Santo do Dia, 15 de dezembro de 1964
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Amanhã [atualmente se comemora a 26 de setembro] será festa de Santo Eusébio, Bispo de Vercelli (Itália), mártir (283-371); lutou contra os arianos; os sofrimentos que estes lhe infringiram valeram-lhe o título de mártir, embora não tivesse derramado seu sangue.
Dois comentários rápidos a respeito de Santo Eusébio, podem encontrar lugar na noite de hoje, vigília de sua festa.
O primeiro é a “caridade” dos adversários da Igreja. Afinal, é fato frisante: os arianos fizeram sofrer esse homem de tal maneira – um sofrimento de caráter moral – que foi considerado mártir da Igreja, embora não tenha sofrido o martírio físico. Quer dizer, foram tais as perseguições, devem ter sido tais as calúnias, as incompatibilidades entre seus amigos, deve ter sido tudo quanto moralmente pode atormentar um homem. Ou seja, que houve por parte dos arianos uma campanha organizada contra esse santo que deve ter minado a condição de sua existência, de maneira a reduzi-lo ao máximo de infortúnio.
E aí se vê bem a ferocidade dos inimigos da Igreja em relação aos que verdadeiramente Lhe servem, tão em contraste com a doçura que tais inimigos têm em relação aos falsos filhos da Igreja. E aí podemos também tomar um critério para o discernimento dos espíritos e compreender bem quais são os verdadeiros filhos da Igreja.
Infelizmente, muitas vezes não sabemos quem é verdadeiro filho da Igreja. Porque Nosso Senhor disse no Evangelho que infelizmente os filhos das trevas são mais sagazes, às vezes, do que os filhos da luz. Mas por isso mesmo os filhos das trevas raras vezes se enganam. E quando eles agradam alguém, nas fileiras católicas – não conheço exceções – é muitíssimo raro que eles estejam enganados. A quem eles atacam nas fileiras católicas – existem exceções – habitualmente presta.
Eles, às vezes, atacam para prestigiar um inimigo, entre os católicos. E por isso é preciso ter um pouco mais de cuidado. Mas, em todo caso, a verdade é que, em geral, quando eles atacam uma pessoa é porque esta presta. E aí, os senhores têm o exemplo de Santo Eusebio, que mostra como, sendo ele um homem todo cheio de qualidades, de virtudes, foi atacado e odiado por essa forma. Por que? Porque era um verdadeiro filho da Igreja.
Isto mostra também qual o fundo de malícia que existe nos filhos das trevas. Não devemos imaginar que os filhos das trevas odeiam os verdadeiros católicos por causa de nossos defeitos. Se há algo por onde o ódio deles contra nós não é completo, isto deve-se aos defeitos que possamos ter, porque são as qualidades dos bons o que eles odeiam. Os filhos das trevas odeiam a luz, odeiam a verdade, odeiam a virtude, odeiam o bem. E é por causa de nossos defeitos que eles, eventualmente, podem contemporizar conosco.
De maneia tal que uma pessoa de nosso Movimento, cujo nome não quero dar, mas da qual eu pessoalmente ouvi isso, dizia numa ocasião que notava que estava sendo objeto de muitas cortesias da parte dos filhos das trevas. E então essa pessoa dizia: “eu preciso fazer um exame de consciência, porque algo em mim não está direito, para esta gente estar de tal maneira tendo interesse em mim…”
Seria interessante dar outro acréscimo a respeito do seguinte: como a Igreja reconhece que o sofrimento de caráter moral pode ser igual ou maior do que o martírio?
Leem-se na Acta Martirum aqueles tormentos tremendos: panteras, jaguares, lobos, leões que se jogavam sobre os mártires e os estraçalhavam, o que dava a impressão de que era um tormento horroroso, e era mesmo!
Quando se visita o Coliseu, há uma pequena prisão onde ficavam os mártires que iam ser sacrificados no dia seguinte. E passavam a noite inteira rezando para obter a perseverança porque sabiam que no dia seguinte eles tinham que morrer. E, a uma distância não muito grande, ficavam as jaulas das feras famintas, uivando à espera da carne daquela gente no dia seguinte. Era um tormento tremendo!
Mas na vida e na luta de todos os dias do verdadeiro apóstolo, se apresentam situações trágicas, dificílimas, que são comparáveis aos tormentos dos mártires no Coliseu. E é preciso que se tome isso em consideração para compreender o valor da vida que os verdadeiros católicos levamos e para achar normal que se passe por tais sofrimentos. É próprio do apóstolo sofrer e com sofrimentos que, por vezes, são comparáveis aos dos primeiros cristãos. E que, portanto, deve-se amar este traço de martírio por ser o fio de ouro de nossa existência. Com efeito, tudo quanto em nossa vida é bom, não é tão bom quanto o sofrimento que padecemos. Porque é por ele que nosso sangue se mistura ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo para, de um modo imensamente secundário, mas eficaz, auxiliar a salvação das almas.
Devemos considerar esse aspecto e, por causa disso, compreender que é natural que Nossa Senhora faça vir sofrimentos sobre nós, que é natural que tais sofrimentos, por vezes, sejam horrorosos. E que quando eles vierem, devemos recebe-los com a alma preparada, e não com a surpresa e o susto de uma pessoa para a qual acontece algo que não devia ocorrer. O grande susto e a grande surpresa de nossa vida será ver que não sofremos… de tal maneira o sofrimento nos é natural: “christianus alter Christus – o cristão é um outro Cristo”.
Lembro-me aqui de um caso de um verdadeiro filho de Nossa Senhora, que sofreu um sofrimento tremendo. Trata-se de uma pessoa que São Luis Maria Grignion de Montfort, em uma de suas obras, elogia. Era um padre se não me engano chamado Monsieur Baudon, ou coisa assim, da Alsácia. Esse padre exercia seu ofício, se não me engano, em Strasbourg, em uma cidade daquela região. Ele era muito bem visto pelo bispo de sua diocese que com frequência ia visitá-lo. E, um dia esse padre acabava de celebrar a Missa, sai da sacristia um coroinha correndo e gritando, por toda a rua, que o padre tinha atentado contra sua pureza.
As circunstâncias narradas pelo menino foram tão tremendas que a opinião pública – muito montada contra o padre, porque era um verdadeiro devoto de Nossa Senhora, numa época em que tais devotos eram odiados – a opinião pública deu crédito à calúnia infame, apesar de haver apenas o testemunho de uma criança, e de uma criança só. O bispo acreditou também. Cortou as relações com o padre, e este passou, durante dez anos, na maior abjeção, no maior desprezo, na maior rejeição da parte de todo mundo, completamente isolado e bloqueado.
Ao cabo desse período, esse menino, que se tinha tornado um mocinho, morreu, mas antes de falecer reuniu em torno de si um número grande de pessoas que ele mandou chamar às presas e contou que uma pessoa da cidade lhe havia dado dinheiro para inventar aquela calúnia contra o padre. E que ele não queria comparecer parente o tribunal de Deus, levando uma infâmia dessas nas costas. E indicou o nome da pessoa, o dinheiro que lhe tinha dado. Havia até pessoas do clero assistindo o moribundo etc., etc.
O fato então se espalhou por toda a cidade. E o bispo, que ainda era o mesmo, foi visitar o padre, restabeleceu-o nas suas boas relações, começou novamente a tomar as refeições em sua casa etc., etc. E a tormenta passou. Durante dez anos, sem nenhuma esperança plausível para que essa situação se concertasse, até o fim de seus dias, esse homem esteve sempre no pior estado de infâmia em que uma pessoa possa estar…
Essas são as provas tremendas a que os filhos das trevas sujeitam os filhos da luz. Como os arianos no século IV, como os jansenistas no século XVII, e a perseguição dos totalitarismos no século XX, seja o que for, é sempre a mesma forma de perseguição. E devemos nos preparar para todos os sofrimentos morais para, seja de que forma for, suportá-los por amor a Nossa Senhora.
Vamos pedir a Santo Eusébio que nos obtenha a graça dessa compreensão do valor do martírio do sofrimento moral e o entusiasmo por tal sofrimento como fator de martírio. Bem como a compreensão de que, na vida, absolutamente nada se pode fazer de melhor ou tão bom quanto sofrer, a não ser rezar.