São Tomás Morus (22/6): o confronto entre a lealdade e a traição, a altaneria e a baixeza, a grandeza e a bajulação, o esplendor e a vulgaridade

Santo do Dia, 4 de julho de 1979

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

Agora, propriamente, começou o enredo do filme. Os senhores assistiram a uma “mise en scène” (direção artística; encenação) verdadeiramente grandiosa, mas muito insinuada, que se explicitará mais adiante. Infelizmente, o assistente comum do filme não tem os olhos voltados para isso e perde o sabor dessa “mise en scène”, por causa da vulgaridade de hoje.

Esse filme – não sei como foi filmado… – é muito superior à média de hoje em dia. A ideia, de fundo, é a seguinte: São Tomás Morus, que os senhores viram aparecer aqui como destinatário de uma carta que procede do Cardeal Wolsey, entra aqui no começo do drama dele; do drama que vai desfechar no martírio.

Ele está sossegado, numa roda de amigos, na casa de campo dele. Ele é uma grande personalidade da Inglaterra. O rei, que caiu em heresia, tem desígnios a respeito dele, desígnios que ele não poderá atender em consciência, o que o levará à morte.

De maneira que ele tem a vida tranquila, a vida agradável, a vida alegre simbolizada antes. E que recebe o ósculo da morte, no momento em que a carta lhe é entregue. O alcance da cena é apresentado da seguinte maneira: 1) ele era um dos primeiros homens do rei da Inglaterra, portanto, altamente instalado no reino inglês.

O esplendor e a majestade do reino inglês são representados por aquelas figuras de granito, lindos monstros medievais. Ao pé da letra monstros. Mas faz parte da arte medieval fazer uma forma de hediondo que tem uma seriedade, uma catadura, uma força e uma presença heráldica verdadeiramente magnífica!

Os senhores encontram uma coisa parecida com isso nos Profetas do Aleijadinho. Em geral, homens excecionalmente feios. Mas não há nada de mais bonito do que os Profetas do Aleijadinho. E o Apolo do Belvedere eu considero um mancebo comumdesinteressante, em comparação com o esplendor dos Profetas, que rugem um rugido eterno de pedra, hieráticos e fenomenais. É essa forma de beleza especial que é apresentada por aqueles grifos e aquelas figuras contra o céu. Como se raspassem o Céu, tocassem quase em Deus, símbolos de um poder descido do Céu.

Nosso Senhor disse a Pôncio Pilatos: se teu poder não viesse do Céu, não terias poder nenhum. As palavras textuais não foram essas, mas o ensinamento foi esse.

Depois, vem então a expressão não mais heráldica, mas viva desse poder. Porque aquelas figuras de pedra são figuras heráldicas, imóveis, impassíveis. Representam o que o Reino Unido tem, por assim dizer, de eterno.

Agora vem a vida. A vida começa, muito belamente, representando apenas a beleza do cardinalato. Uma face, uma capa, uma pelerine de uma linda púrpura, com uma medalha belíssima que indica o esplendor do cardinalato.

Depois, a gravidade da carta e a seriedade das coisas, ainda um pouco medievais. O Cardeal, que aparece apenas assinando a carta. Mas tranquilo. A letra dele está uniforme. Porque ele é o perseguidor e o perseguidor persegue na comodidade. O perseguido apanha na perturbação ou, ao menos, na conturbação.

Então, ele uma assinatura límpida e clara sobre um bonito documento e que é dado a um burocrata, de pouca alma; gordão, uma espécie de “linguiçona” humana, que não compreende o que está fazendo, mas que faz aquilo com uma indiferença, seja a vida ou seja a morte, seja o bem ou seja o mal, ele ganha dinheiro para fazer aquilo; faz e ganha.

Portanto, ele sela aquilo com uma correção perfeita. Cai uma gota de lacre perfeita, um outro põe em cima o selo. E pôr o selo é como quem diz: “está decidido”. O conteúdo da mensagem está carimbado. Não tem mais conversa. Um lacaio ou um ajudante de ordens leva aquilo à sala de espera, onde o povinho está esperando para falar com o Cardeal.

Aí começa a se desenrolar a tragédia. Vem um homem, avô ou tio-avô do Oliver Cromwell, do Oliver Demônio; um quaker dos mais abjetos, porque a espécie é fecunda em abjeções – o Cromwell recebe a mensagem.

E os senhores veem então o estilo de Corte do Ancien RégimeComo a mensagem procede do rei, é preciso fazer tudo correndoE o homem já sai correndo de dentro da sala. Rito bonito porque representa o respeito à majestade real, mas rito altamente psicológico; porque ensina a todo o mundo presente ali como devem as ordens do rei ser cumpridas.

É altamente bem pensado!

Eu gostaria, por exemplo, de que em todas a coisas eclesiásticas da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, da Santa e Eterna Igreja, tivessem esse rito assim. Ela não tinha apenas por que tinha coisa melhor. A coisa, então, vai correndo.

* O ambiente natural britânico, a beleza dos remos e o papel das elites

E o barco começa a percorrer uma série de panoramas que tem essa coisa de particular do panorama inglês: os senhores não viram ali um panorama excepcionalmente bonito. Aquela vegetação pode dar no Tietê. Não precisa ir à Inglaterra para ver aquilo. Aquele passarinho tem em todo lugar do mundo. Marreco dá em qualquer lugar. Há um marrequinho ali que atravessa as águas, um encanto de marrequinho, mas em qualquer lugar do mundo tem marrecos daqueles.

Mas é próprio da ambientação inglesa, quer dizer, do modo das coisas serem lá e do modo de elas serem focalizadas lá, que faz com que essas coisas fiquem encantos na Inglaterra.

E o marrequinho, e uma nuvenzinha, um pau no alto do qual está um passarinho, essas coisas tão comuns a arte inglesa, a perspectiva inglesa sabe fazer sentir o que isso tem de encantador. E então, o tempo inteiro, cruzando águas comuns do Tâmisa, um rio que perto do nosso Tocantins, ou do nosso Araguaia, eu acho que é um córrego… suponho, pelo menos. Singrando o Tâmisa, entretanto faz ver aquelas coisas lindas todas.

Uma pessoa de pouca reflexão é induzida a pensar que aquilo é um pretexto para ir pondo os nomes do filme, dos autores, dos artistas etc. Não é isso. É [para] exprimir uma coisa que os senhores vão presenciar na parte mais pungente do filme, mais tarde, quando Tomás Morus, condenado à morte se não me engano, vê de dentro de seu cárcere, a vida que se desenvolve no seu esplendor.

Então, são umas abelhas que penetram na flor, coisas assim que indicam a beleza da vida no universo e o encanto de existir. E a tragédia que há em deixar de existir pela violência de um outro, saindo desse receptáculo de maravilhas, que pela bondade de Deus, ainda é essa terra de exílio. O Paraíso seria incomparavelmente melhor!

Então, para insinuar quanto a vida é gostosa, vem tudo aquilo que significa o prazer de viver. Analisem aqueles pássaros: eles estão eufóricos; eles voam no ar numa alegria, aquelas águas correm dir-se-ia num bem-estar. Água  não sente nada. Mas pareceria um símbolo do bem-estar, do caminhar tranquilo, agradável etc., e a barca que segue…

A barca, ela mesma bonita. Terão notado a bordadura bonita e o modo bonito pelo qual está feito aquele encaixe para pôr os remos. De maneira que remar, que é uma atividade tão comum, remar ali se torna bonito. E é uma das altas coisas da civilização saber fazer bonitas as coisas triviais.

Ao pé-da-letra, remar era, para aquele tempo, um modo de locomoção como andar de bicicleta hoje em dia, ou motocicleta hoje em dia. Todo rio era considerado uma estrada, e remar era andar na estrada. Mas que beleza daquela marcha compassada dos remos, e como ali se percebia, por algo, que aquilo era o barco de uma Corte e os que remavam ali, sem serem cortesãos, serviam cortesãos, e que havia uma certa “cortesania” no remar! É impossível que os senhores não tenham ficado tocados com o “pulchrum” (a beleza) disso… o que representa verdadeiramente uma ação de harmonia social. A harmonia social existe quando o mais alto comunica algo que ele tem ao menos alto, sem que o menos alto se iguale a ele.

O remador da Corte não fica um cortesão. Mas como ele rema! E como a condição de remador toma dignidade no mundo inteiro, sabendo que em alguns lugares se rema assim! E assim é que a classe mais alta, qualquer que seja a forma de governo, pode comunicar à classe mais baixa, sem destruir a hierarquia social, as suas próprias quintessências.

Aí sim a classe mais alta é como um turíbulo aceso dentro de uma igreja: ninguém mexe dentro do turíbulo, ele está separado do resto, mas sua fumaça, seu perfume se espalha pela igreja inteira. Esse é o sentido de uma elite.

* O triunfo da glória é quando ela brilha até diante dos que apreciam sem saber a razão – Refutação às objeções inexplícitas

Os senhores dirão: “Mas Doutor Plinio, o autor quis significar isso que o senhor está dizendo?”

Pouco me incomoda!

Os homens, que naquele tempo fizeram esses barcos, pelo menos instintivamente quiseram. E tanto é que quiseram, que fizeram. E é por onde um inglês não era um senegalês; era por causa disso. Ou um francês não era um turcomano, era por causa disso. Então está claro que o pensamento é esse.

O barco, entretanto, é capitaneado por um indivíduo que leva consigo uma certa maldição. O barco vai numa velocidade um pouco maldita. Ele dá impressão de que corta aquela natureza como uma navalha ruim cortaria um tecido precioso. A velocidade do barco – ao menos no meu modo de ver – está perfeitamente bem calculada, de maneira a dar uma impressão discreta, nada espetacular nesse verdadeiro espetáculo.

Todo espetáculo espetacular não vale dois caracóis. A coisa insinuada vale muito mais do que a coisa proclamada. E a coisa que não é qualquer um que pega, mas qualquer um se delicia com ela, tem aquele quid próprio por onde os que estão adestrados como nós podemos estar, então explicitam.

E outros, que não estão adestrados, sem saber por que, gostam. E é o triunfo da glória é quando ela brilha até aos olhos daqueles que apreciam sem saber por quê.

Há uma porção de doutrinas dentro disso. E o perigoso da fita é que convida a entrar por demais em pormenores.

Por isso encontrei um jeito de deixar correr toda a introdução para fazer um comentário único.

O barco chega, e o homem malévolo, portando a mensagem da desgraça, salta com muito leveza, e correndo, no mesmo princípio de que ele está levando a mensagem do rei. Mas percebe-se vagamente que alguma coisa de ruim o acompanha.

Nesse ponto, vejam a arte do ator e dos diretores do filme que souberam calcular tudo isso tão bem! Que ótimos “metteurs en scène” foram mobilizados aí!

Daí eu vou tirar uma conclusão de alto alcance político. Mas vamos tocar nosso assunto para frente… 23:20 h. Bom, ainda dá tempo.

Bom, eu estava dizendo que ele corre, mas o “metteur en scène”, com receio de que aquela entrada um pouco saracoteante, mas sinistra do valet, que o público não percebesse bem. Ele então cria aquela cena do homem querendo entrar na casa, e do bom criado, fiel, percebendo algo e batendo-lhe com a porta na cara. Ali, sem ser dito, o perfume da cena fica um pouco acentuado.

E a cena pega nosso São Tomás Morus em um momento de felicidade. Os senhores viram uma reunião de amigos, o lar dele, um bonito “manoir”, uma espécie de castelo, que fala em segurança, conforto, bem-estar etc., e ele é o centro da reunião. Ele – os srs. sabem bem – era um dos homens mais inteligentes da Europa; correspondia-se, por exemplo, com o fassur do Erasmo de Rotterdam, que era o Voltaire do tempo dele. E Erasmo prestava homenagem a São Tomás Morus. Como se correspondia com Erasmo. Conosco Erasmo não se corresponderia. Nós não somos São Tomás Morus, é bem verdade. Mas há uma outra razão: é que eu creio que São Tomás Morus chegou à santidade inteira com o martírio. Aqui está a questão.

Tenho razões, aliás, para suspeitar – não para afirmar – que a “Utopia”, livro socialista atribuído a ele, que a “Utopia” de fato não foi escrita por ele. Foi atribuída a ele post-mortem, por razões que os senhores podem bem conjecturar. Mas a canonização não é, nem um pouco, uma aprovação da “Utopia”, porque o mártir é canonizado pelo fato de ser mártir. As ações anteriores dele não são analisadas no processo de canonização. Analisa-se apenas o lance do martírio. Se foi martírio, é santo. Foi para o Céu. Mas podia não ser (santo) antes do martírio.

* Análise do ator que representa São Tomás Morus

São Tomás Morus lá que aparece muito bem caracterizado. Eu tenho uma alergia especial com a cara daquele ator. Não sei por quê. Não me dei ao trabalho de explicitar. Mas tenho uma alergia especial. A gente vê que ele é tido como uma sumidade.

Representar bem, ele representa. Eu imagino São Tomás Morus inteiramente diferente desse tipo. Olhem a cara e aqui está muito bem-posto, é a cara de um homem distendido mas que está no prazermas tem qualquer coisa, tem um banco subjacente de tristeza profunda nele, e cuja face está pronta para o pranto. É o homem de grande pensamento, que se dá conta da crise da Inglaterra.

Dá-se conta de como o rei, levando a Inglaterra para a heresia, separa a Inglaterra da Igreja e prejudica a Igreja profundamente. Faz parte de uma revolução universal. É a primeira Revolução.

Estamos assistindo a história de um mártir da Primeira Revolução.

Então, a gente vê que ele é um homem que está no momento se distraindo, mas tem a vida dominada por isso e pela apreensão. Apreensão porque ele vê o rei, sabe que tirano e bandido é o rei, e sabe que a coisa vai dar numa trombada com ele. Ele é grande demais para caber no reino sem estar afinado com o rei.

Ele tem tanta popularidade, ele tem tanta influência, tem tanto prestígio, tem tanta grandeza, que um tirano como o rei Henrique VIII só poderia tê-lo como instrumento, ou como vítima. E ele então percebe que a hora dele está chegando.

É como quem intui ou pressente que a hora está chegando que ele recebe aquela carta e pergunta: “Boas novidades?” Antes mesmo de abrir; um pouco ansioso para saber se o estafeta contou alguma coisa antes mesmo de abrir.

Eu mandei cortar a fita nesse momento, porque aí o sentido da introdução se faz inteiro. Aqui se compreendeu a introdução por inteiro.

* São os homens capazes de criar ambientes que movem a História

(Dr. Plinio levanta ele mesmo uma objeção) …”coisas revolucionárias, porque ele é o autor da RCR. Conhece a Revolução e a Contra-Revolução. Portanto, tem o critério para julgar se isso é Revolução ou Contra-Revolução. Mas no que Doutor Plinio diz sobre isso fica subjacente a ideia de que há gente que faz a Revolução e monta o quadro da Revolução, utilizando todos esses meios sensíveis para fazer a Revolução.

“Ele (Dr. Plinio) até dá a isso um nome, que está na RCR: Revolução nas tendências, que precede até a própria Revolução do sofisma. E Doutor Plinio dá a entender que há gente que conhece isso e que monta isso e que organiza, por essa forma, a Revolução nas tendências.

“Ora – dirá o objetante – eu não conheço em torno de mim ninguém que seja capaz de montar isso. Logo, provavelmente, não existe ninguém capaz de montar isso. Logo, é meio fantasioso, e é meio puxado admitir que essa montagem das modas, das tendências e dos costumes rumo à Revolução, seja inteiramente fabricada”.

Aqui eu mostro aos senhores como em um filme, tudo isso é inteiramente fabricado! E não passa de um filme. Mas está pormenorizadamente fabricada uma coisa que tem uma boa parte de tendência, de Contra-Revolução tendencialLogo, uma pessoa que faz isso, se quiser faz uma Revolução. É evidente! E os senhores percebem por aí como os grandes políticos que conduzem o mundo não são os que falam nos Parlamentos.

Não são sequer os que escrevem nos jornais. São aqueles que têm a capacidade de por essa forma impulsionar os costumes. Porque a partir disso, cria-se o ambiente propício às ideias. Criando-se o ambiente propício às ideias, se cria o ambiente propício aos grandes movimentos da História.

Então, aí temos uma lição viva de RCR (Revolução e Contra-Revolução)!

Creio que poucas vezes os senhores teriam um momento mais oportuno de tocar isso ao vivo, razão pela qual me parece muito útil desenvolver isso.

Eu não quero dar às palavras que estou dizendo a menor conotação política. Ainda no momento eu estou, por meio do Sr. Mario Navarro que pegou um livro de uma coleção aí muito interessante etc., etc., coletando dados sobre dezenas… organização política, social e econômica, mais político-social, de dezenas de Repúblicas municipais que existiam na Europa antes da Revolução Francesa. (e isto) para mostrar aos Srs. como eram as coisas, para compreenderem como funcionava esta forma de governo sob as bençãos e a participação da Igreja etc., etc.

Eu não estou, portanto, propendendo para nenhuma forma de governo, estou rigorosamente me mantendo dentro do princípio dado por Leão XIII.

Mas uma coisa é verdadeira: se os senhores forem falar em um colégio contra a Revolução Francesa, os senhores encontrarão um ambiente de indiferença, ou um ambiente de hostilidade. Mas se a mesma turma a quem os senhores falarem estiver saindo dessa fita, e os senhores explicarem que a Revolução destruiu coisas dessas, os senhores têm o terreno muito mais facilitado para que se compreenda a Segunda e a Terceira Revolução.

Olhem que toda a temática da Revolução Francesa não está presente aí. Mas a questão é a forma da barca, é a púrpura e o medalhão do Cardeal, é tudo o mais, isso tem uma ação enorme!… E pelo riso dos Srs. percebo que os Srs. se dão conta disso.

E é um êxito da Contra-Revolução tendencial o hábito de gala da TFP, a capa da TFP, o estandarte da TFP.

Por exemplo, os tocheiros junto ao Oratório de Nossa Senhora (à Rua Martim Francisco, 669). Imaginem duas lâmpadas elétricas acesas ali, a vitalidade do Oratório mas caía verticalmente. Vou dizer mais: mesmo os que vão lá rezar tão louvavelmente fazendo vigília, teriam menos ânimo e menos fervor se aquilo não fosse um fogo real. É a Contra-Revolução tendencial.

Isso tem outro porte do que fazer um discurso, do que… é outra coisa!

Aqui então nós nos estendemos pormenorizadamente a respeito da Contra-Revolução tendencial, da importância dela e da factibilidade dela, como ela pode ser fabricada; da fabricabilidade dela, da Revolução e da Contra-Revolução.

Eu proponho que daqui por diante, então que nessa meia-hora que resta, mostrada essa técnica de análise, eu faça não mais paralisações dessas a não ser nas grandes cenas, mas apenas vá dizendo de passagem: isso, aquilo e aquilo outro. De maneira que o total se torna absorvível, mas de outro lado não se perde muito tempo com isso. Do contrário pode levar um mês… e o tema se desgasta.

* A sapiencialidade da Igreja representada no esplendor de seu cerimonial

Estão me pedindo para eu mostrar como na Igreja é mais sapiencial. A Igreja tinha diante da autoridade eclesiástica com uma posição recolhida e calma, digna e compassada, que não era corre-corre. Porque é um desses estados de alma de onde sai tudo, desde a mais extrema contemplação, até o corre-corre do Cruzado. É um ponto de equilíbrio.

No pontificado de Pio XII, eu estive na antecâmara dele e depois na sala dele; estive também em uma audiência pública a dois passos do trono dele. Vi o compasso da antiga Igreja. O poder temporal é menos quintessenciado por natureza do que o espiritual, porque a matéria é menos do que o espírito, porque o natural é menos do que o sobrenatural – então, para o poder temporal convém isso.

Vamos para frente, meus caros.

Vejam que horrorosa beleza!

Vejam como toca no Céu o tempo inteiro.

Culminâncias.

O Cardeal.

Agora, a letra tranquila; notem o anel, a pena.

Agora, o “linguiça”. Mole como uma posta de carne, ao mesmo tempo maçudo, hercúleo como um carrasco.

Abre-se a porta, a sala de espera; todos afluem. A grandeza do castelo, a verde grama inglesa; o pulo dentro da barca, imediatamente seguem.

O título inglês é mais bonito: “Um homem para todas as estações”.

Essa água que passa é o acontecer, as coisas que vão e que vão, a tragédia que parece mover as águas…

Aqui, então, ainda mais claro. A desgraça ruma para ele como o rio para o fundo da história.

A alegria da vida.

Agora a barca; a barra da barca.

O remar bonito, os remos pintados.

E a água que brinca com os remos.

Alegria da vida mais uma vez.

A natureza vasta, amena.

Os pássaros se regalando no ar.

Mas o destino – para falar em “destino’, não é boa essa palavra – flui contra ele como as águas do Tâmisa…

Mas a vida, para quem apostata, é deliciosa. É viver como um marrequinho nas delícias da vida…

Vejam como o marreco é um encanto!

Mas parece um potezinho de felicidade!

O talento de fazer a barca sair detrás da árvore. A categoria da barca.

O sinistro…

O lugar onde mora Morus.

O céu se reflete na água, com a natureza inculta, meiga.

O barquinho vai. Um longo trajeto: a dor transpõe todas as distâncias à procura do mártir.

O ancoradouro. O barco encosta: antes de encostar, o homem já pula. São ordens do rei, devem ser executadas correndo. Mas os senhores percebem algo de sinistro. Dir-se-ia que o chão estremece. Ele assalta, ele não entraEle invade…

O mau pressentimento.

A porta no nariz.

A preocupação.

O bonito traje, sóbrio, plebeu, mas digno.

Esse é o Duque de Norfolk.

Não há referência a Nossa Senhora.

“Boa noite, a Vossa Graça”. É o Duque de Norfolk. Ele está desaconselhando o traidor.

O Norfolk deu essa “chumbada” nele porque São Tomás Morus foi contra ele.

O ódio (do traidor)…

É noite e ele está partindo para a perseguição.

Noite sobre o esplendor.

O barco volta em plena noite e ele afunda em plena tragédia…

O ancoradouro do palácio…

A solidão majestosa no palácio, à noite…

O ator que representa o cardeal é estupendo! Toda a abjeção do homem que se vendeu e que se refocila na lama que ele comprou está ali.

Agora, chega o rei.

A questão do divórcio que entra em cena.

Os senhores estão vendo aí o contraste magnífico entre a cara ignóbil e o esplendor do traje, mas o valor do traje que realça o ignóbil da cara.

Esse homem vestido de clergyman não causaria o horror que causa com esse traje; até poderia passar despercebido no meio de muitos outros que são assim também. Mas nesse traje, a gente tem impressão, ao pé-da-letra, de um suíno vestindo a púrpura (referindo-se ao que representa o papel do Cardeal Woolsey). O que é o elogio do traje escolhido pela Igreja, que torna nefando o vício e que é o ornamento da virtude!

Ele passa e todo o mundo vai reverenciá-lo, porque ele é um homem muito importante.

* O confronto entre a lealdade e a traição, a altaneria e a baixeza, a grandeza e a bajulação, o esplendor e a vulgaridade

Como mudou tudo!

Que barco, que barqueiro, que isolamento!…

Notem que não passa mais engraçadinho nenhum no panorama. É a meditação amarga, amarga do que se passou e da ameaça que ele tem diante de si.

O traidor.

Os senhores veem aí a inferioridade da família em relação a ele: a mulher só pensa na posição, não pensa na heresia. O único que pensa na heresia é ele.

O cavalgar de tragédias, que magnífico!… Como está bem apresentado!

O malfazejo; dir-se-ia quase as 4 bestas do Apocalipse!

Olhem a beleza da ogiva!

O recolhimento.

A condecoração do Cardeal, que está morto.

Sessão na Câmara dos Lordes.

O trono do rei. O aparato real se desenvolve. Tudo aquilo a que ele terá que renunciar: as honras do mundo, como renunciou ao gosto da vida. Vejam como está tudo bem relacionado…

O barco traz o chanceler. O rei vai visitá-lo. A beleza do barco real, o trono com o dossel no meio das águas. Não se pode imaginar uma coisa tão bonita! É uma verdadeira flotilha que ele leva. É a Corte que vai com ele.

O rei estava sendo esperado. Há uma mesa preparada para ele.

Vejam o lindo movimento dos remos! A atitude de respeito. Um lindo monstro (colocado na proa do barco real).

O rei, vulgar, marmiteiro, mau! Pisa na sujeira e não se incomoda. Toda corte faz o mesmo. É uma caricatura da bajulação e do absolutismo real. Assim como eles pisam na lama, assim também eles ficam hereges…

O que está dado a entender aqui é o contraste entre o gozador da vida em seu superlativo e no modo mais boçal de gozar a vida – o rei – e o homem que é o contrário: não conhece os prazeres baixos, é digno; ele não é um rei, mas tem muito mais dignidade do que o rei, e que vê com distância os absurdos do rei; e percebe a diferença entre a personalidade dele e a personalidade do rei.

Ora, acontece que ele, colocado no convívio íntimo com o rei, essa sensação dessa diferença não pode deixar de se acentuar em todos os momentos, sobretudo estando ali presente a questão do divórcio, que é uma questão candente; ele vê que o rei quer tanto a aprovação dele para o divórcio, por causa da opinião pública, que até vai visitá-lo, coisa sem exemplos; e vai visitá-lo na intimidade. Não manda avisar; chega e entra mais ou menos como amigo, quase como um companheiro de troça, já procurando achincalhar Tomás na própria conduta:

“Ou você ri como eu, ou você se suja na lama como eu, ou você participa da minha vulgaridade ou – note bem! – eu vou ficar sentido…”

há um convite tendencial para que Morus tome uma dessas atitudes de alma, depois das quais ele fique sem resistência no caso do divórcio.

Notem a pressão psicológica, feita por esse lado, sobre Morus. “Entre no reino dos suínos e tudo será seu”. Toda a figura do rei exprime isso: a baixeza, os risos, o modo vil pelo qual os cortesãos o veneram. Ele gosta assim, porque é por interesse, não é por respeito.

A corte é um contubérnio, é uma coligação, um amálgama de venais. Ele leva sobre si um traje de lindos tecidos para mostrar o esplendor da vida e a riqueza. Mas ele mesmo é vil.

esse consórcio entre a vilania e o esplendor, torna o próprio esplendor instrumento da vilania, nesse caso.

Ele trata a mulher, ele trata a filha de Morus, ao próprio Morus, com uma intimidade que não fica bem a um rei, mas também não fica bem à família Morus. Ele falseia tudo. Mas falseia tudo com o intuito de corromper. É a corrupção que chega lá, de coroa na cabeça, para destruir. É o herege que entra no santuário, que é o lar de um homem ortodoxo, ele entra lá para corromper e levar para a heresia. É o apostolado da heresia.

É a Revolução. É a Revolução no seu pior aspecto: a Revolução coroada. O barrete frígio de um revolucionário de 89 não é, absolutamente nada em comparação com uma fronte coroada que faz Revolução. Porque é o pior que pode haver nessa ordem de coisas. Pior do que isso é uma fronte mitrada que faz Revolução.

Essa Revolução do rei para corromper o súdito. E a reação diferente de Tomás Morus, da mulher e da filha. A mulher e a filha – são atrizes muito boas – elas estranham o rei e não entram em consonância com o rei; mas sobretudo não oferecem resistência! Elas prefeririam que o rei fosse de outro modo, mas elas não estão nem um pouco dispostas a brigar com o rei, nem a recusar a ser como o rei é. Elas simplesmente têm uma preferência: quereriam outra coisa. Mas não estão aborrecidas. São apenas oportunistas, “carreirosas”, querendo agradar o rei para ficarem bem colocadas na Corte, mais nada.

Já Tomás Morus, isolado na sua família, incompreendido por sua família, vai sozinho para o martírio.

Ele toma uma atitude muito respeitosa para com o rei, muito digna com o rei, mas uma atitude visivelmente triste e de quem não cede. Ele tenta dar uma gargalhada, mas a gargalhada lhe morre na face. Porque a face não é feita para riso ignóbil. E no resto do tempo, ele é sério, cortês, mas distante. Como quem diz: “se quiser, vingue-se, se quiser, deponha-me, se quiser mate-me, mas esse modo de ser eu não tomo!”

Eu dou, meus caros, muita importância a esse conflito de modos de ser que a fita, com superior talento – é uma fita muito bem-feita! – apresenta, porque…

* Uma cena histórica típica que ilustra o espírito da Renascença

Eu termino com esse fato histórico: Henrique VIII teve um encontro, em território francês, com Francisco I, rei da França. Esse encontro é chamado encontro do “drap d’or” – do tecido de ouro, porque até as tendas eram de tecido de ouro. Havia ainda lampejos da Idade Média, porque havia ocasião para torneios, festas etc. De repente, os dois reis estavam olhando a cena, o movimento, as pessoas etc., quando passa um fidalgo francês de alta categoria, muitíssimo bem apessoado, muito bem trajado, muito bem armado, seguido de um séquito numeroso, que revelava um homem importante. Henrique VIII perguntou a Francisco I, meio baixinho:

– Esse, quem é?

Diz Francisco I:

– É meu primo, o Condestável de Bourbon.

Era príncipe da Casa Real. E era Condestável, quer dizer, algo como Marechalíssimo dos exércitos franceses. Tinha feudo, era muito rico, era, portanto, um grande personagem. Mas era um personagem de fazer sombra ao rei. Henrique VIII disse, baixinho, para Francisco I:

– Se fosse no meu reino, a cabeça dele não ficaria em cima do pescoço. Ele é grande demais…

A história do Condestável de Bourbon creio que os srs. todos conhecem. Francisco I, começou a persegui-lo e o Condestável aliou-se ao Imperador Carlos V, contra Francisco I. E foi o Condestável que foi encarregado por Carlos V de fazer o famoso cerco de Roma, que foi uma devastação tremenda; as tropas luteranas saquearam Roma, pilharam, fizeram verdadeiros horrores. Houve quem comparasse a devastação dos luteranos, em Roma, à queda de Jerusalém, de tal maneira foi o horror da invasão dos luteranos. E ali morreu o Condestável de Bourbon.

Ele foi levado à revolta porque o rei começou a persegui-lo. O rei foi levado a persegui-lo, entre outros fatores – além do ódio dos reis absolutistas pelos grandes senhores – talvez pelo conselho que certamente Henrique VIII lhe deu.

Henrique VIII perseguia Morus, não porque fosse um príncipe, não porque fosse um grande herói militar, mas tinha uma nomeada tão tão grande que o rei sentia que não podia divorciar-se sem o consentimento, sem o aplauso de Morus. Então, ele nomeia Morus ministro para ver se assim ele compra Morus e obtém de Morus que trabalhe a favor do divórcio.

Morus passa por aquela espécie de entronização, tocam as cornetas, ele tem uma grandeza própria a embriagar, o rei tenta suborná-lo. Se ele tivesse trabalhado a favor do divórcio, tudo leva a crer que, do mesmo modo, o rei o teria morto, e pela única razão de que ele era grande demais!

Muita gente me tem aconselhado: “por que o senhor não dissolve a Tradição, Família e Propriedade e a transforma numa porção de pequenas organizações, com nomes diferentes, trabalhando contra a Revolução em campos diferentes: um trabalhando contra trajes imorais, outro trabalhando contra o aborto, etc., e que não percebem que estão fazendo um trabalho uno, que é só uno na mente do senhor. Com isso o senhor não sofreria perseguições”…

É que a TFP, como ela é, já vai ficando grande demais. Os senhores veem as águas como correm. Eles não compreendem – ou compreendem… – que eu nunca conseguiria reunir tanta gente em torno de ideais fragmentários. Lutar só contra o aborto, e mais nada? Outro lutar só contra os trajes imorais, e mais nada? E outro só contra o comunismo, e mais nada? Quem é que se entusiasmaria com isso? Essa TFP não existiria, ao menos não em torno de mim, porque eu não sei dar ânimo a movimentos fragmentários, com ideais tão reduzidos.

Qual é o resultado? É que as situações históricas se repetem. Os modos de ser, com a Revolução, entram em atrito.

Está aqui terminada a reunião, diante de uma linda imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso que nos promete o sucesso; ou o sucesso dos confessores, dos apóstolos, dos doutores, quem sabe?

De qualquer forma, peçamos a Nossa Senhora do Bom Sucesso que nos dê a coragem de São Tomás Morus.

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