São João Bosco (31/1): a atividade de ordem espiritual é mais importante do que a meramente de assistência material

Santo do Dia, 30 de janeiro de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

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São João Bosco (Castelnuovo d’Asti, 16-8-1815 — Turim, 31-1-1888) tinha como lema: “Da mihi animas, cetera tolle – Dai-me almas e ficai com o resto” 

Temos amanhã, dia 31 de janeiro, festa de São João Bosco, confessor. Há uma ficha a seu respeito, da obra “As idéias pedagógicas de Dom Bosco”:

“É indiscutível que a personalidade da mãe de Dom Bosco influiu em sua formação. Essa mulher, viúva aos 29 anos, marcou profundamente a alma de seus três filhos. Era pouco instruída, mas dotada de raro bom senso. A retidão de seu julgamento, uma grande piedade e não menos devotamento, aliados a uma firmeza viril, dela fizeram a educadora exemplar. O trabalho era obrigação constante em sua casa. Margarida sujeitava seus filhos a todas as atividades da casa e dos campos. Desde a aurora, no verão, e ainda antes, no inverno, as crianças iniciavam o dia pela oração. ‘A vida é muito curta – dizia a mãe – para dela perdermos a melhor parte’. A fadiga não era considerada, as refeições permaneceram sempre de uma extrema frugalidade. À noite dormia-se no chão. Quando mais tarde João for para o seminário, levará o cobertor prescrito. Mas nas férias a mãe o fará guardar cuidadosamente, considerando essa doçura inútil e prejudicial”.

Preciso fazer notar aos senhores que a família de Dom Bosco vivia mais ou menos pela zona de Turim (Itália) que é muito fria. E era assim que essa senhora exemplar educava seus filhos. Adiante vamos tirar daí uma conseqüência.

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A mãe de São João Bosco, Margherita Occhiena, conhecida na Itália como Mamma (Mamãe)  Margherita (1-4-1788 – 25-11-1856), que em 2006 recebeu o titulo de Venerável por parte da Santa Sé

“Preparava, assim, seus filhos para a vida, de acordo com o que sempre afirmava: ‘Somos soldados de Cristo sempre em armas, sempre em presença do inimigo e é preciso vencer’”.

Os senhores têm aqui a descrição da “mulher forte” do Evangelho, que levanta cedo, começa seus trabalhos, cumpre todos seus deveres e cujo preço é de tão alta valia, que é preciso ir até os confins do universo para encontrar algo que se compare a ela. Os senhores vêem nisso uma coisa profundamente diferente da sociologia democrata-cristã. Segundo esta última, quem padece fome e frio não é capaz de levar a vida espiritual. Portanto, o começo da vida espiritual consistiria em dar comida, cama, boa coberta para o frio, e só depois então que se poderia começar a falar em vida espiritual. De onde, por causa disso, o começo do apostolado seria necessariamente uma ação de caráter material. Logo, para converter o mundo moderno seria preciso começar por acabar com o subdesenvolvimento. E, em última análise, a luta contra o subdesenvolvimento acabaria sendo uma finalidade específica da Igreja.

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Pobre casa onde nasceu São João Bosco no povoado de I Becchi di Castelnuovo d’Asti (atualmente Castelnuovo Don Bosco)

Os senhores vêem aqui exatamente o contrário. É uma casa tão pobre, que as pessoas não têm cama, dormem no chão, sem cobertor, num clima onde, às vezes, o inverno é tremendo. Dom Bosco comprou um cobertor para ir ao seminário, porque lá o regulamento exigia. Mas quando estava em casa, a mãe não permitia que fizesse uso do seu cobertor. Também comida muito frugal; muito trabalho. É propriamente uma vida pobre, mas santificada pelo espírito de renuncia e de sacrifício, que inclusive deu origem a que se formasse um homem de um físico realmente forte e resistente para toda espécie de trabalho, como foi Dom Bosco.

Os senhores estão vendo até que ponto é um embuste da democracia cristã a afirmação de que condições meio moles de vida são indispensáveis para o apostolado pegarA austeridade é necessária. Eu vou mais longe: isso deveria ser assim também nas famílias de alta graduação, de alta categoria. Na Europa isso se conservou até há algum tempo atrás. Não tanto as moças, mas sobretudo os jovens de alta categoria eram educados numa vida rude.

Estou me lembrando de haver lido na história do Duque de Alençon ou do Duque de Nemours, não me lembro bem, que estavam exilados da França e moravam num castelo à beira do Tamisa (em Londres). Os senhores sabem como era o despertar pela manhã? Era um quarto com vários príncipes; todo mundo se levantava e saltava pela janela dentro do Tâmisa gelado. Isso é a vida! Isso é austeridade, isso é que forma a pessoa e evita toda espécie de moleza. Se nossa civilização tivesse conhecido a austeridade também para os ricos, muita e muita decadência não teria acontecidoÉ, portanto, uma recomendação importante, e eu não poderia deixar de passar a ocasião sem a lembrar.

“Apesar de muito trabalho, a fundação das duas congregações religiosas – dos salesianos e das salesianas – a ereção de igrejas, a fundação de numerosos patronatos e a preparação de missões longínquas, Dom Bosco consagrava boa parte de seus dias e de suas noites, a escrever. Com a pena, tanto quanto com a palavra, ele sabia servir à Igreja, combater o erro e reconfortar as almas. Homem de seu tempo, observou a importância desse novo gigante moderno: a imprensa. Sua pena agiu durante 45 anos, produzindo obras de acordo com as necessidades de sua época. O protestantismo lançava rudes assaltos à Igreja no norte da Itália. À propaganda protestante pela brochura, Dom Bosco opôs as leituras católicas. Em 1883 respondeu ao “Amigo do Lar”, que os protestantes distribuíam a granel, com o primeiro almanaque católico da Europa”.

Aí os senhores vêem o senso da atualidade! Não era um homem que vivia nas nuvens. Os santos não vivem nas nuvens. É determinada hagiografia que nos apresenta os santos como se tivessem sido assim. Na realidade, Dom Bosco era um homem que conhecia os problemas e combatia os inimigos de seu tempo. E combatia, por exemplo, a intensa propaganda protestante na Itália com uma intensa ação sua em sentido oposto.

Depois, os senhores considerem o seguinte: falam muito de obras católicas e é preciso fazê-las. Mas fala-se pouco a respeito de escrever livros católicos. Por que? Porque se dá mais importância ao econômico do que ao espiritual, e o livro vai para o espiritual, enquanto a obra vai para o econômico. Não há homem que tenha compreendido melhor a necessidade de obras católicas que Dom Bosco. Entretanto, quando vai se examinar, ele foi mais escritor ainda do que homem de obrasÉ a prova de que, no pensamento desse imenso paladino da Igreja, a ação intelectual valia mais do que a ação assistencial.

“São João Bosco enfrentou incríveis dificuldades para levar a cabo seus intentos. O ano de 1876 foi um dos mais dolorosos para ele. Os ministros piemonteses, já em guerra contra o Papa, procuravam pegar em falta o santo fundador, a quem acusavam de manter uma correspondência secreta com Pio IX e os bispos. Multiplicavam as buscas em sua casa e queriam a qualquer preço encontrar sinais de uma conspiração. Um dia Dom Bosco, tendo perdido a paciência, procurou o conde de Cavour, que era primeiro ministro, que várias vezes lhe testemunhara simpatia e declarou-lhe sua intenção de descarregar em suas mãos o cuidado de todos os órfãos de sua instituição. Essa solução inesperada fez o ministro, se não terminar as perseguições, pelo menos fazê-las mais encobertas.

“O fato seguinte é relatado como um dos mais característico dos resultados dos métodos do grande santo. Um ministro da rainha da Inglaterra, visitando o oratório de São Francisco de Sales, em Turim, foi introduzido numa grande sala onde estudavam quinhentos jovens. Ele não pode deixar de se admirar dessa multidão de escolares observando um rigoroso silêncio, embora não houvesse ninguém vigiando-os. Sua admiração foi ainda maior quando soube que durante o ano inteiro não se havia a lamentar uma única palavra de dissipação, nem mesmo uma única ocasião de punir ou de ameaçar uma punição.

“’Como é possível obter um tal silêncio, uma disciplina assim perfeita?’ indagou ele. E voltando-se para seu secretário ordenou que anotasse a resposta dada”.

Quer dizer, anotar a resposta de Dom Bosco para adotar nos colégios ingleses.

“’Senhor, respondeu o superior do estabelecimento, os meios que usamos não podem ser empregados em vosso país’. – ‘Por que?’ pergunta o ministro. ‘Porque são segredos revelados somente aos católicos’”.

É ou não é esplêndido? É estritamente esplêndido!

“’E quais são esses segredos?’ – ‘A confissão e a comunhão freqüentes’”.

Realmente, os protestantes não as têm.

“’A Missa todos os dias e bem assistida’. – ‘Tendes razão, disse o ministro. Faltam-nos tais meios de educação. Mas não há outros?’ – Resposta: ‘Se não nos servimos desses elementos que a religião nos fornece, é preciso recorrer à ameaça e ao castigo’. Calou-se o ministro inglês, embora garantindo que iria repetir o que aprendera”.

Os senhores precisam imaginar a cena, hein?! É o auge da Inglaterra, em que um ministro inglês era sempre um gentleman, pertencente à gentry inglesa, vestido com o apuro e com a elegância que ainda havia no tempo. Pois a opinião pública exigia dos ministros da Rainha que fossem verdadeiros modelos de imponência, de distinção e de elegância.

Acontece que os ingleses mantêm um certo preconceito em relação ao mundo latino e  acham que este vive na desordem, enquanto na Inglaterra vive-se na ordem e na limpeza perfeita.

Um padre jesuíta antigo amigo meu, um veneziano sutil e pitoresco, parecido com Santo Inácio de Loyola, contou-me que foi mocinho à Inglaterra para fazer seus estudos. Quando chegou na alfândega inglesa, pegaram seus documentos e lhe perguntaram: “O senhor é latino? Italiano? Do continente europeu? Não entra na Inglaterra sem tomar um banho antes”. Havia instalações de banho especiais para essa espécie de “segunda África”, que era a Europa, e que não se aproximava em nada da perfeita limpeza puritana e protestante do Reino da Inglaterra.

Os senhores imaginem esse ministro visitando a Itália daquele tempo, muito carente de limpeza, e os “birichini” (molecada) de Dom Bosco, que podia ser excelente gente, mas ninguém garante que se lavasse demais…

Imaginem esse ministro que entra com um ar enfatuado, com uma amabilidade apenas de superfície, com todos os preconceitos contra o clero católico, recebido por um padre salesiano da era de Dom Bosco, naturalmente digno, composto, nem um pouco intimidado, porque um homem de verdadeira vida interior não se intimida com valores materiais – libra esterlina, bonita gravata etc. – e sutil como costuma ser um italiano. Chega o ministro com ar de pouco caso… De repente, o salesiano arma uma “cilada” e o ministro cai inteiro. Porque a alternativa que lhe foi colocada está perfeita…

Como tudo isso mudou!

Os senhores sabem que ele tem uma linda profecia a respeito da Revolução, que é conhecida como a do “cavalo vermelho”.

Que Dom Bosco – o qual está tão ligado ao culto de Nossa Senhora Auxiliadora, que por sua vez é Nossa Senhora de Lepanto – que reze por nós, para o esmagamento da Revolução gnóstica e igualitária e para a pronta vitória da Contra-Revolução.

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