São Frei Galvão (V) – Conclusão da história de Madre Helena Maria do Sacramento, escrita por ele

Folha de S. Paulo, 4 de agosto de 1974

Plinio Corrêa de Oliveira

Catástrofe, tufão e durabilidade

Concluamos a história de Madre Helena [Madre Helena Maria do Sacramento]. Em meio às austeridades que praticava no Recolhimento de Santa Teresa, notáveis aparições favoreciam sua alma. Em uma destas, manifestou-se-lhe o Senhor “como Bom Pastor, rodeado de muitas ovelhas, uma nos ombros, outras nos braços, outras procurando subir-lhe pelo corpo, e disse-lhe: ‘Eis aqui estas minhas ovelhas que procuram um aprisco (…) e não encontram, pois vós, podendo, não quereis subministrar-lhes um, fundando um convento em cumprimento de minha vontade’” (“Frei Galvão, bandeirante de Cristo” – Editora Vozes, 1954, p. 53). Com essas palavras de afetuosa intimidade, Nosso Senhor pedia à Irmã Helena que fundasse um convento. Em outros termos, pedia-lhe o impossível.

Com efeito, desde 1764, o ímpio Marquês de Pombal, ministro do Rei D. José I, proibira a fundação de novos conventos em terras da Coroa portuguesa.

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Retrato do ímpio Marquês de Pombal (1699-1782), Museu Nacional de Soares dos Reis

A quem obedecer? Ao poder civil, perseguidor do estado religioso? Ou à vontade de Deus? – Em princípio, a dúvida não era possível. Cumpria à Irmã Helena mover-se para a fundação do convento. A Providência saberia vencer os obstáculos.

Neste sentido, a Irmã Helena, cuja sabedoria era “mais divina do que humana” (ibid., p. 54) soube acionar três varões ilustres da São Paulo de então. Um era seu confessor, o franciscano Frei Antônio de Sant’ana Galvão, já então merecidamente tido em conta de santo, na cidade. O outro era o Cônego Antônio de Toledo Lara, Governador do Bispado “sede vacante”, e o terceiro o Governador da Capitania de São Paulo, o fidalgo D. Luís Antônio de Sousa Botelho e Mourão.

Para fundar-se um convento contrariamente à lei vigente, era necessária expressa permissão do Rei. Pedi-la importaria em provocar uma recusa. Resolveram, então, a irmã Helena e os três egrégios personagens, que em sua correspondência com o Governo, D. Luís Antônio simplesmente noticiasse sua intenção de fundar tal convento. Se não ocorresse expressa proibição, entenderia ele – com santo ardil e coragem – que estava dada uma permissão tácita. E com isto cumpriria a vontade divina, lançando a fundação.

De fato, o Governo não reagiu. E assim, ao romper o dia 2 de fevereiro de 1774, um séquito de altos personagens do local se deteve, no maior segredo, às portas do Recolhimento de Santa Teresa. Compunham-no o governador da Capitania, o Governador do Bispado, Frei Galvão e outras personalidades. A Regente do Recolhimento entregou as Irmãs Helena e Ana da Conceição à ilustre comitiva. As religiosas entraram em duas cadeirinhas, e lá se foi o cortejo a cavalo, até a capela da Luz, onde elas iniciaram a vida contemplativa, vindo a professar na Ordem das Concepcionistas Franciscanas: hábito azul e branco, em louvor da Imaculada Conceição.

Na mesma capela da Luz, instituiu o fidalgo D. Luís Antônio uma Associação de grande função social, que só se extinguiu por fins do século passado: a benemérita Irmandade da Nobreza, destinada a congregar, sob o manto da Virgem as pessoas da aristocracia paulista.

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Estava posta em terra a semente. Cumpria regá-la. E isto, em termos de Fé, só se faz pela aceitação generosa da dor.

pobreza se fez sentir logo: “Muitas vezes nem água para beber se tinha; andava-se mastigando alguma coisa azeda para mitigar a sede”. Havia dias que nada se tinha para comer; e dávamos graças a Deus o dia em que no jantar podia-se fazer um mingau de tapioca” (ibid., p. 74). A religiosa que conta isto acrescenta: “e ficávamos muito alegres e satisfeitas com a Divina Providência, que era toda a nossa consolação e alegria” (ibid., p. 74). Quanto às celas, eram “muito pequenas, sem soalho e sem forro e ainda poucas. Havia Irmãs que moravam em celas feitas com taquaras ou com esteiras”. Os calçados eram de panos velhos. E assim por diante.

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Convento da Luz, vista externa

Queria Maria Santíssima, padroeira da nova Casa, dar-lhe uma solidez que desafiasse os séculos. Por isso, dispensou-lhe, além da pobreza, mais dois tratamentos incomparáveis para as coisas católicas verdadeiramente duráveis: uma catástrofe e um tufão. A catástrofe foi a morte de Madre Helena, ocorrida em odor de santidade a 23 de fevereiro de 1775. O tufão foi a resistência – sublime por sua energia e por sua humildade – oposta pelas freiras, a uma iníqua ordem de fechar o convento, proveniente ao mesmo tempo da Coroa e do Bispo. Mas esta já não é a história de Madre Helena. Termino, pois, aqui, esta série. Da resistência catacumbal das santas freiras, falarei em outra ocasião.

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