Auditório São Miguel, 2 de julho de 1983, sábado – Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Me parece que seria impossível fazer uma pergunta ou um grupo de perguntas mais adequadas à lindíssima cerimônia que aqui se passou do que a que vós apresentastes.
Entretanto, de outro lado, também me parece que não há perguntas e resposta mais nebulosa, mais difícil do que a essas que vós me fizestes. Porque, em última análise, as vossas perguntas, explicáveis e justas, se reduzem a uma: Dr. Plínio, o que o senhor pensa que vai acontecer?
Nossa Senhora é Rainha do céu e da terra, Ela é Mãe de Deus, Ela tem o império do universo na Sua mão, império este que lhe foi dado por Deus. Fundamentalmente é de uma decisão dEla, é dos movimentos dEla, que depende todo o resto.
Perguntar o que Ela fará, é perguntar o que acontecerá. Levantar os olhos até esse trono, supremo abaixo do de Deus, até esse trono onde está a Rainha de todas as criaturas e diante do qual os anjos mesmo se curvam na mais profunda reverência, no êxtase da mais inteira admiração e do amor mais enternecido e mais completo — levantar os olhos a este trono e perguntar:
Senhora, o que fareis por ocasião da realização das vossas promessas? Quais são os pormenores que Vós não revelastes? — Porque os meus filhos querem saber!
Vossa própria aclamação aclama vosso próprio desejo de saber. Aclama a interpretação que eu dei à vossa pergunta.
Como responder?
Tão difícil é a vossa pergunta, que eu jamais a fiz a mim mesmo, sequer. Mas, de outro lado, tão justa ela é, tão cabível na atual conjuntura internacional, na atual situação do mundo, que eu farei uma tentativa de improvisar aqui os elementos para uma resposta.
Absolutamente falando, o que Nossa Senhora poderia fazer? Ela poderia, por exemplo, não punir?
Ela previu o que poderia. Ela poderia não punir? Poderia ser que Ela conseguisse de Deus misericórdia para todos os pecados que têm sido cometidos? E uma manifestação da glória de Deus, do esplendor do Filho dEla, da santidade dEla, que arrastasse todos os homens? Poderia isto ser?
Ou, absolutamente falando, seria necessário que, postos os pecados que houve, houvesse os castigos que haverá?
É esta uma primeira pergunta, delicada, para se responder.
A outra pergunta é: supostos os castigos – e eles acontecerão porque Ela os previu – e, portanto, a essa pergunta delicada, se absolutamente podiam as coisas se passar de outra maneira? A resposta é: até certo ponto importa, mas até certo ponto também não importa, porque saberemos como se passarão! Vós mesmos o dissestes.
E a esta pergunta se poderia acrescentar uma outra: como será a hora do castigo e como será a hora da misericórdia? Como serão sobretudo as manifestações dEla na hora do castigo? E as manifestações dEla na hora da misericórdia?
Uma vez que se trata de vir aqui uma imagem dEla tão expressiva, expressiva de expressões que são, no fundo, dEla, então a pergunta é: o que fará Ela, como aparecerá Ela, o que acontecerá?
Absolutamente falando, se nós olharmos para a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, nós chegaremos à conclusão de que a atitude dos homens perante Ele foi a mais inesperada possível, a mais singular e a mais contraditória possível. E que, por causa disso, há duas incógnitas no tema que nos preocupa.
Uma incógnita é: o que quererá Deus? O que quererá Ela?
Outra incógnita é: como reagiriam os homens diante desta ou daquela hipótese que nós façamos a respeito do que quereria Deus ou do que quereria Ela?
Vamos considerar tudo isto um pouco mais de perto.
Eu já não vou subir até o Antigo Testamento, aonde haveria tantas coisas inexplicáveis para explicar. Por exemplo, as dúvidas do povo judeu durante a peregrinação ou durante o vaguear de quarenta anos pelo deserto.
Por um trecho da Escritura que Dr. Edwaldo me deu para ler outro dia, estava prometido a eles que durante esse período, período de castigo, durante esse período, os calçados deles não se desgastariam, embora eles continuamente andassem, infatigavelmente girando em torno de pontos que não os conduziam à Terra Santa.
Eles, portanto, a bem dizer a cada passo que davam, eles comprovavam o milagre. E Deus misericordioso, Deus bondoso, ao mesmo tempo que os punia, que cansava os seus pés nas areias ardentes do deserto, Deus, entretanto calçava os seus pés.
E calçava mais do que os seus pés: seus corações e suas almas. O milagre que a todo momento se repetia.
Entretanto, até que ponto isto tocou o coração daqueles homens?
Aqueles homens que sabiam que o coro se desgasta com o contato com o chão. Aqueles homens que inúmeras vezes, antes desse milagre, tinham feito sapatos para si e tinham visto se gastar os sapatos, que sabiam que todos os povos da terra usam calçados e que esses calçados se desgastam com o uso. Eles andaram quarenta anos e viram que seus sapatos não se desgastavam. E eles, entretanto, mais resistentes do que o couro que eles calcavam aos pés, eles não se comoveram. Ou, pelo menos, não se comoveram como deveriam comover.
Que mistério há na alma humana para isto poder ser assim?
Não é verdade que se eu dissesse aos senhores: Deus se fizesse um milagre – por exemplo, de manter os calçados sempre em uso – Deus os tocaria tanto que certamente eles se arrependeriam, os senhores me diriam: naturalmente, Dr. Plínio, eles certamente fariam isso.
Entretanto, o exemplo histórico é outro: eles não fizeram. E notem que ainda não era a nação deicida. Era a nação eleita, a nação da qual nasceriam Nossa Senhora e Nosso Senhor. Era esta a nação que assim procedia.
De tal maneira que nós somos obrigados a voltar os olhos para nós mesmos e nos perguntar: nós temos certeza que isto nos converteria?
Nós temos certeza que um tal milagre nos mudaria, como aqui, num momento de uma emoção fácil, nos pode parecer?
O que toca decisivamente o miserável coração do homem?
Como tem cabimento esta pergunta: o que toca nosso coração? Como tem cabimento esta pergunta!
Se os senhores consideram outro aspecto — já pensam na vida de Nosso Senhor, os senhores pensam que quando chega a noite de 24 para 25, o mundo inteiro se prosterna e se comove diante dessa noite que não viveram, que não conheceram, mas que por assim dizer se desdobra em toda a extensão da terra, maravilhosamente. Todos se comovem. Entretanto, que notícias há de uma especial emoção, de uma especial comoção, daqueles pastores para os quais os Anjos anunciaram: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra para os homens de boa vontade”?
Nós ouvimos contar a história daqueles pastores e terá passado pelo espírito dos senhores alguma coisa desse gênero: Ah! se eu fosse um desses pastores, como eu ficaria bom!
Quanto a mim, eu não sei… Não sei por que vejo aqueles pastores: homens inocentes, homens do campo, homens que à espera, sem o saberem, do Cordeiro de Deus que lavaria os pecados do mundo, não faziam outra coisa senão apascentar cordeiros nas serranias da Terra Santa. Esses homens, acordados durante a noite por um cântico angélico, esses homens se tocaram? Na hora, sim. Depois os passos deles se perdem na História…
Quem sabe se — quando para nós se abrir o Céu — nós os veremos numa alta glória. Quem sabe se não… Quem sabe lá?
Quando a gente pensa nos outros homens que viram fatos magníficos, a reação que tiveram, a gente se pergunta: que reações teriam tido esses pastores?
É impossível que os senhores mesmos não se tenham feito essa pergunta diante da narração evangélica.
Mas, há mais.
Eu duvido que alguns, pelo menos, nesta sala, lendo a cena da transfiguração no alto do Tabor, não tenham pensado isto: Nosso Senhor que sobe, que deixa aparecer a sua majestade, aparece Elias, aparece Moisés, estão ali os três Apóstolos. Eles olham maravilhados. E, de repente, eles começam a discernir em Nosso Senhor maravilhas e maravilhas e maravilhas tais que eles não querem mais ir embora de lá. Esquecem-se da terra, esquecem-se de tudo. Se alguém fosse falar a eles naquela hora “vá para Jerusalém que um bom cargo público o espera”, eles davam uma risada: “que cargo público, que Jerusalém, vamos armar tendas aqui e vamos ficar aqui para todo o sempre. Acabou! Nossa história acabou. Senhor, ficai sempre nesse reluzimento entre Elias e Moisés. Nós não queremos outra coisa”…
Não queremos outra coisa… Quiseram! Desceram da montanha e voltaram para a vida!
E na noite, sacratíssima aquela, em que Ele verteu sangue e suou e pediu com grande voz ao Padre Eterno que Lhe poupasse a dor, mas que se não fosse possível, fosse feita a vontade do Padre Eterno e não a dEle, naquela noite, aqueles homens deviam ter se lembrado do que viram. Os olhares deles deviam ainda estar cheios daquela luz.
Do que estavam cheios? De sono!…
E quando Aquele que se acercou deles, e que eles tinham visto naquela glória, se acercou talvez cambaleando de dor, e com uma voz de uma doçura que nós não podemos calcular, com uma bondade, com um convite, de uma capacidade de atração que não podemos excogitar, pediu e suplicou um pouco de companhia no isolamento em que estava, aquelas pálpebras deslumbradas se mantiveram fechadas…
Como é o coração do homem! Que homens, entretanto, homens que depois seriam santos, seriam os Apóstolos, seriam mártires. Com a exceção de São João Evangelista, [que é] o único que não foi mártir. Mas o apóstolo do amor, o grande evangelista, o arquétipo da virgindade, esse que está no Céu tão e tão alto, no momento. E para todo o sempre.
Como é, então, o coração humano?
O Evangelho nos conta a cena impressionante da ressurreição de Lázaro. Lázaro morreu. Mandam chamar a Nosso Senhor. Nosso Senhor não atende. Ele deixa Lázaro morrer, ser enterrado, ficar quatro dias na sepultura. As irmãs têm a impressão do abandono: Nosso Senhor não ligou…
Lázaro, o grande amigo de Nosso Senhor, a quem Nosso Senhor tinha uma dileção toda especial. Esse Lázaro, a quem Ele destinava um futuro tão extraordinário! Nós sabemos, por outras fontes, que era de ser bispo de Marselha, na França. Lázaro, o bom amigo, morre na indiferença dEle. Ele aparece quatro dias depois, Ele que de longe conhecia o sofrimento que estavam tendo as duas irmãs. Ele aparece e uma delas sai correndo: “Senhor, se Vós estivésseis aqui, ele não teria morrido. Agora ele está putrefato, há quatro dias ele está na sepultura. O que mais fazer?”
Ordem a Lázaro: “Lázaro, sai!”
Os senhores já imaginaram a cena? Uma sepultura. Nessa sepultura jaz Lázaro. Talvez uma sepultura escavada no fundo de um rochedo. A julgar pelo que se sabe de Lázaro, deveria ser uma sepultura nobre e rica. Porque ele era um homem de alta condição, uma condição mais ou menos principesca, e muito rico. E deveria ser, portanto, uma bela sepultura. Nessa sepultura – a sepultura dos ricos são muito bem defendidas, mas eles ali também ficam também muito bem presos! Porque…
Ele sai das garras da morte. Ele sai, fende a sepultura como se não fosse nada, porque Nosso Senhor com uma majestade, parecida com a voz que fará ressuscitar todos os mortos no dia do fim do mundo — bradou de um brado alto, majestoso, impregnado de amor: “Lázaro, Lázaro, sai!”
Nós podemos imaginar que esse “sai”, ao mesmo tempo que era um imperativo ao qual a morte não resistia, era a satisfação de uma ternura: “venha, porque quero te ver! Eu te quero, Eu te amo, quero-te junto a mim”.
A inversão dos papéis: Lázaro, na sepultura, haveria de levar à sepultura Cristo que o ressuscitou…
Quem podia imaginar isso! Essa inversão de papéis? E ele mesmo com certeza haveria de ver Cristo ressurrecto.
No momento em que Lázaro sai, alguns corações, pelo menos, se fecham. Porque não se convertem. E dentre os que não se convertem, pelo menos dois sussurram, um para o outro: “o remédio é matá-Lo”.
Os senhores já pensaram o que é uma alma humana?
Então, vendo um milagre deste, a conclusão não é de ajoelhar e dizer “Meu Senhor e Meu Deus”, mas a conclusão é: é preciso matá-Lo?
Os senhores já pensaram? Os senhores imaginam que se nós estivéssemos lá, mas nós ficaríamos santos para todo o sempre!
Que ilusão a nosso respeito!… Como nós somos mutáveis, como nós somos frágeis, como a nossa virtude é frágil, sobretudo quando nós ignoramos ou queremos ignorar que ela é frágil, quanto é frágil a nossa virtude!
O fato é que aqueles homens, que tinham um coração humano como nós, ouviram aquilo. Eles receberam graças, e graças torrenciais naquela ocasião para se converterem. Qual é a forma da recusa? Matá-lo!
Pensem como Ele foi morto. E com que requintes de maldade esse desígnio foi realizado, os senhores compreendem de que maldade o coração humano é capaz!
Agora os senhores tomem esses miseráveis corações que andam por aí. Fisiologicamente ainda podem ser chamados corações. Moralmente falando muita dessa gente que anda aí, tem “coração”?
Por exemplo, para não ir mais longe, e para me reportar apenas ao que está se passando na Espanha, mas que se passa em tantos outros países, e que está em curso no Brasil porque já há um projeto de lei neste sentido: o aborto!
Que coração tem uma mãe que está na deliberação de matar todos os filhos que ela engendrar? Isto é mãe ou é uma fera? As panteras não fazem isso com suas crias e elas fazem com os seus filhos? O que dizer de uma coisa dessas? Isto se chama coração?
Agora, não são só elas, mas são todos que são a favor disso. Gente que não tem… digamos que a mãe tem a miserável vantagem de escapar às dores que são o castigo do pecado original dela. Vamos dizer isso. Dores tão atenuadas pelas anestesias modernas. Enfim, dores e riscos. [Riscos] tão limitados também pela medicina moderna. Mas, está bem, elas ainda têm isto. E os homens, que não passam por essa provação, que não são pais da criança que vai nascer, que não vão nutrir essa criança, mas que batalham, organizam partidos políticos, põem no programa o aborto como uma finalidade, levam o aborto até a realização… E isso exclusivamente por ambição pessoal, ou por maldade. Esses homens não vendem, por trinta dinheiros, a vida de gerações inteiras que vem depois? Que corações são esses?
Mas, se nós fôssemos assim, fazer indagações junto ao mundo contemporâneo a respeito dos inúmeros pecados que cometem em todas as ordens e em todos os sentidos e de todas as formas, eu lhes pergunto: o que restaria?
E a pergunta é: se na orla da “Bagarre” Nossa Senhora aparecesse mais maravilhosa ainda do que em Fátima, e repetisse o que disse em Fátima, e dissesse: atentai, porque existem apenas poucos dias e os castigos vão começar!
Os senhores acham que o mundo de hoje se converteria? Absolutamente não! Eles arranjariam os mesmos sofismas, os mesmos esquecimentos, as mesmas aberrações. Eles não se converteriam!
Se os senhores imaginassem que essa gente visse Nosso Senhor transfigurado, se os senhores imaginassem que essa gente visse Nosso Senhor ressuscitar Lázaro, pode-se ter a certeza de que eles teriam uma reação diferente dos judeus daquele tempo?
Alguém diria: “Dr. Plínio, se certeza não, pelo menos muita esperança, sim. Porque estes são filhos da Igreja e aqueles eram filhos da sinagoga. E a sinagoga não é senão precursora da Igreja”.
Aqueles lá eram filhos da sinagoga, respondo, é bem verdade. E calcaram aos pés a sinagoga! Isto é bem verdade. É verdade que esses são filhos da Igreja. O que fizeram da Igreja? E o pecado de calcar aos pés a Igreja não é pior do que o pecado de calcar aos pés a sinagoga?
(…) Vamos andando.
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