São Nuno de Santa Maria (ou Dom Nuno Álvares Pereira – 6/11)

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

NOTA EXPLICATIVA

Esta matéria foi preparada na véspera da canonização de D. Nuno, e procura dar uma visão de conjunto do Santo – sua vida, virtudes e feitos heróicos – a partir de várias conferências e conversas do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP.

Por exemplo o comentário sobre a grandeza do chamado da nação portuguesa, tão associada à magnitude da vocação e feitos daquele herói, ou ainda de aspectos da vida do Santo que refletiam uma magnífica interpenetração da vida religiosa na sociedade temporal e vice-versa.

Para uma visão histórica abrangente do Santo e de seu tempo sugerimos a leitura do excelente artigo de José Narciso Barbosa Soares publicado na revista “Catolicismo”, em sua edição de Abril de 2009.

Evidentemente adaptou-se, quando essencial, a linguagem falada à escrita. A composição dos temas e a subdivisão das matérias são de responsabilidade da administração do site. A matéria, originada de gravações magnéticas, não foi revista pelo Autor.

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Monumento a Nuno Álvares Pereira – Portugal

 

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Comentando…
Frei Nuno de Santa Maria

Legionário, 2 de julho de 1944, N. 621, pag. 2

Plinio Corrêa de Oliveira

Notícia de Lisboa informa que grande procissão percorreu as ruas da cidade, acompanhando as relíquias do Condestável Dom Nuno Alvares Pereira, que, em religião, tomou o nome de Frei Nuno de Santa Maria. A finalidade desta procissão foi pedir a canonização do Condestável, que já tem as honras de Bem-aventurado.

Dom Nuno Alvares Pereira foi o restaurador de Portugal no século XIV, quando essa nação corria o perigo de cair sob o domínio espanhol, em consequência de grave crise dinástica. Nesta difícil conjuntura, foi Dom Nuno o braço forte, que apoiou e firmou a novel casa de Avis. Que um reino passe para uma coroa estrangeira, isto não tem grande importância, se tudo se realiza no seio da Cristandade. Nos tempos em que a ideia de Cristandade era viva, e correspondia a uma realidade palpável e fundamental, não havia os pruridos de nacionalismo extremado que faz a desgraça de nossos dias, dividindo o mundo em porções arrogantes que se entrechocam. Naqueles tempos, a expressão normal do patriotismo era a fidelidade ao príncipe legítimo. E, por isso, não era nenhuma catástrofe que uma nação recebesse o governo de uma Casa estrangeira, coisa que aconteceu frequentes vezes, sem qualquer desdouro para grandes e ilustres povos da Cristandade. Haja vista, por exemplo, a Espanha, governada pela Casa d´Áustria.

Portanto, não foi apenas para impedir que Portugal fosse governado por Castela que a Providência lhe enviou o santo Condestável. Havia questões muito mais profundas envolvidas no conflito entre Castela e as pretensões da incipiente Casa de Avis.

Em primeiro lugar, estava-se no início do grande cisma do OcidentePortugal havia escolhido a obediência de Urbano VI, mas a Espanha escolhera a de Clemente VII. Ora, Urbano VI era o Papa legítimo, ao passo que Clemente VII era antipapa. Portanto, se Portugal passasse para o domínio de Castela, passaria, “ipso facto”, para a obediência do antipapa. E isto é que os portugueses, que sempre se salientaram pela inquebrantável fidelidade, absolutamente não queriam. O rei de Castela, por seguir o antipapa, era para eles herege e cismático, e simplesmente não era possível que Portugal tivesse um rei herege e cismático. Este era um dos motivos da Providência a favor de Portugal; e, deste motivo, os portugueses estavam conscientes.

Mas havia ainda outro motivo, que estava apenas nos desígnios da Providência: o Portugal da Casa de Avis ia ser o grande Portugal missionário, cuja preocupação era o serviço de Deus, e cujo ideal era a dilatação dos limites da Cristandade. Era para isto, para estabelecer as bases de uma nação apostólica, para confirmar um reino cuja razão de ser era a fé, que a Providência enviou a Portugal o santo Condestável. Para uma obra santa, era também necessário um santo.

Dom Nuno Alvares Pereira sempre manifestou a sua missão predestinada. Do princípio ao fim de sua vida, sempre encontramos nele o mesmo fervor religioso, a mesma fé ardente, a mesma piedade profunda. A sua vida guerreira era o corolário de sua vida religiosa. O grande general invencível, que não conheceu derrotas, e era o terror de seus inimigos, ia buscar a sua força em Deus, em Deus punha a esperança de suas vitórias e, particularmente, apoiava-se em sua devoção filial à Nossa Senhora, a “Santa Maria” de sua grande devoção. No auge das batalhas, quando a sorte vacila, e o sucesso é incerto, Dom Nuno afasta-se do combate e, num lugar retirado, queda-se longos momentos em oração contemplativa, enquanto os seus capitães o procuravam ansiosos. Porém, quando ele volta da oração, é como um Anjo do Céu, radiante e cheio de força, que cai sobre os inimigos, fulminando-os, e decidindo a vitória em poucos instantes: o combate continuava a sua oração sobrenatural. E enquanto foi preciso lutar, ele lutou. Mas quando veio a paz, e o seu rei estava garantido, ele, que podia ter tudo, tudo abandonou, e foi ser o humilde Frei Nuno de Santa Maria. O grande guerreiro cristão orava e batalhava, porque assim o dever o exigia; agora que ele venceu todas as batalhas, ele vai apenas orar, porque já não há onde batalhar. Fosse, porém, necessário e lá estaria ele novamente no campo da honra.

Sirva o grande e santo Condestável de exemplo a todos os católicos, principalmente nestes tempos em que a diminuição humana das verdades divinas desfigurou o ideal cristão, transformando-o, não raro, em ridícula caricatura. Um santo guerreiro não é uma contradição, como o desfibramento do liberalismo religioso o quer considerar, mas é uma sublime coerência.

 

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Dados biográficos e vitórias de São Nuno de Santa Maria

 

Santo do Dia, 6 de novembro de 1965

 

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São Nuno de Santa Maria, Confessor, Condestável de Portugal, e … Carmelita; conservou sob o hábito carmelitano o arnês de cavaleiro – Século XIV.

Ele conservou o arnês de cavaleiro sob o hábito carmelitano como manutenção do seu espírito guerreiro, mesmo depois de ser religioso carmelita.

Isso, por sua vez, muito nos interessa, porque ele, enquanto irmão leigo carmelitano era um religioso. E a heresia branca, que tanto combatemos, gostaria de dizer que nenhum santo é guerreiro, que nenhum bom religioso é guerreiro, e que na guerra há algo de intrinsecamente mau, quando nós afirmamos precisamente o contrário. ( Conferência de 06 de novembro de 1964 )

A respeito do Bem-aventurado Nuno Alvarez Pereira, há os seguintes dados biográficos:

Nasceu em 1360 no Castelo do Bom Jardim em Portugal; filho ilegítimo do fidalgo Nuno Alvarez Gonçalves Pereira. Educado cuidadosamente, foi escudeiro Real, sendo armado cavaleiro como exímio ginete, e não menos notável flecheiro.

O que quer dizer que ele montava bem à cavalo, combatia muito bem à cavalo com a lança e com a espada. Isto é, um ginete.

Quanto a flecheiro, atirava dardos, flechas com muita habilidade, com muita competência. Era portanto, um guerreiro completo, porque a habilidade militar no tempo consistia nestas destrezas.

Casou-se, por vontade dos pais, com Dna. Leonor Alvin, que lhe deu três filhos. Como chefe de família tinha a mesma exemplar conduta que já tivera no início de sua infância e adolescência.

Distinguiu-se notavelmente como soldado, lutando contra os Castelhanos.

Era um período em que Portugal estava começando a reivindicar sua independência contra Castela, em que havia portanto várias lutas entre os dois reinos, e ele se destacou nas lutas que definiram a independência de Portugal.

Apoiou o Mestre de Avis, Dom João, na ascensão ao Trono de sua Pátria.

Após a batalha do Atoleiro, em que ele venceu.

Quer dizer, ele foi o chefe militar que ganhou a batalha do Atoleiro.

D. João, Mestre de Avis foi aclamado Rei, nomeando-o General, Vencedor, Condestável.

Isto é, chefe das Forças Armadas, e primeiro dignitário do Reino. Foi portanto o prêmio que o Rei lhe deu pelo fato de ele ter ganho tão importantes batalhas e ter fundado pela sua espada o Reino de Portugal.

Como Condestável Nuno lutou ainda nas famosas batalhas de Valverde e Aljubarrota que deram a independência a Portugal.

Ao regressar à sua casa, após essas lutas, encontrou extinta sua família, pela morte de sua esposa e filhos; ingressou então num convento, como irmão terciário, com o nome de Nuno de Santa Maria.

Os senhores vêm aí a nota da devoção à Nossa Senhora.

Faleceu em 1431.

Exatamente quando era terceiro carmelitano, ele conservava um tal amor à profissão militar que por debaixo do hábito carmelitano usava ainda o arnês de cavaleiro.

A respeito das batalhas que ele venceu, nós temos alguma coisa a respeito da batalha de Aljubarrota.

Os Castelhanos voltaram a invadir Portugal, em agosto de 1385. Confrontaram-se os dois exércitos perto de Leiria, nos cantos de Aljubarrota. Nuno passou a noite em oração, e assistiu a várias missas pela madrugada.

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Batalha de Aljubarrota

Assim se prepara um herói; era rezando longamente e pedindo o auxílio de Nossa Senhora. Os senhores vejam como, portanto, esse homem tinha o espírito sobrenatural: na hora de combater ele fazia todo o necessário para lutar, mas ele sabia bem que a sua vitória vinha principalmente de Nossa Senhora.

E houve grande afluência de soldados para a comunhão.

Era dos espetáculos mais bonitos da Idade Média, na aurora e antes de se travar o combate, de um lado e de outro, quando eram cristãos que combatiam, se rezava a missa, e os guerreiros comungavam de um lado e de outro ante de começar a batalha. Muito mais bonito era quando era luta de católicos com maometanos, e os católicos todos comungavam antes da batalha com os maometanos.

As tropas portuguesas jejuaram no dia da batalha porque era a vigília da Ascensão.

Os senhores estão vendo hoje em dia a idéia contrária: tem que ir bem alimentado para a luta, não é verdade? Não pode jejuar para ir para luta porque vai perder a guerra com isso. Pelo contrário, vai tomar vitamina no dia da luta para lutar melhor. Os senhores vejam o espírito sobrenatural, a força física e moral daquela gente, como se está distante disso hoje em dia!

Esperaram até 15 horas quando se deu o combate –– jejuaram até 15 horas –– mas ao cair da noite as tropas lusas eram senhoras do campo. O Condestável, todavia, não estava satisfeito com a simples vitória, decidiu perseguir o inimigo, e desorganizá-lo definitivamente.

 

Depois de todas as canseiras da vitória, conquistada sobretudo por ele, ainda destroçar definitivamente o adversário. Isto num dia de jejum. Assim é um guerreiro que começa seu dia comungando seriamente (…).

Bem, a batalha de Valverde:

fraqueja uma das alas portuguesas, Nuno para lá se arremete e afinca o ardor combativo aos companheiros; entretanto a frente também vacila e cede terreno.

 

Portanto vai piorando a situação da batalha.

… campo que esperavam sua intervenção, não mais o vêem, procuram-no encontrando-o absorto em oração,

Em plena batalha ele esta rezando.

Aflitos, percebendo as tropas recuarem … respondeu o Capitão: ainda não chegou a hora, esperai que termine a minha prece

Quando ele tiver acabado de rezar aí chegou a hora de Deus, e ele então vai lutar.

Insistem os Oficiais, mas Nuno continua rezando. Afinal ergue-se, empunha a lança, salta no cavalo, e avança direto ao estandarte do chefe castelhano, que tremulava, como que já indicando a vitória. As tropas portuguesas recobram ânimo, o Condestável precipita-se para o comando inimigo, destroça a guarda do chefe castelhano, fere-o de morte e arrebata-lhe o estandarte; é assegurada a vitória, embora tremenda batalha ainda se prolongue por dois dias.

Os senhores estão vendo o que é. Ele estava rezando, mas naturalmente teve uma inspiração [sobrenatural] para não interromper a oração dele, pois coisas dessas só se fazem mediante inspiração. Se alguém fosse imitar uma coisa dessas, seria uma imprudência, porque na hora de batalhar é para batalhar, a gente reza antes, faz jaculatórias durante. Mas Deus às vezes pede atos de confiança destes a seus eleitos. E naturalmente houve uma interferência de Deus, uma interferência da graça no íntimo da alma dele, que fez compreender que Deus, Nossa Senhora, queriam que no momento ficasse rezando. Então ele atende a essa (influência) da graça, esse mandado da graça, e fica rezando e ganha a batalha, e ganha precisamente a batalha porque ele obedeceu a Deus, ele obedeceu a Nossa Senhora.

Muitas vezes em nossa vida é assim. A gente vai ver, a gente se pergunta porque o grupo do Catolicismo não intervém, porque não faz esta coisa, aquela. Há horas de Deus que se nota pelos imponderáveis, há horas de Nossa Senhora, em que a gente não sabe explicar porque não faz certa coisa em certa hora, mas é o senso dos interesses católicos, é o senso dos imponderáveis que leva a escolher a hora. O senso providencial na escolha da hora é um dos exemplos que nós podemos tirar da vida de São Nuno de Santa Maria.

Tais vitórias contribuíram para evidenciar a devoção do Condestável a Nossa Senhora. Após a sua grande primeira batalha, a do Atoleiro, Nuno foi em peregrinação a Nossa Senhora dos Milagres de Assumar. Encontrando o templo muito danificado pelo inimigo, auxiliou pessoalmente a sua construção.

Por outro lado depois da vitória de Valverde dedicou-se a levantar quase ininterruptamente igrejas em honra à Virgem

Quer dizer, a gratidão dele não tinha limites. Ele quase continuamente na sua vida foi levantando igrejas em honra a Nossa Senhora.

*   *   *

Agora nós podemos perguntar o seguinte: O que quer dizer que ele ajudou na construção dessas igrejas? Quer dizer que ele entrou com dinheiro para que a igreja fosse construída? O texto não é muito claro, mas mais provavelmente não. Mais provavelmente quer dizer que ele ajudou materialmente carregando pedras e fazendo trabalhos de pedreiro para construção da igreja.

Aqui está uma antiga idéia e uma antiga concepção dos antigos tempos que é o momento de pôr em face porque ela quer dizer muito. É que para certas obras de Deus a devoção do Católico deve ser tal que ele não se contente em dar o dinheiro, mas ele queira ele mesmo fazer a coisa para ter uma participação pessoal mais direta naquilo que está se fazendo.

Assim, por exemplo, a construção das igrejas que são templos de Deus, casas para glória de Deus, essa construção é nobre, é bonito que alguém queira participar algum tanto nessa construção, é bonito que queira participar pela honra de ter posto uma pedra na casa de Deus.

Assim como havia um hábito muito bonito antigamente e que era o seguinte: as senhoras da mais alta sociedade, a própria princesa Isabel fazia isto, em certos dias varriam elas mesmas as igrejas, não mandavam, não pagavam para alguém limpar a igreja. É tal o esplendor da casa de Deus, tal a santidade, tal a dignidade da casa de Deus que é bonito que a senhora, mesmo da categoria de uma regente do Império, vá ela mesma varrer a casa de Deus. Seria arriscado fazer isso hoje em dia, neste tempo de democracia-cristã, porque se poderia tomar isto como sinal de proletarização.

Mas numa época em que isto não fosse interpretado assim seria muito bonito fazer, exatamente pela dignidade intrínseca de tudo quanto diz respeito a Deus Nosso Senhor. Seria muito bonito, se não fosse época de Democracia-Cristã, por exemplo, que alguns de nós, uma vez ou outra varrêssemos a capela, ou limpássemos a capela, para firmar a nossa sujeição a nossa servidão, o nosso trabalho de escravo em relação à Nossa Senhora, porque é realmente por esta forma que nós manifestamos a Ela toda medida de dependência que nós devemos ter.

E aqui entram realmente as manifestações da humildade cristã, porque não é essa humildade torta, em que o indivíduo acaba se pondo abaixo daquele que está abaixo dele. Isto não é humildade. A humildade é a verdade, e a gente se pôr abaixo daquele que está abaixo de nós não é verdade; a humildade verdadeira é antes de tudo a humildade em relação a Deus, portanto em relação a Nossa Senhora, e a Santa Igreja Católica.

Então, diante deles nós reconhecemos que somos pó. Ainda mais: é que para o mais alto Soberano do Universo ainda é uma honra ser admitido dentro do recinto de uma igreja católica, para varrer o chão da Igreja Católica. Porque isto ainda é para ele uma grande honra, isto então faz sentido.

Então os senhores compreendem como é bonita a idéia, como é bonita a imagem do vencedor de tantas batalhas, o Condestável, quer dizer o primeiro abaixo do rei de Portugal, e que vai ajudar a construir uma igreja… tempos de fé que passaram, estão tão longe, tempos de fé em que se faziam coisas que hoje ninguém compreenderia. Os senhores acham que o general Eisenhower iria varrer uma igreja? Que Churchill iria varrer uma igreja? Sobretudo que De Gaulle, iria varrer uma igreja? Os senhores acham isto? (…)

Agora, por que não fazem? Em relação às coisas de Deus ficam excluídos. E depois vão ser demagogos em relação às coisas da politicagem. Os senhores vêem como a luz da fé modifica tudo e indica perspectivas imensamente mais elevadas.

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Dom Luiz e Dom Bertrand de Orléans e Bragança

O que nós poderíamos dizer a respeito de Nuno Álvares Pereira, com uma ligação com o Brasil? Nuno Álvares Pereira é antepassado de todos os príncipes da Casa de Bragança, ele é antepassado, portanto, daquela linhagem de Reis que governou o Brasil no tempo que o Brasil estava unido à Portugal, e depois da casa Imperial do Brasil. [Há, pois,] uma ligação dele próxima com a História do Brasil, e nós mesmos temos dois descendentes de Nuno Álvares em nosso Movimento, que são os Príncipes D. Luis e D. Bertrand.

Isto é, uma série de razões para nós nos sentirmos especialmente ligados a este Santo e contarmos de um modo muito particular com a intercessão dele.

O que nós devemos pedir na noite de hoje para o Bem-aventurado Nuno Álvares Pereira?

Vamos pedir por estes dois príncipes que estão no Movimento de Catolicismo, vamos pedir por todas as predições que eles representam, vamos pedir para que cada um de nós tenha aquele espírito de batalhador ao mesmo tempo indomável, corajoso, heróico, humílimo, e muito devoto a Nossa Senhora. É o espírito do verdadeiro carmelitano, ele foi carmelitano, nós o somos também. Vamos pedir que ele faça de nós homens como ele, da destra de Deus, ferros implacáveis, heróis, humildes em relação a quem se deve ser; puros e inteiramente sujeitos a Nossa Senhora.

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SOBRE A GRANDEZA DO CHAMADO DE PORTUGAL

 

Conversa de 10 de agosto de 1983

 

A coisa é essa: Portugal foi uma nação chamadíssima. Ela recebeu, junto com a Espanha… Nações irmãs que bem poderiam ter brigado menos no passado, do que brigaram… seja dito entre parênteses, (em) que o porrete cantou muito mais do que poderia ter cantado, de parte a parte. Mais ou menos vocês devem ter uma noção disso dos dois lados.

[Portugal] recebeu a dupla graça junta: primeiro, da expulsão dos mouros, para limpar de maometanos a Europa católica; em segundo lugar, a glória das navegações e da dilatação do Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, do Nome de Maria por todos esses mundos novos, e mais ainda a Índia, a China e o Japão. Vocês sabem nossos comuns antepassados portugueses quantas coisas fizeram nessa direção.

Depois, uma coisa que se menciona pouco no ativo de Portugal, do Portugal católico, porque o que me interessa é o Portugal católico, o outro para mim não é nada. É claro: a única coisa verdadeiramente que eu amo na terra é a Igreja Católica. As nações e as pessoas só valem na medida em que são católicos, ou na medida em que podem voltar a ser católicas (…).

Mas, eu volto a dizer, a crédito do Portugal católico existe também uma outra coisa, e eu como brasileiro me alegro de poder dizer isso: um país de população pequena, que cabe num território pequeno, a quem a Providência confiou a incumbência de povoar uma nação gigante como essa, é uma coisa colossal. E entretanto o Brasil está povoado, fundamentalmente, de descendentes de portugueses. É um esforço heróico, é um trabalho lindo: “Ide e multiplicai-vos, ocupai toda a terra”.

Os bandeirantes paulistas que chegaram, – vocês sabem, atravessando a América do Sul à pé – chegaram a lavar as mãos no Oceano Pacífico, esses afinal de contas eram portugueses, porque eles eram filhos, netos de portugueses, nascidos no Brasil. Naquele tempo não se diferenciava brasileiro de português: eles eram portugueses. E tudo isto eu tomo muito em consideração.

Mas há sobretudo uma coisa: é que Portugal é o vaso das tradições brasileiras. A quintessência das tradições brasileiras são as tradições católicas portuguesas. E as nossas tradições melhores, de antigamente, são as que nos levam mais próximo de Portugal.

De maneira que é justo que o Brasil pague, com uma alegria especial, por todo bem que acontece a Portugal, e do bem que acontece em Portugal não podia haver nenhum mais precioso do que a integridade da Fé, prometida por Nossa Senhora em Fátima. E para essa integridade da Fé concorre muito, pode concorrer muito, o senso católico da TFP

E pensar que no esforço vindo do lado de cá do Oceano, podem (se) tonificar as tradições recebidas do lado de lá do Oceano; é como o eco que a gente grita aqui, vai lá, depois vai lá, e vai se ampliando; à medida que repercute não se gasta, aumenta. Assim, nós ficamos ecoando a mesma tradição de um lado e do outro do Atlântico. Isto me agrada.

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Quero, portanto, desejo, peço a Nossa Senhora, uma TFP portuguesa, bem católica, no estilo do Bem-Aventurado Nuno Álvares Pereira, o modelo do santo e o modelo do cavaleiro, do guerreiro. Vocês deviam ler a vida dele, deveriam conhecê-la bem, deveriam ter imagens dele na sede. Enfim, toda espécie de devoção a ele. De vez em quando ir aonde ele está sepultado, etc. para obter graças para vocês e para todos nós. Isso é o que eu recomendo muito.

[vendo quadro] Ah, aqui está o Bem-aventurado Nuno Álvares Pereira! Eu conheço – eu estou pondo os óculos apenas para me lembrar bem – mas é o mais famoso dos quadros: é um quadro que foi pintado pouco depois dele morrer, não é isso? É bem isso: santo e truculento. Espadão ali. Aliás, é uma espécie de alabarda que ele tem na mão, um meio termo entre a espada. E veja o jeitão seguro dele, com a perna para frente.

Entretanto, nos últimos anos da vida dele, depois do rei o ter cumulado de graças, de honrarias, etc. fez-se irmão leigo, o mínimo, se não me engano da Ordem do Carmo ou da Ordem de São Francisco.

(Do Carmo.)

Do Carmo. E como mínimo, irmão, terminou esse leão. O leão fez sua carreira gloriosa e por amor a Nossa Senhora terminou como um cordeiro.

(…) Se a gente quer saber quem é o membro da TFP valente contra o adversário fora, procure-se os que são mais cordatos dentro. Se vocês querem saber quem é um poltrão lá fora, procurem os que são arrogantes dentro. Não erram. Quem é leão fora é cordeiro dentro, quem é leão dentro, lá fora, diante dos inimigos, se acovarda, não vale dois caracóis.

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São Nuno de Santa Maria: o esplendor da Civilização Cristã, em que as coisas espirituais penetravam a sociedade temporal

 Cortesia, polidez, elegância

 

Santo do Dia, 5 de novembro de 1966

 

Hoje é festa das Santíssimas Relíquias que se conservam nas Igrejas do Brasil, e, particularmente para nós, que se conservam na nossa capela. Nós vamos ter amanhã a festa do Bem-aventurado Nuno Álvares Pereira, confessor, condestável de Portugal … arnês de cavaleiro. Século XIV.

 

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São Nuno de Santa Maria em gravura do Séc. XIX

Sobre São Nuno Álvares, São Nuno de Santa Maria, nome que Nuno Álvares Pereira tomou em religião como religioso carmelitano, o Gal. Silveira de Mello, no livro “Os Santos Militares”, diz o seguinte:

“As primeiras atividades militares de Nuno Álvares Pereira foram, no seu dizer, simples escaramuças nas fronteiras de Portugal. Jovem impetuoso, revelou-se logo exímio condutor de seus homens. Certa ocasião, os castelhanos fizeram um desembarque com cerca de 250 homens para estabelecer uma cabeça de praia que facilitasse o desembarque. Nuno, de guarda nessa hora, não possuía senão dois pelotões de 60 homens que o acompanhavam. O chefe português podia opor-se ao desembarque do escalão inimigo, mas exporia a inferioridade numérica de seus homens. Preferiu atacar os castelhanos fora da praia, mas grande parte de sua gente intimidou-se. O inimigo desembarcou sem encontrar resistência e avançou em posição de ataque.

“Nuno, ajudado de poucos cavaleiros audaciosos, fez frente à primeira leva dos inimigos. Atacou-os com fúria, acometendo-os à lança e à pata de cavalo. Quebrando a lança, puxa da espada; o cavalo que montava cai ferido e prende, na queda, a perna do cavaleiro. Os castelhanos aproveitam do incidente e atacam. Vendo o chefe em perigo, os companheiros avançam em seu socorro. Entusiasmam-se os lusos, a princípio indecisos. Nuno não se ferira, protegido que fora pela armadura e pelo escudo. Entra na luta com novo ânimo, luta essa de quatro contra um. Mas aos portugueses vale o denodo do capitão. Os inimigos perdem terreno, debandam, são perseguidos e poucos se põem a salvo.

“A 15 de agosto de 1243, Nuno foi admitido na Ordem Carmelitana com o nome de Nuno de Santa Maria. Foi grande religioso, como fora grande soldado. Encontrou no convento um sacerdote que antes da ordenação fora também soldado e o servira. À sua passagem, o monge terciário … ia beijar-lhe o hábito em respeito à sua dignidade. Por seu lado, o sacerdote carmelita declarava que uma das grandes honras de sua vida fora ter sido pajem do Condestável.

“No último ano de sua vida, em 1431, alquebrou-se o velho guerreiro. O rei D. João foi vê-lo e ao abraçá-lo pela derradeira vez, chorou como quem se despede do melhor amigo. Quando percebeu que sua hora era chegada, Nuno pediu que lhe fosse lida a Paixão do Senhor, segundo São João. Expirou suavemente às palavras …

“Epitáfio de Nuno de Santa Maria: Aqui repousa aquele Nuno, Condestável, fundador da Casa de Bragança, general exímio, depois monge bem-aventurado, o qual, sendo vivo, desejou tanto o Reino do Céu que mereceu, após a morte, viver eternamente na companhia dos santos. Pois, após numerosos troféus, desprezou as pompas e fazendo-se humilde de príncipe que era, fundou, ornou e dotou esse templo”.

Num Canto dos Lusíadas Camões exalta a figura do grande herói português, quando este incita os fidalgos lusos à resistência:

“Atai as mãos a vosso vão receio, que eu só resistirei ao jugo alheio. Eu só com meus vassalos e com esta – Dizendo isso arranca meia espada – Deterei da força dura e infesta – A terra nunca de outrem subjugada. Em virtude do rei, da pátria… – Da lealdade já por vós negada – Deterei não só esses adversários – Mas quanto a meu rei for necessário”.

A grandeza camoniana!…

Os episódios aqui narrados são todos eles de grande significação, tanto a batalha árdua de Nuno Álvares Pereira, quanto depois a sua atuação no convento, e aquela linda reciprocidade de respeito entre ele e o sacerdote.

Ele que como simples donato, quando via passar o sacerdote se levantava e o sacerdote que fora pajem dele, que se honrava em ter sido pajem dele e que sentia uma profunda emoção de respeito quando via D. Nuno Álvares Pereira passar…

O espírito católico se compraz em reconhecer a superioridade (…) e naquele tempo (…) ele se exprimia numas manifestações de mútua reverência, de mútuo respeito, de mútua admiração, que faziam crescer ainda mais os valores da Civilização Cristã.

Nós tivemos oportunidade de comentar, há algum tempo atrás, o encontro de Santo Ângelo, carmelita, com São Francisco de Assis e São Domingos, em Roma. E a tradição segundo a qual os três santos teriam caído de joelhos uns diante dos outros. É essa efusão de mútua veneração que não se resolve em igualdade, mas se resolve em profunda humildade.

Aqui os senhores têm a mesma coisa que se repete.

Eu estava dizendo que é aqui que se vê bem o esplendor da Civilização Cristã. Para os senhores verem como essas coisas espirituais penetram a sociedade temporal, os senhores tomem até uma manifestação desaconselhada da civilização passada, e que era a dança.

Os senhores se lembram daquele conceito de São Francisco de Sales a respeito da dança do tempo dele: as danças eram como os cogumelos, os melhores não prestavam. Está bem. Porém na dança, por exemplo na pavana ou no minueto, nós vemos reaparecer o mesmo espírito das profundas reverências antigas, dando numa espécie de tributar recíproco de respeito, que faz a civilização do respeito que é a Civilização Cristã. Enquanto a civilização [moderna] é neopagã, é a civilização da igualdade, é a civilização do desrespeito.

Os senhores vêem no ardor da luta de Nuno Álvares como deve lutar o verdadeiro católico. O verdadeiro católico não é o [sentimental] que não tem o senso da guerra, mas, pelo contrário, Nuno Álvares lutava como os senhores acabam de ver, empenhando-se inteiramente e comunicando a coragem dos outros.

Os senhores imaginem o que é que diria o público do seguinte noticiário: “Numa guerra, houve uma batalha e os soldados estavam fugindo, mas de repente apareceu um sacristão, e como se sabe que um sacristão é um leão, ele infundiu ânimo a todos os guerreiros e os guerreiros voltaram à batalha”. Caía-se na gargalhada, porque nem era possível uma coisa assim.

Era uma dessas coisas… Eu creio que os linotipos se tornariam duros … viraria em sentido contrário na hora de irem à imprensa. Não seria possível – não é verdade? – de tal maneira a idéia de certo estilo de católico se identificou com a idéia do manho, do poltrão, do indivíduo sem coragem. Porque, para muita gente o sacristão é a personificação do católico e para muito católico o sacristão é mesmo a personificação do católico. Os senhores vejam o verdadeiro católico como é: como era o venerável Nuno Álvares.

Do ponto de vista “ambientes, costumes”, e no fundo pela revelação que contém da santidade da coisa, muito bonita também é a despedida do rei. Naquele tempo as pessoas não tinham medo de morrer e embora não houvesse o diagnóstico inexorável de certas radiografias de hoje, as pessoas muitas vezes pressentiam a morte. Quando pressentiam a sua morte, iam se despedir. E as pessoas que recebiam a visita de despedida achavam aquilo natural: entrava, conversava, tomava chá, depois, na hora de sair, despedia mesmo. Também depois não se viam mais antes de morrer.

Nosso Padre José de Anchieta foi assim. A horas tantas ou quantas ele soube, por alguma advertência interna da graça, que ia morrer. Ele visitou todo o pessoal do pequeno burgo de São Paulo, de quem ele queria se despedir. Ele dirigiu-se a cada um e disse:

— “Olha, eu vou morrer. Então, vim aqui para agradecer as gentilezas, para dizer que eu vou rezar no céu”.

— “Oh, não diga. Mas Padre Anchieta vai morrer, está bom, então recomende a Nossa Senhora tal coisa assim”

É assim. Ao pé da letra é assim…

— “Recomende a Nossa Senhora, quando estiver no céu, e veja com minha padroeira tal coisa assim”.

— “Não tem dúvida, eu faço”.

… coisa e tal, se abraçam e se despedem. Depois, vão se ver só na hora do enterro ou no juízo final…

Era a época da cortesia, em que as pessoas até para morrer, morriam com polidez, com elegância. Pois, quando se trata de sair da terra — a gente fazendo uma visita para despedir porque vai viajar —, por que não vai fazer uma visita para despedir quando vai morrer, quando essa é a grande viagem? E depois é preciso dar um bom conselho para um, para outro, por justiça, se deve um agradecimento. Então, a gente vai fazer o agradecimento. Para outro é porque a gente estima e quer rever mais uma vez antes de morrer.

E então o rei e ele se reviram. O rei chorou, abraçaram-se, depois cada um seguiu o seu destino. E naturalmente São Nuno de Santa Maria morreu e no céu rezou pelo rei. É a época da elegância. Os senhores vejam a elegância das maneiras, a polidez das maneiras como se interpenetrava com a piedade e dava à piedade uma excelência própria, porque foi um costume de alta elegância que foi embebido de piedade, e dava à piedade uma beleza especial essa forma de separação antes de morrer, com essa nobreza, com essa tranqüilidade e com esses olhos postos no céu.

Uma civilização igualitária não poderia de nenhum modo ver desenvolver-se um costume dessa forma. Lembra-me uma outra despedida tão diferente dessa, mas para os senhores verem como são as coisas.

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O Duque d’Alba

Os senhores todos ouviram falar do grande Felipe II, Rei da Espanha, e ouviram falar também do Duque de Alba. Seja como for, o Duque de Alba, a horas tantas ou quantas, entra em agonia e manda chamar várias vezes Felipe II – porque ele nunca mandaria chamar o rei, a não ser para morrer.

Mas a morte tem uma majestade própria, da qual nós nos ocupávamos outro dia, e que é uma majestade inconfundível. Às portas da morte, alguém que seja o Duque de Alba pode mandar chamar o rei. Ele manda chamar o rei várias vezes, mas o rei não vai. Quando afinal o rei aparece, o Duque de Alba está nas últimas. Entra no quarto do Duque de Alba, o duque o olha e diz: – “Agora é tarde”. Vira-se para a parede e não dá confiança ao rei.

São esses tais cristãos atrevimentos que são paralelos com esses profundos efeitos dessas profundas reverências, e que dão aos senhores a idéia quase inebriante da harmonia desses grandes respeitos e dessas grandes independências que caracterizam o cavalheiro antigo. Ninguém mais humilde do que ele na hora de ser humilde; ninguém de mais altaneiro do que ele na hora de ser altaneiro.

E aí os senhores têm uma visão dos esplendores da Civilização Cristã, a propósito da vida de São Nuno de Santa Maria.

Agora, não é sem interesse… Eu li muito mal os versos de Camões, porque eu não sei fazer verso e nem sequer sei ler os versos. Mas, enfim, o verso dele é muito bonito. E não é sem interesse fazermos uma adaptação desse modo de combater – que Camões atribui a São Nuno de Santa Maria com fundamento histórico – ao modo pelo qual o católico deve defender, não só a sua pátria e a sua terra mas, sobretudo, a causa católica, porque a Igreja é a pátria das almas.

Eu estou me demorando um pouco, mas termino logo – é porque a coisa convida a algumas exemplificações de modo quase traiçoeiro.

Mas vejam os senhores as lindas expressões de Camões: o quê é um poeta para dizer as coisas, quando é um verdadeiro poeta. Vejam como ele descreve a cena de São Nuno de Santa Maria comunicando vigor aos fidalgos portugueses diante da superioridade de forças dos castelhanos: “Atai as mãos a vosso vão receio”.

Os senhores querem uma imagem do medo mais bonita do que essa? Um medo vão que tem mãos e que segura o sujeito na hora da luta. Essa expressão, essa figura das mãos do medo, mãos brancas, frias, de dedos compridos que seguram como garras, que deixam o sujeito inibido.

Pode haver melhor imagem do que essas duas mãos sem cor, enquanto um mau espírito vem por detrás… mãos do medo? Pode haver uma coisa mais bonita para indicar a luta do medo contra o homem e do homem contra o medo? As mãos do medo agarram o homem; o homem ata as mãos do medo pela sua resolução e coragem. Francamente se isso não é bonito, eu não sei o que é bonito!

Ele continua: “Que eu só resistirei ao jugo alheio”. Quer dizer, se vós não dominardes o medo, eu continuo a lutar sozinho. Como seria bonito dizermos isso a amigos que estivessem intimidados no momento em que a causa de Nossa Senhora estivesse ameaçada: Atai as mãos a vosso vão receio, eu só resistirei ao jugo alheio.

E ele continua: “Eu só com meus vassalos” e dizendo isso ele arranca a espada e diz “defenderei da força dura e infesta, a terra nunca de outrem subjugada”. Nós não poderíamos dizer: “eu só com os meus amigos, eu só com os membros do Catolicismo, defenderei da força dura e de infestação” – pode haver duas palavras melhores para indicar a força da impiedade ou a força da injustiça, do que a força dura e infestante?

Pois bem: eu só defenderei da força dura e infesta, com os meus vassalos”… Quem? Não a “terra nunca de outrem subjugada”, mas a rainha nunca por outrem derrotada. Essa é a Rainha que nunca foi derrotada.

E continua: “E em virtude do rei (mas que rei!) – da pátria (ou seja, da Igreja mesma) – da lealdade já por vós negada” (em virtude da lealdade que vocês já negaram, em virtude disso) – “deterei não só esses adversários” (mas quantos à minha rainha forem contrários). Mais bonito não pode haver.

De maneira que aqui fica uma oração: Que Nossa Senhora e o Bem-aventurado Nuno Álvares nos obtenha precisamente essa coragem de que ele deu o exemplo e que Camões tão bem soube cantar.

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Considerações sobre o termo

 “Condestável”

[ … ], já que falamos a respeito de literatura, a palavra “Condestável”. Eu não sei se a palavra condestável lhes diz alguma coisa na linha do que diz Shakespeare. Mas é inútil dizer.

[…] Os senhores sabem qual é a origem desta palavra tão bonita? Porque a palavra é linda: “Fulano é um condestável”. Tem-se a impressão de um homem colocado na ponta da guerra, mas ao mesmo tempo generalíssimo. Ao mesmo tempo investido em todas as direções, exposto a todos os perigos, levando de frente todos os ventos, e leve na conquista, de uma vitória fulminante e decisiva. Isso é o Condestável. É uma espécie de São Miguel Arcanjo terreno. Isso é o condestável, não é verdade?

A gente vai procurar num dicionário e poderá achar em algum dicionário [medíocre] que condestável é um título antigo que foi substituído depois pelo de marechal ou pelo de general nos exércitos contemporâneos. Mas é inútil. Nem o título de marechal, nem o de general dão o que o título de condestável dá. Há qualquer coisa de herói, de proeza, de um cavaleiro que está no alto de um arco-íris capitaneando legiões invisíveis. São Miguel Arcanjo é um condestável verdadeiro. Assim os condestáveis da Idade média.

Há qualquer coisa de (tão) belíssimo no título de condestável que eu tenho a impressão que o título de marechal não tem, que o título de general não tem e que o título de caudilho ainda tem muito menos e que são vários tombos sucessivos.

O que é um marechal? Um marechal seria um general reforçado, mais ilustre. Não se pode imaginar um marechal sem o clássico chapéu bicorne, com plumas, dentro, condecorações e uma cara conspícua. Um homem que é capaz de arcar com graves responsabilidades, de resolver grandes problemas, um chefe de guerra com muita sabedoria. Já não é o Condestável. Porque o chefe de guerra que não é guerreiro, não tem a plenitude da guerra militar.

Agora, o general é o quepe – me perdoe o capitão Poli,-  é a farda caqui, é a farda verde oliva, é grau contemporâneo, não é verdade?

 De maneira tal que o titulo de condestável tem uma beleza e uma poesia própria, por onde, por exemplo, se poderia chamar a Santa Joana d´Arc de Condestável dos exércitos franceses. Seria baixar o nível dizer: “Santa Joana d´Arc, esse grande general” Isso foi elogio? É questionável.

Aqui os senhores estão vendo a beleza das palavras. Não sei se sai o Santo do Dia, mas saem algumas reflexões que não deixam de ter a sua santidade.

(Conferência de 6 de novembro de 1968)

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São Nuno Álvares Pereira: 

decisão, solércia e sagacidade

Santo do Dia, 17 de janeiro de 1986

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