Santo do Dia, 11 de novembro de 1965
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.
Representação tradicional mais frequente de São Martinho, cortando seu manto para dividi-lo com um pobre. Pormenor da fachada da catedral de São Martinho, em Lucca (Itália)
Hoje é festa de São Martinho de Tours (316-397). Para se compreender bem o elemento de unidade de sua vida, é preciso considerar o que temos comentado de vez em quando sobre os santos que são fundadores de nações, os santos missionários, evangelistas, que são reis, que são príncipes e de cuja conversão e de cujo apostolado decorrem o nascimento de nações inteiras para a Cristandade.
Há santos que se encontram nos primórdios da vida religiosa de um povo e de sua consolidação, que têm uma missão definida de fazer alguma coisa que continue o trabalho iniciado. Então lançam uma Ordem Religiosa, fundam Universidades, são grandes pregadores que animam as almas, etc. Há santos que têm uma missão curiosa que consiste em fazer um pouco de tudo, mas sem corre-corre, sem dispersão e nem falta de distância psíquica. E isso de tal maneira que sustentam a boa causa por toda parte onde era preciso auxílio e nas mais diversas condições que esse auxílio lhes fosse requerido. São, por assim dizer, os factótuns de Deus, os que fazem para Nossa Senhora tudo quanto Ela quer.
Se se analisa desse modo a vida de São Martinho, se compreende. Do contrário fica um conjunto de informações biográficas sem maior sentido unitário. Eu passo a ler, então, os dados biográficos de sua vida, apresentados por Dom Guéranger:
“Martinho nasceu na Panônia, Hungria, no ano de 316”.
Portanto em uma época e em terras remotas, naquele tempo semi–bárbaras. Panônia naquele tempo era qualquer coisa como a selva amazônica, ou pior ainda…
“Engajado muito cedo nos exércitos romanos, ele é apenas catecúmeno quando partilha seu manto com um pobre nas portas de Amiens.”
Em termos mais simples, ele entrou no exército romano, que tinha algum destacamento por lá e devido às transferências internas dentro de seu regimento, foi enviado da Panônia para a Gália, que é a atual França. Aqui não consta quando se converteu, mas em determinado momento vê-se que ele é catecúmeno, ou seja, que está se preparando para receber o batismo. Aí se deu o famoso episódio de ele estar montado a cavalo, num período muito frio e encontrar um pobre que lhe pede o manto, e a quem lhe concede metade.
Esse episódio tem muito maior significação na Europa do que no Brasil, pois lá o frio é de machucar. Na Europa, ter um manto não é como para nós, por exemplo, em que fulano que não tem um manto, mas possui dois, três, quatro, cinco pulôveres, que coloca quando está com frio,ou entra correndo para dentro de casa e fecha porta. Aqui o frio é uma coisinha assim que incomoda um pouquinho e depois a gente empurra de lado, ainda mais esse nosso relativíssimo frio brasileiro. Lá é muito sério, andar léguas a cavalo sem manto, meio manto, oh! é uma coisa tremenda!…
Esse gesto de São Martinho comoveu toda a Idade Média como expressão própria de uma caridade cristã que era oposta à dureza pagã dos romanos. De maneira que esse episódio foi, por assim dizer, uma espécie de primeiro feito simbólico de sua vida, que em toda a Idade Média – através de vitrais, moedas, iluminuras, quadros etc. – se foi recordando junto à grande devoção que havia em relação a ele.
“Batizado, deixa o exército e vai estudar então com o grande doutor das Gálias, Hilário de Poitiers.
“O desejo de converter os seus parentes, que eram pagãos, reconduziu-o à Panônia. Mas depois ele volta para a Gália e funda ali o mosteiro de Ligugé, que é um dos mais famosos da França.
Abadia de Ligugé, fundada por São Martinho
“Os seus milagres se tornam célebres e os discípulos vêm povoar a sua solidão.
“Ele passa a ter uma vida contemplativa e pratica muitos milagres e depois de ser um santo à procura dos homens, foi para o isolamento, onde foi um santo procurado pelos homens.
“Por ocasião da morte de Santo Hilário, ele foge dos habitantes de Poitiers que queriam tê-lo como bispo.
“Os habitantes da Turíngia (Tours) serão muito mais hábeis. Em 371 confiscam-no por uma espécie de esperteza: levam-no a ordenar-se sacerdote para ser bispo.”
Também não é um episódio tão comum em nosso século um padre que foge do episcopado, ou o povo indo atrás de um bispo santo… candidatos santos ao episcopado, nem os santos são tão comuns em nosso século… Os senhores considerem que isto se dá no século IV da época chamada de “decadente” e de “miséria”, em que os santos pululam e os povos vão correndo atrás deles… Como isto é diferente do pseudo–progresso, do pseudo–esplendor da época contemporânea!
Abadia de Marmoutier, também fundada por São Martinho
“Quando se torna bispo, entretanto lembra-se de sua vocação contemplativa. Funda então Marmoutier, um convento a três quilômetros de Tours, que é sua diocese.”
Esse mosteiro se torna um centro de estudos, um seminário e onde muitos futuros bispos se formaram aí, trabalho muito importante porque de um bom seminário sai um bom clero e um bom episcopado.
Os senhores estão vendo então o selvagem da Hungria colocado à testa de uma diocese, de um seminário, formando o futuro clero, fazendo milagres… e um ex-soldado romano.
Observem como durante sua vida foi fazendo mais ou menos de tudo.
“Muitas vezes vai à solidão de Marmoutier onde Nossa Senhora lhe aparece e o demônio o persegue de todas as maneiras.”
É o próprio daqueles que se isolam: são aqueles a quem Deus mais frequentemente concede graças, mas também são mais perseguidos pelo demônio. Santo Inácio de Loyola afirma que a prova de que um retiro vai bem é quando uma alma consegue muitas graças extraordinárias, mas ao mesmo tempo é muito perseguida pelo demônio. Compreende-se então que em seu retiro, na solidão, isto lhe acontecesse.
“Seu zelo transborda os limites de sua diocese. Ele é visto nas dioceses vizinhas, e até em Artois, na Picardia, Trèves, na Bélgica e até na Espanha, e por toda a parte – sustentada por sua caridade e seus milagres – a sua palavra faz maravilhas.”
Então esse homem passa a ser um missionário sem deixar de ser bispo e percorre as regiões mais distantes, numa época em que isso é muito incômodo, fazendo verdadeiras maravilhas pela palavra e pelos milagres, porque continua sempre um grande taumaturgo.
“Esse amor de Deus o leva a Flandres em novembro de 397, para ali estabelecer uma concórdia entre os monges, problema sempre difícil, e foi ali que morreu na paz de Deus, idoso de mais de 80 anos.
São esses os homens, os santos que põem em ordem as coisas que outros santos fundaram. É uma grande vida, quando ela é considerada sob esse ponto de vista.
São Martinho de Tours (316-397). Representação de fatos de sua vida. Miniatura do Livro de horas de Étienne Chevalier