Santo do Dia, 30 de setembro de 1964
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
São Jerônimo (c. 347-420), tirando espinho da pata de um leão
Hoje é festa de São Jerônimo, Confessor e Doutor da Igreja. “Doutor máximo das Escrituras, aplicou todo seu zelo em fazer dos inimigos da Igreja seus inimigos pessoais”. Essas são palavras do santo. Ele diz de si mesmo que ele aplicou todo o seu zelo em fazer dos inimigos da Igreja seus inimigos pessoais. O que é perfeitamente coerente com Santo Agostinho: “odiai o erro e amai quem erra”.
Ele fez a Santo Agostinho este elogio: “Vós, como eu, aplicaste todo o vosso zelo em fazer dos inimigos da Igreja vossos inimigos pessoais”. “Molestou os hereges com acérrimos escritos” (Elogio do Breviário). Sua relíquia venera se venera em nossa capela; século V.
Hoje é também a novena da Bem-Aventurada Virgem Maria do Rosário, novena de Nossa Senhora Medianeira de todas as Graças e onomástico de Frei Jerônimo van Hinten.
Vamos dizer alguma palavra a respeito de São Jerônimo.
Ele representa por excelência, na Igreja, o espírito da polêmica e, nesse sentido, é o contrário do “diálogo”. Os seus escritos são de uma energia, uma coisa que se diria “desabotoada” se não fosse um santo. E pelas menores coisas dava respostas de fogo e tremendas, que deixavam todo mundo tremendo diante dele.
Santo Agostinho chegou uma ocasião a escrever-lhe uma carta muito pitoresca na qual afirmava que, com a metade de energia, já ele cederia diante de São Jerônimo…
Li uma carta de São Jerônimo a uma sua dirigida – santa – que lhe havia mandado um lindo presente: pombinhos e cerejas. E ele respondeu perguntando se ela queria corromper sua austeridade e que havia dado imediatamente aquilo para os pobres porque ele era um homem penitente etc., etc…
Um dos primeiros encontros que eu tive com o liturgicismo foi conversando com certo frade beneditino daqueles tempos, e que me contava que lá no Convento que frequentara em Roma, liam escritos de São Jerônimo durante as refeições, no próprio refeitório daquele Convento e que os beneditinos lá presentes ferviam de ódio. Eu, na minha ingenuidade, disse: “Ah! Ele inflama a gente de ódio contra os hereges, é verdade”. – “Não, não! Ódio contra ele…” – Porque São Jerônimo estava, por esta forma, perseguindo os hereges…!
Isto é o “zelo da Casa de Deus” que devora o homem, sendo uma das formas mais características do zelo. E, portanto, das mais santas, mais legítimas, desde que isto seja feito por amor de Deus e não por ressentimentos pessoais, porque neste último caso deixa de ser um gládio vivo de Deus. De maneira que São Jerônimo, para nós, representa de fato o espírito polêmico em seu mais alto grau, o padroeiro do espírito polêmico contra-revolucionário.
É preciso notar esses elogios que lhe são feitos.
Em primeiro lugar: como é autorizado esse elogio dele a Santo Agostinho! Quer dizer, um santo que elogia um outro santo, dizendo que fez “os inimigos da Igreja seus inimigos pessoais”. Ou isto é uma coisa santa, ou a Igreja não é Santa quando canonizou esses dois santos… É evidente! E os senhores veem, portanto, como é preciso entender “cum grano salis” [com senso da medida, n.d.c.] aquele princípio de que se deve amar o que erra e odiar o erro. Quer dizer, não é incompatível com isto.
Em outros termos: há um erro imaginar que quando se polemiza com alguém vigorosamente, desde que isto não seja por amor próprio, mas por amor de Deus, portanto suscitada pela graça, que se faça mal à alma desse alguém. Pelo contrário, uma palavra enérgica é uma sacudidela sadia. Nosso Senhor quando increpava os fariseus, Ele fazia o que havia de melhor para a alma deles.
Considerar que atua de modo errado quem, movido não por amor-próprio, mas por amor de Deus, diga para alguém palavras santamente vigorosas, isto é um pressuposto de todo irenismo, contrário portanto à Doutrina Católica. A não ser assim, não poderia haver santos que tivessem realizado o que fizeram, ou seja, polêmicos, e Nosso Senhor Jesus Cristo não teria dado o exemplo de vigor e de polêmica. E isto sem mencionar não sei quantos personagens do Antigo Testamento.
Já que falamos em matéria de polêmica, é preciso sempre tomar em consideração o seguinte: os espíritos progressistas consideram a existência de duas figuras: um que diz A e outro que diz B. Eles não consideram a existência de um terceiro elemento, que é talvez o mais importante no caso, que é o público que assiste a discussão. Toda polêmica, ainda que seja feita a portas fechadas, repercutirá fora e vai atuar sobre pessoas que estão na dúvida e que se trata de convencer.
Assim, por exemplo, o mais importante quando se discute com um pastor protestante, não é convertê-lo, mas é evitar que os católicos fiquem protestantes. E, em segundo lugar, converter os protestantes menos empedernidos que estão presenciando a discussão, e em terceiro lugar converter o pastor. De maneira que o que a gente diz não é principalmente o que possa fazer bem à alma do pastor, mas o que fará bem à alma dos católicos em risco de se deixarem seduzir pelo pastor.
Os senhores imaginem que temos um amigo, por exemplo, que está se debruçando perigosamente sobre um parapeito pequeno que dá para um abismo. Não diremos para ele: “Fulano, fique aqui; você não vê como esse chão é de mármore?”… Nós diremos para ele: “Cuidado, que nesse abismo você arrebenta a cabeça!” Porque o modo de afastar o indivíduo imediatamente do perigo e da imprudência é mostrar o mal e não é mostrar o bem.
Quem de nós haveria de dizer para uma pessoa, por exemplo, que está brincando com um revólver imprudentemente: – “Fulano, você não quer ir jogar xadrez?” – para ver se ele tira o dedo do gatilho e a gente tira o revólver; isto é atitude de idiota! A gente diria: “Fulano! Olha esse revólver! Você se machuca e me machuca a mim! O que não é tão sem importância, está compreendendo?” É o que se pode dizer…
Em outros termos, normalmente, ao homem em risco, tentado, fala-se a linguagem do medo. Isto é sobretudo verdadeiro no que diz respeito à Doutrina Católica, porque acontece que os homens são mais fáceis de se mover, por causa de sua maldade, pelo medo do inferno do que pela apetência do Céu; pelo medo das más consequências, do que pelo que pode acontecer de bom. E é preciso, portanto, assim como remédio de urgência, apontar o mal que há no erro para, depois então, falar a respeito da verdade. Quer dizer, portanto, a atitude polêmica é uma posição normal.
Existem santos que tiveram carismas extraordinários para a posição polêmica. São Jerônimo, por exemplo. Outros houve que tiveram carismas extraordinários para uma polêmica num tom não fogoso como, por exemplo, São Francisco de Sales, e assim tocar as almas pela suavidade.
Com efeito, Deus dá aos seus santos os carismas e as graças como Ele quer e proporcionadas às condições das almas com que vai tratar. De fato, há algumas almas que devem ser levadas pela doçura; há outras que devem ser levadas pela energia. É preciso que se atue de acordo com o movimento da virtude dentro de si, e que se preste atenção para ver o que a graça quer em relação aos outros, de maneira a que a linguagem seja adequada aos outros.
Neste sentido, eu não diria nunca que a gente deve sempre dizer, em modo polêmico, ao erro que é erro, e à verdade que é verdade. Mas, afirmo que é uma aberração dizer que nunca se deve manifestar desse modo.
Aí estão as considerações que estão, aliás, expostas no “Em Defesa da Ação Católica” e que caberiam, a meu ver, dentro desta festa de São Jerônimo.
Há uma ideia que se poderia considerar, e que era de tomar um capítulo ou dois do “Em Defesa”, em que há frases dessas, e colocar na “Circular-boletim”, pondo um pouco em ordem, adaptando um pouco aos nossos leitores, porque há pilhas de frases recrutadas naquele tempo para a publicação desse livro.
E com isso ficam então feitas as considerações de hoje. Vamos, então, rezar.