São Crispim de Viterbo (4/6): os contrastes harmoniosos da vida medieval e “o bom odor de Nosso Senhor Jesus Cristo”

Santo do Dia, 22 de maio de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Nós temos uma ficha hagiográfica da vida do Beato Crispim de Viterbo [hoje canonizado, e sua festa é celebrada a 4 de junho, n.d.c.]. Ele foi irmão leigo capuchinho e sua relíquia se venera em nossa capela; século XVIII.

Traços biográficos extraídos do livro “La Vie des Saints”:

“Nascido em 1668, foi oferecido desde a idade de cinco anos a Nossa Senhora, por quem teve especial predileção toda a vida. Ingressando entre os capuchinhos, quis ficar entre os irmãos leigos, tomando por modelo São Félix de Cantalício.

“Trabalhava nos jardins, fazia compras, cuidava de doentes, passando as noites em oração e nas práticas de penitência. Ao ser encarregado da cozinha, nela armou um altar à Santíssima Virgem. Aí era visitado por grandes senhores, cardeais e pelo próprio Papa Clemente XI”.

Os senhores veem que é a piedade contagiosa de um verdadeiro irmão capuchinho. Ele arma um altarzinho na própria cozinha, e os grandes do mundo – tanto da Igreja como da sociedade temporal – ali são atraídos por sua piedade para com Nossa Senhora.

“Sua protetora concedeu-lhe os dons dos milagres”.

Não é pouco, não é?

“Certa vez, como curasse uma pessoa chegada ao Sumo Pontífice, o médico [lhe disse]: Vossos remédios têm mais virtude que os nossos. – E o bem-aventurado respondeu: Senhor, vós sóis um médico sábio e a cidade de Roma vos conhece por tal. Mas a Santíssima Virgem é muito mais sábia do que vós e do que todos os médicos do mundo.

Um guarda de Orvieto – Como irmão encarregado da dispensa do convento, logo tornou-se estimado na cidade. O governador conversava com ele e o Cardeal de [?] parava sua carruagem na rua para se entreter com o pobre frade.”

 

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Os senhores vejam que encanto! Na cidade de Orvieto, então de uma certa importância, com uma linda catedral gótica que tem isso de singular: em sua fachada tem mosaicos coloridos muito bonitos. E a cidade possui também um vinho famoso; é uma cidade poética e prestigiosa da Itália antiga.

Então podemos imaginar chegada uma tardinha, o expediente de todas as corporações vai se encerrando, o movimento vai diminuindo, os sinos começam a tilintar chamando os fiéis… Na catedral, há benção do Santíssimo, Vésperas, e outros lá entram numa penumbra azulada e passam em frente ao palácio do governador… Este também deixou seus trabalhos do dia e está descansando, conversando com um frade, o qual está natural, sem empáfia, sem petulância. E o governador embevecido, dando graças por ter a visita e a prosa de um simples frade capuchinho…

Os senhores veem como isso é bonito! Como há aqui uma lei de harmonia dos contrários, e tão anti-igualitário, nesta perspectiva nos regozijamos de ver um grande enlevado na conversa com um pequeno e o pequeno tão maior do que o grande…

Frei Crispim de Viterbo vai andando pelas ruas tortuosas da cidade de Orvieto. De repente, uma barulheira de ferros e de ferraduras etc. e é a carruagem do Cardeal. O frei nem levanta os olhos, tão alta personagem que passa. O cardeal abre a porta e diz: Entre Frei Crispim, vamos conversar um pouco… – Oh! Eminência… Frei Crispim entra e o Prelado lhe pergunta: “O que me conta?…” E ele com toda naturalidade responde, por exemplo: “Eu tive uma visão assim…” E o cardeal olhando para ele…

São cenas assim que constituem o sabor do passado que era segundo Nosso Senhor Jesus Cristo. E é, portanto, aquilo que se chama na Escritura “o bom odor de Nosso Senhor Jesus Cristo”, tão diferente do horrível mundo revolucionário de hoje. De maneira que faz bem a gente recompor a cena.

Os habitantes de Orvieto não mais o deixaram ir embora. – Transferiram Frei Crispim, mas o povo furioso arma barricadas e Frei Crispim não sai. Nas vezes em que foi transferido, o povo negou-se a dar esmolas para o convento.”

Bem se diz que o povo italiano…

“Era preciso fazer voltar Frei Crispim ou os frades passariam fome. Mas ele sabia ser humilde. Por anos seguidos foi insultado por uma religiosa à porta do qual vinha bater. O bem-aventurado sempre dizia: Deus seja louvado pois há em Orvieto uma pessoa que me conhece e que me trata como mereço.”

A resposta dele não é “heresia branca” [mole, sentimental, extremamente adocicada, n.d.c.]; isso é um “fioretti” [pequeno episódio rico em perfumes de maravilhoso e de espírito sobrenatural, n.d.c.] verdadeiro! Por quê? Porque todo homem merece ser tratado assim! Todo homem! “O justo peca sete vezes ao dia” e, portanto, merece ouvir umas rabugices e desaforos. De maneira que ele tinha razão.

“Frei Crispim ficou gravemente enfermo poucos dias antes da festa de São Félix de Cantalício [que era seu padroeiro]. Como os frades lhe disseram que logo iria comparecer diante de Deus, respondeu-lhes que isso só ocorreria após a comemoração de São Félix, pois sua morte atrapalharia a festa do santo”.

Outro “fioretti”, não é?

“Morreu em Roma, em Maio de 1750.”

Os senhores podem querer algo de mais admirável do que isto?… Depois não é só isso.

Frei Crispim de Viterbo, São Félix de Cantalício são dois, mas se está vendo toda uma floração de irmãos leigos capuchinhos assim desse gênero, talvez não tão eminentes na virtude, mas todos dessa mesma escola, constituindo uma nota de glorificação da humildade, da paz, da serenidade de alma, da bondade naquela Idade Média tão gloriosa pela sua pompa, pelas suas lutas, pelas suas guerras. Exatamente esse encontro de contrastes harmônicos dá a quintessência da beleza.

Quando a gente quer compreender a beleza de algo tem que tentar considerar o seu oposto harmônico. Se se quiser compreender toda a beleza da Idade Média guerreira, é preciso tentar fazer a recomposição com Santos assim. E vice-versa. É exatamente o conjunto desses opostos harmônicos que dão a sacrossanta beleza medieval, da Civilização cristã, e assim se pode imaginar como será essa beleza no Reino de Maria

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