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Plinio Corrêa de Oliveira
Sociedade orgânica III
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferências do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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No modo de administrar um país, a massa corresponde à burocracia e é anorgânica. O povo, pelo contrário, corresponde a uma espécie de autonomia e de governo que, de certo modo, vem de baixo para cima, mais do que de cima para baixo. Corresponde a um self-government, um governo que provém do próprio governado, e pelo qual o governado se governa a si mesmo. Usando dessa sua liberdade, há uma circunstância qualquer que o encaixa bem com os outros, e forma então um total que se pode considerar como uma primeira semente de povo. A questão democracia-aristocracia está relacionada com isso. Dentro do conceito de democracia existe a ideia do sufrágio popular para a eleição e o exercício do governo. Seria um governo de baixo para cima, que se exprime por uma opinião explícita, individual, e que vai ser objeto de contagem para avaliação de seu peso. São estes os três elementos da opinião, dentro desse conceito de democracia. A opinião seria individual no sentido de que cada indivíduo forma sua opinião com seus próprios dados, sendo distinta da opinião do outro. A sociedade orgânica é o contrário disso. A opinião não é necessariamente explícita. Por uma tendência, uma afinidade, uma conaturalidade, a pessoa pode validamente pesar em favor da sociedade orgânica ou de outra coisa qualquer, sem saber por quê. É como, por exemplo, na opção dos próprios amigos. Uma pessoa muitas vezes não sabe por que escolheu fulano como amigo e não sicrano, e não sabe dizer por que é amigo daquele e não do outro. Mas não precisa mesmo saber. Muitas vezes é um movimento, é um impulso, mas que corresponde a coisas razoáveis, profundas e legítimas (MNF, 28-09-1993). Definido o que é organicidade, o que ela tem de mais interno, de mais autônomo e de mais livre, mas ao mesmo tempo de mais limitado — porque ela mesma não sabe bem como exprimir-se —, compreende-se o que é o mais profundo da sociedade orgânica. Organicidade é propriamente o que se chama vida. O principium vitae, pelo qual a pessoa ou o ser não-pessoal se expande, é o que os diferencia. Vamos considerar a margarida, uma flor muito comum, e imaginemos um canteiro plantado com duzentas margaridas. Todas são margaridas, mas cada uma o é à sua maneira. Qual é o princípio que há em cada uma, pelo qual ela é margarida em todos os sentidos da palavra, mas a seu modo? Este princípio é a vida. A vida, em tudo onde se manifesta, é um princípio criado por Deus, de uma realidade misteriosa que não chegamos a discernir até o fundo, porque é superior ao nosso intelecto. Cada margarida tem o seu princípio unum (MNF, 28-09-1993). Esse princípio é um pequeno universo de várias tendências, apetências, impulsos, inclinações, que são — eu estou imaginando a flor no Paraíso — perfeitas na sua estruturação e tendem para uma floração perfeita. Mas em cada parte da flor que, por assim dizer, a vida toca, produz um efeito que é o resultado de uma soma: é a pétala mais a vida. Como as pétalas são todas desiguais, a vida entrando na pétala se amolda ao modo de ser da pétala e, por assim dizer, se deixa vestir pela pétala. Em sentido oposto, também é verdade que a pétala, sob certo ponto de vista, é mais do que a vida, tem algo por onde reage ao impulso da vida e obriga a vida a ser como ela é. Desta coligação "pétala-vida, vida-pétala" decorre uma unidade interna. Mas uma unidade na variedade, porque a unidade está no que a pétala tem de unum e no que a vida tem de unum. Na conjugação das duas sai um ser vário e diferente de todos os outros. Então: pétala + vida = uma margarida em concreto. Aí o elemento mais interno, por assim dizer a "alma" da margarida, é no fundo mais importante, e vai modelando a pétala e faz com que toda a margarida seja tocada pelas peculiaridades dessa "alma". Mas aquilo da "alma" que toca na margarida sofre uma modelação, semelhante à de uma massa de bolo que uma cozinheira prepara e derrama numa forma de uma margarida. Quando a massa entra, é modelada pela forma, mas de outro lado a forma também sofre pressões. Primeiro a forma sofre pressões e se dilata um pouco, se ajeita um pouco de acordo com a massa que recebeu. De outro lado é a massa que, em contato com a forma, sofre outras formas de dilatação, de pressão etc. De onde resulta um bolo em concreto, uma margarida em concreto. Isto é propriamente a organicidade — um princípio vital posto em harmonia. Em filosofia, como se sabe, os seres vivos têm o que se chama alma (MNF, 28-09-1993). O plano criador de Deus refletido na sociedade dos homens A vida não é um elemento inteligente, influencia e é influenciada. E da inenarrável diversidade que resulta dessas mútuas influências vem uma harmonia geral que Deus quis pôr nas coisas, que dá uma espécie de cântico à glória dEle, verdadeiramente inimaginável. Pode-se imaginar que, quando chegar o dia do Juízo, em certo momento será dado aos homens conhecer o conjunto de todos os seres que viveram e compreender, no poema da vida, o papel que tinha cada ser naquela harmonia, para representar e cantar a glória de Deus. Somando e subtraindo, o princípio de organicidade é um princípio divino posto nas coisas. É uma como que individualidade da coisa, que é única, e forma parte de um conjunto que Deus quer criar até os fins dos tempos, para dar a Ele uma glória especial. E pode-se levantar a hipótese de que os homens tenham conhecimento disso no dia do Juízo, quando eles tiverem conhecimento do conjunto dos homens. É o plano criador de Deus que faz com que a vida, quando dá origem à pétala, já dê origem a algo onde ela mesma, vida, caberá. Restaria apenas saber como isso se representa na sociedade dos homens, e qual é o defeito que existe em não tomar isso em consideração. Tenho a impressão de que escavamos o conceito de organicidade até o que ele tem de mais profundo. Isso abrevia muito o estudo da sociedade orgânica. Aí se chega ao fundo da questão: o instinto de sociabilidade é um atributo que Deus deu aos homens, por onde um está para outro como uma pétala da margarida está para outra. Isso admitindo-se uma flor no Paraíso, em que tudo esteja perfeitamente organizado (MNF, 28-09-1993). O elemento fundamental da organicidade é a vida. A vida produz, dá origem à organicidade. No termo "vida" eu incluo seus vários graus, desde a vida da graça até a vida natural da alma humana, ser espiritual, mas por natureza vivendo plenamente ligada ao corpo. E também a vida dos animais, das plantas, etc. O que é a vida? Pode ser que uma pessoa que conheça Filosofia encontre mais do que vou dizer. Mas o que eu encontro no momento é o seguinte. A vida é a mais excelente das criaturas de Deus. É uma criatura no sentido de que existe conjugada a um ser, não existe fora de um ser. É uma esplêndida condição do ser, por onde este recebe de Deus algo que para o homem é de si incompreensível, “inaprofundável”, a não ser em bordos pequenos. O que há nos esquilos, por exemplo, que não fazem uma coisa errada, tudo perfeito, tudo direito de acordo com a sua natureza? É por um ato próprio que Deus cria e mantém no ser as criaturas. Se Ele deixasse de manter no ser, aquilo desaparecia. Portanto, a todo momento há uma ação de Deus no esquilo, que faz com que o esquilo proceda assim, utilizando desta maneira uma anatomia e uma fisiologia que Deus já lhe dera. É o que há de fundamento em Deus, na vida do esquilo. Existem na ordem do ser a quantidade e a qualidade, que são modos de ser da vitalidade. Portanto, da vida. Há qualidades e atributos que dão mais bem para o frágil, e que estão na linha da qualidade; e outros que dão mais bem para o forte, mas que estão na linha da brutalidade, da elementaridade. O esquilo agrada muito, e provoca uma espécie de sorriso de comprazimento por ser frágil. Se tivesse o tamanho de um elefante, perderia a atração. Os astros são seres sem vida, mas que se movem enormemente e movimentam um número enorme de coisas, inclusive as coisas vivas, de tal maneira que, se deixasse de haver astros, talvez os seres vivos perecessem. Portanto, uma atividade de caráter inferior, como a do Sol, é mais mantenedora e mais fundamental para conservar tudo vivo do que a vida dos pássaros. Seria muito interessante estudar as relações do que representa entre os homens o que nós poderíamos chamar o "fator astro", o "fator lixeiro", o "fator foco de iluminação", e o que representa entre os homens o "fator música", para se compreender melhor o entrelaçamento de todas as coisas. É exatamente esse dom de Deus, que é o princípio pelo qual a coisa vive. Ou seja, a vida foi dada por Deus aos italianos com certas aptidões, e o corpo dos italianos foi preparado por Deus para receber essas aptidões e dar um arranjo naquilo, que é diferente, por exemplo, de um brasileiro. Muito mais diferente de um inglês (MNF, 28-09-1993). Movimento natural das coisas, animadas pela presença de Deus, rumo à sua plenitude O ângulo mais fecundo e mais interessante das nossas elucubrações é saber o que é organicidade: por que uma sociedade é orgânica, o que quer dizer a palavra orgânica e como explicar a organicidade das coisas. A questão povo-massa mostra que o conceito de massa corresponde a um rebanho humano governado por técnicos e por repartições. É o contrário do sistema orgânico. A organicidade não elimina inteiramente a administração, até pelo contrário tem para ela um lugar honroso, mas muito menor do que na tecnocracia burocrática. Trata-se de ver aí qual é o papel da organicidade. No exemplo da margarida: o que é a organicidade da margarida? Vamos imaginar que fosse uma flor medicinal, útil para certa doença. Então é útil para que os espíritos vulgares se extasiem, todo o mundo que é banal olha uma margarida e fica encantado: "Olha lá a margarida!" É um nutrimento saudável para o espírito banal. Também existem nutrimentos muito bons que são meio proletários por natureza, de um dos quais, por exemplo, eu gosto sobremaneira: o pão preto. Pão preto era pão de pobre, mas eu gosto de pão preto superlativamente. Isto é para mostrar que Deus, por amor às criaturas, até no meio das banalidades colocou o esplêndido. O pão do operário é um pão tão delicioso, que em certas ocasiões caberia bem em mesa de príncipe. Essa é a ideia que está na minha cabeça. A diferença entre a margarida comum e a arqui-margarida é a que vai entre o civilizado e o não-civilizado. Civilização é a possibilidade que Deus dá aos homens de melhorar o “rascunho” que Ele mesmo fez. É plano de Deus que os homens, fazendo uso da inteligência que lhes foi dada, melhorem a própria obra da Criação. Para definir a noção de civilização, nada há de melhor. Qual a relação entre civilização e organicidade? Só se produz civilização quando a organicidade é conhecida, influenciada e orientada por aqueles que conhecem o plano de Deus e fazem o arqui-plano de Deus. Aqui está a noção de civilização, de governo etc. Em essência, chegamos à conclusão de que a vitalidade é uma presença de Deus — presença criadora, ordenativa, mantenedora e protetora — para que aquilo que saiu das mãos d’Ele chegue a realizar o que deve. Aqui também entra o papel da inteligência do homem. O homem pode conhecer o que prejudica a margarida e pode protegê-la regando a terra com um líquido que destrói o que a prejudica. No fundo é uma maneira da ação protetora de Deus, ou seja, realizar o plano dEle através de um filho protetor que ama esse plano (MNF, 28-09-1993). Organicidade: fonte de alteridade e personalidade O princípio de organicidade explica por que os seres que têm vida — ou algo de parecido com a vida, como a atração exercida pelo ímã ou pela lei da gravidade — se bastam a si mesmos e não precisam de outros seres para lhes constituírem apoio, de tal maneira que fazem por si mesmos tudo quanto é necessário numa certa linha. Por sua própria força, por suas próprias propriedades, por suas próprias capacidades internas. Este princípio poderia ser chamado "princípio da limitada e enorme autossuficiência dos seres". O ser tem uma autossuficiência, que é limitada porque ele faz parte de um universo, e tirado do universo ele se desfaria; mas, de outro lado, a camada de autossuficiência é colossal. É a coexistência de uma autossuficiência muito grande com uma grande necessidade de apoio de outros seres para existir. A conjugação harmônica da insuficiência com a autossuficiência é o feudalismo. Nisto está a essência da organicidade: todo ser que faz parte do universo tem algo pelo qual pereceria se fosse tirado do universo; mas se não leva sua autonomia tão longe quanto puder, ele definha o universo, definha a si mesmo e liquida a ordem universal (MNF, 29-09-1993). Vamos exemplificar com uma ilha que tem o necessário para um homem viver. Seus habitantes cometem um erro se, por preguiça, por falta de vontade, de originalidade etc., começam a importar alimentos de fora, em vez responder a esta pergunta: "até que ponto conseguiremos descobrir as possibilidades que esta ilha nos dá, e que não temos o direito de ignorar?" O pleno aproveitamento da ilha por seus habitantes, sem recorrer ao que vem de fora, forma um mundo original em que o homem descobre um alimento, um tipo de bebida e um modo de ser que só existem naquela ilha. Ao descobrir tudo quanto há na ilha, seus habitantes formam para si um pequeno universo, mais adequado a eles (MNF, 29-09-1993). Autossuficiência e insuficiência Se o povo de uma determinada região se dedicasse a produzir organicamente uma certa espécie de queijo, não haveria exportação do mesmo. Isto suporia uma ordem pela qual a quantidade de queijos que uma região produz nunca fosse tal que houvesse necessidade de exportar. Suporia o conhecimento das possibilidades de produção nas diversas partes do mundo, para criar uma economia que aproveitasse tais possibilidades muito mais a fundo. Então apareceria uma teoria das riquezas do mundo como se este fosse um empório colossal, com enormes possibilidades de desenvolvimento. E até com alguns produtos que com o tempo desapareceriam, e outros que iriam sendo criados, aparecendo matérias-primas novas e desaparecendo algumas outras que já não fossem necessárias. Uma mobilidade que suporia um conceito vivo e orgânico das riquezas e dos movimentos, que seria uma verdadeira beleza (MNF, 29-09-1993). Vamos supor uma criança de três anos. Ela vê o pai e a mãe conversando num sofá, e se maravilha com eles. Os pais também olham para ela e ficam encantados. Cada um, a seu modo, se encanta com a maravilha que o outro é. Disto sai a vida de família bem organizada. Há um misto de admirações que se encontram a meio caminho, que se cruzam, e que formam o que prenderá aquelas almas enquanto viverem. Organicamente falando, é preciso ter as reações que esse encontro dos pais com a criança provoca. É preciso ter continuamente o desejo da perfeição, querer continuamente o mais perfeito, que é um dos princípios mais fundamentais da boa organicidade. Do contrário, a organicidade está morta (MNF, 29-09-1993). Os seres relativos ou relacionais têm isso de curioso: quanto mais são relacionais, tanto mais se afastam daquilo que é palpável, material, tangível etc. E quanto mais se afastam disso, mais se aproximam dos Anjos. O Sacro Império Romano-Alemão, por exemplo, seria a organização mais própria num mundo que não tivesse caído no pecado original — até certo ponto, no próprio mundo do pecado original — e mais próprio do Céu e dos Anjos. Os Kurfürsten, por exemplo, eram tão extraordinários, tão grandes que eram quase como os anjos da ordem temporal. E assim deveriam ser, se correspondessem à graça de Deus. Eram os príncipes eleitores, sete ou oito, que tinham o direito de eleger o Imperador, cujo título não era hereditário. Vê-se, portanto, numa concepção bem feita do Sacro Império, que o próprio Imperador era o ente humano mais semelhante a Deus, como na ordem religiosa é o Papa. Todo indivíduo, em virtude do princípio da organicidade, tem uma possibilidade de crescimento e de melhora dentro de si, que é um impulso de toda a sua vitalidade. Mas ele não tem só isso. Devido ao pecado original, ele tem até o contrário disso. Tem a apetência de fugir dessa melhora e imergir no dantesco, no horrível, no colateral, no submundo, e ficar com horror dessa tendência ascensional para o perfeito, que é fundamental na organicidade. Nessa tendência para o perfeito, o indivíduo tende a ser cada vez mais inteiramente ele mesmo. Porque a perfeição de si mesmo, para a qual ele deve tender, é a plenitude e a integridade dele mesmo. Porém, para alguém chegar ao extremo limite de si mesmo no movimento pela perfeição, não basta apenas seu próprio impulso para a perfeição. Ele precisa da ajuda de outros seres, em cuja contemplação encontra alimento e estímulo para querer sua própria perfeição. Mais ainda: a consideração desses seres esclarece, no seu espírito, a noção de como a própria perfeição deve ser. Portanto, na contemplação dos outros — é como eu vejo os santos — se dá a plenitude da pessoa, em virtude da importação de algo maior, vindo de fora. E às vezes de algo menor, mas que enche o homem de encanto (MNF, 29-09-1993) A vitalidade angélica do demônio a serviço da destruição A vida é um dom maravilhoso quando é utilizada para a ordem, para construir. Quando é utilizada para destruir, para enfear, para arrebentar, é a contra-ordem. Pode haver uma prodigiosa vitalidade no espírito da destruição. O demônio conserva a vitalidade que tinha como anjo, uma vitalidade natural, enorme, mas a serviço da destruição. De maneira que tudo aquilo que ele toca, ele destrói, fana, adoece, quebra, degrada. Fazer isso é o movimento próprio dele. Mas ele o faz com uma efervescência prodigiosa. A vida só pode vir de Deus no sentido de uma plenitude do ser; essa plenitude do ser, é Deus que dá. O que o demônio dá é uma capacidade de movimentação, de ação, de operação que é um fruto da vida nesse sentido primeiro da palavra. Essa movimentação é como de gente que, por exemplo, sofre de reumatismo, e que quando se move, dói. Corre, pula, sobe em árvores, faz o que for, mas ultra-reumático. Não pode parar de mover-se, move-se mais do que ninguém, mas o movimento é feito com dor (MNF, 28-09-1993). Uma das tentações mais horríveis que há para a pessoa a quem Deus dá essas qualidades, é de se afastar delas e ser vulgar. Eu li uma coisa horrível a respeito dos Orleans. Eles tinham salões bonitos, tinham dinheiro de jogar fora, era uma coisa incrível. Quando corria em Paris uma calúnia contra uma pessoa de que eles não gostavam, como no palácio deles ia muita gente, para que essa calúnia circulasse, eles mandavam escrevê-la em papéis e colá-los nos espelhos, de maneira que as pessoas que fossem lá vissem a calúnia afixada. Entra ou não entra aí o dedo de Satanás? Nisso tudo há uma coisa horrível, que os livros não costumam acentuar. A princesa de Lamballe — cuja cabeça foi posta na ponta de uma vara e mostrada numa janela do Templo para que Maria Antonieta a visse cortada — era prima do rei, portanto prima dos Orleans e viúva de um Orleans. Quando o marido dela morreu — aliás, de orgias e coisas assim — ela herdou uma quantia enorme, e a fortuna dos Orleans ficou dividida entre ela e o Philippe Égalité. Ele então mandou matá-la, não só para produzir esse efeito em Maria Antonieta, mas também para herdar a fortuna da mulher. Mandou passar a cabeça da princesa de Lamballe diante das grades, para disfarçar o interesse econômico que ele tinha no negócio. Um ódio de morte, uma coisa que não se sabe o que dizer (MNF, 28-09-1993). |