São Mayeul, abade de Cluny (11/5): a confiança inquebrantável que ilumina e guia através dos túneis e dos precipícios mais desconcertantes

Santo do Dia, 10 de maio de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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São Mayeul, quarto Abade de Cluny

A respeito da festa de amanhã, de São Mayeul, abade de Cluny, do qual nós vamos ver a biografia escrita por Rohrbacher:

“São Mayeul de Cluny, século X – nasceu em Avignon e, em sua peregrinação, ele entrou no seminário do bispo Bernon, e fez-se monge. Foi abade de Cluny quase cinquenta anos. A confiança que lhe dispensava por parte do príncipe, deu-lhe oportunidade de exercer grande influência e, sobretudo, de reformar grande número de mosteiros.

“Em 973, São Mayeul regressava de Roma, acompanhado de grande número de homens de vários países que se criam seguros na companhia de um santo, mas nas passagens dos Alpes foram atacados por sarracenos que colocaram todos a ferros. O santo abade, cheio de aflição, pediu a Deus que ninguém fosse morto e foi atendido.

“Como alguns mouros zombassem da religião cristã, São Mayeul começou a mostrar-lhes com fortes razões a influência da nossa religião e a falsidade da deles. Isso chegou a tal ponto que lhe algemaram os pés e o encerraram numa horrível gruta. Nesse local, tendo o santo encontrado a seu lado a obra de São Jerônimo, o Tratado da Assunção da Virgem Santa, pediu à Mãe de Deus que lhe fosse ainda concedido celebrar esta festa com os cristãos. Estavam a 24 de julho. Milagrosamente viu-se livre das algemas e os infiéis, estupefatos, passaram a tratá-lo com respeito. Permitiram que escrevesse a Cluny para obter seu resgate e de seus companheiros e restituíram os víveres que haviam guardado como despojos de guerra.

“Enquanto a quantia do resgate não chegava, aumentou a devoção dos bárbaros pelo abade. Como esse não estivesse habituado aos seus alimentos preparavam então comida especialmente para ele.

“Certa vez, querendo polir um bastão, um sarraceno colocou o pé sobre a Bíblia que Mayeul trazia sempre que possível. O Santo deixou escapar um gemido e o soldado foi pronta e severamente repreendido pelos companheiros. No mesmo dia este sarraceno entrou numa briga, teve cortado o pé em que pisara a Bíblia.

“Vindo enfim o resgate, São Mayeul foi libertado e celebrou a festa da Assunção entre os seus, como pedira.

“Os sarracenos não tardaram em ser complemente batidos por tropas cristãs, o que foi considerado como uma punição divina pelo aprisionamento do santo abade”.

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São Mayeul capturado pelos sarracenos (Pavia, Basílica do Santiíssimo Salvador, pintura de Bernardino Lanzani – foto de FabioRomanoni – Opera propria, CC BY-SA 4.0, Wikipedia)

Os senhores veem aí, de um modo maravilhoso, como Deus cria cada alma de acordo com uma orientação própria, que corresponde aos desígnios dEle de colocar no universo, em que haja um número incontável, mas ordenado e sábio de formas diversas de santidade.

Então há um tipo de graça destinada a tal tipo de alma e há uma conduta especial da Providência ajustada a esse tipo de alma e de graça, dispondo dos acontecimentos terrenos, produzindo-os pelo concurso dos outros, de maneira que essas almas correspondam a essas graças e realizem, através da fidelidade à luz primordial, à sua vocação, aquela forma de santidade à qual foram chamadas.

Os senhores podem observar isto de um modo esplêndido no que diz respeito a São Mayeul.

Ele é preso pelos sarracenos e é interessante a gente ver, de passagem, que as pessoas daquele tempo procuravam viajar junto com os homens tidos como santos, certos de que eram mais protegidos de que quando viajavam sozinhos. Os senhores veem o espírito de fé que isso representa.

Esses que foram viajar com São Mayeul, na aparência, Deus os iludiu, porque durante o percurso, os sarracenos prenderam todos. E, portanto, a confiança que nele tinham depositado, parecia objeto de uma amarga desilusão.

Entretanto, a promessa não mentiu. presos, o santo – cheio de aflição – pediu a Deus que ninguém fosse morto e foi atendido. Ora, um outro santo poderia, pelo contrário, pedir a Deus que nesse momento desse a todos a palma do martírio, e todos fossem mortos. Ou então poderia ficar quieto e rezar para que Deus dispusesse como o desejasse…

Todas essas diferentes atitudes correspondem a operações diversas da graça de Deus nas almas e a modos pelos quais legitimamente as almas santas respondem de modos diversos ante os acontecimentos.

No caso concreto que estamos analisando, São Mayeul foi atendido e todos os que o acompanhavam não morreram e, portanto, a confiança que tinham depositado em Deus na pessoa dele, tal confiança foi justificada. E isso porque realmente eles queriam não morrer. E também foi justificada por uma espécie de superabundância porque não só não morreram em mãos dos sarracenos, mas presenciaram uma série de maravilhas que deve ter feito um bem enorme para suas almas deles, com uma sucessão de milagres.

Deus, na aparência de lhes tirar algo, de fato lhes concedeu. Deus age exatamente de modo oposto ao do demônio. Costuma-se dizer que o demônio, quando promete algo, é exatamente isso que vai tirar. Deus é ao contrário: quando parece tirar algo, é aquilo que Ele vai dar.

De maneira que é preciso ter uma confiança enorme em Deus porque Ele acabará concedendo o que, na aparência, está tirando.

Assim também, na aparência, Ele estava pondo essas pessoas em risco de vida. Na realidade, manteve-lhes a vida e muito mais, porque lhes concedeu preciosíssimos dons espirituais.

Analisemos, ainda que rapidamente, esses dons.

Eles viram o santo entrar em discussão com os hereges e a glória da religião católica manifestar-se pelo fato de os sarracenos não serem capazes de discutir e se irritarem. E então, por esta forma, constataram a força dos argumentos da religião verdadeira. Mais ainda: viram, entretanto, o santo sofrer uma prisão injusta, sendo duramente tratado por causa da defesa que fez da doutrina católica.

Outro fato de que foram testemunhos: o santo, lendo um livro de autoria de São Jerônimo que provavelmente vinha em sua bagagem, e que era o Tratado da Assunção da Virgem Santa, ter feito um pedido e ter sido atendido. Quer dizer, foi libertado milagrosamente e os muçulmanos ficaram estarrecidos com isto.

Os senhores estão vendo, portanto, que é uma sucessão de grandes graças que Deus lhes proporcionou.

Depois ainda viram os sarracenos que antes não acreditavam no Santo, ficarem cheios de respeito para com ele e lhe manifestaram toda espécie de atenções.

Igualmente puderam medir a força da intervenção de Deus, vendo ser cortado o pé de um homem que tinha pisado de modo insultante na Bíblia.

Puderam também medir a maldade humana vendo que, apesar disso, os sarracenos não se converteram e viram o castigo de Deus, ao serem tais sarracenos derrotados.

Em suma, tendo posto a confiança em São Mayeul, eles foram atendidos com uma verdadeira superabundância. E daí decorreu ainda mais: tais fatos ficaram registrados na História da Igreja.

Há quase mil anos que esses fatos se deram e gente que nunca aquelas pessoas conheceram, num lugar que nem sabiam que pudesse existir, essa gente está lembrando com devoção isto num momento de grande aflição para a Igreja Católica!…

Os senhores considerem, pois, quanta coisa boa, quanta coisa santa resultou dessas peripécias, as quais, na aparência eram coisas ruins que levaram ao insucesso, à desordem e que levariam ao não confiar na Providência divina.

Consequência: como se deve confiar na Providência! Mas tem um requinte: a mesma Providência quer que nossa confiança seja cega. Diz-se que a justiça é cega; muito mais cega do que a justiça deve ser cega a confiança!

É preciso confiar contra todas as tendências, contra todas as aparências e se mantém fiel apesar de todas as circunstâncias em contrário.

Quando a pessoa passa longo tempo confiando contra toda esperança, acumula para si um tesouro de misericórdia, um tesouro de recompensa, que nem é bom a gente dizer quanto é… Pode-se simplesmente lembrar as palavras de Nosso Senhor: “Eu serei Eu mesmo a vossa recompensa demasiadamente grande”. E como Jesus está em Maria, são Jesus e Maria nossa recompensa demasiadamente grande!

Devemos pedir, portanto, essa confiança cega, essa confiança que apesar de todas as evidências em sentido contrário para a solução dos nossos problemas interiores; para obter misericórdia contra nossos pecados e nossos defeitos; para obter a graça para o progresso e a santidade nos torvelinhos mais esquisitos e, às vezes, mais lamentáveis da vida espiritual.

Confiar, confiar sempre, lembrando o que dizia São Francisco Xavier: “o pior do pecado não é o pecado, é que a alma perca a confiança depois do pecado”. Se o pecador não perder a confiança depois do pecado e continuar a pecar, ser-lhe-á dada a misericórdia mais cedo ou mais tarde, mas a misericórdia lhe será dada. Também nas vicissitudes da nossa vida cotidiana, de apostolado, o que é preciso é confiar.

Há uma “filosofia do sucesso” que é algo muito “hollywoodiano” e que afirma o seguinte: tudo o que fazemos tem que dar sempre num sucesso visível e palpável; e todo insucesso é uma espécie de “mãe da natureza”, algo absurdo e que não devia existir, indicativo que Deus nos teria abandonado. Então, se ao tentamos, por exemplo, fundar uma escola e esta é fechada, isso não devia existir, Deus nos abandonou. Se devemos, por exemplo, convidar alguém para fazer parte da TFP e essa pessoa não aceita, tal apostolado deveria ser considerado esquisito, Deus nos abandonou, e assim por diante. Nunca é este o modo de operar de Deus.

Deus dá o sucesso através de muitos aparentes abandonos, pelo menos através de muitas catástrofes reais, mas que resultam depois na vitória.

Às vezes até começa-se algo e já começa uma série de obstáculos e não se alcança o que a gente esperava. Mas, depois, vê-se que Nossa Senhora nos deu outra coisa, incomparavelmente melhor do que esperávamos. De maneira que nunca acontece que uma confiança não seja atendida embora, às vezes, de um modo que supera os próprios pedidos da mais afetuosa e humilde confiança.

Em outras palavras, de qualquer maneira e contra toda esperança, esperar! Esta é a fidelidade perfeita na virtude da confiança. E isto é o que se vê em todos esses contemporâneos que acompanharam esse santo em sua viagem.

Peçamos então a São Mayeul que nos conceda a graça de ver isto representado também nos episódios de nossa vida e de compreender a mão de Deus nos guiando através dos túneis e dos precipícios mais desconcertantes; a providência de Nossa Senhora pairando sobre nós para dar sempre incomparavelmente mais do que desejamos.

Durante o mês de Maria [maio], além da lembrança do Santo do dia, será colocada sempre uma referência a uma invocação a Nossa Senhora que seja comemorada em algum lugar do mundo, nessa dia. E depois também um pensamento piedoso sobre Nossa Senhora.

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