Sociedade robotizada – Sociedade orgânica

Eremo Praesto Sum, Conferência para Correspondentes Esclarecedores da TFP norte-americana, 6 de setembro de 1988

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

(Sr. Mario Navarro faz a leitura da pergunta: Nós ouvimos uma Reunião falar a respeito da sociedade orgânica e que é assim que o Sr. organiza o Grupo. O Sr. poderia falar um pouco sobre a sociedade orgânica?)

Às vezes é mais simples a gente falar do erro para depois explicar o que é a verdade. Os senhores imaginem que nós falássemos de uma sociedade mecânica e não de uma sociedade orgânica. Como é uma sociedade mecânica? É mais fácil entender.

Sociedade mecânica é aquela que é organizada como um mecanismo. Então, vamos dizer que estamos aqui todos reunidos, e eu então desse uma tarefa a este, aquele, aquele outro, uma tarefa determinada: você faz isto, não faz outra coisa senão isto, faz isto o dia inteiro. E faz a vida inteira. Você faz isto. Outro faz aquilo, aquilo outro.

À tarde, quando dá um sinal, todo mundo acaba de trabalhar e chega para o chefe e dá o trabalho executado, controlam, vão embora, está acabado. No dia seguinte recomeça o negócio. Uma sociedade assim lembra uma máquina, não lembra um organismo vivo. Porque as várias partes de um organismo vivo não são assim, e não funcionam como uma máquina.

Nós não temos uma hora para o nosso estômago começar a digerir. Nem temos uma hora para ele acabar de digerir. Nós não temos uma hora necessária em que venha o sono, uma hora necessária em que acabe o sono.

Algumas pessoas são dotadas disso. Por exemplo, Napoleão Bonaparte, de quem eu falei tão incisivamente contra ele há pouco, e é um usurpador que eu abomino mesmo, quase como se ele estivesse vivo hoje, Napoleão Bonaparte era um homem que dormia exatamente o número de horas que ele queria. Quando ele se deitava na cama, começava a dormir imediatamente. E se ele queria dormir, digamos, só 4 horas, ele dormia 4. Se ele queria dormir 9, ele dormia 9. Ele era dono do sono dele.

Mas isso não é próprio do organismo. É uma exceção. O organismo não é assim. O organismo é vivo, e porque ele é vivo, cada peça do organismo tem uma autonomia, e tem quase uma vitalidade própria; todas condicionadas à vida geral do organismo, mas tem quase uma vitalidade própria. Por onde os senhores encontram, por exemplo, certas pessoas que têm muita vitalidade para falar, mas outras tem muita vitalidade para correr.

Então os senhores podem encontrar um homem que está o dia inteiro quieto, macambúzio, assim, mas que quando chega a hora de correr, ganha uma corrida. Os senhores podem encontrar outro que é infatigável no falar, mas na hora de correr ele perde logo no começo. São vitalidades distribuídas desigualmente pelo organismo dele, de acordo com a constituição física daquela pessoa, de acordo com o efeito da constituição física sobre a alma, e dos efeitos da alma sobre o corpo depois. É toda uma arquitetura que decorre do ser vivo, humano.

Mas também dos animais, e também das plantas.

Tudo quanto é vivo é cheio de imprevistos, e tem uma certa elasticidade necessária que as coisas mecânicas não têm.

Então, vamos dizer que um escritório antigo, anterior à era da máquina, vamos dizer, um escritório de calígrafos. Não havia ainda tipografia, Gutenberg não tinha ainda inventado os seus tipos móveis etc., um homem que é calígrafo e que está copiando com bonitas letras ornamentais etc., etc., está copiando um manuscrito. Ele trabalha num escritório ou trabalha na casa dele.

Quando chega a hora de encerrar o serviço ele diz para o chefe:  “O Senhor me dá licença, eu vou ficar aqui agora, e vou trabalhar algumas horas a mais, porque eu estou com toda uma idéia de como compor tal palavra assim que eu devo escrever, e que tintas devem entrar, e que cores, e que desenho devem ter as letras, para elas ficarem segundo o ideal de beleza caligráfica que eu tenho na minha cabeça. Se eu voltar agora para casa, isso vai se apagar no meu espírito, e meu trabalho vai ser menos bom amanhã. Se o senhor me der licença, eu vou ficar trabalhando à luz de uma vela até mais tarde. E amanhã o senhor me dará licença de entrar mais tarde. Pode ser”?

O chefe da empresa, se fosse um homem mecanicista, diria: – “Não, você tem que sair na hora dos outros e tem que entrar na hora dos outros”.

Se for um homem inteligente diz: – “Não, naturalmente”! Porque pega o melhor da produção artística quando ela está nascendo no espírito humano. E diz: – “Você então trabalha até mais tarde; você querendo eu mando vir comida para você, e você amanhã entra mais tarde”.

Quando o escritório abrir de manhã, o chefe vai ver como está o serviço. Está uma letra “A” linda, com um passarinho cantando em cima; depois de outro lado está uma letra “B” com um contorno dourado, e isso e aquilo. O artista fez sua obra de arte.

Uma inspiração artística é diferente de engraxar sapato, que é um trabalho mecânico. Essas facilidades não se podem dar a um engraxate. Um artista precisa ter, um intelectual precisa ter.

Mas mesmo nos ofícios menores isto cabe assim. Eu compreendo que uma cozinheira tenha vontade de fazer um prato à noite. Porque lhe deu inspiração de fazer aquele prato naquela hora, de certo jeito. E não fazer noutro dia.

Tudo deve ter assim uma espécie de elasticidade correspondente ao que há de orgânico no homem e de vivo na alma do homem.

Isto supõe um misto de muita disciplina e de muita liberdade.

No que é que consiste a disciplina? Todos terem as mesmas convicções e os mesmos princípios, e obedecerem aos mesmos mandamentos.

Liberdade: respeitados os mandamentos, os princípios e as convicções, uma liberdade de movimento para cada um agir de acordo com o seu modo de ser. Isto forma a sociedade orgânica. E é o que os senhores veem na TFP.

Por exemplo, na mais antiga das TFPs, que é a TFP brasileira, os senhores, veem uma autonomia colossal dos vários departamentos da TFP. Por exemplo, os êremos, as Camáldulas. Eu intervenho pouco. Eu entro pouco na vida dos êremos e das Camáldulas. Pus na direção de cada um gente de minha confiança, que eu sei que afina com os meus princípios, e sobretudo afina com a Lei de Deus e com a doutrina da Igreja Católica.

Quando eu vou a qualquer êremo, qualquer Camáldula – agora, aqui, por exemplo – eu olho e vejo se está tudo em ordem. Posso não tomar ar de fiscal, mas não há uma coisa que escape à minha observação. Eu estou vendo um eremita que estava prestando atenção mais ou menos distraído ao que eu dizia, – ele estava prestando atenção no que eu dizia, mas não estava prestando atenção que eu estava prestando atenção nele… E quando eu disse que entro, que eu presto atenção em tudo, ele fez assim (concordando com a cabeça), como quem diz: “Eu bem percebo.”

Mas, dentro disso, uma liberdade enorme. Essa liberdade é para respeitar a organicidade e o modo de ser de cada um. De maneira a nós não sermos soldadinhos de chumbo marchando do mesmo jeito, mas fazendo as coisas de tal maneira, que em cada um se note a respectiva personalidade.

Eu lhes dou um exemplo que os senhores devem ter observado em Nova York também. Quando estão os eremitas marchando, eles todos marcham do mesmo modo, mas a gente olhando, a personalidade de cada um aparece no mesmo modo de marchar. É só a gente ser um bom observador que nota isso. É o orgânico, não é o mecânico.

O mecânico que tem que fazer 500 garrafas, faz garrafas tão iguais, que a gente não sabe distinguir uma da outra. O orgânico faz coisas que são cheias de originalidade, de características, de modos próprios de ser e de viver. Embora segundo as regras essenciais. Isso é a sociedade orgânica.

Na TFP os senhores notam isso à toda hora. Não sei se lhes aconteceu de chegarem ao Auditório de São Miguel, e verem enquanto eu não chego.

Eu sei como é enquanto eu não chego, porque eu fico, pela minha dificuldade de locomoção, leva algum tempo do automóvel até a entrada da sala. Enquanto isso eles estão fazendo lá dentro o que fazem quando eu não estou. E eu fico vendo. Eu vejo que eles conversam com uma liberdade enorme, falam o tempo inteiro, tem o que dizer um para outro etc., etc.

Eu entro, eu percebo que aquele barulho diminui gradualmente. Quando eu estou entrando, está feito o silêncio. Quando eu rezo, o recolhimento está satisfatório. É o modo humano de fazer a coisa.

Modo mecânico: “Prrriiiii Dr. Plínio chegou! Todos, silêncio”! Não é. Nós não somos máquinas.

Deixe as coisas que vão acontecendo direito, que elas andam bem. Deixe a natureza criada por Deus, ponha-a nos trilhos dos Mandamentos, que a liberdade dá certo.

O nosso desacordo com o liberalismo não está em que a liberdade não dá certo; está em que a liberdade fora dos Mandamentos é uma catástrofe. Mas a liberdade dentro dos mandamentos é uma regra de vida. E essa nós procuramos observar.

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Nota: Para aprofundar o assunto, consulte a Reunião sobre A moral sinárquica bem como a série sobre SOCIEDADE ORGÂNICA.

E em inglês Synarchic Morality

Outro trecho dessa mesma Reunião acima transcrita, pode ser consultada em Por que a Disneylândia atrai também os norte-americanos?

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