São Gregório Magno, Papa e Doutor da Igreja (3/9): as sementes da Idade Média

Santo do Dia, 11 de março de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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São Gregório Magno (540-604) – Zurbarán

Hoje, 11 de Março, é festa de Santo Eulógio. Amanhã, dia 12, vai ser festa de São Gregório Magno, considerado o fundador da Idade Média no Ocidente. Século VI (no calendário atual a festa de São Gregório Magno se celebra no dia 3 de setembro, n.d.c.).

No “Dictionnaire de la Conversation et de la Lecture” (William Duckett) (*), encontramos as seguintes indicações biográficas sobre São Gregório Magno.

“(…) São Gregório nasceu em Roma, em torno do ano 540, filho do rico Senador Gordien. Uma juventude estudiosa o tornou, pela variedade de seus conhecimentos, digno de ser elevado, primeiro à dignidade de Pretor pelo imperador Justino, o Jovem. Gregório se fez notar pelas luzes de seu espírito, a maturidade de seu julgamento e um amor extremo da justiça. A única coisa que se imputava a ele era um grande luxo e um esplendor inteiramente mundano em suas roupas e em seus hábitos, e tudo fazia temer que ele dissipasse a imensa fortuna que lhe tinha deixado seu pai.

Mas, por ocasião da morte de seu pai, Gregório, cuja piedade tinha lutado incessantemente contra seu fausto, apareceu, de repente, como um homem novo. Funda sete mosteiros, dos quais seis na Sicília e um em Roma, distribui aos pobres seus ricos trajes, seus preciosos móveis, e toma o hábito monástico no claustro de Santo André, do qual era fundador, e do qual, em breve, se tornou abade, contra sua vontade, pela escolha de seus irmãos.

O jejum, a oração e o estudo tornaram-se suas ocupações únicas. Impressionando pela beleza de alguns jovens ingleses expostos como escravos à venda, no mercado de Roma, e sabendo com dor que esses insulares não eram cristãos, obteve do papa Bento I a autorização de ir pregar a fé na Grã-Bretanha. Mas mal se pôs a caminho, o clero e o povo forçaram o Papa chamá-lo de volta. Feito diácono da igreja Romana no ano de 578, foi enviado a Constantinopla pelo papa Pelágio II, em torno do ano de 580. Várias negociações importantes o detiveram por muito tempo nesta capital, onde adquiriu a estima de toda a corte. (…)

Por ocasião de sua volta a Roma, (…) o papa Pelágio procurou retê-lo, junto a si, na qualidade de secretário. O mundo pesava, entretanto, demais a Gregório, para que este cargo lhe conviesse por muito tempo. A força de orações ficou, afinal, livre para se retirar junto a seus monges. Mas, por ocasião da morte de Pelágio, as aclamações de Roma inteira o chamaram ao pontificado. Gregório estremeceu de temor. Ele fugiu da Cidade Eterna e escreveu ao imperador para lhe suplicar de não o confirmar na sua eleição e escondeu-se numa caverna. Mas o povo o descobriu, levou-o a Roma e o entronizou, apesar dele, no dia 13 de Setembro de 590.

Esse santo homem tinha, entretanto, inimigos que o acusaram de dissimulação e de hipocrisia. Sua vida inteira repudia essas acusações. Sua modéstia, sua humildade se manifestaram pela simplicidade de sua casa. Seu palácio tomou todas as aparências de um mosteiro; sua igreja mesmo, era sem fausto e sem pompas. Suas rendas foram consagradas ao alívio dos pobres. Sua constante ocupação era a instrução do povo. De acordo com o imperador Maurício, ele acabou com o cisma dos bispos da Ístria. (…) A conversão dos lombardos e a destruição do arianismo foram também sua obra, e ele testemunhou uma alegria extraordinária pelo fato, nas cartas à Rainha Theodelide. (…)

Gregório não tinha, no entanto, esquecido dos pagãos da Grã-Bretanha. Seus missionários, partidos em 595, sob a direção do monge Agostinho, chegaram dois anos depois ao reino de Kent, onde a Rainha Berta já tinha preparado seu triunfo. O rei Ethelbert e uma grande parte de seu povo se converteram. (…)

le teve menos trabalho em reformar a liturgia do que a disciplina. Depois de ter composto um Antifonário, regulou a ordem dos salmos, as orações, os cânticos. Institui uma academia de cantores (scholam … cantorum ) e,  de chicote em punho, dava ele mesmo lições de cantochão aos jovens clérigos. (…)

Quanto aos templos dos pagãos, queria que fossem respeitados, mas que fossem transformados em Igrejas. (…)

Tantos trabalhos e fadigas não eram próprias a curá-lo das enfermidades que não cessavam de o assediar. A gota o retinha freqüentemente no leito mas suas horríveis dores não detinham a atividade prodigiosa de seu espírito. Nenhum papa escreveu mais cartas do que ele (…)

Tinha um tato maravilhoso para distinguir a verdade da calúnia nas acusações que lhe chegavam contra os padres. Os falsários, os bruxos os simoníacos, os cismáticos, tiveram nesse papa um adversário terrível.

Esse grande pontífice morreu no dia 12 de Março de 604, depois de treze anos, seis meses e dez dias de pontificado.

Os comentários que ele fez à Sagrada Escritura exerceram no pensamento cristão da Idade Média influência considerável, que lhe valeu o título de Doutor. É com Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Jerônimo, um dos quatro grandes doutores da Igreja Latina”.

É muito merecida a consideração de que São Gregório Magno foi o verdadeiro fundador da Idade Média. Porque notamos nos traços de sua vida extraordinariamente rica, quer enquanto simples sacerdote ou diácono, quer depois quando foi elevado ao pontificado, que, de algum modo, acabava de se fechar a última réstia da porta que nos separava da antiguidade pagã, e que ele, por outro lado, abre a porta para a idade nova que ia nascer.

Do ponto de vista da antiguidade pagã, vemos como combateu os restos do paganismo. Ele determinou que as últimas igrejas pagãs existentes ainda não fossem destruídas, mas também que não continuassem o culto dos pagãos e fossem transferidas para o culto católico. Ele exterminou o arianismo, que era uma praga que provinha ainda do tempo do Império Romano do Ocidente, quando os arianos penetraram na Europa, perverteram os bárbaros e com as invasões bárbaras invadiram o Império Romano do Ocidente.

Ele acabou com a imoralidade e com os outros inconvenientes decorrentes da era antiga e, ao mesmo tempo, ele nos aparece como o construtor da era nova. Ele é fundador de conventos – e essa é uma das obras mais características: a expansão da vida cenobítica é um dos fatos mais característicos do começo da Idade Média –  e foi, ele mesmo, superior de convento; de outro lado, trabalhou pelo cantochão [também chamado “canto gregoriano”, n.d.c.].

E é pitoresca essa imagem do grande papa, Doutor da Igreja, político eminente, não de vareta em punho, mas de chicote em punho ensinando cantochão para os seus alunos. A imagem é pitoresca e pediria uma iluminura, ou talvez um vitral. Com a fundação do cantochão  propriamente deu voz à Idade Média. Porque o cantochão foi a grande voz cantante da Idade Média, de ponta a ponta. E deu seu caráter à vida beneditina, que São Bento tinha lançado, mas que ainda não tinha tomado o seu cunho de firmeza e definição que tomou com ele.

Por outro lado é admirável em sua vida o sentido missionário. Nós o vemos ser dos que lançam a idéia das missões na Inglaterra e na Irlanda. E de lá, então, o defluxo da grande corrente dos missionários que da Inglaterra e da Irlanda voltam para o continente e vão desbravar a Germânia. Quer dizer, nós o vemos deitar as sementes da Idade Média. Nós vemos, ao mesmo tempo, esse homem tratar, inutilmente, da grande chaga da Cristandade naquele tempo: era o Império Romano do Oriente cada vez mais tendente ao cisma. Esse império cambaleava sempre entre a heresia e a verdade católica.

E por fim, como os senhores sabem, acabou ruindo. Mas os senhores vêem que foi lá que ele tentou segurar esse muro da cidade de Jesus Cristo, que ameaçava cair e os senhores têm mais um exemplo da suma ingratidão de Bizâncio diante do zelo dos papas. Homem como esses chegam até a ser bem quistos lá e a conquistar influência, mas não chegam a arrancar a cidade maldita, a cidade pervertida, da sua imoralidade, da sua moleza, de sua imprevidência e de seu pendor para a heresia.

Assim, pode-se dizer que todos os problemas do tempo passaram pela mente desse grande homem. Ele os analisou, ele os enfrentou, e ao mesmo tempo, escreveu obras que foram pilares do pensamento medieval. Vida riquíssima, vida admirável, toda voltada ao serviço da Igreja Católica e da Civilização Cristã.

Se São Gregório ressuscitasse hoje, o que diria? O que do alto do Céu diria deste mundo de hoje, tão diferente do mundo que conheceu? Ele viveu numa época dura, de desordem, época até de crimes aberrantes. Mas vejam os senhores que povo! Um povo que participava dos males da época, porém, ao mesmo tempo, aclamava um santo como papa; e o santo fugia do povo e o povo ia no encalço do santo e o colocava no papado. Era um povo capaz de discernir um santo do que não era santo e capaz de preferir o santo em relação ao que não era santo. Hoje seria a mesma coisa? São muitos o que fogem do papado? E o povo iria ao encalço do santo para o levar ao papado? Como tudo mudou…

Vamos pedir a São Gregório I, a São Gregório Magno, que trabalhe para conseguir que a nossa época, depois das punições purificadoras pelas quais ela deve passar (**), se transforme numa nova Idade Média, ainda mais requintada (***). Pedido que compreenderá, ele que foi um dos fundadores da gloriosíssima Idade Média.


(*) Na gravação da conferência não há referência à edição do “Dictionnaire” de que se tomaram as notas. Para efeito de revisão do texto usamos a Segunda Edição, de 1868, Volume 10, págs. 556 e 557, disponível no endereço: https://www.archive.org/details/dictionnairedela10duck. Como há algumas pequenas diferenças somos levados a crer que as notas foram tomadas de outra edição.

(**) O Prof. Plinio faz aqui referência aos castigos previstos por Nossa Senhora, nas aparições de Fátima, caso o mundo não se emendasse de seus pecados.

(***) Alusão ao Reino de Maria, cuja previsão de deduz das mesmas profecias nas aparições de Fátima. Para um aprofundamento sobre este assunto sugerimos a nossos visitantes o artigo do Prof. Plino: O REINO DE MARIA, REALIZAÇÃO DO MUNDO MELHOR”, publicado em “Catolicismo” Nº 55 – Julho de 1955.

 

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