Santo do Dia, 26 de março 1971
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
São João Damasceno (675 ? – 749), proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Leão XIII em 1890
Tenho aqui uma ficha extraída de Rohrbacher, sobre a vida de São João Damasceno:
“São João Damasceno era grão-vizir do califa de Damasco, quando o imperador Isáurico começou a campanha contra as imagens”.
Califa era, no mundo maometano, uma espécie de síntese de papa e de imperador, um chefe religioso, que tinha ao mesmo tempo todo o poder temporal.
Grão-vizir era o primeiro-ministro, aquele por intermédio de quem o califa exercia todas as suas atribuições. Para não tomarem contacto com seus súditos reputados indignos de estarem em relações com tão alto senhor, os califas tinham esses grão-vizires que os representavam para todos os efeitos. São João Damasceno era vizir desse califa.
Enquanto o califa de Damasco era maometano, o imperador Isáurico era católico. Mas de fato era herege, uma espécie de pré-figura dos protestantes. Entre outras heresias, sustentava a ilegitimidade do culto das imagens, de onde hereges, sob suas ordens, andaram queimando e destruindo um número incontável de imagens nas igrejas bizantinas.
“João pegou a pena para defendê-las da mesma forma como havia atacado todas as heresias de sua época. Isso lhe valeu a perda do cargo e cortaram-lhe a mão direita.
“Morreu como monge entregue à oração e ao estudo. Escreveu numerosas obras, e belíssimos versos. Seu estilo era polêmico e vigoroso. Escrevendo contra o imperador, chamou-o de um novo Maomé, um inimigo de Cristo, um odiador dos santos. E aos seus bispos aduladores, escravos do ventre, que por amor desse ventre, estavam prontos a tudo dizer e a tudo fazer.
“Em defesa das santas imagens, disse ele: ‘quanto à Santíssima Mãe de Deus, eu A confesso mais santa que os querubins e serafins, mais sublime que os céus, mais elevada que todas as criaturas, tendo dado a luz a Cristo, nosso Deus. Quanto aos santos que combateram por ele, eu os honro, venero, imploro sua intercessão. Reverencio igualmente, honro e osculo respeitosamente suas preciosas relíquias. Na bíblia, o escritor sagrado retrata tudo o que se refere à Encarnação de Cristo. O pintor e seu quadro descreve a glória da Igreja desde o primeiro Adão até a Encarnação de Cristo. O escritor e o pintor fazem a mesma narração. A Igreja recebe a um e outro. E tu, ó herético, adoras o livro e conspurca o quadro. Que extravagância’”.
Em outros termos, explica ele que veneramos na Bíblia a descrição feita de um grande personagem como, por exemplo, São João Batista. Um pintor, em função de tal descrição, faz uma pintura representando àquele Santo. Não vamos venerar a pintura?! Ou então alguém faz uma escultura conforme a Bíblia descreveu São João Batista. Não vamos venerar a escultura?… A imagem literária, a figura literária não é uma figura como a material? Então por que renegar a imagem material e aceitar ao mesmo tempo a imagem literária? É um verdadeiro estapafúrdio!
Ora, de outro lado, eles não poderiam recusar o texto da Bíblia, que é texto sagrado. De maneira que então os hereges ficavam apertados completamente.
Os senhores estão vendo a eficácia de uma lógica simples, de ferro e com uma grande beleza oratória – porque realmente o argumento tem uma beleza própria extraordinária, mas é simplicíssimo. Em duas palavras ele dá um piparote no erro, e deixa o herege sem resposta.
“Se as pessoas ignorantes se excedem em tais matérias, a falta é vossa.”
“Se há os que se enganam tocando a imagem de Cristo, deveis instruí-los e é para isso que há bispos, padres e diáconos.“
Ou seja: Você diz que o povo é ignorante. Ensine-o! Você quebra as imagens; você devia quebrar-se a si próprio. É primoroso!
“Os verdadeiros pastores e doutores, nestas luzes de antigamente, não pensavam em outra coisa senão em instruir bem o povo, por meio da salvação. Quanto aos bispos deste século, o que os ocupa unicamente são os cavalos…“
Naquele tempo, o cavalo era o grande meio de transporte. Hoje seria o automóvel.
“…os bois, os rebanhos e as ovelhas…”
Que era a aplicação de capital da época.
“…os campos e o ouro. Só consideram com atenção o emprego e o peso da moeda, negligenciam o seu rebanho e, cuidadosos de seus corpos, desprezam sua alma. É como diz a Escritura: os pastores deste século tornaram-se lobos.”
“Quem seguiremos agora? São Basílio Taumaturgo ou Pastilas (um herege, n.d.c.), assassino de alma?
“São João Crisóstomo, o doutor da penitência e da salvação? Ou Fricacarde, o doutor da desordem e de perdição?
“Gregório, o teólogo por excelência ou o professo patriarca de Constantinopla, a peste do povo, que com o seu homônimo o indigno chefe de império, baniu da Santa Igreja a santa doutrina e as santas imagens?”
Os senhores vêem aí a repetição intencional da palavra “santo”. É o adversário de toda a santidade. Esse é o patriarca péssimo, que é xará do imperador péssimo, que lutam contra a virtude. Isso é linguagem franca! É dizer as coisas como são! É o que Nosso Senhor no Evangelho mandou que se fizesse: “Seja vossa palavra sim, sim, não, não”.
“Quem escutaremos? O coro dos veneráveis patriarcas que ilustraram os seis primeiros concílios ou esses pontífices hipócritas que introduziram na Igreja um dogma adulterino, que nenhum dos patriarcas confirmou, mas que todos proscreveram por suas cartas sinodais?”
Esse trecho de S. João Damasceno é lindíssimo! Porque mostra a indignação de uma alma de fogo contra o erro, a indignação regada de amor à verdade. Porque ele fala entusiasmado pelas verdades que proclama.
Há um aspecto que não atrai tanto a atenção mas a respeito do qual cabe um comentário. Esse varão com esse espírito, com essa mentalidade, era tomado por um califa como seu grão-vizir. Pergunto: os senhores imaginam um homem com essa mentalidade, podendo ser primeiro-ministro hoje na União Soviética? Na Inglaterra ou nos Estados Unidos?…
A maldade contemporânea chegou a um tal ponto que tem para com toda forma de bem, um ódio muito maior do que havia no paganismo antigo.
Estamos habituados a imaginar os sarracenos inimigos de morte da Igreja – e eles o eram – mas tinham entranhas para, de vez em quando, admirar uma grande figura que a Igreja gerasse, ao ponto de entregar o império inteiro para ser dirigido por um santo…!
Quando comento a respeito de termos uma noção clara do grau de perversidade a que se chegou no mundo, eu me refiro a uma perversidade maior do que a de todos os séculos anteriores. Há uma maldade quase insondável. E porque é muito profunda, mais ou menos nos cega e ficamos incapazes de fazer a seu respeito uma idéia exata. Mas pela comparação entre aqueles tempos e hoje os senhores podem se dar conta. Esse califa, por exemplo, era tido como um dos principais inimigos da Igreja de sua época. Mas ainda tinha um primeiro-ministro que era Santo… Quer dizer, ele estimava que alguém governasse bem, que fosse honesto no desempenho de suas funções, que procedesse retamente… Relacionando-se com o santo, ele não estremecia, não se arrepiava todo.
Isto é assim atualmente? Por que? Porque o mundo de hoje é muito mais contrário à boa doutrina do que eram as pessoas no tempo de São João Damasceno.