São Rémy (ou Remígio, 13/1): coluna da Santa Igreja e da Cristandade

Santo do Dia, 23 de setembro de 1974

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Estátua de São Remy, na Basílica de Reims (França)

A ficha que me caiu às mãos é, aliás, um pouquinho longa, a respeito de um santo sobre o qual os srs. já ouviram contar muito: São Rémy, Bispo de Reims. Mas acontece que essa ficha traz exatamente uma série de pormenores a respeito de sua vida, que ilustram o grande episódio central da conversão de Clóvis, por onde São Rémy entrou na história da Igreja.

De maneira que me parece interessante fazer a análise desses aspectos, que nos facilitam a compreensão do grande homem que foi São Rémy.

Os dados são tirados daquela mesma historiografia de santos que eu venho seguindo há algum tempo.

Em primeiro lugar a respeito do nascimento de São Rémy:

“São Rémy nasceu em meados do século V, perto da cidade de Laon, onde havia um eremita santo. Esse eremita era cego há muito tempo e ele se afligia não pela própria cegueira, mas pelo fato da situação triste em que se encontrava a religião católica nas Gálias”.

A Galia, como os srs. sabem, era a antiga França, era a dominação romana da França. E em consequência da invasão dos bárbaros – os quais eram pagãos em parte, em parte pervertidos para o arianismo por um tal bispo Ulfilas, ariano ele próprio – esses bárbaros invadindo o Império Romano, que era constituído por católicos pútridos, deixaram a situação da maioria religiosa na posição mais lamentável que se possa imaginar, para as condições daquela época em matéria religiosa.

De maneira que, nessas condições, esse eremita cego se afligia muito com a situação da Igreja.

Ora, uma noite, enquanto ele pedia com lágrimas ao Senhor a paz da Igreja, ele ouviu uma voz celeste que lhe disse: “Deus dignou-Se de olhar do alto do Céu para a terra, a fim de que todas as nações do mundo publiquem as maravilhas de Sua onipotência e que os reis da terra se honrem em servi-lo. Celina será mãe de um filho a quem ela dará o nome de Rémy, ao qual eu reservo a glória de salvar o meu povo”.

É uma linda mensagem, e a cena pode ser vista com muita beleza. Os srs. imaginem duas escuridões que envolvem esse eremita: primeiro a escuridão da cegueira e depois a escuridão da noite. Esse homem reza, no isolamento completo, e ele se aflige, sozinho, pela situação triste da Igreja. Quando menos espera, depois de quantos e quantos dias, ou noites, ou meses, ou anos de oração, em que não recebe do Céu resposta nenhuma, num desses momentos tão parecidos com nossa atual época histórica, em que se tem a  impressão de que Deus voltou as costas para a humanidade e não Se incomoda mais com o que acontece no mundo, num desses momentos ele recebe, de repente, uma mensagem celeste.

* “Deus ouviu tua oração e resolveu de novo olhar para a terra”

Uma mensagem celeste que começa assim: “Deus ouviu tua oração”, quer dizer, é um prêmio para toda a vida que ele tinha levado.

Depois veio então o aviso: “Deus resolveu de novo olhar para a terra“. Os srs. vejam como isso é uma graça que se deve pedir em nossa época, em que se tem a impressão de que Deus desviou os olhares dEle para a terra, não olha mais para a terra. “Deus resolveu de novo olhar para aterra.”

“…E resolveu que Celina…”

Vamos ver daqui a pouco quem era Celina…

“…Celina terá um filho ao qual ela dará o nome Rémy. Por meio desse Rémy, Eu quero reinar sobre o mundo, fazendo com que os poderosos da terra se honrem em servir a Deus”.

Isto é muito bonito, porque é um aviso do nascimento da Cristandade. O que diferencia a situação da Igreja no tempo romano da situação da Igreja na Idade média é que a Igreja no tempo romano, mesmo depois das catacumbas, era uma Igreja que era constituída de muitos fiéis, mas em que os poderosos se honravam pouco em servir a Nosso Senhor. Nós não tivemos monarcas santos, tivemos poucos grandes homens santos no tempo do império romano católico.

Pelo contrário, na Idade Média notamos, pela primeira vez na História, essa coincidência: os poderosos e os grandes da terra se tornam frequentemente os mais fervorosos. E é das culminâncias da sociedade temporal que parte o impulso para a santificação das almas. É, portanto, uma modificação. É propriamente o reino de Cristo. Quando Cristo reina por meio dos reis, quando Cristo reina por meio dos poderosos. Aí é que se dá o reino de Cristo.

Celina, como recebesse aviso dessa voz, expôs o fato a um monge chamado Montano. E o monge respondeu o seguinte: “Não só tereis um filho, mas vós o alimentareis com vosso leite. E ele mesmo – Montano era cego também – me restituirá a vista com algumas gotas desse leite postas sobre os meus olhos”.

Essas predições se cumpriram ao pé da letra. São Rémy nasceu em Laon na casa senhorial dos seus pais.

Os seus pais eram nobres”.

Depois dá vários fatos pequenos da vida de São Rémy, que nós podemos saltar, e vem a eleição dele como Bispo.

* Patrono dos que têm dificuldade de meditar, dos que não têm a compreensão fácil das coisas divinas, dos que se sentem tíbios ou desencorajados

“Demanges, Arcebispo de Reims, acabava de morrer. O povo, inspirado por Deus, descobriu São Rémy, e ele foi designado, por aclamação, para suceder a Demanges.

“Um óleo santo, no dia da sagração, foi aspergido por uma mão invisível sobre a fronte de Rémy, que o consagrou assim; e a sala toda ficou impregnada do mais suave perfume”.

Os srs. estão vendo a ideia linda: é o próprio Deus, é o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo que deixa aparecer a Sua mão e que vem carregando um perfume suavíssimo e unge São Rémy como Bispo. Quer dizer, ungido diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo o homem do qual deveria sair o poder episcopal que haveria de instituir a Igreja Católica nas Gálias, etc.

Depois de dar vários episódios de tentação que ele sofreu, afirma o narrador:

“…que São Rémy é, por causa disso, eficazmente invocado nas tentações contra a carne e contra o espírito. De mais a mais, dos que têm dificuldade de meditar, dos que não têm a compreensão fácil das coisas divinas, daqueles enfim que se sentem tíbios ou desencorajados, esses sempre encontram apoio em São Rémy”.

Preciso dizer que eu nunca tinha ouvido nenhuma referência a um protetor especial para aqueles que têm dificuldade de meditar… Em princípio, dificuldade de meditar é um obstáculo para a vida espiritual. E todo santo pode ser patrono adequado para vencer um obstáculo na vida espiritual. Mas um santo que tenha como missão especial favorecer a meditação; favorecer a compreensão das coisas de Deus da parte daqueles que não têm essa compreensão; dar estímulo aos desencorajados; auxiliar aos que são violentamente e brutalmente tentados, eu ainda não vi isso.

E como temos por desejo trabalhar para a vitória da Cristandade, podemos perfeitamente pedir a São Rémy – que fez na época dele um trabalho que aspiraríamos a fazer em nossa época – que ele seja o nosso padroeiro. Então, se há alguém “geração nova” neste auditório, se há alguém que tenha dificuldades de meditar, se há alguém que tenha dificuldades de se concentrar para recolher os seus pensamentos e elevá-los a Deus, se alguém há aqui brutalmente atacado de desânimo ou de tentações violentas do demônio, esse pode dirigir-se a São Rémy. E lhe pedir especialmente que facilite a vida espiritual.

É uma intenção tão preciosa essa e tão de acordo com nossa vocação, que eu não queria deixar de assinalá-la.

* São Rémy: modelo de resistência na ordem espiritual

Aqui vem vários milagres de São Rémy e um deles é dos mais bonitos. Mostra bem nele o pastor perfeito. E os srs. podem por aí medir a diferença que há entre um Bispo daqueles tempos, ditos de atraso, e um Bispo dos nossos tempos, ditos de progresso. Os srs. vão ver que episódio lindo:

Um dia, um terrível incêndio devorou a cidade de Reims”.

Eram cidades muitas vezes construídas com prédios de madeira e quando pegava um incêndio, aquela madeira muito seca, o incêndio se propagava pela cidade com uma facilidade enorme. E não havia naquele tempo as bombas hidráulicas para projetar água à grande altura e nem para extinção do incêndio, como em tese na cidade de São Paulo deveriam ser extinguidos comodamente. Não acontece na prática, mas em tese deveria ser.

Então, o combate às chamas era uma necessidade grande, mas uma coisa muito difícil. Os srs. vão ver como São Rémy se opõe ao progresso das chamas:

Então todas as pessoas se reuniram para apagar o incêndio, mas era inútil, e todos já tinham desesperado de vencer as chamas que estavam devorando a cidade. Então, São Rémy foi correndo ao foco onde o incêndio era mais violento. E foi armado com sua Cruz. Colocou-se de encontro às chamas que progrediam e declarou que ele não arredaria pé. As chamas pararam e o incêndio se extinguiu”.

Milagre, evidentemente, mas que linda ideia dá do Bispo! Que linda ideia dá do varão de Deus e do perfeito Pastor! Os srs. podem imaginar São Rémy como quiserem: um homem esguio, alto, esbelto, que pára como uma espécie de desafio diante das chamas; ou um colosso de um homem atarracado, ou um hominho pequenininho – seja como for -, a cena em qualquer das suas versões tem toda a sua grandeza.

Ele com sua mitra, com uma túnica romana, com uma Cruz, indo de encontro às chamas. E estas começam a descer. E os srs. não considerem só para as chamas, mas para todo o povo. O povo em volta – pasmo – se ajoelha, e quando termina tudo, São Rémy dá a bênção para o povo…

Quer dizer, os srs. estão compreendendo o prestígio da Igreja e a glória de Deus que uma coisa dessas dá. É simbólico: o verdadeiro homem de Deus, sobretudo o verdadeiro Bispo, quando ele pára e se opõe, não há chama que progrida.

Isso é incomparavelmente mais verdadeiro no terreno espiritual do que no terreno material. Quer dizer, é só resistir, que o adversário cede. Mas é preciso resistir.

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* O batismo de Clóvis e o milagre da Santa Ampola

Eu dou apenas trechos salteados aos srs., porque a ficha é muito longa. Outro aspecto da vida dele:

Na noite que precedeu a cerimônia do Batismo…”

A famosa noite em que ele batizou Clóvis, e que teve aquela frase clássica: “Curva a cabeça, queima o que adoraste e adora o que queimaste“.

“…era a noite de Natal do ano de 496, São Rémy passou várias horas em oração diante do altar da Igreja de Santa Maria. E depois ele foi à residência do Rei, querendo aproveitar o silêncio da noite para dar as suas últimas instruções ao monarca. No oratório do palácio, a rainha Santa Clotilde, esposa de Clóvis, o esperava na oração. Alguns nobres e vários clérigos estavam ali reunidos. Todos sentaram e o santo fez um sermão admirável”.

Os srs. podem imaginar que beleza: era noite, a cidadezinha de Reims quieta, todo mundo dormindo, apenas na capela do palácio real as luzes estão acesas. São Rémy chega, ungido pela oração, porque passou várias horas rezando diante do altar. Os srs. podem imaginá-lo atravessando as ruas tortuosas e pequenas da cidadezinha e entrando no palácio real e chegando até à capela. Na capela reza Clóvis, que no dia seguinte vai ser batizado; reza Santa Clotilde, a santa, que estava no eixo de todas as transformações pelas quais a história do mundo ia passar com a conversão dos francos. Rezam vários nobres e vários clérigos. São Rémy se senta e começa a falar.

Então faz um longo sermão. E os srs. podem imaginar o enlevo de Santa Clotilde, surpresa, meio advinhativa e meio assim… de Clóvis, o recolhimento dos clérigos, o interesse dos nobres, e fora o mesmo silêncio… Daí a pouco os srs. vão ver o que é que se passa.

Enquanto ele falava, aparece dentro da capela uma luz tão brilhante, que a luz das velas não se apaga mas não se percebe mais. Um perfume agradabilíssimo se espalha pela capela, e uma voz alta faz ouvir as seguintes palavras: “A paz seja convosco! Sou Eu, não temais. Ficai no meu amor!”

É evidente que é Nosso Senhor Jesus Cristo.

O rei e a rainha se ajoelharam aos pés do santo Prelado. A fisionomia do homem de Deus brilhava com um esplendor vivíssimo e, tomado ele mesmo pelo espírito profético, profetizou…”

Os srs. vejam que beleza dessa profecia durante a noite, depois do próprio Cristo ter falado. Profecia:

* A decadência virá pela invasão dos vícios e dos maus costumes. Por aí se precipitam na ruína os reinos e as nações

Vossa posteridade governará nobremente esse reino. Ele dará glória à Santa Igreja e herdará o império dos romanos. Ela não cessará de prosperar enquanto ela seguir o caminho da verdade e da virtude. Mas a decadência virá pela invasão dos vícios e dos maus costumes. Com efeito, por aí se precipitam na ruína os reinos e as nações”.

Acabou-se. Silêncio de novo, e estão aquelas almas preparadas para a cerimônia de batismo de Clóvis. Está anunciado que, feito o batismo, começa uma página nova da História.

Os srs. podem imaginar a nobreza e a elevação dessa cena, o estado das almas depois dessa cena…

Durante o batismo de Clovis, São Rémy procurou os óleos sagrados, mas havia tanta gente enchendo a igreja, que quando ele quis se dirigir com Clóvis para as fontes batismais, no meio da confusão o óleo sagrado se perdeu. Então, ele não o encontrando mais, com as mãos voltadas para o Céu se pôs em oração. Repentinamente, uma pomba mais branca do que a neve se aproximou dele. Ela tinha em seu bico uma pequena ampola cheia do óleo santo. O Prelado abriu, e dela se exalou um perfume suave e a pomba desapareceu. A ampola milagrosa conduzida a São Rémy pela pomba serviu durante longos séculos para a sagração dos Reis da França (vide foto abaixo). Chamava-se a Santa Ampola”.

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É o famoso milagre da conversão de Clóvis.

Agora vem São Rémy durante um Concílio:

A doutrina de Ario, sustentada pelos visigodos no sul da França, procurava penetrar nas províncias do norte. Um Concílio teve que reunir-se na cidade de Orléans para combater essa heresia. São Rémy não deixou de estar presente lá. Quando ele chegou na assembleia dos Bispos, os Bispos todos presentes se levantaram, exceto um só, que era ariano e que, muito orgulhoso, se manteve sentadoSua arrogância foi punida imediatamente, porque ele perdeu o uso da palavra. Então ele se precipitou aos pés de São Rémy, mas São Rémy exigiu dele a inteira retratação de seus erros. O Bispo penitente deu o sinal de que ele concordava, e imediatamente recomeçou a falar.

Ao fim de sua vida, São Rémy ficou cego, mas longe de se entristecer com isso, ele se alegrava, porque dizia que era um meio de sofrer como Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele conheceu profeticamente o dia de sua morte. E vários dias antes de morrer, ele recuperou a vista, para poder rever todo mundo e dar ordem aos seus bens e distribuir como ele queria.

Quando chegou o dia em que ele disse que ia morrer, embora não estivesse doente, e apenas muito gasto, nesse dia ele morreu, depois de ter se despedido de todo mundo, como quem parte para uma viagem.”

Estava encerrada a vida do grande São Rémy.

Depois vem os milagres dele depois da morte, os srs. podem imaginar que foram milagres retumbantes.

* Peçamos a Deus que faça aparecer outros Rémys, que reergam o sagrado edifício tão terrivelmente prostrado em nossos dias

Com esses fatos, ficamos transportados para uma atmosfera eclesiástica tão diferente da nossa quanto se possa imaginar. Isso é feito para nos desanimar? Não. É feito para nos dar ânimo, para nos dar alento, para compreendermos que Nossa Senhora, que pode alcançar todas essas graças de Nosso Senhor Jesus Cristo, pode alcançar de um momento para outro também graças extraordinárias para a Santa Igreja Católica. E pode através das catástrofes profetizadas por Ela em Fátima, fazer aparecer outros Rémys, fazer aparecer outras pessoas que reergam o sagrado edifício tão terrivelmente prostrado em nossos dias.

Então os srs. têm mais uma intenção para encaminhar a São Rémy. Não é mais a intenção individual da solução de problemas pessoais que os srs. tenham, mas pedir a São Rémy que ele, que foi o esteio da Igreja e da Cristandade, tenha pena de uma e de outra. E que do alto do Céu em que está, volte os olhos sobre essa miséria sem nome, que ele nem sequer ousaria imaginar.

Eu não sei qual seria a reação de São Rémy se pudesse ver a situação em que está a Igreja Católica e a da sua pobre França de hoje. Se pudesse ver, o que ele imaginaria? Eu daqui a pouco conto uma coisa e aí os srs. compreenderão quanto a gente deve rezar a São Rémy.

Devemos lhe pedir que obtenha de Nossa Senhora que Deus, como nos dias dele, se volte de novo para esta terra, e tenha misericórdia. E intervenha, castigue, extirpe, elimine, plante e faça nascer um outro mundo!

Peçamos a São Remy que tenha pena da França e que tenha pena do mundo.

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Acima, túmulo de São Remy, na mesma Basílica de Reims, já mencionada

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