Santo do Dia, 8 de outubro de 1973
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Vamos tomar uma ficha sobre São Filipe Neri.
“São Filipe Neri nasceu em Florença, no dia 15 de julho de 1515 e morreu no dia 25 de maio de 1595. Diz que durante trinta anos, ele passou todas as suas noites nas catacumbas. Quando encontrava as igrejas fechadas, fazia suas orações nos pórticos das igrejas. Mais de uma vez foi visto fazendo leitura ao clarão da lua”.
A imagem é poética: um jovem estudante piedoso, um futuro santo, nimbado, aureolado de virtude e que, ao clarão da lua numa cidade, está lendo…
É preciso lembrar que, naquele tempo, não havia iluminação pública nas ruas. A iluminação pública começou pelo século XVII. Por outro lado, era muito caro ter iluminação dentro de casa; vela era muito caro. De maneira que as pessoas eram obrigadas a deitar-se cedo.
Então, era um sinal de virtude um rapaz comprometer a sua vista e ler ao clarão da lua. Mas em Roma se fazia de modo mais poético, porque era em cima de ruínas. Sentado em cima do capitel de uma velha coluna romana, afagando com a mão a cabeça de um leão de pedra trazido do Egito etc., etc., com umas plantas nascendo pelo meio… Enfim, todo o ambiente da Roma antiga, nada “garibaldina” – e menos ainda “mussoliniana” – com uma pitoresca e artística desordem.
“No dia de Pentecostes de 1545, como ele suplicasse ao Espírito Santo de lhe conceder seus dons, ele sentiu seu coração abrasar-se; e, não podendo suportar o excesso desse abrasamento, ele se jogou no chão. Quando se levantou, levou a mão ao peito: seu amor era tanto, que seu peito havia estufado e se distanciado do coração.
“Quando de sua morte, em 1595, os médicos abriram o seu peito para examinar o milagre; descobriram que duas costelas tinham se rompido por cima do coração e não se tinham fechado, tal o entusiasmo do amor de Deus que ele tinha sentido.
“Depois dessa bem-aventurada Pentecostes, o santo experimentou uma contínua palpitação de coração todas as vezes que ele se ocupava das coisas divinas.
“Muitos e nobres personagens, estimulados pelo exemplo desse simples leigo, entraram em Ordens religiosas. Assim Santo Inácio de Loyola, que o conheceu, lhe censurava com afeto familiar, de continuar secular. E ele o comparava ao sino: que trazia todo mundo para dentro da Igreja, mas que nunca entrava”.
Os senhores estão vendo o brinquedo amável, leve e gracioso de um santo para com outro santo. O que podia ser a conversa de um santo que tinha sido de tal maneira imbuído pelos dons do Espírito Santo, com outro a quem Nossa Senhora tinha ditado os Exercícios Espirituais na gruta de Manreza.
Isso é que era conversa! Esse “tati-bitati” de hoje em dia não é nada. É um balbucio inexpressivo e indigno, em relação às grandes conversas dos grandes santos…
“Uma noite, como ele ia, segundo seu costume, à casa de uma pessoa nobre mas arruinada, para levar alguma provisão de víveres, ele encontrou uma carruagem no seu caminho e, querendo dar lugar à carruagem, ele caiu dentro de um buraco muito profundo…”
As ruas eram, naquele tempo, muito mal calçadas, mal arranjadas, quase como as de São Paulo…
“Mas o Anjo do pobre a quem ele ia socorrer velava sobre ele… E o Anjo o suspendeu miraculosamente no ar e impediu que caísse dentro do buraco”.
Os senhores imaginem São Filipe Neri andando pelas ruas de Roma, levando esmolas para um pobre e o Anjo da Guarda do pobre acompanhando…
Os senhores dirão: “Mas por que o Anjo da Guarda dele não o socorreu? Foi o Anjo da Guarda do pobre”.
Primeiro porque o pobre é que era interessado em que seu benfeitor chegasse até lá; em segundo lugar, porque Deus queria dar a entender por essa forma quanto era grata a esmola que ele ia fazer ao pobre.
O fazer bem aos pobres nos dá direito a uma assistência especial da parte de Deus Nosso Senhor.
Mas se o favorecer aos pobres – que não têm nenhum bem monetário, ou que os têm poucos – é tão benfazejo, quanto mais dar assistência aos que não têm bens da alma? Então, por exemplo, dar um bom conselho, fazer apostolado, trazer alguém para a TFP, “encurralar” um revolucionário com uma argumentação bem-feita, de maneira que ele perca seu prestígio e não possa fazer mal aos outros…
Quantas vezes, por exemplo, indo para um lugar fazer apostolado, poderíamos pedir ao Anjo da Guarda das pessoas a quem vamos fazer bem, que nos ajude para isso. Seria um belo e nobre pensamento!
“Filipe construiu o magnífico Hospital da Santíssima Trindade que, no Jubileu de 1600, alimentou durante 3 dias mais de 400 peregrinos.
A simples vista dos judeus lhe fazia derramar torrentes de lágrimas. E ele se aplicava com todas as forças para obter a conversão deles”.
Judeus, geralmente ricos, ele via a riqueza deles e chorava. E chorava porque considerava que o judeu era muito mais infeliz do que aquele que, tendo menos dinheiro, tem o dom da Fé.
A Fé vale mais do que a fortuna: essa é a lição que esse fato contém.
“Um dia ele tinha entrado na igreja de São João de Latrão, com um nobre milanês. Chegados junto ao Santíssimo Sacramento, ambos se ajoelharam. Entretanto, um homem do séquito desse nobre ficava de pé, e com o chapéu na cabeça, no meio de seus companheiros que rezavam: era um judeu. À vista disso o santo foi a ele e lhe disse: – Meu bom homem, adore e lhe diga: ‘Se tu és Cristo, o verdadeiro Filho de Deus, esclareça minha alma para que eu me torne cristão’. – Eu não posso fazer isso, respondeu o judeu, porque não me é permitido duvidar de minha religião.
“Mas Filipe se voltou para o nobre e para seus servidores: – Vamos, meus irmãos, ajudemos esse homem; por nossas orações, certamente ele se fará cristão.
“O judeu não pôde resistir a essas orações. E, alguns dias depois, recebia o Batismo”.
Era a oração de um grande santo!
“Um dos primeiros cooperadores dele foi César de Baron, o famoso cardeal Barônio, nascido no ano de 1538, em Sora – terra del Lavrador – e que se tornou célebre, em latim, com o nome de Cardeal Baronius, tendo falecido em 1607.
“Era sobretudo na época do carnaval que São Filipe Neri redobrava suas orações. Com uma massa imponente de fiéis ele ia em peregrinação às sete basílicas de Roma, para protestar contra a imoralidade de seus cidadãos”.
Os senhores estão vendo aí o homem combativo. A cidade é percorrida por um carnaval infrene. Ele organiza peregrinações para percorrerem a mesma cidade e para apresentar a Deus um ato de reparação. É um contra-carnaval. Não são meros sermõezinhos tímidos dentro da igreja a respeito do carnaval – e mesmo esses desapareceram… – mas é um contra-carnaval: “Façamos nós as nossas procissões para protestar contra o carnaval”.
Assim que se combate. Isso é que é luta!
“O cardeal vigário fez chamar o santo e, depois de lhe ter censurado fortemente suas peregrinações, lhe proibiu de ser confessor durante 15 dias.
“O vigário morreu bruscamente antes de ter levantado a penalidade. E o Papa Paulo IV, chamado a julgar a causa, deu ordem ao Santo de retomar os seus exercícios, e lhe pediu para rezar por ele.
Um de seus penitentes, tendo partido de Roma, contra sua opinião, para ir a Nápoles, foi detido por corsários, e jogou-se no mar para escapara aos golpes dos corsários. Como estava a ponto de se afogar, ele chamou São Filipe Neri, à distância, e pediu seu apoio. Imediatamente o santo lhe apareceu cercado de uma auréola luminosa, tirando-o da água pelos cabelos e o conduziu até a margem por cima das ondas”…
É um grande milagre!
“Como se faziam todos os dias conferências no Oratório, que era a sede do apostolado dele, o santo decidiu que um daqueles que trabalhassem no Oratório, retomaria toda a História da Igreja, desde Jesus Cristo até o tempo atual; resumindo os Atos dos Mártires, a vida dos santos, os escritos dos Padres, a sucessão dos Pontífices, as Ordens dos Concílios, ano por ano; a fim de desmentir os historiadores protestantes chamados “Centuriões de Magdeburgo”.
“Ele exortou o Cardeal Baronius a assumir esse trabalho. mas o sábio Baronius recuou diante da imensidade da tarefa. Filipe, não aceitando nem desculpas nem orações, apertou o Cardeal Baronius para isso. Baronius ainda hesitou. Alegava que havia homens mais sábios e mais santos, e indicou Onunfio de Pavínio para fazer o trabalho. Mas São Filipe Neri foi inflexível: – Fazei o que vos mando…”
Ele era súdito porque pertencia à Congregação do Oratório.
“– Fazei o que vos mando, e deixe que o resto eu acerto. Se vosso trabalho vos parece difícil, esperai em Deus, e Deus mesmo executará.
“Baronius estava imerso na perplexidade diante dessa ordem; quando, numa noite, teve uma visão: lhe pareceu que ele tinha ido falar com o tal Onunfio de Pavínio para suplicar-lhe continuar sua História Eclesiástica, mas Pavínio recusava… De repente São Filipe lhe apareceu e o interpelou com uma voz severa: – Cesse, Baronius; não é Pavínio, mas sois vós mesmo que haveis de escrever os Anais da Igreja.
“O sábio estava vencido. Na manhã seguinte foi se lançar aos pés de São Filipe Neri para lhe anunciar que começaria sua História.”
Essa obra ficou célebre na vida da Igreja! É das grandes obras da cultura católica.
“O Papa Clemente VIII foi atacado por uma doença mortal e fez chamar São Filipe Neri. Apenas o santo entrou no quarto, o Papa sarou.
“No mês de maio de 1594, a febre atacou com grande violência o santo. E acreditou-se que tudo estava perdido. Mas quando todo mundo se desesperava em torno dele, o doente, atraído subitamente por uma força desconhecida, foi arrancado de seu leito e, durante algum tempo, suspenso entre a terra e o céu. A Santíssima Virgem visitou aquele a quem Ela amava, e que tinha visitado tantos enfermos; e lhe restituiu ao mesmo tempo a vida e a saúde.”
Isso, para ler numa ficha de Santo do Dia, não é nada… Os senhores já se imaginaram entrando no quarto de alguém que está moribundo e encontrarem esse alguém suspenso entre o céu e a terra? De repente ele se senta na cama e diz: “Eu estou bom”… Vai começar a viver. São golpes extraordinários!
Esses golpes nos fariam muito bem ou não?
Os que acham que fariam bem, levantem a mão…
E se eu dissesse que eu duvido um pouco, qual seria o resultado? Seria pouco amável, mas seria eventualmente pouco veraz?
Enquanto não se habituar a tomar tudo inteiramente a sério, nem os milagres nos fazem bem; produzem uma impressão passageira e depois a gente volta ao estado de espírito que estava…
Nós precisamos nos habituar melhor a tomar tudo totalmente a sério, senão não vai. Não adianta dizer: “Dr. Plinio, eu teria um tal choque, que eu nunca me esqueceria”. Eu diria: É verdade. Você nunca se esqueceria, mas você nunca tomaria a sério…
Não esquecer é uma coisa, e tomar a sério é outra; esquecer é uma coisa e tomar a sério é outra. Nós precisamos pedir a Nossa Senhora a graça do hábito de tomar as coisas inteiramente a sério.
(Pergunta: O que seria tomar a sério?)
Tomar a sério foi São Paulo no caminho de Damasco: caiu no chão e tirou a conclusão ali; porque, imediatamente, exclamou: “Senhor, o que quereis que eu faça?” Quer dizer, tomar a sério é: ver, julgar, agir. Ele viu que ele andou mal, ouviu a voz de Deus; ele quis concluir e fazer alguma coisa. “Meu Deus, o que quereis que eu faça?”
E mais ainda – o sr. vê que São Paulo estava com uma vontade enorme de fazer – e Nossa Senhora o pôs na via dos caminhos sinuosos como um rio chinês… Nada! Está cego e vai para a cama –: “Agora, vamos ver depois o que Eu quero que você faça”. Ele teve três dias de retiro espiritual, muito bons, com os olhos fechados sem ver nada. E depois foi levado para onde Nossa Senhora quis.
Isso é tomar a sério, dizer: “Está bom, eu agora resolvi; e, ainda que morra ou arrebente, eu farei”.
“Um ano depois ele foi assaltado bruscamente por vômitos de sangue. E no momento em que Baronius acabava a oração dos agonizantes…”
Quer dizer, ele estava muito mal, teve vômitos de sangue; e Baronius estava rezando a oração dos agonizantes.
“…nesse momento, várias pessoas o viram com uma glória enorme subir aos Céus.
“Por um privilégio especial, São Filipe via a santidade resplandecer no rosto dos santos. Ele fez a observação especialmente para São Carlos Borromeu…”
Ou seja, ele passeava no meio dos santos que conheceu e via a santidade resplandecer no rosto deles…
Pobres de nós! Se quiséssemos ver santidade resplandecente nos rostos dos santos, para que santos olhar? Que orfandade… Que tristeza… Século XX!
“Ele então observou especialmente São Carlos Borromeu e Santo Inácio de Loyola. Ele dizia desse último: “A beleza de sua alma é tal, que ela resplandece em sua face; eu via raios de luz saírem de sua face”.
Que maravilha: olhar para um homem e ver raios de luz! Um santo olhando para outro santo!
Se a gente simplesmente pudesse olhar para um santo olhando para outro santo, como esses olhares nos fariam bem!… Desde que nós tomássemos as coisas a sério.
“No meio das honras que sua santidade lhe atraiu, São Filipe procurava as humilhações. Ele quis se fazer passar por insensato. Encontrando São Felix de Cantalício, capuchinho, em vias de pedir esmolas nas ruas de Roma, ele lhe pediu uma garrafa e se pôs a beber, não sem excitar a hilaridade dos que passavam; no outro dia ele rapou a cabeça só de um lado.”
Isso para se humilhar.
Recordo que na Europa a gente fica aturdido com o número de santos. São Felix de Cantalício está sepultado na igreja da Imaculada Conceição, na famosa Via Veneto, em Roma, logo à esquerda; mas num altarzinho de lado, uma laje: “Aqui está sepultado São Felix de Cantalício”…
Aqui se faria uma catedral para se conter os restos de São Felix de Cantalício. Tantos santos viveram lá em Roma, que não é dizer que se despreze, mas que não haveria catedrais que chegassem! Isso foi a florescência da Europa Católica de outros tempos…
Os senhores considerem esses santos, que andam no meio uns dos outros, que se conhecem, que se encontram, em que a luz de um repercute na do outro, que se multiplicam, que fazem milagres…!
Aí os senhores compreendem em que noite, em que pavorosa catacumba, nós estamos! Não é uma catacumba: nós estamos num bueiro. O que é muito diferente: a catacumba é limpa, o bueiro é imundo!
“A bem-aventurada Catarina de Ricci, dominicana, se achava na cidade de Prato, e São Filipe Neri em Roma. Deus lhe concedeu o privilégio da bilocação, e a bem-aventurada pôde vê-lo e conversar com ele. O fato foi atestado pela religiosa e foi contado a São Filipe, que concordou que tudo quanto ela tinha dito era verdade. Ele mesmo contou que tinha conversado com ela, sem que ela fosse a Roma, nem o corpo dele tivesse ido a Prato.”
Quer dizer, foi bilocação. Fenômeno que acontece com muitos poucos santos, é uma coisa raríssima.
“São Camilo de Lelis, outro contemporâneo de São Filipe, fundou a Congregação dos Padres para Assistência dos Moribundos. São Filipe, visitando um doente, exortou um deles, e viu os Anjos que inspiravam as palavras que recomenda à sua alma. Ele foi ao Céu.
“No dia de Corpus Christi de 1595, São Filipe, depois de ter dito o Ofício, ter rezado a Missa e confessado pela última vez um grande número de penitentes, aos quais recomendava sobretudo ler a vida dos santos, se deitou na cama dizendo: ‘Eu preciso morrer’. O médico foi chamado, examinou-o e disse que ele estava mais bem disposto do que nunca. Três horas depois ele expirou docemente, assistido pelo Cardeal Baronius. E a Rainha do Céu o recebeu.”
Para dar aos senhores só uma ideia: o século XVI foi o século do protestantismo e o século da Renascença. Pois bem, nesse século ainda havia tantos santos…!
Agora os senhores podem calcular o que é o século XX… Quer dizer, como caiu o mundo, como a Revolução está hoje para haver esse deserto!…
Vamos, então, encerrar.
Nota deste site: A 16 de março de 1583, São Felipe Neri ressuscitou o Príncipe Paolo Massimo, no Palácio da família e que se conserva até hoje. Todos os anos, nessa mesma data, são celebradas várias Missas no quarto daquele Príncipe, transformado em capela. Na ocasião, as portas do Palácio são franqueadas ao público (cfr. “Corriere della Sera”, 14 de março de 2011).