Plinio Corrêa de Oliveira
- D. Zacharov, um dos físicos atômicos mais importantes da União Soviética, em seu ensaio sobre o “Progresso, coexistência e liberdade intelectual”, deu da situação internacional um panorama que se pode resumir assim: 1) se os Estados Unidos e a Rússia entrarem em guerra, a hecatombe atômica é inevitável; 2) em conseqüência, a única saída para o mundo está na implantação de um regime de coexistência pacífica que, de um lado, harmonize inteiramente as relações entre os dois “grandes”, e de outro lado atenue os contrastes entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido; 3) a fim de que tal coexistência conduza realmente a uma paz estável, cumpre que não seja simplesmente ummodus vivendientre potências hostis. É preciso que a coexistência do futuro importe na eliminação definitiva das causa de dissídio entre os Estados Unidos e a Rússia. Obtido isto, Zacharov espera que não só tenhamos escapado ao mais negro porvir, mas ingressemos numa fase áurea: os dois grandes se desarmarão e destinarão aos subdesenvolvidos as toneladas de dólares e rublos que invertem agora em material bélico. E assim o mundo, unificado, conhecerá afinal a paz.
“Unificado”, sim. Pois Zacharov sonha com duas espécies de unificação, para chegar à paz. A primeira seria uma fusão do comunismo com o capitalismo, por meio da qual Ocidente e Oriente adotariam um mesmo estilo de pensamento e de vida, eliminando, por esta forma, mil causas de mútuas desinteligências. A segunda modalidade de unificação consistiria na fusão de todos os países em uma República Universal.
Como obter essas duas fusões? A segunda parece um corolário da primeira. Assim, ocupemo-nos só com a primeira.
Em dois artigos recentes, publicados no conhecido diário madrilenho “Ya”, o sr. Luciano Perena apresenta uma síntese clara das elucubrações do cientista soviético. Cita ele palavras textuais de Zacharov: é preciso que “tanto o capitalismo quanto o socialismo” estejam “na disposição de realizar um progresso a longo prazo, assimilando cada um os elementos positivos do outro, e operando assim uma mútua aproximação nos aspectos fundamentais”.
Embora comunista, Zacharov reconhece a existência de “um autêntico progresso econômico nos Estado Unidos e nos países capitalistas”, e afirma que estes “se servem realmente dos princípios do socialismo para produzir uma efetiva melhora nas condições de vida dos trabalhadores”. Face a este quadro o comunismo em lugar de caminhar para uma guerra, deveria “enobrecer” (!) o capitalismo “por seu exemplo e por outras formas indiretas de pressão” e “fundir-se com ele”.
De outro lado, o comunismo deveria aceitar como fato positivo a fragmentação ideológica que em seu seio se opera, e abrir-se assim para um pluralismo político que o conduzisse à prática de uma democracia política efetiva. É o que ele receberia de enriquecedor, do Ocidente.
Em suma liberdade política efetiva, igualdade social absoluta, dirigismo econômico total, eis a fórmula que Zacharov vê para que o mundo escape do cataclismo atômico…
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Se algum “sapo” ler esta sumaríssima condensação do sonho zacharoviano, estou certo de que estremecerá de gáudio a cada nova frase. Pois este plano de difusão mundial de um comunismo que esmague a vida econômica e social sob o mesmo rolo compressor e implante ao mesmo tempo a liberal-democracia política, corresponde, ponto por ponto, às utopias, aos pânicos e às velhacarias desse burgueses nédios e metidos em automóveis de luxo, que passam pelos jovens da TFP, lhes atiram insultos de inspiração comunista, e depois fogem numa corajosa disparada.
Confesso que considero mais perigoso para o Brasil o “sapo” do que o terrorista. Pois não creio que o temperamento nacional se deslumbre com a violência. Sinto-o, entretanto, sensível aos pregadores de todas as conciliações… Tanto quiçá das falsas, quanto das verdadeiras. Assim, julgo que a quimera zacharoviana — enquanto explicitação da fórmula “sapo” — tem real importância entre nós. Desejo pois, opor-lhe algumas objeções.
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Serei esquemático:
1 — a II Guerra Mundial talvez tenha sido a mais cruenta da História. Quando ela arrebentou, os beligerantes possuíam meios de destruição, de alcance imprevisível — gases asfixiantes, “bombas” bacteriológicas etc. — dos quais não fizeram uso por interesse mútuo. Agora que o perigo é tão maior, o interesse mútuo manda, com redobrada força imperativa, que os combatentes se abstenham da bomba de hidrogênio. Quanto às potências ocidentais, ninguém duvida de que aceitarão com os comunistas o mesmo convênio tácito ou secreto que cumpriram com os nazistas. Os comunistas serão bastante cruéis para recusar este convênio? Zacharov e os “sapos” concordarão, então, em que os comunistas são mais sanguinários do que o próprio Hitler? Se não o são, a guerra atômica nada tem de inevitável…
2 — Em 1939, Hitler colocou o mundo na alternativa de optar entre uma guerra terrível e a aceitação da supremacia mundial do III Reich, bem como da difusão universal do nazismo. Levando seu simbólico guarda-chuva, Chamberlain foi a Munich para aceitar concessões que só tiveram por efeito ensoberbecer e fortalecer o Führer enlouquecido, e precipitar assim a guerra.
Afirmo que, analogamente, se o Ocidente for comunistizado, deformada a sua estrutura social, deteriorada sua cultura, asfixiada sua economia pelo dirigismo socialista, ficará ele muito mais exposto à sanha conquistadora dos russos do que agora. Em outros termos, os meus “sapos”, acenando para os russos com o guarda-chuva chamberlainiano, estão, a meu ver, precipitando a guerra que afirmam não desejar.
Mas, dirá algum “sapo” que, segundo ele, as tensões internacionais já não são ideológicas. Não vejo, então, como possa a cessação dessas tensões trazer a paz.
3 — Por fim, o auge da contradição está, na quimera “sapo”, em reunir a liberdade política e a tirania econômica. Pois num país onde toda a economia depende do governo, a liberdade política é impossível.
Por tudo isto, não adiro em ponto algum às elucubrações do “sapos”, ganhos desde já aos sinistros projetos zacharovianos.