Santo do Dia, 24 de abril de 1971, sábado
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Hoje, 24 de abril, é festa de São Fidelis de Sigmaringa [1577 – 24 de abril de 1622].
A ficha de hoje fornece alguns dados biográficos extraídos da obra “História da Igreja Católica”, de Rohrbacher:
“Marcus Roi, o rei, que viveu 1577 a 1622, tomou o nome de Fidelis quando entrou para os Capuchinhos aos 35 anos de idade.
“Nascido em Sigmaringa, distinguiu-se como estudante de Filosofia e Direito em Friburgo [Suíça]. A seguir foi nomeado tutor de três jovens príncipes, com quem viajou por toda a Europa durante seis anos, e depois de ter exercido a profissão de advogado em Colmar [França], resolveu abandonar o mundo. No testamento que fez, nessa altura, diz o seguinte: “Quero viver, daqui para o futuro, na maior pobreza, castidade e obediência, no sofrimento e nas perseguições, numa penitência austera e numa humildade profunda. Saí nu do seio de minha mãe e despojo-me de tudo para me entregar aos braços do Salvador”.
“O padre Fidelis possuía grandes dotes oratórios. Nomeado Guardião [Superior] do Convento de Feldkirch pregou em numerosas cidades alemãs e suíças, e em numerosas igrejas do campo. A cidade de Feldkirch especialmente, foi de todo transformada por ele.
“Como o protestantismo estava a se espalhar pela Suíça, especialmente entre os grises, a Congregação da Propaganda Fidei encarregou os Capuchinhos de os irem combater. O padre Fidelis foi nomeado chefe dessa missão.
“Dentro em breve não me tornareis a ver – disse ele aos seus amigos de Feldkirch -, pois fui chamado a dar o sangue pela Fé.” E desde então, passou a assinar as suas cartas da seguinte maneira: Padre Fidelis, que em breve será pasto de vermes.
“Em janeiro de 1622, entrou na região ocupada pela Áustria e começou a pregar a Fé, lá, com grande êxito. Furiosos, os protestantes prepararam uma revolta, e o missionário avisou os austríacos. Os grises levantaram-se, então, em massa.
“No dia de 24 de abril, estando o padre Fidelis a pregar em Seewis [Suíça], ouviu-se o grito: “Às armas!” Os grises saíram ao encontro das tropas imperiais, que tinham forçado seus postos avançados, convencidos que o padre Fidelis é quem chamara os austríacos. Ainda o deixaram sair da cidade, mas como daí a pouco regressasse a Seewis, vinte soldados caíram sobre. Trataram-no de sedutor e quiseram forçá-lo a abraçar a sua seita.
“Que me propondes? ─ respondeu Fidelis. Vim até vós para refutar vossos erros e não para abraçá-los. A Doutrina Católica é a Fé de todos os séculos. Não renunciarei! Ademais, sabei que não temo a morte”. Eles, então, mataram-no a sabre.
* Um orador audacioso que não recuou diante do martírio
É interessante observar bem qual foi a atuação deste grande pregador, para que depois o comentário hagiográfico possa se fazer adequadamente.
Os senhores estão vendo que ele era um missionário famoso, um grande orador que pregava em vários lugares, e que a Santa Sé, desejando impedir a expansão do protestantismo na região da Suíça denominada pelos grises, incumbiu a ordem religiosa da qual ele fazia parte – a dos Capuchinhos -, de mandar pregadores, que fossem bons pregadores, naquela zona, para converterem os que se tinham pervertido ao protestantismo, e para impedir que novos católicos fossem objeto do proselitismo protestante.
Ele que já tinha então transformado inteiramente uma cidade importante da Alemanha por seus sermões, dirigiu-se à Suíça, sabendo que morreria em breve.
Teve uma revelação de que morreria mártir lá. Mas, homem sobrenatural, embora enérgico, batalhador, ele não recuou diante dessa ameaça. Pelo contrário, enfrentou a morte, e até tinha uma espécie de prazer em considerar a hipótese de sua morte próxima, assinando: “Frei Fidelis, que em breve será pasto dos vermes”. Quer dizer, sabendo que sua alma iria para o Céu e que seria mártir, o que lhe dava uma grande alegria.
A essa prova de tenacidade, acrescentou ele outra prova de força, de valor, que foi o fato de que irritou sobremaneira os protestantes. Ninguém se torna irritante para o adversário sem ter conquistado êxitos contra ele…
Ou seja, São Fidelis alcançou aí êxitos importantes, como, aliás, é afirmado nessa sua ficha biográfica. A tal ponto, que os protestantes resolveram matá-lo, e prepararam um encontro com ele em que acabou sendo morto.
Os senhores estão vendo, portanto, um orador audacioso, valoroso, forte, um missionário vigoroso que não recuou diante do holocausto do martírio, um homem que dá um admirável exemplo de fortaleza. Porque esta tem um exemplo em cada mártir, que leva a abnegação de sua própria vida e o desejo de lutar a ponto de imolar efetivamente a sua existência.
* As frases pronunciadas por São Fidelis, embora irrepreensíveis, poderiam ser deturpadas por um sentimentalismo com tintas de católico
Os senhores tomem uma pessoa que, hoje, empregasse as fórmulas empregadas por São Fidelis. A gente seria levado a achar que seria “heresia branca” [concepção mole e sentimental, adocicada e relativista da vida do católico, n.d.c.]. Os senhores vejam esta fórmula:
“Quero viver, para o futuro, na maior pobreza, na castidade e obediência, no sofrimento e nas perseguições, numa penitência austera e humildade profunda. Saí nu do seio de minha mãe e despojo-me de tudo para entregar-me aos braços de Nosso Salvador“.
Uma pessoa que hoje empregasse essa fórmula, poderia dizer isso suspirando…
Diria: “Quero viver, daqui para o futuro, na maior pobreza, castidade e obediência… no sofrimento… e nas perseguições…” – mas dito com tanta moleza que a gente diria: “Você é um pulha! Eu não tomo a sério essa sua vida espiritual! Que negócio é esse?!”
E ele acrescentaria: “Quero viver numa penitência austera e humildade profunda. Nu saí do seio de minha mãe, e despojo-me de tudo para me entregar aos braços do Salvador…”
Alguém poderia perguntar: “Como é que o senhor se chama? – Frei Fidelis, que em breve será pasto dos vermes”…
Os senhores compreendem aí o equívoco tremendo que o sentimentalismo piedoso do século XIX criou em torno dessas fórmulas e como temos que não nos deixar vencer por tal equívoco. O estado de espírito que apontei é muito ruim, mas a fórmula é muito boa, em si mesma considerada. É uma fórmula empregada por um santo e, portanto, não pode deixar de ser boa, porque tudo quanto um santo faz é bom. Nisto está empenhada a infalibilidade da Igreja Católica. Portanto, se essa fórmula não fosse boa, a Igreja não seria verdadeira, não seria santa.
É preciso compreender que esta forma é susceptível de ser pronunciada e vista de outro modo, e que não devemos permitir que o besuntado sentimentalismo religioso do século XIX nos torça a visão de que fórmulas destas têm de bom e de coerente com as virtudes às quais fomos mais chamados a praticar: a fortaleza de ânimo, resolução, combatividade.
É um engano pensar que quem pronuncia estas fórmulas é incompatível com as virtudes que tanto apreciamos. Não pode ser, porque entre virtudes não há incompatibilidade.
Ora, isto tem que ser virtude, porque foi pronunciado por um santo, logo, não pode haver incompatibilidade com as virtudes às quais mais fomos chamados a praticar.
Qual é o valor desta fórmula? É muito grande. É evidente que um homem que tenha a verdadeira virtude da sabedoria, que compreende que todas as coisas desta Terra são um nada, e se elas constituem um obstáculo à aquisição da virtude, ao pleno conhecimento da sabedoria e ao amor de Deus, esse homem chega à conclusão que deve se afastar disso.
Ora, acontece que quando Nossa Senhora quer que alguém tenha uma vocação, torna difícil a vida fora dessa vocação que deve abraçar. E, portanto, um santo nessas condições é levado pelas circunstâncias a uma alternativa: ou se perde, ou adota o estado de vida para o qual foi chamado.
Além do que, independente do perigo de se perder, ele tem um atrativo da graça para estar meditando nas coisas da sabedoria, para unir-se a Deus por esta forma, naquele estado de vida e, por amor de Deus, adota aquela fórmula. Então, faz-se Capuchinho.
O que significa fazer-se capuchinho?
É adotar a pobreza completa, renunciar a toda forma de sinarquia, despreocupar-se com os bens deste mundo, não só não querendo tê-los para si, mas não se entusiasmando com as pessoas que os têm por que os têm. Não admiram ninguém porque tem um bonito automóvel, ou um bonito apartamento ou – “suprema ventura”… – porque tem uma fábrica importante. Absolutamente não! Mas, dando valor aos homens e às coisas, na medida em que se aproximam da sabedoria e praticam a sabedoria.
Coloque-se uma pessoa assim num estado de espírito varonil, combativo, ela pode dizer perfeitamente: “Eu quero viver daqui para o futuro na maior pobreza, castidade e obediência, no sofrimento e nas perseguições, porque eu quero imitar a Nosso Senhor Jesus Cristo que sofre e, por isto, serei um lutador, eu vou batalhar, eu vou sofrer, porque na guerra se sofre”.
Se não se tem nada de “heresia branca”, se é o oposto do sentimentalismo religioso do século XIX que dá a isto um aspecto desvirtuado, isto é piedade de boa lei, que o homem mais valoroso e mais combativo deve ufanar-se em ter.
Assim, também, dizer que em breve “será pasto para os vermes”. Isto é coragem, é prova de que não tem medo de morrer. Ri a respeito disto: “Eu agora estou vivo; esta carne vai ser comida pelos vermes; através destas órbitas vão entrar vermes e comer estes olhos; sairão através destes ouvidos e desta boca, vermes como que engendrados pelo meu próprio corpo; mas eu não me incomodo, porque a minha alma vai para o Céu! Eu terei o martírio, que vale muito mais; no último dia, o meu corpo que em breve se decomporá, ressuscitará e se juntará à minha alma no Céu!”
É uma atitude de força de alma e que não dá o faniquito que o liberal sentimental tem diante da morte.
Os senhores compreendem, portanto, como é falso imaginar que fórmulas dessas acima citadas é “heresia branca”. Bem interpretadas e bem entendidas, são fórmulas esplêndidas!
O espírito “heresia branca” encontra-se no estado temperamental estúpido com que os sentimentais do século passado repetiam isso, e cuja escola que está mais ou menos viva até nossos dias. Mas não está nessas expressões em si.
Os senhores têm a prova concreta disso em São Fidélis de Sigmaringa: homem que empregava fórmulas dessas, de admirável coragem, que viu chegar a morte até ele com a serenidade que os maiores heróis não saberiam sobrepujar, que lutou arduamente contra a Revolução em seu tempo, foi um verdadeiro contra-revolucionário. Porque o protestantismo era a Revolução no tempo dele. Ele foi, portanto, um homem completo, e digno de toda a nossa veneração.
A relíquia deste Santo se encontra em nossa capela, de maneira que faremos uma boa coisa pedindo-lhe que nos dê a graça de compreender como fórmulas dessas se compaginam bem com nossa piedade, desde que expurgadas dos péssimos eflúvios da “heresia branca”.
Como é um pouco peculiar a matéria tratada, pergunto se algum dos senhores queria me fazer algumas perguntas a respeito, ou se a matéria está clara? Há alguém que queira me fazer alguma pergunta a respeito disto? Como o assunto já tem sido tratado nas reuniões para os grupos mais antigos da Rua Pará e da Martim Francisco, eu me interessaria mais por perguntas deste auditório da sala de reuniões, onde estão os mais novos.
(Aparte inaudível)
Quando falei contra o sentimentalismo religioso do século XIX, evidentemente, apontei um erro, uma coisa má, e que não existem nas obras de nenhum santo do século XIX. São deformações que existiram à margem dos santos e contrariamente ao exemplo dado por eles.
O século passado teve até grandes santos, mas que estavam isentos disto e inclusive eram modelos do contrário desse estado de espírito deformado. E é bem o que se poderia dizer de Santa Teresinha do Menino Jesus.
Sua “pequena via”, tão cheia de candura, de suavidade, é uma via de grande força e de grande combatividade, para quem sabe ver sua vida. E se percebe – para abordar o assunto um pouco por alto, pois seria necessária toda uma conferência para tratar mais a fundo – e se percebe isso nos desejos de Santa Teresinha, a qual dizia que queria ser missionária, queria brandir o ferro no combate contra os inimigos da Igreja etc. e isto da parte desta Santa tão suave na sua pequena via…
A gente vê como, portanto, as virtudes são inteiramente compatíveis. Entre o que é bom e o que é bom, nunca há incompatibilidade. O que é ruim com o que é ruim, e o que é bom com o que é bom, são sempre compatíveis entre si.
Não sei se queriam me fazer mais alguma pergunta.
Bem, então podemos encerrar.