São Francisco Xavier: atitude do varão católico face ao perigo. Relação entre o espírito católico e o de Cavalaria

Santo do Dia, 21 de setembro de 1973

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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São Francisco Xavier (1506-1552) em alto mar, implorando o auxílio de Deus durante uma terrível tempestade. O grande apóstolo do Oriente partira de Málaca em frágil embarcação, rumo ao Império do Sol Nascente, e a tormenta o surpreendeu durante o percurso (*)

Temos uma ficha sobre São Francisco Xavier extraída de suas Cartas e escritos seletos:

Nessa viagem de Málaca para a Índia…”

São as viagens apostólicas que fez no Extremo-Oriente.

“… passamos muitos perigos em grandes tempestades, durante três dias e três noites”.

Os senhores compreendem que com as embarcações de seu tempo, século XVI, a tempestade a bordo era coisa completamente diferente dos navios de hoje. Quer dizer, perigo de vida sério, muito mais do que tempestade em avião de hoje, pois eram naviozinhos como cascas de noz oscilando em oceanos revoltos…

Houve muitos que, em vida, choravam a sua morte com grandes promessas de nunca mais navegar, se Nosso Senhor dessa os livrasse. Atiramos ao mar com tudo o que podíamos para salvarmos a vida”.

Os senhores estão vendo a cena trágica: de dentro do navio jogam todas as coisas que tinham ao mar, para ver se o navio ficava mais leve e flutuava melhor. Por aí os senhores têm ideia das condições primitivas dessa navegação: para o navio ficar leve, tem de jogar todas as cargas ao mar. Ainda hoje, aliás, existe essa expressão: “deitar cargas ao mar”.

Por outro lado, alguns “pocas” fazem a Deus uma promessa sem sentido: nunca mais navegar. O que dava glória a Deus que eles nunca mais navegassem? No auge da tempestade, São Francisco Xavier se encomendou a Deus Nosso Senhor.

Comecei primeiro tomando por intercessores na terra a todos da bendita Companhia de Jesus, com todos os seus amigos.”

Vou fazendo um paralelo com um membro da TFP durante a “Bagarre” [realização das promessas de Nossa Senhora em Fátima, n.d.c.]: está num grande apuro; quando chega ao auge, ele se encomenda a Deus. É muito bonito isso!…

Naturalmente, ele não rezou só no auge do apuro. Mas quando este chegou ao auge, em lugar de ficar mais aflito, ficou mais confiante, mais especialmente orou a Deus. Então, começou por se recomendar – considerem o pensamento dele – “tomando por intercessores na terra todos os da bendita Companhia de Jesus, com todos os seus amigos”.

Ele era jesuíta, e como sabia que os da Companhia de Jesus rezavam continuamente por aqueles que estavam em perigo, sabia  igualmente que ele, rezando para esses e para os amigos que estivessem rezando também, suas orações e as dos amigos se encontravam juntas ao trono de Deus, e assim podia beneficiar-se das preces deles todos. Então, rezava em união com eles.

Continua São Francisco Xavier:

E com tão grande fervor e ajuda, abandonei-me inteiramente nas devotíssimas orações da Esposa de Cristo, que é a Santa Madre Igreja. Estando Ela na Terra, Jesus Cristo, seu Esposo, ouve-A continuamente no Céu.”

Ele ampliou, portanto, o âmbito de suas orações: não só a Companhia de Jesus, mas todas as preces que a Igreja Católica esteja fazendo em toda a parte da terra por aqueles que estão em perigo, pelos seus sacerdotes, pelos seus religiosos: “todas essas orações, eu peço que me beneficiem nesse momento”.

Os senhores sabem que a Igreja está continuamente rezando. A Missa é celebrada ininterruptamente. Há Missa durante as 24 horas do dia, em toda a face da Terra. Em que condições dolorosas em nossos dias, infelizmente! Mas enfim, existe.

E é o Corpo, Sangue, Alma e divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo que se oferece mais uma vez. A gente pode se unir àquela Missa verdadeiramente do agrado de Deus que esteja sendo celebrada naquele momento, em algum altar de algum lugar da Terra.

A Missa é a oração oficial da Igreja; quando o sacerdote reza, reza a Igreja inteira, oficialmente, pelos lábios do padre. De maneira que então é uma oração oficial.

Os padres e freiras que recitam as Horas Canônicas no coro, dizem oração oficial da Igreja. A gente se unindo às orações oficiais da Igreja, é a Igreja inteira que está rezando para nós. Mais ainda. Existem também as orações privadas: todos os fiéis que estão rezando durante o dia pelos aflitos, pelos abandonados, de todos esses podemos nos beneficiar de suas orações.

Não me esqueci de tomar como medianeiros a todos os Santos da glória do Paraíso, começando, antes de mais nada, por aqueles que nessa vida pertenceram à Companhia de Jesus e tomei logo para interceder por mim a alma do bem-aventurado Pedro Fabro, com todas as que, desse mundo, foram da Companhia”.

Então, ele primeiro mobilizou todas as orações da terra, depois aos membros da Companhia de Jesus no Céu. Notem bem que ele não menciona aqui os canonizados apenas, mas de todos os que tenham sido levados à glória celeste, e que podem lá rezar pelos que estão na Terra.

Nunca acabaria de enumerar as consolações que recebo quando me encomendo a Deus por meio dos da Companhia, tanto vivos quanto os que reinam no Céu. Metido no meio do perigo, entreguei-me a todos os Anjos, percorrendo as suas nove ordens, e o mesmo fiz com todos os Patriarcas, Profetas, Apóstolos e Evangelistas, Mártires, Confessores e Virgens, e todos os Santos do Céu”.

Imaginem a cena linda: uma noite tremenda, um barquinho, mar revolto, todo mundo aflito e São Francisco Xavier rezando… E enquanto a nau sacudia de todos os lados, percorrendo em espírito os nove Coros de Anjos; depois, reverenciando os Patriarcas, recomendando-se aos Profetas, numa visita serena, calma, pedindo a cada um. E as pessoas, atônitas, olhando para aquela tranquilidade e nela encontrando os meios de resistência…

Ao mesmo tempo, invisíveis, mas reais, os coros dos Anjos, os Patriarcas, os Profetas, para além das nuvens, apoiando o barco e impedindo que naufragasse…

Vejam que beleza e como isso pode repetir-se na vida de um católico tentado, aflito, perseguido, provado, qualquer coisa, mas fazendo essa visita celeste a todos os coros de Anjos, aos Patriarcas, aos Apóstolos, aos Profetas, a cada um dizendo: “Vede em que situação estou! Tende pena de mim, ajudai-me. Pelo vínculo que há entre vós e mim, interponde vossas orações; as minhas não são suficientes etc.” Mas tranquilo e com confiança.

Essa é a posição do varão católico quando se encontra no perigo. Não é apavorar-se, não é alarmar-se, mas é crescer na confiança. Aí é que o homem verdadeiramente cresce de estatura. Aí se pode dizer: “bem-aventurado perigo, que permitiu a um São Francisco Xavier fazer tal meditação! Ele pensava que a Igreja inteira estava rezando por ele. E era bem verdade!”

Mas creio que mais valia à Igreja o que ele rezava nessa hora, do que a Igreja inteira valia para ele, de tal maneira ele era, num momento desse, o ápice da Igreja.

Finalmente, posta toda a minha esperança nos méritos infinitos da Morte e Paixão de Jesus, Nosso Senhor e Redentor, com todos esses fervores e ajudas, senti-me grandemente consolado em tal tormenta, talvez mais do que depois de me ver livre dela.”

Os senhores viram a que sublimidade ele chegou: recebeu tantas graças de Deus, que se sentiu mais forte durante a tormenta, do que depois de ter se livrado dela…!

Encontrar um grandíssimo pecador lágrimas de consolo e prazer em tal tribulação é uma grande vergonha para mim, quando nisso penso. Por esse motivo, na tempestade pedi a Deus Nosso Senhor, que se dela me livrasse, não fosse senão para me meter noutras igualmente grandes ou maiores, para seu maior serviço”.

Como é diferente do poca que diz: “Noutra eu não entro…”.

Assim os senhores veem como na “Bagarre” devemos atravessar as privações e provações. Não é como quem diz: “Puxa! Eu escapei dessa… Agora vou para o mato”. Não. Nossa Senhora me dê maiores tormentas ainda, me dê maiores provações, desde que me dê maiores forças, porque aí está o ápice da consolação. Os senhores considerem, portanto, no que consiste o espírito sobrenatural admirável.

Muitas vezes Deus me tem dado sentir, no interior de minha alma, em muitos perigos corporais e trabalhos espirituais de que me tem livrado pelos devotos e contínuos sacrifícios e orações dos que militam na bem-aventurada Companhia de Jesus e também dos que agora estão, com muito triunfo, na glória, os quais na vida pertenceram e militaram na Companhia de Jesus”.

Deus fez-lhe sentir quanto valiam as orações dos jesuítas.

Padres e irmãos caríssimos, em Cristo: dou-vos essa conta do muito que vos devo, para que todos me ajudem a pagar o que eu sozinho não sou capaz, nem a Deus, nem a vós”.

No fim, pede a todos que agradeçam por ele, porque por si não é capaz de fazê-lo suficientemente.

Quando principio a falar dessa Santa Companhia de Jesus, não sei sair de tão deleitosa comunicação, nem sei acabar de escrever…”

Quando começava a falar da Companhia de Jesus, ele tinha tanta alegria, porque tal era o florescimento de virtudes dela naquele tempo, que não sabia interromper o que dela dizia ou escrevia.

Vejo, no entanto, que sou forçado a acabar, sem ter vontade disso, nem saber como, pela pressa em que estão as naus”.

Era uma carta que escrevia e que os navios estavam para partir.

Não conheço melhor modo de terminar, do que confessar a todos da Companhia que se algum dia esquecer da Companhia do Nome de Jesus, fique esquecida também a minha mão direita, tanto são os caminhos pelo que eu conheci o muito que devo à Companhia.

Pelos vossos merecimentos, concedeu-me Deus, Nosso Senhor, a graça de conhecer a minha pouca capacidade, o que eu devo à Santa Companhia”.

Aqui os senhores têm, então, para resumir os dois pensamentos centrais do Santo do Dia, duas lições: 1) como ele tinha ideia da união espiritual dele com a Companhia de Jesus, e do extraordinário valor da Companhia de Jesus, a confiança que tinha na união de almas com a Companhia.

Segundo: a ideia de como devemos proceder durante a “Bagarre”, nas horas de apuro. Apoiados por essas orações, rezando como São Francisco Xavier o fez. Isto é, pensando antes de tudo em Nossa Senhora no mais alto do Céu, que é o Canal dos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo até nós; depois pensando nos Anjos dos vários coros, nos vários Santos etc. – recomendarmo-nos a eles, às orações da Igreja Católica da Terra inteira. Acontecerá conosco – segundo as vias que a Providência tenha para cada alma – o que aconteceu com ele: quanto maior o perigo, maior confiança teremos. De tal maneira que sairemos do perigo pedindo a Deus que nos mande outros perigos ainda maiores.

E aí os senhores têm a relação entre o espírito católico e o espírito de Cavalaria.

Esse é um grande Santo, que tem uma grande abundância do espírito da Igreja e por isso foi canonizado. Ele enfrenta os perigos da existência como um cavaleiro medieval enfrenta os perigos da guerra. O que era próprio de um cavaleiro era que quando passava de uma batalha para outra, ele não pedia de nenhum modo – como faria um banal burguês qualquer – a Deus, o seguinte: “Meu Deus, que não passe por outra nunca mais!…”

O cavaleiro era ávido de perigos, de aventuras, porque sabia que assim defendia a causa para a qual tinha sido suscitado. E em cada perigo ele recebia graças para perigos ainda maiores. Assim devemos ser nós enfrentando os perigos resolutamente e com energia, para tudo quanto possa dar e vir na nossa existência, que ainda pode ser muito tormentosa.

(*) A propósito dessa pintura, vide os comentários do Prof. Plinio nos “Ambientes, Costumes e Civilizações” intitulado “Universalidade católica e internacionalismo pagão” (Catolicismo, Nº 31 – Julho de 1953)

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