São Gregório II, Papa (11/2): A condenação firme da heresia é compatível com o “espírito ecumênico” de nosso tempo?

Santo do Dia, 10 de Fevereiro de 1966

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.

 

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São Gregório II

Cromolitografía en L. Tripepi, Ritratti e biografie dei romani pontifici: da S. Pietro a Leone 13, Roma, Vaglimigli Davide, 1879. – Oleografia Panigati y Meneghini Milán

Temos amanhã [11 de fevereiro] a festa de São Gregório II, Papa e confessor. Ele fez duas coisas ao mesmo tempo: mandou São Bonifácio pregar o Evangelho na Alemanha, transpondo os limites do que seria a cortina de barbárie daquele tempo, com uma ação fecundíssima à qual acabo de me referir [na conferência Santa Escolástica: a fecundidade da oração e do sacrifício]. E se com uma mão fazia isso, com a outra “Resistiu tenazmente à impiedade iconoclasta do imperador Leão III, Isáurico” e salvava, portanto, o que na Europa ainda havia de católico. Ou seja, simultaneamente criava uma Cristandade nova e salvava uma Cristandade velha. Os senhores vêem que figura insigne e profundamente relacionada com essa sacrossanta fundação da Europa de que acabei de tratar.

Vemos tão grande Papa que está colocado entre os dois mundos: o mundo oriental, que era o mundo civilizado daquele tempo e o semi-bárbaro, o mundo “caipira” que era o mundo do Ocidente, das nações bárbaras que estavam começando a nascer, a nascer para a vida da graça. O Império Romano, invadido já por um grande número de bárbaros, etc, que se tratava de converter então.

 

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São Gregório enviando São Bonifácio à Alemanha

E ele fez ao mesmo tempo ambas as coisas. Ele tentou salvar o Oriente da heresia e da decadência combatendo a heresia dos iconoclastas, hereges que não permitiam o culto das imagens, precursores verdadeiros dos protestantes, e que por causa disso quebravam todas as imagens. E de outro lado, ele procurou a intensificação da evangelização destes povos bárbaros. A respeito deste Papa diz o Pe. Rochbacher [Pe. Rene François Rohrbacher, “Vidas dos Santos”] o seguinte, no extrato final de uma carta de São Gregório II ao imperador Leão III, o Isáurico:

“Os piedosos imperadores estiveram submissos aos pontífices das igrejas e não os vexaram ; vós, pelo contrário, desde o dia em que vos pervertestes, desde o dia em que incorrestes na maldição que vós próprio proferistes nas vossas cartas contra aquele que derruba os limites dos Padres, desde o dia em que vos condenastes pelo vosso próprio juízo e de vós afastastes o Espírito Santo, nos perseguis e tiranizais pela mão dos soldados e pelas armas da carne.

“Nós estamos nus e sem armas, não temos exércitos, mas invocamos o generalíssimo de todo o universo, Cristo, sentado nos céus acima de todos os exércitos das potestades celestiais, para que vos entregue a Satã, como diz o apóstolo, mediante a perda de carne e da salvação da alma. [Nota do Pe. Rorbacher: Numa palavra, o papa excomunga formalmente o imperador]

“Quanto a nós, tal qual escrevemos, partimos para o Extremo do Ocidente, para os que pedem o santo batismo. Desde que para lá enviei bispos e clérigos da nossa Igreja, os príncipes não puderam ainda ser levados ao batismo, por desejarem a mim como padrinho. É por isso que nos pomos a caminho, receosos de que um dia nos peça alguém o motivo da nossa negligência.

“Queira Deus dar-vos a prudência e o arrependimento, para que volteis à verdade da qual vos afastastes, e leveis o povo ao berço único das igrejas ortodoxas (…)”

* Pelas palavras de São Gregório II, Papa, a perfeição da atitude anti-ecumênica

Esta carta é grandiosa. O Papa então acaba dizendo ao imperador todas as verdades, como quem se dirige a uma pessoa que quase não tem mais salvação. E depois diz: “Vou fazer coisa melhor do que cuidar de você, infiel; vou cuidar dos fiéis. E em vez de estar empregando todo o meu tempo em favor de um soberano que é infiel, digo-lhe a verdade e depois vou para as zonas de fidelidade, para construir fidelidade, porque você já está perdido”. E vem uma linguagem que mostra bem como um santo pode ter, em relação aos hereges, as disposições de alma que no Catolicismo se inculcam.

Vejam isto: primeiro, o homem se tornou herege. Para o Papa falar da data em que o homem se tornou herege diz: “… desde o dia em que vos pervertestes…””.

O falso ecumenismo de hoje jamais diria isto. Diria: “No dia em que vossa atenção foi chamada especialmente para tal parte da verdade evangélica, talvez tenhais esquecido esta outra parte. Mas foi num élan de amor para uma dessas partes que essa… [inaudível] se pronunciou”. Na linguagem de um verdadeiro santo, não: “Vós vos pervertestes!” E isto para um imperador, homem poderoso, monarca absoluto, maior potentado da terra naquele tempo. Depois, referindo-se ao dia: “desde o dia em que incorrestes na maldição que vós próprio proferistes nas vossas cartas contra aquele que derruba os limites dos Padres”… .

Eu não conheço a história, mas com certeza, em cartas anteriores, ele havia falado contra os hereges. Como Henrique VIII da Inglaterra que escreveu também contra o protestantismo. Então, diz o Papa: Vossa maldição caia sobre vós; vossas palavras vos julguem!

Assim ele fala de um herege. Nunca como hoje em dia se diría: “Vós, na vossa boa-fé, chegastes a ponto de negar que Cristo é Deus. Ó caminhos misteriosos do raciocínio humano! Mas como não considerar a vossa boa-fé. Bênção para vossa boa fé” – quaisquer que sejam os resultados encontrados. Isto é o anti falso ecumenismo.

Depois: “…desde o dia em que vos condenastes pelo vosso próprio juízo e de vós afastastes o Espírito Santo…”. Quer dizer, ficando herege, condenou-se a si próprio e afastou de si mesmo o Divino Espírito Santo. Há coisa pior do que alguém afastar de si o Espírito Santo?

Outras atitudes anti-ecumênicas: ele está sendo perseguido. Alguém diz que a Igreja do Silêncio não falava em nossos dias a não ser por seus gemidos e que outra coisa não fazia sob o látego do perseguidor, senão gemer. Esse homem diz: “Vós estais nos perseguindo. Nós não temos exército, mas não nos limitamos a gemer. Nosso sangue sobe a Deus como o sangue de Abel contra Caim e por causa disso apelamos para Cristo sentado nos Céus, acima de todos os exércitos das potestades celestiais para que vos entregue a Satã”. Quer dizer, não é só gemer, mas amaldiçoar também.

Como diz o Apóstolo, mediante a perdição da carne e da alma

São Paulo tem uma expressão que diz “mediante a perdição da carne e da alma…”

Então, o Papa entrega o imperador Leão Isáurico para satanás. Isto é uma temperatura tão diferente da pseudo-ecumênica! Mas não tem saída, porque é um santo.

Depois ele fala da viagem que vai empreender. Ele tem medo de uma atitude falsamente ecumênica. Por causa disso ele diz: “Queira Deus dar-vos a prudência e o arrependimento, para que volteis à verdade da qual vos afastastes, e leveis o povo ao berço único das igrejas ortodoxas…”.

Isto quer dizer o seguinte: “Só há uma aproximação entre nós se você voltar para a verdadeira Igreja Católica.” É diferente do atual ecumenismo, que diria: “Bem, nós nos separamos. Já não temos as mesmas idéias, tenhamos o mesmo coração”. O que equivale a dizer que a verdade e o erro, o bem e o mal se osculam, o que é uma verdadeira abominação diante de Deus. Os senhores vêem como é o procedimento dos santos.

Alguém poderia dizer: “Mas Dr. Plinio, isto não era próprio daquela época? Não se pode pretender que em nossa época as coisas sejam diferentes. Então esse modo de agir, moral para aquela época, não pode ser imoral para a nossa?”

Ora, a “palavra de Deus permanece eternamente” e aquilo que é imoral no começo da Igreja vai até o fim; e o que é moral, vai assim até o fim. Que São Gregório reze amanhã por nós e que Nossa Senhora de Lourdes nos dê as graças necessárias para termos até o extremo limite aquele espírito de combatividade, de discriminação, de discernimento e oposição entre a verdade e o erro, o bem e o mal que é, exatamente, uma resultante da intensidade da fé, que tanto e tanto os inimigos da Santa Igreja querem eliminar, substituindo-o pelo relativismo que, em última análise, acaba sendo a morte da Fé.

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