Plinio Corrêa de Oliveira

 

Sou Católico: posso ser contra a reforma agrária?

 

Ed. Vera Cruz - Fevereiro de 1981

Secção J – Conclamação final à mobilização dos trabalhadores em prol da Reforma Agrária

TEXTO DO IPT

III – Nosso compromisso pastoral

94 . Deus continua a zelar pelo seu povo. E, por meio da vida do seu povo, Ele nos interpela.

Que faremos para que a terra seja um bem de todos?

Que faremos para que a dignidade da pessoa humana seja respeitada?

Que faremos para que a sociedade brasileira consiga superar a injustiça institucionalizada e rejeitar as opções políticas anti evangélicas? Consideramos como algo positivo o questionamento aqui levantado. Entretanto, entendemos que sem ações concretas que já respondam a esses desafios, a Igreja não será sinal do amor de Deus pelos homens.

COMENTÁRIO

A expressão “injustiça institucionalizada”, legítima em si mesma, é freqüentemente utilizada no jargão reformista e socialista de nossos dias. No sentido literal, denuncia ela uma situação da qual a injustiça é ostensivamente o princípio rector, a mola propulsora e o efeito sistemático.

Para quem é infenso à propriedade individual, os regimes sócio-econômicos nesta baseados constituem ipso factoinjustiças institucionalizadas”.

A objetividade deste modo de ver supõe provado que a propriedade individual é injusta em si mesma.

Na realidade, injustiça institucionalizada no mais amplo sentido da palavra é o regime comunista, o qual, negando a propriedade individual e até a família, importa em negar a pessoa humana.

TEXTO DO IPT

Por isso.

95 . 1º - Queremos, como primeiro gesto, procurar submeter o problema da posse e uso dos bens da Igreja a um exame e a uma constante revisão quanto à sua destinação pastoral e social, evitando a especulação imobiliária e respeitando os direitos dos que trabalham na terra.

COMENTÁRIO

Posse e uso dos bens da Igreja”: de fato, além da posse e uso, a Igreja tem habitualmente o direito de propriedade sobre seus bens imóveis. Por que não mencionar tal direito?

Mais uma vez, tendência a reduzir a propriedade ao mero fato do uso e da posse ...

TEXTO DO IPT

96 . 2º - Assumimos os compromisso de denunciar situações abertamente injustas e violências que se cometem em áreas de nossas dioceses e prelazias e combater as causas geradoras de tais injustiças e violências, em fidelidade aos compromissos assumidos em Puebla (Puebla, no. 1160).

COMENTÁRIO

A CNBB estende além do limite específico sua missão de legítimo juiz do que, no plano moral, é justo ou injusto, violento ou não, em matéria fundiária. Pois, ademais de ensinar os princípios da doutrina católica sobre essa matéria, e de os aplicar às situações de fato como são vistas pelo consenso geral do público (ou então dos técnicos e dos homens experientes), pretende decidir sobre situações de fato, acerca das quais não há consenso de uns nem de outros, e isto como se lhe fosse dado conhecer até seus últimos meandros os fenômenos econômicos, não raro vertiginosamente complexos de nossos dias: conhecimento este que seria entretanto indispensável para um pronunciamento moral sobre os aspectos de facto, de questões dessa ordem.

Guardadas as proporções, o mesmo cabe dizer do combate às “causas geradoras de tais injustiças e violências”, como se apresentam in concreto em cada Diocese ou Prelazia.

O tópico 96 se mostra muito simplista ao enunciar esse propósito de intervenção, de tal maneira que não se sabe quais as atribuições que o poder espiritual deixa ao temporal em matéria fundiária, a não ser o de mero executor dos ditames daquele primeiro.

TEXTO DO IPT

97 . 3º - Reafirmamos o nosso apoio às  justas iniciativas e organizações dos trabalhadores, colocando as nossas forças e os nossos meios a serviço de sua causa, também em conformidade com os mesmos compromissos (Puebla, no. 1162).

COMENTÁRIO

A referência às “justas iniciativas e organizações dos trabalhadores” deixa campo aberto para uma colaboração ostensiva com organizações comunistas. O único critério para a colaboração é, segundo esse texto, o mérito da reivindicação. Não se preocupa o IPT com a doutrina e as metas de quem seja o parceiro dessa colaboração. O que redunda bem exatamente na “politique de la main tendue” oferecida pelos comunistas aos católicos já nos anos 30, e recusada pelos Papas Pio XI e Pio XII.

TEXTO DO IPT

98 . Nossa atuação pastoral, cuidando de não substituir as iniciativas do povo, estimulará a participação consciente e crítica dos trabalhadores nos sindicatos, associações, comissões e outras formas de cooperação, para que sejam realmente organismos autônomos e livres, defendendo os interesses e coordenando as reivindicações de seus membros e de toda sua classe.

COMENTÁRIO

A mesma observação feita ao tópico anterior: nenhuma recomendação do IPT para que os católicos evitem pertencer a organismos comunistas, ou que sejam, quer instrumentalizados, quer infiltrados por agentes do comunismo.

TEXTO DO IPT

99 . 4º - Apoiamos os esforços do homem do campo por uma autêntica Reforma Agrária, em várias oportunidades já definida, que lhe possibilite o acesso à terra e condições favoráveis para seu cultivo. Para efetivá-la, queremos valorizar, defender e promover os regimes de propriedade familiar, da posse, da propriedade tribal dos povos indígenas, da propriedade comunitária em que a terra é concebida como instrumento de trabalho. Apoiamos igualmente a mobilização dos trabalhadores para exigir a aplicação e/ou reformulação das leis existentes, bem como para conquistar uma política agrária, trabalhista e previdenciária que venha ao encontro dos anseios da população. Apoiamos também a criação do Parque Yanomami na forma que evite a redução ou fragmentação daquele território tribal, e insistimos na urgente demarcação das demais reservas indígenas, inclusive daquelas que se situam nas áreas de fronteira do nosso país.

COMENTÁRIO

Apoiamos os esforços do homem do campo por uma autêntica Reforma Agrária”. – Até aqui, a reivindicação de uma Reforma Agrária veio aflorando cá ou lá no IPT, sem entretanto enunciar-se explicitamente. Mas tudo, ao longo do documento, preparava para o lance crítico e culminante, da explícita formulação de tal desideratum. Por fim, aqui está proclamada, quase se diria, a toque de clarim, a reivindicação.

* * *

... Reforma Agrária, em várias oportunidades já definida”. – Por quem? Trata-se de uma definição que se vem repetindo uniformemente, ou de definições diversas? Simplesmente diversas, ou mais bem contraditórias? Sobre esses vários pontos de tanto interesse para a matéria, o IPT nada diz.

* * *

Foi visto anteriormente que o IPT parece reconhecer a legitimidade da propriedade privada (cfr. nos. 71 e 74). O presente tópico deixa bem claro que (na vaga e minguada medida comentada a propósito dos nos. 71 e 74) o IPT realmente o reconhece, entretanto a título de tolerância ou condescendência, e não de aprovação e aplauso. Pois quanto a “valorizar, defender e promover”, o IPT só visa fazê-lo em benefício das formas de propriedade aqui enumeradas. Ficam excluídas desse benefício, portanto, a propriedade média (ou, pelo menos, a propriedade média-média e a propriedade média-grande), a propriedade grande e a super-grande.

* * *

Quanto à propriedade tribal, o IPT deixa ver, mais uma vez, seu simplismo característico. Essa forma de propriedade não é senão corolário de todo o modo de ser dos povos ditos primitivos. Pretende o IPT, à maneira de correntes desvairadamente “atualizadas”, que o status desses povos seja desejável para o homem contemporâneo? Neste caso, quais os argumentos que dá em prol de tão espantosa conclusão? Nem sequer um só.

Ou pretende o IPT que a propriedade tribal pode ser praticada fora do contexto dos povos ditos primitivos, e mereça preferência sobre outras modalidades de propriedade? Neste caso, onde oferece o IPT as provas de tal? Em parte nenhuma ... [1].

* * *

Outra manifestação de simplismo do IPT: ele beneficia igualmente a “propriedade comunitária em que a terra é concebida como um instrumento de trabalho”. Que relação há entre essa estrábica concepção da terra como instrumento de trabalho e o caráter comunitário da propriedade? O IPT não se explica sobre o assunto, deixando ao leitor a possibilidade de imaginar o que entenda...

* * *

Por fim, o IPT conclama à “mobilização dos trabalhadores para exigir a aplicação e/ou reformulação das leis existentes” em matéria agrária. Uma das alternativas aceitas de modo absoluto pelo IPT é, portanto, a aplicação da legislação sobre reforma agrária atualmente vigente (mas até aqui parcamente aplicada).

Esta se compõe, como é sabido, do Estatuto da Terra e de mais de 340 diplomas legais sobre a matéria [2].

Esses diplomas legais forçosamente completam em algo o Estatuto da Terra, mas em algo também o alteram. E, por fim, pelo menos em parte, se completam e se alteram mutuamente. Colocar simplesmente em vigor um emaranhado de leis assim inter-relacionadas, máxime em se tratando de reforma tão importante, a ser aplicada, como um todo legal, sobre o todo geopolítico que é o Brasil, parece verdadeira aventura. Pois esse emaranhado de leis, se aplicado, trará no seu bojo as conseqüências legais mais imprevistas, e uma torrente de tensões e processos judiciais que durante anos manterão em posição dúbia incontáveis situações concretas, com prejuízo para as partes interessadas e para a produtividade do campo no País. A agir segundo os princípios democráticos que arvora, o IPT, na perspectiva de uma aplicação do Estatuto da Terra, deveria pedir que se fizesse um projeto de lei de consolidação de todos os dispositivos vigentes, para então, sobre esse projeto, opinarem os técnicos e homens experientes, bem como a CNBB (observada a distinção entre os aspectos temporais e espirituais da importante matéria). Os poderes Legislativo e Executivo decidiriam sobre o assunto, segundo a Constituição, depois de largo debate em que participasse a opinião pública [3].

* * *

Considerado o IPT em seu conjunto, e especialmente neste tópico, patenteia-se o caráter dirigista do agro-reformismo da CNBB.

Em outros termos, tal agro-reformismo não é resultante de anseios nascidos do autêntico povo brasileiro, e formulado por figuras expressivas deste. É um agro-reformismo modelado segundo princípios igualitários abstratos, de caráter metafísico, que uma minoria de ideólogos mais ou menos intelectualizados quer impor ao País.

Tal imposição deve resultar da ação conjunta desses ideólogos, não propriamente sobre o povo genuíno, mas sobre vastos segmentos populares massificados, isto é, desarticulados e reduzidos a mera massa humana [4]. Bem como sobre os órgãos de governo que, distintos enquanto tais do povo, de fora e de cima deste ponham em prática uma legislação que do povo não nasceu.

* * *

A ação agro-reformista sobre as massas tem sido executada através de duas redes – não seria melhor dizer tenazes? – complementares.

Uma rede, uma tenaz, é constituída pelos órgãos clássicos e convencionais do capitalismo publicitário agro-reformista: televisão, rádio e imprensa. Como também da imprensa dita alternativa, a qual se jacta de anticapitalista, e talvez não o seja em vários casos concretos.

Outra rede, outra tenaz – muito mais eficiente, porque os meios clássicos da macro-publicidade se vão desgastando rapidamente junto ao público (prova-o a repercussão da imprensa alternativa) – é a publicidade por assim dizer de boca a ouvido, efetuada no País com eficácia crescente pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Estas últimas, emanadas dos meios católicos de esquerda, propagam o descontentamento e a agitação, com a insistência e a amplitude de um chuvisco que jamais cessa, através da lamúria “conscientizante” e reivindicatória dos “agentes”, para seus familiares, amigos, colegas de trabalho, companheiros de viagem nos ônibus, metrôs e trens de subúrbio (com a inevitável recomendação de “passar adiante”), no anonimato das grandes cidades neuróticas e agitadas.

Em conseqüência, a massa, com a impressionabilidade e a mutabilidade descrita por Pio XII, pode tornar-se subitamente agressiva.

Tudo isto o sentem os políticos, não poucos dentre os quais propendem assim a candidatar-se a líderes dessa indignação de massa. Destes, os agitadores esperam que imponham, pela força da lei, o que sem eles, a massa, em alguma convulsão mais ou menos efêmera, poderia ser induzida a impor pela lei da força.

A linha divisória entre o político que não representa senão massas, e o político que representa o povo autêntico, é a mesma que separa o demagogo do homem de Estado, e a demagogia da democracia, em que o ensinamento tradicional da Igreja vê uma das formas de governo lícitas.

Essencialmente dirigista, o IPT pleiteia a intervenção drástica do Poder público, para realizar seu ideal igualitário, o qual tem um alcance metafísico. Quer ele que a Reforma Agrária faça com a estrutura sócio-econômica vigente o que o carpinteiro, empunhando uma plaina, faz com uma prancha: nivelá-la. Que efeitos pode tal nivelamento trazer para a abundância da produção e, portanto, para a prosperidade comum? O IPT se despreocupa disto. Interessa-lhe tão-só seu desígnio metafísico. Iguale-se tudo, e o que suceder depois se arranjará como puder.

Para o IPT, à maneira do que afirma os autores marxistas, a igualdade rural é um postulado de estrita justiça, um fim em si (independente de seus resultados concretos), objeto de seu entusiasmo todo metafísico. E as motivações sócio-econômicas menos lhe valem em si mesmas, do que como pretextos para chegar a essa igualdade [5].

* * *

Cabe, por fim, aqui uma palavra sobre esse ideal metafísico. O IPT é redigido por Bispos. É natural que se pergunte em que medida essa metafísica igualitária encontra fundamento nos documentos tradicionais do Supremo Magistério.

A essa pergunta responde adequadamente o livro Reforma Agrária – Questão de Consciência (pp. 62 a 75), que transcreve numerosos textos pontifícios, os quais mostram como a justa ordem na sociedade decorre de uma orgânica desigualdade entre os homens e as famílias. Foram eles reproduzidos ao fim do Capítulo V (Parte I), com a certeza de que ninguém apontará documento pontifício posterior que se contraponha quanto nesses textos foi afirmado.

TEXTO DO IPT

100 . 5º - Empenhamo-nos em defender e promover as legítimas aspirações dos trabalhadores urbanos – muitos deles expulsos do campo – em relação aos direitos necessários a uma existência digna da pessoa humana, especialmente no que se refere ao direito a terreno e moradia, alterando o regime de propriedade urbana e da especulação imobiliária, e ao direito fundamental ao trabalho e justa remuneração.

COMENTÁRIO

Neste tópico, o IPT enuncia claramente seu intuito de “alterar o regime de propriedade urbana”. Em que sentido? – Obviamente com base nos mesmos princípios com que pleiteia a Reforma Agrária, como foi várias vezes observado no decorrer deste trabalho (cfr. IPT no. 4).

TEXTO DO IPT

101 . 6º - Comprometemo-nos a condenar, de acordo com o documento de Puebla, tanto o capitalismo, cujos efeitos funestos foram em parte apontados neste documento, como o coletivismo marxista de cujos malefícios temos notícia em outros países (cfr. Puebla, no. 312, 313 e 546).

COMENTÁRIO

Aparece aqui o “compromisso” de condenar o “coletivismo marxista de cujos malefícios temos notícia em outros países”, só “coletivismo MARXISTA”? (destaque do autor). E um coletivismo  não marxista?

A condenação da CNBB se funda só nos maus efeitos que este teve “em outros países”, e não nos motivos doutrinários que levaram os Papas a condenar o coletivismo enquanto tal, e antes mesmo de qualquer experiência, e com fundamento na incompatibilidade deste com a doutrina católica.

Aliás, note-se de passagem que o tópico aqui comentado não convence. Com efeito, destoa ele de tal maneira da linha geral e de muitos outros tópicos do IPT, que é impossível evitar a impressão de que, se tivesse sido posto apenas ad cautelam, não estaria redigido de outra maneira.

TEXTO DO IPT

102 . 7º - Renovamos nossos compromissos de aprofundar nas comunidades eclesiais, rurais e urbanas, a vivência do Evangelho – convictos da sua força transformadora – como maneira mais eficaz de a Igreja colaborar com a causa dos trabalhadores. Nessas comunidades, os cristãos, impulsionados pela graça de Deus, iluminados pelo Evangelho de Jesus e animados pela palavra da Igreja - por exemplo, pela encíclica “Mater et Magistra” do Papa João XXIII – entram num processo de constante conscientização e adquirem, cada vez mais, uma visão crítica da realidade. Com os irmãos na fé e todos os trabalhadores, procuraremos organizar uma nova sociedade. Com eles, apoiados em Deus, despertaremos um novo espírito de convivência.

103 . Assumindo um compromisso sério com os trabalhadores, precisamos alimentar sua e nossa coragem e sua e nossa esperança, especialmente na hora das dificuldades e das perseguições. Assim constantemente reanimados pela lembrança da promessa e da certeza da libertação trazida pelo Senhor, vivida na comunidade e celebrada no mistério da Eucaristia, os cristãos cumprirão entre seus irmãos trabalhadores, sua missão de fermento, sal e luz.

104 . Assim, a Igreja contribuirá permanentemente na construção do homem novo, base de uma nova sociedade.

COMENTÁRIO

O tipo de irregularidades visadas por estes “compromissos” é absolutamente sintomático da linguagem simplista, vaga e confusa usada pelo IPT.

A Igreja é essencialmente Mestra de doutrina. Toda ação que ela desenvolva deve, pois, começar normalmente pelo ensino da doutrina e pela discussão esclarecedora com os que desta última divergem.

Para desenvolver sua ação pastoral em matéria de reforma agrária, a CNBB agiria muito louvavelmente se empreendesse a publicação de documentos inteiramente claros, lógicos, acessíveis, sobre o problema agrofundiário. Algo de bem diverso do que é o IPT.

Seria ademais conveniente que essas publicações fossem especializadas para as várias classes sociais, e pusessem particular atenção em ensinar a cada classe seus direitos e deveres. No IPT nada transparece que deixe entrever esse tal plano.

Tais publicações deveriam ser inspiradas no único ideal cristão genuíno, de uma sociedade constituída por classes sociais harmônicas e proporcionadamente desiguais, que cooperam entre si para o bem comum como os dedos da mão. O IPT nada diz a esse respeito.

O papel da oração e da observância dos Mandamentos da Lei de Deus como condições fundamentais para a solução de todos os problemas sócio-econômicos deveria ser adequadamente explanado em tais documentos.

Pelo contrário, o IPT a bem dizer não tem uma palavra sobre os exercícios de piedade e a prática dos Mandamentos. A ação da Igreja é focalizada como se esta última não fosse senão mera força psico-social de caráter natural, pronta a jogar toda a sua influência tradicional num embate. Este teria em mira, não a derrota dos  que pregam a luta de classes, mas pelo contrário, a ajuda da luta de classes, pela tomada de posição em favor de uma classe – a dos pobres – contra a outra classe, isto é, a dos ricos. Nos ensinamentos do Supremo Magistério têm especial realce a condenação da luta de classes e a afirmação do princípio de colaboração entre elas (cfr. Textos Pontifícios ao fim do Capítulo V, na Parte I.

Quanto a posição do IPT, neste e em outros pontos, tenha de afim com a do comunismo, não é preciso dizê-lo. O IPT brinca com fogo. É o menos que dele se pode dizer a tal  respeito. Porém ele não manifesta um empenho – proporcionado à gravidade do perigo com o qual assim brinca – em evitar que o público confunda sua posição com a do comunismo. Nem em advertir que a ação dos católicos não se deixe instrumentalizar pelo comunismo. Se o efeito desejado pelo IPT fosse essa instrumentalização, seu texto não precisaria ser muito diverso do que é [6].

Textos Pontifícios

O princípio de subsidiariedade no problema da delimitação entre as esferas de ação da iniciativa privada e do Estado

A posição da Igreja no tocante às relações entre o Estado e a iniciativa privada – considerada esta não só no campo econômico, como em qualquer outro – não é liberal nem socialista.

Segundo a doutrina liberal, a função do Estado se cinge à esfera política, e só intervém na esfera privada para a punição dos crimes, bem como para a manutenção da ordem ou dos bons costumes. A doutrina da Igreja reputa minimalista esta concepção.

Segundo a doutrina socialista, a função do Estado, além da esfera política, pode abarcar, em princípio, toda a esfera privada. Socialismo eqüivale, pois, a totalitarismo. As diversas correntes socialistas só divergem entre si quanto à latitude com que convém ao Estado exercer em concreto seu poder, em vista das circunstâncias deste ou daquele país.

A posição da Igreja – exposta nos textos a seguir apresentados – evita ambos os extremos. Nem socialista, nem liberal, ensina ela o princípio de subsidiariedade, enunciado especialmente por Pio XI e retomado em expressos termos por João XXIII.

Esse princípio também está subjacente na famosa distinção entre povo e massa, feita por Pio XII em texto incluído nesta Secção.

A mais perfeita ordem hierárquica se define pelo princípio da função “supletiva” dos poderes públicos

Encíclica Quadragesimo Anno de 15 de maio de 1931:

“Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-lo nem absorvê-los.

Deixe, pois, a autoridade pública ao cuidado de associações inferiores aqueles negócios de menor importância, que a absorviam demasiado; poderá então desempenhar mais livre, enérgica e eficazmente o que só a ela compete, porque só ela o pode fazer: dirigir, vigiar, urgir e reprimir, conforme os casos e a necessidade requeiram. Persuadam-se todos os que governam de que quanto mais perfeita ordem hierárquica reinar entre as várias agremiações, segundo este princípio da função ‘supletiva’ dos poderes públicos, tanto maior influência e autoridade terão estes, tanto mais feliz e lisonjeiro será o estado da nação”.

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 3, 5ª ed., 1959, pp. 31-32]. – Pio XI

Com o apoio da massa, reduzida a não mais que uma simples máquina, o Estado pode impor seu arbítrio à parte melhor do verdadeiro povo

Radiomensagem de Natal de 1944:

“O Estado não contém em si e não reúne mecanicamente num dado território uma aglomeração amorfa de indivíduos. Ele é, na realidade deve ser, a unidade orgânica e organizadora de um verdadeiro povo.

Povo e multidão amorfa, ou, como se costuma dizer, ‘massa’, são dois conceitos diversos. O povo vive e se move por vida própria; a massa é de si inerte, e não pode ser movida senão por fora. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais – em seu próprio posto e a seu próprio modo – é uma pessoa consciente das próprias responsabilidades e das próprias convicções. A massa, ao invés, espera o impulso de fora, fácil joguete nas mãos de quem quer que desfrute seus instintos ou impressões, pronta a seguir, vez por vez, hoje esta, amanhã aquela bandeira. Da exuberância de vida de um verdadeiro povo a vida se difunde, abundante, rica, no Estado e em todos os seus órgãos, infundindo-lhes com vigor incessantemente renovado a consciência da própria responsabilidade, o verdadeiro senso do bem comum. Da força elementar da massa, habilmente manejada e utilizada, o Estado pode também servir-se: nas mãos ambiciosas de um só ou de vários que as tendências egoísticas tenham agrupado artificialmente, o mesmo Estado pode, com o apoio da massa, reduzida a não mais que uma simples máquina, impor seu arbítrio à parte melhor do verdadeiro povo: em conseqüência, o interesse comum fica gravemente e por largo tempo atingido e a ferida é bem freqüentemente de cura difícil”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol VI, pp. 238-239). – Pio XII.

Economia normalmente sujeita ao Estado: inversão da ordem das coisas

Discurso de 7 de maio de 1949 à IX Conferência da União Internacional das Associações Patronais Católicas:

“Não há dúvida de que a Igreja também – dentro de certos limites justos – admite a estatização e julga ‘que se pode legitimamente reservar aos poderes públicos certas categorias de bens, os que apresentam um tal poderio que não seria possível, sem pôr em perigo o bem comum, abandoná-los às mãos dos particulares’ (Encíclica Quadragesimo Anno - A.A.S., v. XXIII, 1931, p. 214). Mas fazer desta estatização como que a regra normal da organização pública da economia seria subverter a ordem das coisas. A missão do direito público é com efeito servir o direito privado, e não absorvê-lo. A economia - aliás, como qualquer outro ramo da atividade humana – não é por natureza uma instituição do Estado; ela é, ao invés, o produto vivo da livre iniciativa dos indivíduos e de seus grupos livremente constituídos”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. XI, p. 63]. – Pio XII.

A socialização total tornaria pavorosa realidade a imagem terrificante do Leviatã

Radiomensagem de 14 de setembro de 1952 ao Katholikentag de Viena:

“Se os sinais dos tempos não enganam, na segunda fase das controvérsias sociais, em que já entramos, têm precedência (com relação à questão operária, que dominou a primeira fase) outras questões e problemas. Citemos aqui dois deles:

A superação da luta de classes por uma recíproca e orgânica ordenação entre o empregador e o empregado. Pois a luta de classes nunca poderá ser um objetivo da ética social católica. A Igreja sabe que é sempre responsável por todas as classes e camadas do povo.

Ademais, a proteção do indivíduo e da família, frente à corrente que ameaça arrastar a uma socialização total, em cujo fim se tornaria pavorosa realidade a imagem terrificante do Leviatã. A Igreja travará esta luta até o extremo, pois aqui se trata de valores supremos: a dignidade do homem e a salvação da alma”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. XIV, p. 314]. – Pio XII.

O totalitarismo invasor, uma tentação para o Estado

Carta de 14 de julho de 1954 à 41ª Semana Social da França:

“A fidelidade dos governantes a este ideal de proteger a liberdade do cidadão e servir ao bem comum será, além do mais, sua melhor salvaguarda contra a dupla tentação que os espreita ante a amplidão crescente de sua tarefa: tentação de fraqueza, que os faria abdicar sob a pressão conjugada dos homens e dos acontecimentos; tentação inversa de estatismo, pela qual os poderes públicos se substituiriam indevidamente às livres iniciativas privadas para reger de maneira imediata a economia social e outros ramos da atividade humana. Ora, se não se pode hoje negar ao Estado um direito que lhe recusava o liberalismo, não é menos verdade que sua tarefa não é, em princípio, assumir diretamente as funções econômicas, culturais e sociais que dependem de outras competências; ela consiste antes em assegurar a real independência de sua autoridade de maneira a poder conceder a tudo o que representa um poder efetivo e valioso no país uma parte justa de responsabilidade sem perigo para a sua própria missão de coordenar e de orientar todos os esforços para um fim comum superior”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. XVI, pp. 465-466]. – Pio XII

O apelo excessivo à intervenção do Estado conduz à ruína o próprio Estado

Discurso ao VII Congresso da União Cristã dos Chefes de Empresas e Dirigentes da Itália (UCID) de 7 de março de 1957:

“Atribuindo a todo o povo a tarefa própria, se bem que parcial, de ordenar a economia futura, estamos muito longe de admitir que esse encargo deva ser confiado ao Estado como tal. Entretanto, ao observar o andamento de certos congressos, mesmo católicos, em matérias econômicas e sociais, pode-se notar uma tendência sempre crescente para invocar a intervenção do Estado, de modo que se tem por vezes como que a impressão de que esse é o único expediente imaginável. Ora, sem dúvida alguma, segundo a doutrina social da Igreja, o Estado tem seu papel próprio na ordenação da vida social. Para desempenhar esse papel, deve mesmo ser forte e ter autoridade. Mas os que o invocam continuamente e lançam sobre ele toda a responsabilidade o conduzem à ruína e fazem mesmo o jogo de certos poderosos grupos interessados. A conclusão é que dessa forma toda responsabilidade pessoal nas coisas públicas vem a cessar, e que se alguém fala dos deveres ou das negligências do Estado, refere-se aos deveres ou faltas de grupos anônimos, entre os quais, naturalmente, não cogita de contar-se a si próprio”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. XIX, p. 30]. – Pio XII.

O princípio de subsidiariedade

Encíclica Mater et Magistra de 15 de maio de 1961:

“De início, deve-se afirmar que no campo econômico a parte principal compete à iniciativa privada dos cidadãos, quer ajam isoladamente, quer associados de diferentes maneiras a outros para a consecução de interesses comuns.

Contudo, nessa questão, pelos motivos expostos por Nossos Antecessores, é também necessária a presença operante da autoridade civil, com o fim de promover retamente o incremento dos bens materiais, dirigindo-o para o progresso da vida social e, portanto, em benefício de todos os cidadãos.

Essa ação do Estado, que protege, estimula, coordena, supre e completa, apóia-se no ‘princípio de subsidiariedade’ (A.A.S., XXIII, 1931, p. 203), assim formulado por Pio XI na Encíclica Quadragesimo Anno: ‘Permanece, contudo, firme e constante na filosofia social aquele importantíssimo princípio que é inamovível e imutável: assim como não é lícito subtrair aos indivíduos o que eles podem realizar com as próprias forças e indústria, para confiá-lo à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores poderiam conseguir, é uma injustiça ao mesmo tempo que um grave dano e perturbação da boa ordem. O fim natural da sociedade e de sua ação é coadjuvar os seus membros e não destruí-los nem absorvê-los’ (ibid p. 203)”.

[“Catolicismo” no. 129, setembro de 1961, p. 3]. – João XXIII.

·        Destaques em negrito e subtítulos do autor.



[1] Sobre a nova corrente missiológica que apresenta o índio como modelo para o homem civilizado, ver PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI, Editora Vera Cruz, São Paulo, 7ª ed., 1979).

[2] Cfr. PAULO  TORMINN BORGES, Estatuto da Terra, Pró-livro, São Paulo, 1979, 275 pp.

[3] A posição deste livro, contrária à Reforma Agrária, obviamente não implica em incitar à transgressão das leis vigentes. Mas tão-somente em pedir ao Poder público que não amplie o cumprimento delas, sem antes animar um largo diálogo entre os vários setores de opinião pública interessados no magno assunto. Bem entendido, implica isto sim, aconselhar os católicos brasileiros a que, nesse diálogo – todo ele pacífico e desenvolvido na mais estrita obediência à ordem legal – se pronunciem contra essa nefasta Reforma.

[4] A distinção aqui feita entre povo e massa se funda no monumental texto de Pio XII citado no fim desta Secção.

[5] “O comunismo – é dito no programa do PUCS – cumpre a missão histórica de libertar todos os homens da desigualdade social, de todas as formas de opressão e exploração ... O comunismo dará aos homens aquilo com que sonharam ao longo dos séculos e milênios.

Somente quando os meios de produção passam a ser propriedade social e a exploração do homem pelo homem se torna impossível, é que se abre caminho para a igualdade efetiva, não simplesmente formal, dos homens, para sua verdadeira libertação.

Esta obra histórica o comunismo a leva avante. Um dos seus grandes princípios sociais é a igualdade real e universal dos homens” (Fundamentos de Marxismo-Leninismo, Editorial Progreso, Moscou, 1964, p. 863).

Com as devidas adaptações, este tópico poderia muito bem ser parte integrante do texto do IPT.

[6] O jornal comunista “Voz da Unidade”, sucessor do “Voz Operária” como órgão oficial do PCB, em seu no. 1, de 30 de março a 5 de abril de 1980, faz os mais francos elogios ao IPT:

“O documento ‘Igreja e problemas da terra’ ... pode ser considerado como um marco de relevância no trabalho que há cerca de 28 anos a CNBB vem dedicando ao problema da terra, tanto a nível de estudos teóricos como através de atuação prática, com a Pastoral da Terra. A importância do documento se deve, antes de tudo, ao inequívoco posicionamento crítico em relação ao regime capitalista e em relação ao modelo de desenvolvimento econômico que vem sendo imposto ao país pelos vários governos militares. Neste sentido, a votação com a qual o documento foi aprovado – 172 votos a favor, 4 contra e 4 abstenções – assume um significado especial, já que nunca se havia conseguido reunir tantos votos em torno às posições progressistas no seio da CNBB”.

E conclui: “Ao condenar claramente o capitalismo, o modelo econômico vigente e ao declarar-se favorável a uma autêntica Reforma Agrária, a 18ª Assembléia Geral da CNBB deu uma valiosa contribuição para, como diz o próprio documento de Itaici, ‘a construção do Homem novo, base de uma nova sociedade’ ”.

 


 Atrás   Índice   Adiante

Página principal