São Pacômio (9/5): a arte da propaganda em benefício de si mesmo é o que denuncia o amor-próprio

Santo do Dia, 17 de março de 1969

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

Deram-me para comentar um trecho dos “Exercícios de Perfeição e Virtudes Cristãs” do Padre Afonso Rodrigues, da Companhia de Jesus:

Conta Sírio que estando o grande Pacômio (292-346) sentado em certo lugar do mosteiro com outros graves frades, um dos monges trouxe duas esteiras pequenas que tinha feito aquele dia e as pôs junto à sua cela, defronte onde estava São Pacômio, de sorte que este as pudesse ver, imaginando que havia de louvar sua diligência e seu cuidado porque a Regra somente mandava a cada um fazer diariamente uma esteira e ele tinha feito duas.

Como o santo entendeu que o monge tinha feito aquilo por vaidade, disse suspirando e com grande sentimento aos padres que estavam consigo: ‘Vede este irmão que trabalhou desde manhã até à noite e ofereceu todo o trabalho ao demônio, amando mais a estima dos homens do que a glória de Deus.

Chamou-o, deu-lhe uma áspera repreensão e mandou-lhe uma penitência: quando se juntassem os monges para a oração, fosse lá com suas duas esteiras às costas e dissesse em voz alta: ‘Padres e irmãos meus, por amor do Senhor peço que todos roguem a Deus por esse pecador miserável, que tenha misericórdia de mim porque estimei mais essas duas pequenas esteiras que o Reino dos Céus’. Mandou-lhe mais: quando os monges fossem jantar, estivesse do mesmo modo no refeitório com as pequenas esteiras às costas todo o tempo que durasse a refeição. Não parou aqui a penitência…

Sabia fazer as coisas São Pacômio, hein?…

“…Depois de feito isto, manda que o fechem numa cela e que ninguém o visite, que nela esteja por cinco meses jejuando a pão e água e que ali sozinho faça cada dia duas esteiras, de sorte que ninguém o veja. Deste exemplo podemos também tirar para nosso aproveitamento quão grandes penitências davam aqueles padres antigos por culpas leves e a humildade e paciência com que os súditos as recebiam e se aproveitavam delas”.

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Representação de São Pacômio (à direita), geralmente reconhecido como o fundador do monasticismo cenobita. Nem os monges de São Pacômio nem ele próprio se tornaram sacerdotes, preferindo viver sua vida como ascetas. Santo Atanásio tentou ordená-lo em 333, mas Pacômio fugiu dele

Acho que a principal consideração para nosso interesse não é propriamente essa, mas é como São Pacômio mostra que, às vezes, pequenos fatos [de si] inocentes são indícios de estados espirituais muito ruins e que, portanto, é preciso observá-los como também para interpretar situações espirituais importantes.

Alguém de espírito liberal poderia dizer: “Ora, este bom São Pacômio! Que homem exagerado! Que importância tem fazer duas esteiras em vez de uma? Isso não é nada, isso não significa coisa nenhuma. Coitado do monge! Ele trabalhou um pouco mais; vamos dizer que tenha tido um pouco de vaidade. Não é uma vaidade ilegítima. Ele não trabalhou mais? Não é justo que o homem tenha, em meio das desolações do claustro, a pequena alegria de mostrar que sabe fazer um pouco melhor as esteiras, um pouco mais depressa do que os seus irmãos de hábito? Então isto é uma tal catástrofe que vale a pena encher esse pobre coitado de vergonha e de penitência por uma coisa tão pequena?”…

Nós responderíamos o seguinte: não é o fazer a esteira em si que constituiria algo grave, mas é que isso indica a presença e a vivacidade de um defeito, que é a pretensão.

Então, a vaidade dele de mostrar que sabia fazer duas esteiras, o jeitinho ardiloso de pôr na frente da cela de São Pacômio para ver se este o louvava… Portanto, uma vaidade que se transforma em senso de propaganda e com arzinho humilde: “ele que deixou suas esteirinhas na entrada da cela… não é que tenha querido mostrar, porque ele é muito humilde…”. Quer dizer, ele mostra que, além de saber bem fazer esteiras, é humilde também. Precisamente o que ele não é. Esta arte da propaganda em benefício de si mesmo é o que denuncia o amor-próprio, denuncia uma coisa que de si mesma é muito viva, porque não há amor-próprio que não seja vivaz.

Falar em amor-próprio vivaz, acho que é um dos mais cruéis pleonasmos que há, porque o amor-próprio de si é vivaz. Em todo homem ele reage com um impulso extraordinário, e se se condescende um pouquinho com ele, está uma fera solta dentro da pessoa! É um pouco como se, de repente, um de nós daqui ouvisse, em meio aos ruídos mil que há durante o dia na Rua Pará (onde estava se dando esta reunião, n.d.c.) e em todo o bairro de Higienópolis, um dos ruídos fosse um rugido de leão… Um leão!

Outro poderia dizer: “Ora, tenha paciência! No meio de rugidos de caminhão, de carroça de lixo, de tanta coisa, você dá importância a um rugidinho de leão?” Espere um pouco: se fosse só rugir não era nada, mas onde está o leão? Se o leão está solto, esse rugido me incomoda muito mais do que de dez mil máquinas! Essa esteira era um rugido de um leão, esse leão é o amor-próprio de cada um. São Pacômio domou o leão. Aqui está a filosofia do caso.

Nós devemos – através dos pequenos indícios – interpretar o que nos vai de mal na alma ou o que nos vai de bom, com mais atenção no que vai de mal porque o que vai de bom nós percebemos.

Devemos, além disso, saber interpretar o que vai de bom e de mal nos outros e no ambiente que nos rodeia, no curso dos fatos, na marcha da civilização, na decadência dos costumes. Os pequenos indícios nos fazem ver – viva – a Revolução e a Contra-Revolução. Aqui está a grande lição de São Pacômio.

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