ocidente e a miséria do Oriente pouco diz. Pois o que máxime
lhes importa é a fruição da ventura que o homem encontra no “paraíso”
de uma sociedade de iguais. d)
Nessa perspectiva se entende a insistência com que o PNRA
se refere à justiça. E a parcimônia com que alude aos efeitos que possa
ter, para a produção, a redistribuição igualitária das terras. 2 . Uma seqüência
de acontecimentos já em curso no Brasil desde o período Jango
Como
essa meta igualitária do ET e do PNRA se insere no contexto dos
acontecimentos in crescendo de
que o País vem sendo teatro? Analisando
com acuidade tais acontecimentos se verifica que eles vão se dispondo
segundo uma seqüência já em curso no Brasil a partir do período Jango,
e aplicada também, com estas ou aquelas adaptações, em outros países. Com
efeito, de tempos para cá se tem desenvolvido em todo o País a atuação
de minorias coligadas em prol da implantação, a curto prazo, da Reforma
Agrária (com vistas, a prazo médio, para a Reforma
Urbana e a Reforma Empresarial).
Movimento esse nitidamente igualitário, em cujo percurso se podem notar
duas etapas: a) a conquista do Poder; b) a ação niveladora do Poder
conquistado. 3 . A
conquista do Poder pelos utopistas do igualitarismo
O
igualitário conta essencialmente com a luta de classes para a derrubada
dos que estão em cima e o conseqüente nivelamento destes com os que estão
em baixo. Para
alcançar o Poder, essa luta se desenvolve em três lances essenciais,
aqui enunciados muito sumária e, portanto, também muito
simplificadamente: a)
a propaganda “conscientizadora”
revolucionária, destinada a fazer notar as “condições sub-humanas”
em que todos vivem, e assim atear o incêndio do descontentamento geral; b)
a “pressão moral
libertadora”, também ela revolucionária, exercida por meio da
agitação das massas “conscientizadas” para desestabilizar a ordem
vigente; c)
o golpe de força,
isto é, a revolução e, se necessário for, a guerra civil. 4 . Para a
conquista do Poder, um recrutamento feito por etapas
O
recrutamento de elementos para a efetivação desses três lances também
se faz por etapas: a)
Desde o início, tal movimento vai detectando e aglutinando
todos os igualitários radicais esparsos na massa, que, como ele, queiram
declaradamente chegar à meta da utopia igualitária completa. b)
Isto obtido, procura ele a cooperação da vasta coorte de
igualitários tímidos que, ou não ousam proclamar-se tais, ou só são
igualitários a meias, isto é, desejosos de abater apenas algumas
desigualdades, mas sem ânimo para derrubá-las todas. Esses igualitários
parciais são os que, uma vez detectados e influenciados, passam a ser,
via de regra, inocentes-úteis que acompanham
os radicais só até certo ponto, na viagem à utopia. c)
Os inocentes-úteis existem e atuam de modo inteiramente
individual. A máquina do movimento comunista também os detecta, forma e
orienta segundo o sistema apropriado, metendo-lhes no espírito
inadvertido palavras de ordem que transmitirão aos respectivos ambientes.
Sempre que convenha, se lhes facilita discretamente o acesso a
postos-chave, nos quais a ação deles cresça em eficácia. Bem
entendido, tais inocentes-úteis habitualmente o são sem disto se darem
conta. d)
Mas há também inocentes-úteis absolutamente cônscios de
que caminham na mesma direção que o Partido Comunista, e com ele não
hesitam em entrar em franca colaboração. Diferencia-os dos comunistas o
fato de que não têm as metas radicais destes últimos, e, portanto,
pensam em se desvincular da colaboração com o movimento comunista a
partir do momento em que este comece a trabalhar pela imediata implantação
de medidas que – a tais inocentes-úteis – pareçam por demais
“radicais”. Em outros termos, na longa trajetória da situação sócio-econômica
atual, rumo à implantação do igualitarismo total sonhado pelos
comunistas, esses “inocentes-úteis” pensam ser “companheiros de
viagem” do comunismo. Dispostos, bem entendido, a apear da revolução
em marcha assim que entendam, e em seguida passarem a combater o
comunismo. A História mostra que habitualmente se dá o inverso: os
comunistas é que atiram fora do trem em movimento a frente ampla dos
“companheiros de viagem”. e)
Por vezes essa “viagem” em comum vai longe, e a frente
ampla chega a derrubar a situação vigente, e sobe então ao Poder. A vitória
é então apresentada ao público como pertencendo tanto, ou até mais, a
toda a frente ampla do que só aos comunistas. Mas esses “companheiros
de viagem” se vão assustando à medida que sentem faltar o chão da
realidade sob os passos do governo revolucionário, o qual começa com
efeito a voar para a utopia. Quando o percebem, os “companheiros de
viagem” procuram evadir-se das responsabilidades do Poder. E, se tardam
em o perceber, são apeados pelos radicais, a quem sua presença passa a
parecer insuportável. 5 . Instrumentalização do Poder
conquistado para a implantação das reformas igualitárias
A
Propaganda, a Força e a Burocracia são
os três grandes instrumentos para a implantação das reformas igualitárias: A . A Propaganda
E,
pari passu, vai ela difundindo o terror, lançando o canhoneio de
sucessivos estrondos publicitários contra os que tenham a ousadia de se
opor ao estabelecimento da tirania utopista, ou mesmo de recusar uma
colaboração integral. Ou simplesmente, ainda, de não bater palmas
entusiasmadas a tudo quanto as autoridades radicais dizem e fazem. Esse
terrorismo publicitário teve outrora caráter preponderantemente ideológico.
Atacava ele instituições como a Igreja e as Forças Armadas, classes
sociais como a aristocracia ou a burguesia, bem como as posições doutrinárias
correlatas como o “ultramontanismo”, o “espírito de castas”, a
propriedade privada (“A
propriedade, eis o roubo”, escreveu Proudhon). “Reacionário”
era injúria de uma violência suprema, igualada só por uns poucos outros
qualificativos, como “inimigo da classe operária”, “capitalista”
ou “burguês”. Mais
recentemente, o estrondo publicitário vem abandonando resolutamente esse
tônus ideológico, para se concentrar na difamação pessoal contra os
porta-estandartes da resistência antiutópica: sua vida doméstica ou
profissional, pequenas peculiaridades de sua vida pessoal, nada disso é
poupado pelo tufão revolucionário da difamação e da calúnia. Até
que estejam arrasados os que comandam a oposição, e se lhes dispersem os
subordinados
[1]. B . A Força
Com
o poder na mão exclusiva dos radicais, o emprego da força perde seu caráter
arruaceiro, e se institucionaliza. A polícia, toda recrutada de então em
diante entre os furiosos da radicalidade revolucionária, intimida os que
a Propaganda não consegue convencer. E prende, tortura ou mata aqueles a
quem a intimidação policial não consegue silenciar. No
fundo de quadro se perfilam as Forças Armadas, também elas já então
expurgadas de seus elementos “reacionários”, e recrutando só
radicais para seus quadros dirigentes, de alto a baixo. Cabe a elas
“pacificar” os surtos revolucionários que a polícia não haja
conseguido prevenir nem esmagar. C . A Burocracia
Assim
jugulada a nação pelo Poder público, senhor exclusivo da Propaganda e da Força,
pode este agir com inteiro desembaraço, para a realização da utopia
igualitária, usando o terceiro grande instrumento do processo nivelador,
a Burocracia. Esta
última tem por encargo reduzir a nação inerte, como faz com a madeira a
plaina do carpinteiro, isto é, ela lhe raspa implacavelmente todas as
protuberâncias. Para
tal, o órgão dirigente é a tecnocracia.
E o meio de execução é a repartição
pública no sentido mais amplo do termo. Ou seja, todo organismo de
qualquer natureza, cultural, artístico, eclesiástico, recreativo etc.,
instituído e dirigido por funcionários do Estado. Ou então constituído
por particulares (com o gostoso consentimento da polícia) e dirigido de
cima para baixo, como de fora para dentro, pelo mesmo Estado. A
burocracia igualitária é também, e por essência, totalitária. As
hierarquias naturais, nascidas da própria sociedade, são meios com que
estas se governam a si mesmas no âmbito legítimo da iniciativa
individual. O totalitarismo não pode suportar essas hierarquias que
limitam sadiamente a ação do Estado. A onipotência estatal só se
exerce sobre a massa inteiramente nivelada e amorfa. Totalitarismo
completo
e igualitarismo completo são
termos correlatos. A
fim de aplainar e conservar aplainada a massa, para obrigá-la ao trabalho
indispensável para a vida, e à ordem indispensável para o trabalho,
cumpre que a nação esteja inteiramente envolta e penetrada pela
Burocracia. É
isto missão da tecnocracia. Com tal objetivo arquiteta ela planos
uniformes e gigantescos, a serem aplicados ao país inteiro. Esses
planos supõem sistemas infindos de repartições concatenadas entre si, e
de serviços públicos convergentes para as metas gerais. Entretanto,
sem o fluxo vital da iniciativa privada, todo esse sistema facilmente se
esclerosa. O
remédio é a constituição de uma rede complementar de repartições,
destinada a desburocratizar (leia-se “desclerosar”) as repartições já
existentes. E possivelmente estas mesmas deverão ser, por sua vez,
defendidas contra a “esclerosação” por uma rede menor e mais ativa,
de desesclerosadores selecionados. E assim por diante. 6 .
Afinidades do quadro descrito, com a situação brasileira
Isso
posto, é o caso de perguntar se existem afinidades entre todo esse
quadro, de um lado e, de outro, o contexto em que se situa o atual
agro-igualitarismo brasileiro. Antes
de tudo, esse quadro geral é o do comunismo? Se realizado em toda a sua
radicalidade, sem dúvida não fica nada longe de tal. Mas é bem evidente
que esse quadro comporta graus de realização eventualmente muito
desiguais em alguns pontos, e menos em outros. E também níveis heterogêneos
de radicalidade, sendo os graus de realização e os níveis de
radicalidade variáveis conforme as condições de cada nação. De
outra parte, quanto ao ET e o PNRA, já por versarem apenas sobre matéria
agrária, não podem ser qualificados de inteiramente radicais. Acresce
que pouco ou nada se vê neles de concernente à ação policial. Motivo a
mais para não serem considerados totalmente radicais. Isso
não exclui, entretanto, que se possa dizer que eles apresentam, em muitos
aspectos, sintomas preocupantes da influência, ora mais radical ora
menos, das doutrinas e técnicas de ação do comunismo. O
que, diga-se entre parênteses, de nenhum modo importa em afirmar que os
autores do ET e do PNRA sejam inocentes-úteis, e menos ainda agentes,
articulados por Moscou. Deduzir tal coisa simplesmente das afinidades
entre os dois documentos e o pensamento comunista, é manifestar ignorância
primária do que são as influências culturais, ou mais precisamente as
osmoses culturais, de um campo ideológico para outro, mesmo no fragor do
embate das idéias. Osmoses às quais por vezes não são imunes nem
sequer os líderes mais fogosos de um lado e do outro [2]. No
que toca, por exemplo, ao nivelamento rural, à dependência dos
“assentados” sujeitos a um sistema de “assentamentos” que evoca os
kolkhozes, à propaganda organizada no meio rural, à autogestão
forçosamente dirigida por micro-sovietes etc., o PNRA apresenta muitas
analogias com o quadro geral há pouco descrito. Quanto
ao contexto sócio-econômico no qual a aplicação cumulativa do ET e do
PNRA está sendo prevista pelo Poder público, isto é, quanto ao
movimento de invasão de terras que vai tentando forçar, “na
lei ou na marra”, a implantação da Reforma Agrária, há que
distinguir dois veios. Um
deles é o dos grupos de mercenários adrede treinados para o que der e
vier, e que vão sendo transportados discricionariamente de um ponto do País
para outro, conforme as conveniências do assalto geral. E
há também os agitadores “conscientizados” por Sacerdotes
esquerdistas, pelas CEBs etc. Estes, mais numerosos porém menos dinâmicos
que os primeiros, foram via de regra recrutados e treinados para a agitação
segundo os métodos descritos acima esquematicamente. A
planificação tecnocrática e burocrática da agricultura, feita por meio
de organismos estatais existentes e de outros – numerosos a perder de
vista – por criar, fazem pensar invencivelmente na planificação, esta
sim absolutamente total, da Rússia soviética. 7 . Uma
explicação que é do domínio da História
Em
nosso povo, não raras vezes mais afeito às controvérsias sobre pessoas
que sobre planos e idéias, não faltará quem empraze a TFP a responder
se qualifica aqui de pró-comunistas ou semi-comunistas o tão pranteado
Presidente Castello Branco, o ilustre Presidente José Sarney, e o dinâmico
Ministro Nelson Ribeiro: -
E o ET? E o PNRA? – dirão. Como pode ter sido promulgado um, e proposto
o outro, sem que sejam acusáveis de semi-comunistas ou pelo menos
influenciados por doutrinas comunistas tais homens públicos? A
resposta da TFP é simples. Aí estão o ET e o PNRA como dois fatos
concretos. Foi mencionado acima o curioso fenômeno das osmoses culturais
mútuas, tão relacionáveis com o assunto. Se,
ademais, se trata de analisá-los, no presente livro está a análise da
TFP. Se se trata de lhes explicar as causas, o assunto foge ao âmbito
deste estudo. Pois tal explicação é do domínio da História. Quando
algum dia todos os documentos atinentes às origens históricas do ET e do
PNRA estiverem franqueados, será então possível responder a essa
pergunta, com inteira segurança e objetividade.
[1] Estrondos publicitários análogos, procedentes de outros setores da esquerda, têm tentado – quão inutilmente! – atirar por terra a TFP. E normalmente será mais outro estrondo publicitário que se seguirá à presente publicação. Bem exatamente como o furibundo estrondo publicitário na Venezuela, que tentou, em 1984, extinguir a Associação Civil Resistência, coirmã das TFPs naquele país. Ainda desta vez inutilmente, pois, diga-se de passagem, os autores desses estrondos sempre acabam por tropeçar nas próprias pernas. A perseguição conseqüente ao manifesto da Associação Civil Resistência (em fins do mês de junho) contra a lei de custos, preços e salários, promulgada pelo governo pró-socialista de Caracas, teve como revide a campanha difamatória de violência sem precedentes destinada a arrasar a associação e dispersar os seus componentes. Foi tão longe a campanha, cujas primeiras manifestações já se fizeram notar no início do mês de agosto, que estes se viram obrigados pelas circunstâncias a deixar o país. Fora dele, em lugar de se dispersarem, passaram a prestar serviços dedicados a outras TFPs. E assim, sempre fiéis ao mesmo ideal, aguardam confiantes o dia em que Nossa Senhora de Coromoto, patrona da Venezuela, lhes abra novamente as portas da Pátria. Essas transformações de um lado e de outro teriam sido impossíveis sem as permeações culturais que freqüentes vezes se operam na mente de republicanos e monarquistas mais fogosos. E sem que, nem uns nem outros, advertissem que estavam caminhando rumo ao mal cujo avanço queriam tolher. |