Santo do Dia, 27 de maio de 1970
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.
“Hoje nós temos a festa de São Beda venerável, confessor e doutor da Igreja [N.Site: no atual calendário a festa cai em 25 de maio], êmulo de Santo Isidoro de Servilha; foi dos sábios mais ilustres dos seus tempos. Tal era a sua santidade que, por não poderem chamá-lo de Santo ainda em vida, deram-lhe o nome de venerável que não perdeu depois da morte. Século VIII. Novena de Nossa Senhora Rainha”.
Eu tenho a impressão de que seria interessante fazermos um comentário do Santo, não tanto considerando o Santo, mas o título do santo.
Os senhores estão vendo que ele era considerado um homem de maior instrução do seu século e que era um homem tão santo que não ousando os seus contemporâneos chamá-lo de santo — por que ninguém deve ser chamado de Santo antes de ser canonizado pela Igreja e a Igreja muito sabiamente a ninguém canoniza em vida — então não podendo ser chamado Santo chamavam-no de Venerável.
Por que? Porque Venerável é o titulo atribuído pela Igreja às pessoas cujo processo de canonização está em curso. A aplicação desse titulo tem variado ao longo dos séculos de acordo com os lugares, os tempos e as disposições do Direito Canônico. Até algum tempo atrás se chamava Venerável àquele cuja causa de canonização tinha sido introduzida mas que ainda não tinha sido beatificado. A beatificação se dava quando a Igreja depois de examinar a vida e as obras de uma pessoa concluía que a pessoa tinha praticado em grau heróico as virtudes teologias e as virtudes cardeais. E a beatificação dava a certeza de que a pessoa estava no céu e de que praticou as virtudes indicadas. A beatificação importava a autorização para um culto local ou no lugar onde a pessoa tinha existido, tinha vivido, ou local num outro sentido quer dizer circunscrito às capelas ou os oratórios de uma ordem religiosa a que tinha pertencido etc., etc.
Depois com a canonização, que dependia apenas de novos milagres, a pessoa era elevada à honra dos altares e era apontado como exemplo e posta como objeto de culto pela Igreja universal. O venerável era portanto aquilo que hoje se chama o Servo de Deus e é aquele do qual há todas as razoes para supor que ele vai ser canonizado uma vez que o seu processo foi introduzido, mas de fato o numero de canonizações que encalham em curso é muito grande.
Venerável era portanto uma pessoa digna de veneração, uma pessoa da qual se presumia a santidade e eu queria me ater a esse titulo de venerável para considerar um aspecto da doutrina católica, da moral católica que está muito pouco em foco hoje em dia e que os costumes do mundo hoje tornam especialmente ignorados e mal vistos.
O que é propriamente uma pessoa venerável? Diz-se de uma pessoa que é venerável por exemplo quando atingiu uma idade provecta e quando tem a seriedade e a dignidade desta idade. Assim, nós podemos dizer que nós veneramos um homem de oitenta anos, que viveu muito, que cumpriu sempre os seus deveres, que teve uma prole numerosa, que praticou alguma ação insigne pela Igreja ou pelo Estado — nós dizemos que ele é venerável.
Quer dizer, aquela longa continuidade de uma virtude – embora não seja uma virtude extraordinária -, incute respeito. Aquele muito tempo passado na prática da virtude incute respeito, aquele muito tempo passado na virtude incute respeito. Então se diz que essa pessoa é venerável, nós veneramos esta pessoa.
Nós podemos dizer que é venerável um homem que foi ferido em combate, por exemplo, que se portou heroicamente durante uma guerra; nós dizemos de um general que ganhou muitas batalhas é um homem venerável. Por que venerável? Porque evidentemente ele praticou atos extraordinários, incomuns, que merecem o respeito.
Nós podemos dizer que é venerável — vamos dizer uma religiosa que durante muito tempo, por exemplo, cuidou dos leprosos com o risco do próprio contagio, é venerável por que? Uma longa prática de uma abnegação num estado de vida sumamente respeitável como é a do religioso, com o risco do contágio que aumenta a abnegação de que o religioso deu provas, tornam-no venerável.
Então de todas essas aplicações correntes da palavra venerável que não são as aplicações canônicas da palavra mas as aplicações correntes da palavra, nós traçamos o perfil moral de uma pessoa venerável. O que é uma pessoa venerável? É uma pessoa que tem uma profundidade de espírito que é maior do que a do [homem] comum, adquirida pelo estudo, adquirida pela experiência, adquirida pela meditação, seja de que forma for, tem uma especial profundidade de espírito. Ela é venerável porque ela tem uma têmpera, uma força de vontade incomum, ela tem uma constância incomum. Mesmo em circunstâncias adversas, mesmo com sacrifício de sua própria existência, de sua própria saúde, de seu próprio conforto, de sua riqueza, a pessoa traçou uma linha de conduta boa e a seguiu até o fim. Isto torna a pessoa venerável.
É uma pessoa que se faz notar por um modo de presença que incute o respeito. A pessoa venerável está presente: os outros amam de ver aquela respeitabilidade e respeitam, tem uma tendência natural a se inclinar, tem uma tendência natural a prestar reverencia, a obsequiar. Aquilo é feito como quem pratica um ato de justiça devido. Isto torna a pessoa venerável.
Os senhores estão vendo que a idéia de venerabilidade tem na sua raiz o conceito de seriedade. Tem como corolário a idéia de força e tem como ápice a idéia de abnegação. Quem é serio, quem é forte, quem é abnegado, este se torna respeitável. Aqui está o conceito de veneração, de venerabilidade.
Os senhores tem uma imagem em São Paulo que dá um idéia bonita de venerabilidade: é a imagem de São Bento que está do lado de fora do mosteiro de São Bento, no pórtico. Aquela imagem deve ser vista — aquela fachada deve ser considerada no momento em que o Cantabona dá seis horas da tarde, em que sobre a zoeira idiota e super excitada da cidade caem os sons meditativos compassados, nobres, pesados do sino do mosteiro. Então nós temos as torres imutáveis, perpétuas, de um granito em que nada toca, que resiste a todas as transformações da cidade e são sempre as mesmas. Os senhores tem um sino que vem do fundo dos séculos com timbre grave, com timbre solene. Os senhores tem o pórtico bonito, nobre, que se avança sobre a rua e no ângulo da torre uma figura se eu não me engano de um anjo que se apóia sobre um letreiro que diz: Ora et labora — é o símbolo da venerabilidade, reza e trabalha, é da ordem de São Bento. Bem e o “reza” não é só o rezar, mas é o meditar, considerar, contemplar e trabalhar com as suas próprias mãos.
Depois os senhores tem então na frente a figura de São Bento. Um homem já sexagenário, ou mais, com uma grande barba, um ar de pastor com um cajado olhando assim a cidade que passa. É o próprio exemplo da estabilidade, da seriedade, da profundidade de vistas da alma patriarcal, do espírito varonil desses homens que não tem prole material mas tem prole espiritual infinda e cuja figura se impõe à veneração de todos os séculos. Esta é a venerabilidade.
Ela, como eu disse, tem como fundo a seriedade, ela tem como prolongamento a força, e ela tem como ponto terminal a abnegação. Quem é serio, quem é forte, quem é abnegado, este é respeitável.
Eu jantei agora num restaurante — estava havendo um jantar de qualquer coisa que havia, me parecia um noivado, e até me parecia um noivado em que a família da noiva estava extremamente contente por que o modo pelo qual o rapaz foi recebido é … eu não sei se é por que vale a pena o rapaz entrar na família ou se é porque vale a pena a moça sair da família… mas havia um contentamento extraordinário com o jantar. Bem, pessoas todas elas a gente via duas gerações numa mesma família: então, uns eram do meu tempo, e depois havia uma de uma geração intermediaria, assim uns quarenta e cinco anos, florescentes e repolhudos; e depois tudo o mais era geração nova. O modo deles se cumprimentarem, de eles entrarem em contacto, deles conversarem era a negação da seriedade, não havia seriedade nenhuma, todo mundo ria, mas não sorria — porque sorrir é uma coisa que pode ser feita com seriedade, mas é brinquedinho, tapinhas nas costas, camaradagem. Os velhos fazendo o possível para descer até o nível dos moços, sem que o moços fizessem o possível para subir ate o nível dos velhos. Uma baixa de nível geral e ar de gaiato esportivo de uma besteira oficial em que tudo era a negação da venerabilidade.
Bem, os senhores tomam um grande numero de imagens que nós vemos em nossas igrejas, não incutem veneração. Podem incutir ternura mas não incutem veneração. Não tem aquela característica que tem por exemplo o Crucifixo que Dr. Paulo deu à sede e que foi fotografado no nosso audiovisual, que incute suma ternura mas suma veneração. A pessoa a única atitude que pode tomar diante daquilo é ela ajoelhar. Não tem aquela venerabilidade imponderável porque não resulta de nada.
A marca da dinamite não torna venerável nada, mas aquela venerabilidade especial da Imagem que está no nosso Oratório — há uma venerabilidade que por assim dizer flutua ali em volta, e que por assim dizer sai do Oratório e forma como que uma roda que chega até o meio fio da calçada, um nimbo de venerabilidade que se desprende daquilo e que é uma graça, uma espécie de carisma de venerabilidade por onde não há uma pessoa que passando lá continue a falar alto. Todo o mundo baixa a voz e se sente ao menos de passagem, recolhido diante daquela imagem quando passa por aquele lado da calçada. É uma imagem que contagia tanto de veneração que as pessoas que não gostam de venerar fazem uma coisa que é uma das maiores homenagens à imagem: passam longe. Atestando por aí que se passarem perto algo se desprende daquela imagem que as atinge; fugindo elas reconhecem um imponderável; reconhecendo esse imponderável elas glorificam a Nossa Senhora. Isto é a venerabilidade.
Eu não sei de uma imagem verdadeiramente católica que possa não incutir veneração, eu não sei de nada católico que não seja venerável e quando se os senhores virem alguma coisa que não é venerável, os senhores sob minha responsabilidade, podem dizer desde logo: ali não está o sinal distintivo da Igreja, ali não esta o espírito próprio da Igreja Católica. O espírito próprio da Igreja Católica é comunicar uma nota de respeitabilidade e de venerabilidade a tudo. A Igreja não toca em nada sem enobrecer aquilo que tocou, e não há verdadeira nobreza que não se distinga pela nota da venerabilidade. A sacralidade é a mais alta expressão da venerabilidade.
Isto vai para formar o nosso espírito contra duas espécies de influencias que nós recebemos: primeira, “heresia branca” expressa nessas imagens da igreja que olham com uma carinha assim que a gente não sabe o que dizer. Há um mosteiro aqui, um convento com um frade destes que concordam com tudo, muito bobo muito assim, coitado está fora de combate se é que alguma vez ele combateu na vida dele — bem, mas era um tipo assim desses tipos bem bons, os próprios frades do convento lhe tinham dado um apelido ruim “menino Jesus”. Por que? Por causa de algumas imagens do Menino Jesus que nhi…nhi…nhi… não é? Não. As coisas tem que ser veneráveis, tem que incutir respeito. Aí está Nosso Senhor Jesus Cristo, aí esta Nossa Senhora, aí está a igreja Católica.
E para defendê-los, em primeiro lugar contra isto; em segundo lugar contra outra forma de influencia que eu reputo também muito inconveniente e muito nociva que é exatamente essa espécie de otimismo cândido e engraçado de nossos dias, que não é senão uma espécie de bobeira oficializada. Pessoas corroídas de preocupação, que trabalharam o dia inteiro como mouros de olho afiado para pegar o que puderem, e que entretanto chegam na hora do jantar, à noite, estão tudo com umas carinhas de querubinzinhos inocentes — e querubim idiota, não querubim verdadeiro — caricatura de querubim.
É contra essas influencias que eu destaco o título de São Beda o Venerável. Como eu gostaria de ter conhecido São Beda o venerável, como me agrada imaginar vestido com grande toga beneditina, com um cajado na mão, e expondo numa voz grave numa idade que a voz começou a se tornar trêmula e que no tremor recebe uma espécie de quintessência de comunicação, de sabedoria, que antes disso não tinha recebido. Um porte que é mais desses portes de monumento do que de gente, quando um homem vai tomando um tal ar que ele vai ficando parecido com uma catedral. Então, ver São Beda o venerável, ajoelhar-me diante dele, oscular os pés dele, e implorar que ele me obtivesse de Nossa Senhora — para os senhores e para mim — algo dessa venerabilidade sem a qual ninguém é católico.
San Beda
(ROMÁN, BARTOLOMÉ- Museo Nacional del Prado – Madrid)