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Plinio Corrêa de Oliveira
Sou Católico: posso ser contra a reforma agrária?
Ed. Vera Cruz - Fevereiro de 1981 |
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Secção I
– Perigosas distinções sobre os tipos de propriedade em que mal se
disfarça a influência marxista
TEXTO DO IPT
2 . Terra de exploração
e terra de trabalho 82 . Essa mensagem
de Deus está viva na mente de grande número de nossos
trabalhadores rurais. Os posseiros a expressam quando lutam
pela “posse e uso” de sua terra, mais do que pela
“propriedade”. Esta, a propriedade, em muitos casos, é representada
por grileiros, pelos grandes fazendeiros, pelas empresas agropecuárias e
agroindustriais. Estas “negociam com a terra”: um bem dado por Deus a
todos os homens. COMENTÁRIO O presente tópico
parte de um fato real. Muitas vezes os ocupantes de terras abandonadas
reivindicam a posse destas e não a propriedade. Trata-se, o mais das
vezes, de gente simples, de instrução elementar, se tanto... Falam de
“posse” porque têm a vaga noção de que não são proprietários.
Ademais, em interlocução com pessoas gradas da respectiva zona –
prefeitos, delegados de polícia, advogados, oficiais de justiça ou
particulares – vêem-se qualificados de “posseiros”. Repetem
pois a qualificação maquinalmente. E só. Nem vai mais longe o pobre
discernimento deles. O IPT manipula esse
modismo da linguagem popular, transformando-o em argumento para suas
teses: se os ocupantes das terras se mostram satisfeitos com o
qualificativo de posseiros, é porque sabem que a posse (a qual
inclui, de fato, a gestão e a administração) é para eles
o elemento mais útil da propriedade. De forma que se reputam
explicavelmente mais senhores da terra do que se fossem dela proprietários
sem posse [1]. Argumentar com base
em pequenos malabarismos verbais como este é o que se qualifica em francês
“faire flèche de tout bois” (fazer flecha com toda e qualquer
madeira, por menos que esta se preste a tal). Essa hipotética
inversão dos elementos constitutivos do direito de propriedade, o IPT a
qualifica com grandiloquencia mística ou poética, de “mensagem de
Deus ... viva na mente de grande número de nossos trabalhadores rurais”. O IPT parece deduzir
dessa “mensagem viva” uma conseqüência considerável: a posse
da terra é sempre de quem a trabalha, ainda que o faça por conta do
proprietário. O que de nenhum modo se coaduna com o conceito jurídico de
posse. Mas certamente com a concepção marxista de trabalho. E essa posse do
trabalhador, ou gestor, constituiria o elemento mais substancioso e
respeitável – senão a mesma substância – do direito de propriedade.
Do que se deduziria que, no trabalho do assalariado, este é o dono legítimo
da terra, e não o proprietário. TEXTO DO IPT
83 . Esta consciência
do povo nos alerta para a distinção entre os dois tipos de apropriação
da terra que, merecem nossa atenção: terra de exploração, que
nosso lavrador chama terra de negócio, e terra de trabalho.
Essa distinção, entretanto, não desconhece a existência da terra como terra
de produção, da propriedade rural que respeita o direito dos
trabalhadores, segundo as exigências da doutrina social da Igreja. COMENTÁRIO As considerações
feitas a propósito do tópico 82 tornam inteiramente explicável a distinção
que o IPT faz entre “terra de trabalho” e “terra de
exploração” (ou “terra de negócio”), com o peculiar
alcance que atribui a essa distinção. Ou seja, entre o proprietário que
trabalha a terra, de um lado, e, de outro lado, o que não a trabalha: a)
porque a deixa inculta para valorizar; b)
porque a loca, ou c)
porque, de qualquer outro modo, aufere lucros ou vantagens dela –
embora à distância – por meio de prepostos. Quaisquer dos que
locam a terra a terceiros não teriam a verdadeira propriedade sobre ela.
No fundo, como se verá, e em que pese a ressalva do período final do
presente tópico, o proprietário que não trabalha a terra seria um
explorador: qualificação muito próxima, ou até idêntica, à de
sanguessuga. Com vistas à
planejada Reforma Agrária, esta distinção de capital importância (e de
sabor marxista, pois pressupõe que a terra é só de quem a trabalha)
deveria ser perfeitamente definida pelo IPT. Tal definição pressuporia,
por sua vez, a de dois outros conceitos, isto é, o de “trabalho”
e o de “exploração”. a ) “Trabalho”,
para o IPT designa tão-somente o trabalho do lavrador-proprietário, no
qual a faixa de importância do labor manual normalmente absorve ou excede
de muito a do labor mental? Ou inclui também o trabalho do proprietário
que reside em sua terra e a cultiva por meio de assalariados, fazendo-se
ajudar, na direção dela, por dirigentes de segunda plana, como
administrador e fiscais, e eventualmente também por auxiliares técnicos,
como contador, engenheiro agrônomo, veterinário etc.? Mais precisamente,
segundo o IPT, só é trabalho o manual? A tese é pejada de conotações
marxistas... Ou o IPT reconhece a parte de inegável importância que, no
processo global da produção agrícola ou pecuária, cabe ao proprietário
e aos técnicos, dirigentes e fiscais do trabalho manual? Em caso
afirmativo, isto é, desde que o IPT reconheça toda a importância do
trabalho não manual, não se vê o que, na específica perspectiva dele,
caracteriza a “terra de exploração”. Suponha-se um
proprietário (pessoa física ou jurídica) que cultive intensamente sua
terra, mas o faz por meio de técnicos, administradores, gerentes etc. Ele
próprio, embora acompanhando-lhes assiduamente o processo de produção,
controlando-os, dirigindo-os etc., nela não reside (o que aliás, em
qualquer caso, é deplorável do ponto de vista humano). Pela mera ausência
do dono, a terra passa da categoria (com a qual o IPT simpatiza) de “terra
de trabalho” para a de “terra de negócio”, ou “terra
de exploração” (com a qual o IPT antipatiza)? E no caso de
pertencer a terra a uma pessoa jurídica, como se efetivaria tal residência
na sede? Se o proprietário
faz produzir intensamente sua fazenda, e concorre para tal com o seu próprio
trabalho (diretivo, e não manual), por que motivo essa terra não pode
ser qualificada “terra de trabalho”? Mais uma vez: o que é “trabalho”? b ) Mas – poderia
alegar alguém – as expressões “terra de trabalho” e “terra
de negócio” têm significados bem definidos no vocabulário
corrente: “de trabalho” é a terra cultivada, trabalhada; “de negócio”
é a terra não trabalhada, que o proprietário ocioso, ou ocupado com
outros afazeres, deixa inaproveitada, para lucrar tão-só com a valorização
que essa possa ter. – O que há nisto de censurável? Por que substituir
por um rótulo novo (“terra de exploração”) uma expressão
corrente (“terra de negócio”)? É fácil notar que,
ao contrário da linguagem corrente, o IPT é infenso à “terra de
negócio”. Passando por cima da linguagem popular e baseado na “mensagem
de Deus ... viva na memória de grande número de trabalhadores rurais”
(no. 82), ele inventa para a “terra de negócio” um rótulo
depreciativo, chamando-a “terra de exploração”. De fato, esse rótulo
assume facilmente uma conotação pejorativa, pois em nosso idioma a
palavra “exploração” tem sentidos diversos. Por exemplo,
explorar uma terra pode significar fazê-la produzir, o que é uma operação
honesta. Pelo contrário, explorar uma pessoa é induzi-la por engano ou
forçá-la por qualquer meio de pressão, a aceitar um negócio que a ela
é prejudicial. Quanto à “terra de exploração”, o sentido da
palavra fica dependendo portanto de saber quem é o explorado, se a terra,
se o trabalhador. A se referir ao trabalhador manual a palavra “exploração”,
a conseqüência seria que, segundo o IPT, todo tipo de propriedade que não
fosse de dimensões familiares seria desonesto. Afirmação que, aliás,
se harmonizaria facilmente com a linha geral de pensamento do IPT,
eivada de influência marxista. Aliás, a definição
de “terra de exploração”, feita no tópico seguinte, não
deixa nenhuma dúvida a esse respeito. * * * À primeira vista, a
unilateralidade do IPT, várias vezes aqui apontada, encontraria no período
final do presente tópico uma atenuante. Mas o conceito que aí se
introduz é tão desprovido de afinidade com o contexto geral do IPT, que
se seria propenso a considerar incrustado neste para despistamento doutrinário. Ou seja, para atuar ex
machina, como defesa contra objeções eventuais que – com sobras de
razão – o IPT parece recear. Na realidade, a
introdução do novo conceito em nada favorece o IPT. Pelo contrário, a
confusão dessa pluralidade de “terras” – “terra de
exploração”, “terra de trabalho” – ainda é agravada
com a menção à “terra de produção”. Segundo o sentido
normal das palavras, a designação se aplica genericamente a toda terra
capaz de produzir. Ou, mais especificamente, a toda terra que efetivamente
produz. É, pois, inteiramente arbitrário que o IPT reserve essa rotulação
só para aquela, dentre as terras de produção, que “respeita o
direito dos trabalhadores, segundo as exigências da doutrina social da
Igreja”. Se pelo menos o IPT
reservasse esse qualificativo para as terras que respeitam os direitos de
ambas as partes habitualmente empenhadas no esforço da produção rural,
isto é, o proprietário e os trabalhadores! Dir-se-ia então – ainda
que com alguma impropriedade – que “terra de produção” é
aquela que é cultivada segundo a doutrina social da Igreja. O rótulo
seria arbitrário, mas o conteúdo dele faria sentido, máxime em um
documento da CNBB. Não, porém. Basta que sejam respeitados os direitos
de uma das partes, isto é “dos trabalhadores, segundo as exigências
da doutrina social da Igreja”. Quanto ao direito dos proprietários,
também assegurado pela “doutrina social da Igreja”, dele se
desinteressa o IPT. * * * Sobre este ponto,
cabe ainda uma observação. À primeira vista,
as palavras “doutrina social da Igreja” parecem aludir ao
conjunto de todos os documentos eclesiásticos sobre a matéria, a partir,
por exemplo, da célebre Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, de
1891. Na realidade, porém,
em vários tópicos o IPT destoa dessa doutrina. De onde se conclui que,
ou ele a ignora, ou então dá por “superados”, revogados e como que não
escritos, vários ensinamentos tradicionais da Igreja nessa matéria. Caso o IPT ignore a
doutrina social da Igreja, sua definição de “terra de produção”
se esvazia. Caso ele dê por sem
efeito alguns ensinamentos tradicionais da Igreja sobre a matéria social
(o que seria de todo em todo arbitrário e inaceitável por um católico)
importa perguntar qual é – segundo o IPT – a presente doutrina social
da Igreja. Os responsáveis
pelo IPT não poderiam deixar de responder que essa doutrina é... a que o
mesmo IPT ensina. Neste caso, a definição
de “terra de produção” seria a seguinte: “propriedade
rural que respeita o direito dos trabalhadores segundo as exigências do
presente documento”. Em qualquer das
perspectivas postas por estas inarredáveis alternativas, o conceito de
“terra de produção” acaba sendo de nenhum peso, quer no seu
texto, quer no contexto em que se insere. E deixa intactos os conceitos de
“terra de trabalho” e de “terra de exploração”,
fortemente impregnados de sabor marxista.[2] TEXTO DO IPT
84 . Terra de
exploração é a terra de que o capital se apropria para crescer
continuamente, para gerar sempre novos e crescentes lucros. O lucro
pode vir tanto da exploração do trabalho daqueles que perderam a
terra e seus instrumentos de trabalho, ou que nunca tiveram acesso
a eles, quanto da especulação, que
permite o enriquecimento de alguns à custa de toda a sociedade. COMENTÁRIO Todas as considerações
feitas a propósito do tópico anterior se agravam com o fato de que o
conceito pejorativo de “exploração” está inteiramente
enunciado no presente tópico. O proprietário que
não trabalha manualmente a terra e nela não reside, aparece apresentado
aí abstrativamente como “o capital” que visa dois fins
encarados como danosos: a)
“crescer continuamente”; b)
“gerar sempre novos e crescentes lucros”. Não se vê o que
isso tenha de intrinsecamente ilícito ou danoso. Todo proprietário tende
(e deve tender) a tirar de sua terra produtos “crescentes” em
quantidade e qualidade. E o faz para auferir proventos “crescentes”...
com vantagem concomitante para o bem comum. O IPT parece
atribuir, por sua vez, à palavra “lucro”, não o sentido
equivalente a provento líquido da produção, mas outro. “Lucro”
seria, segundo ele, a porcentagem espúria que tocaria ao capital por uma
participação nos proventos, sob a alegação antinatural e injusta de
que ele é também um fator de produção. Quando o único fator de produção
clara e insofismavelmente reconhecido pelo IPT é o trabalho. Assim, os
proventos deveriam ser só do trabalho. O que quer dizer, em última análise,
que o capital é ilegítimo. Para o IPT há “lucro”
quando há “exploração do trabalho daqueles que perderam a terra e
seus instrumentos de trabalho”. Ou, ainda, quando há “exploração”
dos “que nunca tiveram acesso” à terra ou aos ditos
instrumentos. Ou, por fim, quando há “especulação, que permite o
enriquecimento de alguns à custa de toda a sociedade”. Exploração do
trabalhador, especulação anti-social, eis o que caracteriza a “terra
de exploração”. Ora, este sentido de “lucro” é
arbitrariamente adotado pelo IPT, e não corresponde ao da linguagem
corrente... mas ao da doutrina marxista. Tudo isto, que
parece assemelhar de modo alarmante a doutrina do IPT com a doutrina
comunista, torna ainda mais premente a necessidade de uma definição
clara da CNBB sobre as várias perguntas há pouco feitas relativamente
aos conceitos de “trabalho” e de “trabalhador” (cfr. Comentário
ao no. 83). Na falta do que, o IPT não deixa grande dúvida a respeito de
seu pendor de favorecer a propriedade de dimensões familiares, com prejuízo
das propriedades grandes e médias. Obviamente porque nega a propriedade
em si mesma, e só reconhece como fonte de enriquecimento legítimo o
trabalho. * * * Não é possível passar adiante sem formular,
entretanto, ainda uma pergunta a respeito do tópico 84. A “especulação” que acarrete o
“enriquecimento de alguns à custa de toda a sociedade” é
obviamente nociva, do ponto de vista social, como também toda a concentração
fundiária tal, que a terra esteja em mão de um número exíguo de
proprietários grandes e médios. Porém, ainda aqui o IPT emprega uma
palavra corrente como “especulação” em um sentido
arbitrariamente restritivo. Especular em imóveis
pode ser, por exemplo, comprar para vender com lucro. Ou comprar sem o
intuito imediato de plantar, mas para constituir, com suas economias, um
fundo de reserva destinado a garantir o futuro do proprietário e de seus
herdeiros. Ou, ainda, para revender o imóvel quando estiver valorizado.
Estas operações são lícitas, segundo a doutrina católica? Por vezes,
investimentos imobiliários que não importam imediatamente em plantio nem
em pastoreio podem até favorecer o bem comum. O “especulador” que
compra uma terra inculta e a revende loteada a terceiros, pode atrair com
isto riquezas e trabalho para o lugar. Neste sentido, ele participa, como
fator indireto mas autêntico, do aproveitamento efetivo da terra. O
investidor que aplica em terras suas economias, não com o intuito de
cultivar, mas como fundo de reserva para si e sua família, tem, segundo
todos os moralistas, um verdadeiro direito à valorização que o
povoamento progressivo acarrete para sua propriedade, como arcará também
com os eventuais prejuízos de uma estagnação ou retrocesso econômico. Como todas as
atividades ou aplicações essencialmente legítimas, também estas
podem ser acidentalmente ilegítimas. Por exemplo, quando a manutenção
da terra inculta lesa ponderavelmente o bem comum. Ou quando o loteamento
é feito segundo preços que lesam quer o comprador – freqüentemente rústico
– da gleba rural, quer os compradores dos lotes menores, próximos aos
centros urbanos. Mas estas
eventualidades não justificam o enfoque evidentemente unilateral e
carregado de antipatia, com que o IPT se refere à “especulação”.
Com efeito, segundo já foi dito, esta última palavra comporta, além de
seu óbvio sentido pejorativo, outro não pejorativo, que o IPT omite
arbitrariamente. E com tal omissão, focalizando toda especulação como má,
o IPT coloca em posição desfavorável todo especulador honesto. O que
redunda, por sua vez, em mais um fator de cerceamento da legítima
liberdade do proprietário rural. O IPT contraria,
pois, o sentir de todos os moralistas católicos tradicionais, ao afirmar
sumariamente que o proprietário beneficiado pela valorização de suas
terras se locupleta com um lucro lesivo a todo o corpo social. É notório
que, em todos os tempos, e sem oposição da Igreja, os proprietários se
reputaram, em inteira tranqüilidade de consciência, donos da accessio
de valor de seus imóveis. Assim como, segundo
o direito, “res perit domino” (a coisa perece por conta do
dono), do mesmo modo “res fructificat domino” (os frutos
de uma coisa pertencem ao seu dono), o que se entende do acréscimo
decorrente do curso natural das coisas, sem a colaboração do trabalho
humano. * * * Em suma, o IPT tende
a subestimar, cercear, desdourar, tolher, negar tudo quanto na vida do
campo resulta do direito de propriedade. E a só admitir como legítimo
– enquanto só apresenta como digno de proteção da Igreja e do Estado
– o fator trabalho. E, ao que parece, trabalho manual. Impostação
evidentemente marxista, que por sua vez conduz à luta de classes. TEXTO DO IPT
85 . Terra de
trabalho é a terra possuída por quem nela trabalha. Não é terra
para explorar os outros nem para especular. Em nosso país, a concepção
de terra de trabalho aparece fortemente no direito popular de propriedade
familiar, tribal, comunitária, e no da posse. Essas formas
de propriedade, alternativas a exploração capitalista, abrem claramente
um amplo caminho, que viabiliza o trabalho comunitário, até em áreas
extensas, e a utilização de uma tecnologia adequada, tornando dispensável
a exploração do trabalho alheio. COMENTÁRIO O IPT é coerente
consigo quando, ao prorromper em louvores à “terra de trabalho”,
menciona, com uma complacência visível, as várias modalidades de
propriedade não capitalista: a “propriedade familiar”, a “tribal”,
a “comunitária”, e a mera “posse” do não proprietário.
E, a essa altura, os louvores se transformam em programa: essas “formas
de propriedade, alternativas à exploração capitalista, abrem claramente
um amplo caminho, que viabiliza o trabalho COMUNITÁRIO ... tornando
dispensável a EXPLORAÇÃO do trabalho alheio” (destaques do
autor). Da propriedade individual à propriedade comunitária, eis a
trajetória que o IPT deseja para a agricultura brasileira. Qual é, entretanto,
no pensamento do IPT, o verdadeiro sentido do adjetivo “comunitário”?
A esse respeito, o IPT se mostra pouco claro. Pois ele procura explicar o
sentido de “propriedade comunitária” pelo conceito de “trabalho
comunitário”. Porém não explica o que seja este último. Na vasta
gama de significados que medeia entre comum e comunismo,
onde precisamente situa o IPT o seu conceito de comunitarismo?
Questão capital, que o IPT deixa flutuando no ar. De qualquer forma,
é notória a propensão do documento a que o território brasileiro seja,
por assim dizer, “tribalizado”, e o salariado, extinto. Com que
fundamento nos documentos tradicionais do Supremo Magistério pleiteia ele
tão imensa transformação? Ele não o diz! Cooperativas e famílias,
tribos e grupos comunitários de índios, de mestiços ou de brancos, eis
as modalidades de organização rural que o IPT aplaude. O IPT afirma que
essa transformação “viabiliza o trabalho comunitário, até em áreas
extensas, e a utilização de
uma tecnologia adequada”. Em que experiência se funda ele
para isso? Onde, no Brasil ou fora do Brasil, há provas dessa “viabilidade”,
não neste ou naquele caso, mas para todo o território de uma nação?
Talvez nos kolkhozes? Sempre omisso em provar, o IPT silencia a
esse respeito. É porém digno de
nota que, mesmo neste contexto laudatório, as esperanças de resultados
práticos, enunciadas pelo IPT, são modestas. Ele se limita a afirmar a
mera “viabilidade” do sistema, e sua simples capacidade de
utilizar “até [!] em áreas extensas” (a exclamação é do
autor), “uma tecnologia adequada”. Tudo somado, a única afirmação
do IPT sobre os frutos concretos do regime que ele tanto quer implantar,
consiste em que tal regime... pode funcionar! Menos não se pode prometer
[3]. Ora, no caso
concreto, o IPT não pede apenas a instauração de um regime novo, mas a
supressão de um regime antigo. Uma tal reforma só poderia ser pleiteada
em virtude da comparação entre um regime e outro. Entre o atual,
portanto, cuja produção está tão acima do mero funcionar, e o outro,
do qual só se espera que funcione. Inadvertidamente, o
próprio IPT faz a comparação! À vista desta
constatação, impõe-se a pergunta: é realmente o bem de toda a
coletividade, ou pelo menos o da classe dos trabalhadores manuais, que o
IPT visa? Ou quer ele tão-só a aplicação, com um teorismo implacável,
de princípios igualitários abstratos, inspirados aparentemente na
doutrina da Igreja e no zelo pelos menos afortunados? TEXTO DO IPT
86 . Há no país
uma clara oposição entre dois tipos de regimes de propriedade: de um
lado, o regime que leva o conflito aos lavradores e trabalhadores rurais,
que é a propriedade capitalista; de outro, aqueles regimes
alternativos de propriedade, mencionados antes, que estão sendo destruídos
ou mutilados pelo capital: o da propriedade familiar, como a dos pequenos
lavradores do sul e de outras regiões; o da posse, no qual a terra é
concebida como propriedade de todos e cujos frutos pertencem à família
que nela trabalha, regime difundido em todo o país e sobretudo na chamada
Amazônia Legal; a propriedade tribal e comunitária dos povos indígenas
e de algumas comunidades rurais. COMENTÁRIO O que entende o IPT
por “propriedade capitalista”? Toda propriedade que não é de
dimensões familiares, ou não tem caráter tribal nem comunitário, é
necessariamente capitalista? Está aí outro
ponto essencial, em que o IPT se manifesta estranhamente omisso. Ele se põe
simplesmente em atitude de subestima ou de rejeição a todas as formas de
propriedade que não se identifiquem com essas de sua preferência metafísica! TEXTO DO IPT
87 . É oportuna a
advertência de João XXIII: “Não é possível estabelecer, a priori,
qual a estrutura que mais convém à empresa agrícola, dada a variedade
dos meios rurais no interior de cada país e, mais ainda, entre os
diversos países do mundo. Contudo, quando se tem um conceito humano e
cristão do homem e da família, não se pode deixar de considerar como
ideal a empresa que funciona como comunidade de pessoas: então as relações,
entre os seus membros e estruturas, correspondem às normas da justiça
(...). De modo particular, deve considerar-se como ideal a empresa de
dimensões familiares. Nem se pode deixar de trabalhar para que uma e
outra cheguem a ser realidade, de acordo com as condições ambientais”
(Mater et Magistra, no. 139). 88 . No caso de pequenos
e médios produtores, fica evidente que muitos são
involuntariamente transformados em instrumentos de exploração de
seus semelhantes, através da subordinação de sua produção aos
interesses das grandes empresas que exercem um controle
crescente, direto e indireto, sobre a economia agropecuária e que são
as beneficiárias em última instância do seu trabalho e da
riqueza extraída da terra. COMENTÁRIO Aflora mais
claramente no presente tópico do que em outros, uma lacuna do IPT, a qual
projeta efeitos deformantes sobre todo o panorama por ele traçado acerca
do problema fundiário. Lido com atenção
corrente, o tópico dá a impressão de que, no panorama agrofundiário
brasileiro, só existem: a)
os “pequenos e médios produtores”; b)
“as grandes empresas que ... são as beneficiárias em última
instância do seu trabalho [isto é, do trabalho dos pequenos e médios
proprietários]”. É normal que, ante
esse quadro, as simpatias do leitor se voltem para os “pequenos e médios
produtores” e sua antipatia para “as grandes empresas”
apontadas como sanguessugas. Tomada esta posição, o leitor passa
adiante, julgando ter entendido bem a conclusão a que o longo período de
61 palavras conduz. A realidade não é
tão simples quanto o IPT descreve. Onde há produtores
tidos por médios, há necessariamente produtores tidos por grandes. Pois,
por definição, o médio é eqüidistante entre o grande e o pequeno. E
se não houvesse produtores grandes, os maiores dentre os médios seriam
inevitavelmente qualificados de grandes. Ora, o tópico se
abstém de qualquer referência aos grandes produtores. De que maneira? Ao tratar das “grandes
empresas”, ele confunde – numa designação genérica e ambígua
– entidades especificamente diversas. Pois o leitor fica sem saber se
essas “grandes empresas” são rurais, ou tão-só comerciais, e
portanto urbanas. Pois é explicável que sejam urbanas as empresas que
organizam a compra em larga escala, da produção rural, e lucram
manipulando os preços desta. A que conduz mais
esta confusão? A grande propriedade rural recebe críticas que, fundadas
só no fato de ser ela grande, não são justas, mas que não raras vezes
são merecidas pela grande empresa intermediária. Ao denunciar o mal,
o tópico não lhe indica com precisão a freqüência: “MUITOS são
involuntariamente transformados ...” (destaque do autor). – “Muitos”?
Quantos? – Pergunta-se. Que dados estatísticos há sobre esta matéria?
Em temas como este, o adjetivo “muitos” é dos mais resvaladios. Por
exemplo: se se diz que em uma cidade há muitos roubos, a afirmação
implica a existência de um índice mais ou menos corrente e normal da
incidência desse crime em várias cidades congêneres. É em função de
tal padrão que a palavra muitos toma sentido. Em função de que
padrão é freqüente a irregularidade, aliás altamente reprovável,
denunciada pelo IPT? Este se mostra vago a tal respeito. De outro lado, muitos
não eqüivale a todos. Se o “controle crescente, direto e
indireto, sobre a economia agropecuária” atinge a “muitos”
produtores, ipso facto não atinge a todos. Não é fácil explicar
como, então, as tais “grandes empresas” exercem uma como que
tutela global sobre a “riqueza extraída da terra”. Dir-se-á
que foi objetivo do IPT dizer, no presente tópico, que as exceções que
escapam a esse controle são tão raras, que a produção, tomada como um
todo, está sujeita ao tal controle artificial e injusto. Mas, para que
esta assertiva fosse verdadeira, seria preciso que quase todos os
“pequenos e médios produtores” (e não apenas “muitos”
deles) fossem “transformados em instrumento de exploração”
etc. O que é notoriamente inverídico. * * * O leitor talvez se
pergunte qual a utilidade desse destrinçamento, palavra por palavra, do
sentido do presente tópico. Como adiante se verá,
é pela importância intrínseca da matéria nele tratada. Convém
entretanto registrar desde logo a importância que este tópico apresenta
sob um ponto de vista que lhe é de algum modo extrínseco (isto é,
referente à sua linguagem e ao seu método de exposição). Com efeito,
aflora com particular nitidez no presente tópico uma técnica de exposição
que contribui ponderavelmente para a força de penetração das teses e
das insinuações do IPT. Consiste ela no uso freqüente de ambigüidades,
de generalizações vagas, de contradições mais ou menos implícitas, de
omissões destras, tudo operado em passagens essenciais, por assim dizer
incrustadas em um contexto simples e claro. Assim, o leitor tem diante dos
olhos um panorama que nem é inteiramente falso, nem inteiramente
verdadeiro. Desse modo,
imaginando ter entendido tudo com clareza, o leitor pode ser conduzido a
conclusões das quais ele mesmo não tem o controle. A análise do
significado preciso, por assim dizer de cada palavra do texto, nos ajuda a
perceber a cada passo o alcance dessa técnica. * * * Na realidade, as
propriedades rurais no Brasil não podem ser classificadas simplesmente,
como pequenas, médias e grandes. Há que mencionar também as
supergrandes: à maneira da classificação que se faz hoje das potências,
no panorama internacional. As propriedades
pequenas são as de dimensões familiares, ou pouco mais. Elas comportam a
colaboração eventual de dois ou três assalariados. Em geral, o pequeno
proprietário e sua família trabalham com as próprias mãos, ainda
quando tenham assalariados. Nas propriedades médias,
o trabalho manual costuma estar a cargo de assalariados, alguns estáveis,
outros temporários. Pode ocorrer, em certas situações, que o proprietário
ajude um pouco o trabalho manual. Mas, em qualquer caso, sua principal
atividade consiste na direção da empresa, nas atividades de compra e
venda que o andamento desta comporta, nos contatos com as repartições
fiscais e com a complicada e exigente máquina burocrática do País. Não
é raro que o proprietário médio exerça alguma outra profissão no
centro urbano próximo: professor, advogado, médico, veterinário etc.
Seus filhos habitam em geral a cidade durante o ano letivo, para estudar e
conquistar diplomas secundários ou universitários. O grande proprietário,
que sempre cultiva sua terra por meio de trabalhadores manuais
assalariados, vive – em função de sua propriedade rural, bem como dos
centros urbanos médios e grandes – uma vida que, guardadas as proporções,
é análoga à do proprietário médio. Cumpre acrescentar
que, freqüentemente, o regime de salariado, costumeiro em nossas
fazendas, é conjugado com a parceria ou meação. Tal quadro geral
resulta, em considerável parte, do princípio consignado na legislação
brasileira, e aceito como pressuposto indiscutível pela opinião pública,
de que na família cabe a cada filho um quinhão igual ao dos demais, na
herança paterna. Assim, cada casal que morre deixa os filhos em situação
econômica sensivelmente inferior à sua própria, o que produz nos padrões
sociais em que viverão os filhos, efeitos fáceis de imaginar. A aversão social a
qualquer forma de decadência, é, no homem, um reflexo do instinto de
conservação. Cada qual cuida habitualmente de sua situação sócio-econômica
com esmero análogo ao que dedica ao cuidado de seu próprio corpo. Ele
procura, para esse corpo, a saúde, o bem-estar, a aparência correta e
digna. Não só, portanto, o esse, isto é, o existir,
mas ainda o bene esse, isto
é, o conforto. E deseja correlatamente, para sua situação social,
estabilidade, largueza, possibilidade de promoção etc. Diante da
perspectiva de que a herança rural paterna não lhes bastará para se
manterem exatamente no nível dos pais, ao qual estão afeitos, os filhos
– até mesmo dos grandes proprietários com prole numerosa – tendem a
abraçar profissões complementares à agricultura, quando não a
abandonar inteiramente o campo. Muito diversa é a
situação dos proprietários supergrandes. Ao contrário dos grandes, são
o mais das vezes pessoas jurídicas (freqüentemente sociedades anônimas).
O próprio da pessoa jurídica consiste em poder atrair capitais que
excedem de muito o vulto normal do patrimônio do grande agricultor. Pela
própria natureza das coisas, as relações das pessoas jurídicas com os
assalariados são impessoais, “mecânicas” e frias. A magnitude dos
investimentos feitos pelas supergrandes lhes permite mecanizar em grau tão
intenso a cultura, que chegam a aplicar só em máquinas muito mais do que
o valor global de uma propriedade normalmente tida por grande. Esse fato leva ao
anonimato nas relações entre o proprietário supergrande e o
trabalhador, ao minguamento do papel dos trabalhadores manuais e conseqüente
desemprego destes (desde que não se trate de mão-de-obra qualificada), e
à valorização de técnicos – pequenos ou médios burgueses –
responsáveis pela conservação e aproveitamento integral das máquinas. O agricultor
supergrande muitas vezes não se distingue de modo claro do comerciante.
Pois, ou vende ele próprio seus produtos no mercado, a ponto de atingir
direta ou quase diretamente o consumidor, ou por vezes admite o intermediário
como acionista. Mas também ele próprio é sócio da empresa do intermediário.
Sem dúvida, o proprietário meramente grande não tem poder econômico
para tanto. E o mais das vezes não passa de produtor. Quando o proprietário
supergrande (e também o muito grande) é pessoa física, e não jurídica,
os efeitos da sucessão hereditária podem ser outros. Pois não é raro
que a propriedade muito grande ou a suprergrande contenha áreas ainda
inexploradas, que possibilitem aos herdeiros aplicar seu trabalho
integralmente na agricultura, e evitar, pelo aproveitamento de tais áreas,
a diminuição do padrão sócio-econômico a que estão habituados. De
outro lado, tais propriedades proporcionam de ordinário meios suficientes
para que os herdeiros possam aplicar, de imediato, os mais modernos
recursos para fazer render com crescente intensidade as áreas já
exploradas. O que não só os absorve a todos na vida rural, como lhes
permite também a cobiçada manutenção do padrão sócio-econômico. * * * Quem lê o tópico
88 – como tantos outros do IPT – é levado a confundir o proprietário
grande com o supergrande. E a aceitar subconscientemente como válidas
para os grandes, as críticas que o IPT faz, não raras vezes com razão,
aos supergrandes. Ora, sucede que o número
de supergrandes é muito menor do que o das grandes, na escala das
propriedades fundiárias brasileiras. De onde ter o IPT por efeito – em
virtude de suas próprias incorreções de linguagem e de exposição –
atingir de fato, e sistematicamente, as propriedades grandes. Cumpre acrescentar
que o IPT faz às propriedades supergrandes críticas por vezes exageradas
e vagas. É oportuno um exemplo. O IPT se refere, com louvável
inconformidade, às manipulaões de preços de produtos agropecuários,
operadas por intermediários (nos. 43 a 46). Essas manipulações frustram
muitas vezes o produtor mal pago e exaurem a economia do consumidor [4].
Mas o IPT omite de mencionar outro fator que pesa duramente sobre as
populações rurais e urbanas: é a intervenção do Poder público na
fixação dos preços da produção agropecuária. Tal intervenção múltipla,
assídua, caprichosa, tantas vezes sem rumo definido, flutua ao sabor de
superiores conveniências econômicas e financeiras do Estado. Conjuga-se
ela por vezes com determinados interesses industriais e cambiais privados,
aliás não raras vezes vantajosos para o bem comum. De todo este
intrincado entrelaçamento só podem ter noção cabal uns poucos
superempresários e super técnicos, e nunca ou quase nunca o agricultor,
ainda que grande. Essa política de
preços produz sobre o mercado os efeitos mais variados, e dá origem a
especulações (no pior sentido da palavra) de bolsa, contra as quais em
geral só as empresas supergrandes podem defender-se. Pois só elas dispõem
dos departamentos de estudo especializados, dos serviços de informação
e dos técnicos que permitem prever metodicamente as mudanças de política
de preços antes mesmo que estas sejam dadas ao público. Em conseqüência,
tudo isso forma um emaranhado de interesses políticos, bancários,
industriais, comerciais, nos quais também se misturam – e nem sempre
como a parte mais forte – produtores rurais supergrandes. Não é necessário
insistir sobre os inconvenientes tão óbvios dessa situação, a qual
pode exercer influência sobre o próprio Poder público. Entretanto, da atuação
deste último, na específica linha de fatos da qual aqui se fala, pouco
ou nada diz o IPT, quando, pelo contrário, tem sido tantas vezes fator
importante do quadro de anomalias contra a qual o mesmo IPT investe. Por que tal omissão?
Como explicá-la dentro da lógica do IPT? Não é difícil. A animadversão do
IPT vai toda ela para a propriedade privada, máxime quando é individual.
E, portanto, as suas simpatias tendem para a coletivização da economia.
Ora, como denunciar a ação deletéria do Poder público, quando é
precisamente em benefício dele que a coletivização se opera? TEXTO DO IPT
89 . Cumpre
distinguir entre propriedade capitalista da terra e propriedade privada
da terra. Enquanto a primeira é utilizada como instrumento de exploração
do trabalho alheio, a segunda é usada como instrumento de trabalho
do próprio trabalhador e de sua família, ou cultivada pelo
proprietário com mão-de-obra assalariada, tendo função social
e respeitando os direitos fundamentais do trabalhador. “A
propriedade particular ou algum domínio sobre os bens exteriores conferem
a cada um o espaço absolutamente necessário à autonomia pessoal e
familiar; devem ser considerados como um prolongamento da liberdade
humana” (Gaudium et Spes, no.
71). COMENTÁRIO A hostilidade do IPT
em relação à propriedade privada parece flagrantemente desmentida pela
primeira frase do presente tópico, a qual distingue a “propriedade
privada da terra” – mencionada com evidente simpatia – da “propriedade
capitalista da terra”, mencionada, pelo contrário, com antipatia óbvia. Qual o sentido e o
fundamento dessa distinção? O IPT nada diz de preciso a tal respeito. As frases seguintes
criam, com efeito, sensível ambigüidade acerca do direito de
propriedade. O que desinfla as esperanças que a frase inicial despertara. O que caracteriza a
terra capitalista é: a “exploração do trabalho alheio”. Ou
seja, do trabalho que não é o do próprio dono. Já se viu (cfr. Comentário
aos nos. 83, 84 e 85) toda a ambigüidade do IPT a respeito do conceito de
trabalho e o caráter exploratório que ele tende a conferir ao salariado,
considerado “trabalho alheio”. Assim, a distinção entre “propriedade
capitalista” e “propriedade privada” parece esfumaçar-se. Considere-se agora a
definição de “propriedade privada”: é aquela “cultivada
pelo proprietário COM mão-de-obra assalariada” (destaque do
autor). O que quer dizer isto, ao certo? Dentro da ótica peculiar do IPT,
o que é cultivar? É trabalhar a terra com as próprias mãos? Ou é
dirigir, sem a participação manual, o trabalho dos assalariados? A
pergunta é de capital importância para conhecer que tipo de estrutura
rural o IPT visa implantar. Com efeito, se “cultivar”
a terra significa principal ou exclusivamente trabalhar a terra
manualmente (segundo a doutrina marxista, só o trabalho confere direito
ao fruto da terra), o IPT admite apenas as propriedades pequenas, e as médias
tão pequenas que quase se confundam com estas. O que, em termos de
Doutrina Católica, é inadmissível. Se, pelo contrário,
“cultivar” significa também dirigir o trabalho manual sem
participar dele, o IPT comporta uma aceitação efetiva da propriedade
pequena, média ou grande. Porém, não da propriedade supergrande, o que
se pode conceber em termos de Doutrina Católica, feitas as necessárias
precisões e ressalvas. Aceitação efetiva, foi dito há pouco. Porém não sem desconfiança. O IPT, ao falar da
propriedade não familiar, lembra a justo título que ela deve desempenhar
uma “função social” e respeitar “os direitos
fundamentais do trabalhador”. Nada mais justo. Contudo, por que
relembrar essas exigências só no tocante às propriedades em que
trabalham assalariados? Por que não acentuar que a pequena propriedade
também possa se tornar injusta e faltar à sua função social a mesmo título?
Quando, por exemplo, os proprietários – cônscios de que jamais poderão
possuir mais do que seu alvéolo na estrutura rural, e privados portanto
da estimulante esperança de enriquecer – trabalham a terra molemente, e
com o intuito único de suprir às necessidades suas ou dos seus? Ou,
ainda, quando a pequena propriedade se pulveriza tanto, que não comporta
um cultivo em escala plenamente rentável, a ponto de, por vezes, nem
sequer atender às necessidades elementares do minifundiário e de sua família? Função social, o
direito de propriedade a tem. Porém – como já foi dito – não só
ele. Pois até o direito à vida tem função social, que os jovens
exercem com sacrifício de seu sangue, quando são convocados para o campo
de batalha. Não é explicável que o IPT pareça ignorar isto, e só em
relação ao direito de propriedade lhe ocorra falar em função social.
Como se este fosse um direito diminutae rationis e intrinsecamente
propenso a voltar-se contra o bem comum. Ademais, aqui ainda
o IPT fala de respeito aos “direitos fundamentais do trabalhador”.
E por que também não pede o mesmo para os direitos do proprietário? Por fim, não é
explicável que o IPT nada diga da função social do trabalho: função
entretanto de grande alcance em várias situações, como greves de
trabalhadores rurais na época das colheitas etc. * * * A estes vários
fatores de perplexidade cabe acrescentar mais um. O IPT, no mesmo tópico
89, qualifica a terra de “instrumento de trabalho”: designação
estranha, que subverte todo o conceito de propriedade. A terra é, por
certo, um fator de produção. Porém não precisamente um instrumento de
trabalho. Pois instrumento é o apetrecho de que se serve alguém para
tornar mais forte ou mais ágil sua ação sobre algo. Não é porém
aquilo sobre o qual tal ação se exerce. Assim, o anzol ou a
rede são instrumentos de trabalho do pescador. O mar e os peixes, pelo
contrário, não são para ele instrumentos de trabalho, mas algo sobre o
que seu trabalho se exerce. Em outros termos, o
direito de propriedade tem por objeto a coisa. Quando o homem se apropria
de uma res nullius (coisa de ninguém), adquire sobre esta coisa o
direito de propriedade. É o que acontecia, por exemplo, com algum
navegante que chegasse outrora a uma ilha inabitada. Ao qualificar a
propriedade como instrumento de trabalho, o IPT parece fazer da
propriedade uma mera derivação do direito do homem ao fruto de seu
trabalho. O que restringe sensivelmente o âmbito e o próprio sentido do
direito de propriedade. Por certo, o
trabalho pode ser uma das fontes do direito de propriedade. Porém de
maneira nenhuma é a única fonte dele. Negá-lo importaria em
negar a apropriação da coisa perdida ou abandonada, a herança, a doação,
todos os modos de aquisição, enfim, nos quais o trabalho não tenha
entrado. Ou seja, como há
pouco foi dito, importaria em reduzir o fundamento da propriedade ao
trabalho. O que de nenhum modo é consoante com a Doutrina Católica (cfr.
Textos Pontifícios ao fim desta Secção). * * * “...
instrumento de trabalho do próprio trabalhador e de sua família”.
– A posição do IPT face à pequena propriedade de dimensões
familiares, trabalhada pelo proprietário e por sua família com o auxílio
eventual de um ou outro trabalhador contratado, salta aos olhos na leitura
de todo o documento, em particular no presente tópico. O IPT a reputa, não
só uma forma de propriedade ideal em seus aspectos sociais, cuja
implantação é desejável sempre que congruente com os direitos constituídos
de terceiros, e com a natureza da terra e da lavoura (e além disto não
vai a Gaudium et Spes) mas como uma forma de propriedade absolutamente
desejável, quer do ponto de vista social quer do econômico, para os
8,5 milhões de quilômetros quadrados de nosso tão variegado País-continente.
Na perspectiva do IPT, em regime de propriedade privada, só a propriedade
de dimensões familiares é inteiramente justa, só ela não cria
problemas sócio-econômicos. Só ela, enfim, constitui a plenitude da
normalidade na vida do campo. A força desta
impostação se faz notar especialmente à vista dos traços
pronunciadamente marxistas que constituem parte saliente da própria
contextura do IPT. Com efeito, a redução
de toda a estrutura agrária a uma galáxia de pequenas propriedades
familiares, interligadas entre si por cooperativas rurais (sem as quais
elas não podem levar a efeito os grandes investimentos financeiros
inerentes à mecanização da lavoura), fica a um passo do regime soviético
dos kolkhozes. Passo que qualquer disposição legislativa –
referente, por exemplo, à autoridade “coordenadora” das cooperativas
sobre as minipropriedades, e do Estado sobre as cooperativas – poderá
facilmente transpor. Assim, a meta última
e ideal apresentada pelo IPT a seus leitores (segundo a qual ele se
empenha em formar a mentalidade destes) está a dois passos do comunismo
agrário, se tanto. * * * Parece em certa
contradição com este aspecto óbvio do IPT o fato de que o documento não
rejeita de modo inteiramente explícito a grande e a média propriedade. Sempre que em um
texto se faz notar uma contradição, a boa exegese procura encontrar a
linha de pensamento segundo a qual esses elementos contraditórios se
conciliam no espírito do texto. Assente a posição
do IPT sobre a pequena propriedade de dimensões familiares, é natural
que o leitor influenciado pelo espírito do documento tenda a desejar que
a parcela ainda não cultivada do território nacional seja dividida em
minipropriedades de dimensões familiares. Na parte do território
já cultivada, é concebível, dentro desta lógica, que ele aceite
(talvez pro bono pacis) a sobrevivência de propriedades médias
e grandes. Mas essa aceitação tem, na lógica do IPT, as características
da resignação. Pois enquanto,
segundo o utopismo do IPT, só a propriedade de dimensões familiares
realiza idealmente a justiça e a paz social, porque “a terra é de quem
a trabalha”, a média e a grande propriedade têm pelo menos algo de
injusto. Por esta razão, e também porque – segundo o panorama do IPT,
configurado na perspectiva da luta de classes – o empregador é suposto
sempre de ter os impulsos da ave de rapina, em relação ao empregado. Daí naturalmente
– sempre segundo a perspectiva do IPT – a multiplicação crescente
das “tensões sociais” na vida do campo. Tensões essas cuja solução
é cronicamente o fracionamento da terra em propriedades familiares
segundo a legislação agrária vigente, cuja aplicação efetiva o IPT
aceita como alternativa viável (cfr. no. 99) [5]. Para criar tais
“tensões”, agravá-las e levá-las ao paroxismo, bem se sabe quanto
atuam no Brasil, por toda parte onde conseguem instalar-se, as conhecidas
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Assim, a “resignação”
do IPT em relação à grande e à média propriedade tem muito de inautêntico
e de precário. De inautêntico,
pois as esperanças utópicas na pequena propriedade familiar, sopradas
pelo IPT (e pelos pronunciamentos congêneres que o antecederam e
sucederam), não podem deixar de induzir, mais cedo ou mais tarde, ao
desejo do fracionamento rural os trabalhadores das grandes e médias
propriedades atuais, de suscitar, em favor desses fracionamentos,
condutores de massas sedentos de popularidade, de criar no campo um clima
psicológico “conscientizado” e irrequieto, favorável às reivindicações
das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs); em suma à “nicaraguação”
do País, tão desejada por importantes elementos de nossa “esquerda católica”
[6]. A “aceitação”
da grande e da média propriedade pelo IPT é portanto, além de inautêntica,
fundamentalmente precária. Ela sujeita essas formas de
propriedade, assim “aceitas”, a um deperecimento a fogo lento. Lento? Não conterá
este adjetivo certo otimismo? À vista da ênfase agro-reformista do IPT,
quantas razões há para que essa “lentidão” se desenvolva segundo a
lei da gravitação universal de Newton: isto é, que a divisão das
propriedades se dê com um ímpeto que esteja na razão direta de seu
tamanho, e na razão inversa do quadrado da distância que as separa da
coletivização final. O que, tudo, deixa ver com quanto empenho o IPT
empurra o País rumo a uma sociedade igualitária no campo, como aliás
também na cidade. TEXTO DO IPT 90 . Não
pretendemos, com as distinções acima, trazer uma formulação jurídica
com a precisão técnica que os textos de lei devem ter. Queremos, antes,
indicar quais os valores positivos que se incluem no direito de
propriedade privada e quais os contra-valores que foram introduzidos pela
ganância opressora dos poderosos. Confiamos à objetividade dos juristas
a missão de encontrar fórmulas jurídicas adequadas para a defesa do
direito de acesso à propriedade da terra para aqueles que efetivamente
querem cultivá-la de modo produtivo. COMENTÁRIO Quem redigiu o IPT
parece ter sentido bem o quanto abre o flanco a críticas, com todas as
suas imprecisões, sempre propícias à esquerda. De onde ter então
procurado alguma escapatória para elas. Aqui estaria uma. Por certo, ninguém
pode pedir a um documento de Moral Social precisões de técnica jurídica
especializada. Mas a Moral tem suas
próprias precisões, mais nobres e por isso mesmo mais subtis do que as
do próprio Direito positivo, o qual dela deriva. Outrossim, como os
princípios da Moral são também os do Direito, o verdadeiro moralista
sabe tratar sua matéria sem contundir com a terminologia jurídica
indispensável para a formulação dos grandes princípios de ordem legal. O tópico 90 em nada
justifica as graves ambigüidades e omissões do IPT. E também em nada as
remedeia. TEXTO DO IPT
91 . “A terra é
uma dádiva de Deus”. Ela é um bem natural que pertence a todos e não
um produto do trabalho. Mas, é o trabalho sobretudo que legitima a
posse da terra. É o que entendem os posseiros quando se
concedem o direito de abrir suas posses em terras livres,
desocupadas e não trabalhadas, pois entendem que a terra é um
patrimônio comum e que enquanto trabalharem nela, não poderão ser
expulsos. COMENTÁRIO “É o trabalho
SOBRETUDO que legitima a POSSE da terra” ... (destaques do autor). A frase traz à
mente o princípio marxista segundo o qual o principal fator de produção
é o trabalho manual. Propriedade sobre a terra não há. Cessado o
trabalho, cessa o direito do trabalhador sobre a terra. Não se sabe se,
segundo o IPT, esse princípio se refere ao direito de propriedade ou à
posse. E – caso se refira também à propriedade – cabe perguntar se
qualquer terra desocupada escapa ao direito do proprietário pelo próprio
fato da desocupação. A essa pergunta, o
IPT impõe que se responda afirmativamente. Pois sentencia a liceidade de
qualquer pessoa sem terra “conceder-se” o “direito de
abrir suas posses em terras livres, desocupadas e NÃO TRABALHADAS”
(destaque do autor). O que quer dizer aí
“livres”? Terras que são, por assim dizer, propriedade de
ninguém (res nullius)? Em tese não as há. Pois toda terra que não
esteja sob domínio privado é devoluta, e como tal pertence ao Estado. Note-se de passagem
quanto é estranho que o IPT autorize e até incite qualquer um a que
penetre em terras “livres” e ali se instale sem nenhum título
legal nem autorização judicial. Contra o dono das terras – o
particular ou o Estado – cada um pode assim ser juiz em causa própria!
Aqui, o IPT se mostra não só marxista, como subversivo, pois incita à
transgressão das leis civis e penais, isto é, ao roubo da terra. Se o IPT entendeu
consagrar o princípio clássico da Moral católica, segundo o qual a
propriedade da terra não depende do cultivo dela, nem da ocupação
habitual (cfr. Textos Pontifícios ao fim da Secção H), não o poderia
ter feito de modo mais obscuro e mais próprio a ser interpretado por
qualquer leitor em sentido precisamente contrário. Com as vantagens
obviamente daí decorrentes para a demagogia, a subversão e a luta de
classes. Note-se, por
exemplo, a função da palavra “sobretudo”, na frase aqui
comentada. Se é o trabalho que
“sobretudo” legitima a posse, parece que, segundo o IPT, há
outros fatores que – embora em plano inferior – também a legitimam.
Quais são eles? Escorregadio, o IPT nada diz a respeito. E passa a expor
as conclusões concretas que tira do princípio posto. Ora, estas conseqüências
são tais que negam implicitamente a existência de outra fonte do direito
de propriedade que não o trabalho: “os posseiros ... entendem que a
terra é um patrimônio comum e que enquanto trabalharem nela, não poderão
ser expulsos”. Portanto, segundo o IPT, a presença do trabalhador
na terra abandonada dá-lhe direito sobre ela. E esse direito cessa, se a
deixa de trabalhar o posseiro [7]. TEXTO DO IPT
92 . Importa, enfim,
não esquecer a terra de moradia, problema particularmente
angustioso nas periferias urbanas, onde as famílias são obrigadas a
viver em condições desumanas de promiscuidade e insegurança, e de onde,
muitas vezes, são expulsas, até com violências, para se atenderem
interesses das empresas imobiliárias ou por razões de urbanização. 93 . Essa expulsão da terra de moradia se apresenta mais injusta e desumana, porque as famílias ficam expostas ao total desabrigo e abandono. Textos PontifíciosTítulos
legítimos de aquisição da propriedade e o problema da justa distribuição
das riquezas A
instituição da família acarreta a hereditariedade dos bens Encíclica
Rerum
Novarum de 15 de maio de 1981 “A natureza não
impõe somente ao pai de família o dever sagrado de alimentar e sustentar
seus filhos: vai mais longe. Como os filhos refletem a fisionomia de seu
pai e são uma espécie de prolongamento da sua pessoa, a natureza
inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação dum patrimônio que os
ajude a defender-se, na perigosa jornada da vida, contra todas as
surpresas da má fortuna. Mas esse patrimônio poderá ele criá-lo sem a
aquisição e a posse de bens permanentes e produtivos que possa
transmitir-lhe por via de herança? [Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, fasc. 2, 6ª ed., 1961, p. 9]. – Leão
XIII Inviolabilidade
do direito de propriedade e do direito de herança Encíclica
Quadragesimo
Anno de 15 de maio de 1931: “Devem sempre
permanecer intactos o direito natural de propriedade e o que tem o
proprietário de legar os seus bens”. [Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, fasc. 3, 5ª ed., 1959, p. 20]. – Pio XI Títulos
legítimos de aquisição da propriedade são a ocupação das coisas sem
dono e a indústria, que aumenta o valor da coisa Encíclica
Quadragesimo Anno de 15 de maio de 1931: “Títulos de
aquisição do domínio são a ocupação de coisas sem dono, a indústria
ou a chamada especificação, como o demonstram abundantemente a tradição
de todos os séculos e a doutrina do Nosso Predecessor Leão XIII. De
fato, não faz injustiça a ninguém, por mais que alguns digam o contrário,
quem se apodera de uma coisa abandonada ou sem dono; de outra parte a indústria
que alguém exerce em nome próprio, e com a qual as coisas se transformam
ou aumentam de valor, dá-lhe direito sobre os produtos do seu
trabalho”. [Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, fasc. 3, 5ª ed., 1959, pp. 21-22]. – Pio
XI É lícito
aos abastados que se enriqueçam justa e devidamente Encíclica
Quadragesimo Anno de 15 de maio de 1931: “Nem é vedado aos
que se empregam na produção aumentar justa e devidamente a sua fortuna;
antes, a Igreja ensina que é justo que quem serve a sociedade e lhe
aumenta os bens se enriqueça também desses mesmos bens conforme a sua
condição, contanto que se faça com o respeito devido à lei de Deus e
salvos os direitos do próximo, e os bens se empreguem segundo os princípios
da fé e da reta razão”. [Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, fasc. 3, 5ª ed., 1959, p. 51]. – Pio XI. A lei
natural requer que o trabalho esteja aliado ao capital Encíclica
Quadragesimo
Anno de 15 de maio de 1931: “Exige,
porém, a lei natural, ou a vontade de Deus por ela promulgada, que se
mantenha a devida ordem na aplicação dos bens naturais aos usos humanos:
ora semelhante ordem consiste em ter cada coisa o seu dono. Daqui vem que,
a não ser que alguém trabalhe no que é seu, deverão aliar-se as forças
de uns com as coisas dos outros; pois que umas sem as outras nada
produzem. Isto precisamente tinha em vista Leão XIII, quando escrevia:
‘de nada vale o capital sem o trabalho, nem o trabalho sem o capital’
(Encíclica Rerum Novarum, § 28). Por conseguinte, é inteiramente falso
atribuir, ou só ao capital ou só ao trabalho, o produto do concurso de
ambos; e é injustíssimo que um deles, negando a eficácia do outro, se
arrogue a si todos os frutos”. [Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, fasc. 3, 5ª ed., 1959, p. 22-23]. – Pio
XI. O regime
do salariado é conforme à justiça Encíclica
Quadragesimo
Anno de 15 de maio de 1931: “Os
que dizem ser de sua natureza injusto o contrato de trabalho e pretendem
substituí-lo por um contrato de sociedade, dizem um absurdo e caluniam
malignamente o Nosso Predecessor que na encíclica Rerum Novarum não só admite a legitimidade do salário, mas
procura regulá-lo segundo as leis da justiça”. [Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, fasc. 3, 5ª ed., 1959, p. 27]. – Pio XI A justiça
não exige a participação do operário na propriedade e na gestão da
empresa Radiomensagem
de 14 de setembro de 1952 ao Katholikentag de Viena: “Por isso a
doutrina social católica se pronuncia, entre outras questões, tão
conscientemente pelo direito de propriedade individual. Aqui estão
também os motivos profundos por que os Papas das Encíclicas sociais,
e Nós mesmo, Nos recusamos a deduzir, quer direta, quer indiretamente, da
natureza do contrato de trabalho o direito de copropriedade do operário
no capital da empresa e, consequentemente, seu direito de codireção.
Importava negar tal direito, pois por trás dele se enuncia um problema
maior. O direito do indivíduo e da família à propriedade é uma conseqüência
imediata da essência da pessoa, um direito da dignidade pessoal, um
direito onerado, é verdade, por deveres sociais; não é porém
exclusivamente uma função social”. [Discorsi
e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. XIV, p. 314] – Pio XII. Não é lícito
abolir a propriedade particular por meio de impostos excessivos Encíclica
Rerum
Novarum de 15 de maio de 1891: “Condição
indispensável para que todas essas vantagens se convertam em realidade é
que a propriedade particular não seja esgotada por um excesso de
encargos e de impostos. Não é das leis humanas, mas da natureza, que
emana o direito de propriedade individual; a autoridade pública não o
pode pois abolir; o que ela pode é regular-lhe o uso e conciliá-lo com o
bem comum. É por isso que ela obra contra a justiça e contra a
humanidade quando, sob o nome de impostos, sobrecarrega desmedidamente os
bens dos particulares”. [Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, fasc. 2, 6ª ed., 1961, p. 30]. – Leão
XIII. A
propriedade privada não pode ser substituída por um sistema de seguros
ou garantias legais de direito público Discurso de 20 de
maio de 1948 no Instituto Internacional para a Unificação do Direito
Privado: “Estas reflexões
[relativas à tendência de regular as relações entre os homens
unicamente na base do direito público] valem acima de tudo nas questões
de direito privado relativas à propriedade. Este é o ponto central, o
foco ao redor do qual, por força das coisas, gravitam os vossos
trabalhos. O reconhecimento deste direito está seguro ou desmorona como
reconhecimento dos direitos e dos deveres imprescritíveis,
inseparavelmente inerentes à personalidade livre, recebida de Deus. Somente
quem recusa ao homem esta dignidade de pessoa livre pode admitir a
possibilidade de substituir o direito de propriedade privada (e,
consequentemente, a propriedade privada em si mesma), por não se sabe que
sistema de seguros ou garantias legais de direito público”. [Discorsi
e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol X, p. 92] – Pio XII. Destaques em negrito
e subtítulos do autor [1] O direito de propriedade é antes de tudo um direito de domínio, isto é, segundo o Código Civil Brasileiro (art. 524), o “direito de usar, gozar e dispor” (jus utendi, fruendi et abutendi). Sempre que, bem entendido, o exercício de tal direito não lese o bem comum. O poder de gestão e de administração não é senão um dos elementos do direito de propriedade. O Pe. FERDINAND CAVALLERA, professor do Instituto Católico de Toulouse, assim explana o direito de propriedade: “A
propriedade se define: o direito de dispor sem entraves de um bem
material, nos limites da lei. De onde: a)
ela não pode pertencer senão a uma
pessoa, única capaz de ser sujeito de um direito; b)
ela comporta, como se dizia, jus
utendi et abutendi, quer dizer, o direito de usar e de consumir (não
o de abusar, como se traduzia erradamente); c)
este direito é pleno, exclusivo de
toda ingerência humana: a pessoa não depende senão de Deus no uso
deste direito, ao menos no que concerne à justiça comutativa; d)
nos limites da lei. A
definição sendo geral, visa aqui tanto a lei natural, como a lei
positiva divina ou humana; quer dizer, há restrições impostas pela
própria natureza das coisas, as exigências do bem social ou de
interesses maiores... Ninguém pode apropriar-se dos bens necessários,
como o ar, a água, os caminhos; há a expropriação por razão de
utilidade publica, mediante compensação justa; há o caso de extrema
necessidade, no qual se deve preservar a vida do próximo, renunciando
a seu próprio bem...” (Précis
de la Doctrine Sociale Catholique, Action Populaire – Editions Spes,
Paris, 1937, pp. 161-162). [2] Não estranha, pois, o elogio que o órgão comunista “Voz da Unidade” (no. 1, 30 de março a 5 de abril de 1980) faz do IPT, notadamente à distinção entre os conceitos de terra de exploração e terra de trabalho, os quais qualifica como sendo “úteis e fáceis de serem assimilados pelos camponeses num trabalho de conscientização”. Et pour cause... [3] A incompatibilidade natural entre produção abundante e distribuição igualitária foi posta ao alcance de todo observador em uma formulação espirituosa, mas igualmente lúcida e precisa, por VICTOR HUGO, o controvertido romancista francês do século passado: “O comunismo e a lei agrária pretendem ter encontrado solução para o segundo problema [a distribuição da riqueza]. Eles, porém, se enganam. A distribuição que propõem mata a produção. A distribuição igualitária extingue a emulação. E consequentemente o trabalho. É uma partilha feita pelo açougueiro, que mata aquilo que divide. É pois impossível aceitar essas pretensas soluções. Matar a riqueza não é distribuí-la” (Les misérables, Garnier Flammarion, Paris, 1967, tomo II, pp. 369-370). [4] Sobre esse tema ver também Título II, Posso e devo ser contra a Reforma Agrária – Considerações econômicas, Cap. III, 2, A, c. [5] O art. 15 do Estatuto da Terra diz expressamente: “A implantação da Reforma Agrária em terras particulares será feita em caráter prioritário, quando se tratar de zonas críticas ou de tensão social”. [6] Cfr. “Catolicismo”, no. 355-356, julho-agosto de 1980. [7] O lema “A terra para os que a trabalham” é caro aos revolucionários. SANTIAGO CARRILO, o bem conhecido secretário-geral do Partido Comunista Espanhol, o comentou nestes termos: “Em outubro de 1917, Lênin conseguiu concretizar a aliança dos operários com a maioria dos camponeses proclamando: ‘A terra para os que a trabalham’. Foi o slogan decisivo que permitiu aos bolcheviques tomar o poder” (Mañana España, Colección Ebro, Paris, 1975, p. 225). Ainda que, por meio de interpretações benévolas, se procure matizar muito o sentido do lema, ele se encaixa como uma luva no contexto do IPT, com inequívoco significado que lhe dá o lider comunista ibérico.
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