Santo do Dia, 14 de junho de 1964
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Eliseu amaldiçoa as crianças que zombam do profeta de Deus (pintura de Willem Willemsz van den Bundel, que se encontra na Gemäldegalerie, em Berlin (Wikipedia, CC)
Santo Eliseu, profeta e pai da ordem do Carmo, sucessor de Santo Elias; São Basílio Magno, bispo, confessor e doutor da Igreja; lutou contra os arianos e estabeleceu solidamente o dogma católico a respeito do Espírito Santo, século IV.
Não posso ouvir falar de Santo Eliseu sem me lembrar do livrinho onde aprendi História Sagrada. Nele havia uma ilustração a respeito da atitude de Santo Eliseu em face a uns tantos meninos. Santo Eliseu, que havia recebido o manto de Elias, certa vez estava andando e uns meninos começaram a caçoar dele porque era calvo. Ele pronunciou uma maldição contra os meninos e vieram uns ursos e os devoraram [2 Reis 2, 23-24]. Recordo que à primeira leitura, fiquei chocado com a ferocidade de Santo Eliseu. Mas passou e esqueci a questão. Depois, entrei para o colégio…
Conheci meus colegas, que quero presumir, fossem bastante parecidos com os que os senhores tiveram. Quando comecei a ver aquela meninada, refleti que Santo Eliseu tinha razão de agir daquele modo. Mas depois pensava: seriam aqueles meninos tão maus quanto esses?
Então, Eliseu começou a ser um advogado no meu debate interno… O meu primeiro grande enfrentamento na vida foi contra a “heresia branca” e Santo Eliseu foi meu defensor, pois é assim mesmo: atacou uma coisa santa, urso em cima! Se não for isso – refletia eu então – não compreendo a religião católica. Ora, eu compreendo a religião católica, logo há na “heresia branca” qualquer coisa de errado.
Os senhores me perguntarão: por que essa reminiscência infantil?
É que nela vai tudo quanto Santo Eliseu nos pode revelar, no pouquíssimo que sei dele. Antes de tudo, isso traz o ensinamento que sempre convém lembrar: criança também pode ser ruim.
Há um mito da criança boazinha: inocente por definição, que não cometeu pecado nenhum, e uma condescendência humanitária estúpida com relação às crianças. É preciso abrir os olhos e ver bem: o pecado original vem desde pequeno e infecta a criança desde muito cedo, sendo ela capaz de ações muito censuráveis.
No caso da calvície de Santo Eliseu, é evidente que as crianças tomaram isto como pretexto para debicar dele enquanto homem de Deus, e por causa disso foram punidas dessa maneira.
Daí podemos tirar uma dedução inesperada, mas verdadeira: se era legítimo que os ursos viessem devorar as crianças porque estavam caçoando de um homem de Deus, pergunto se não é legítimo que venham os castigos prenunciados por Nossa Senhora em Fátima [a “Bagarre”, na linguagem corrente da TFP, n.d.c.]. Se a “Bagarre” não é exatamente a vinda dos ursos; se de fato os ursos não estão vindo das estepes para acabar justamente com aqueles que tomam publicamente em relação à religião a posição errada, sendo inimigos internos ou externos da religião; então, à força de raciocinar chega-se à conclusão de que o resultado é inteiramente inevitável… E do fundo do Antigo Testamento vem um episódio a mais para convencer disso.
Elias Profeta consagra Eliseu como seu sucessor, antes de ser levado em um carro de fogo
Santo Eliseu também tem uma característica muito alta: sua sucessão com relação a Elias. Todos se lembram que Elias, no momento de abandonar a terra, passou a Eliseu um manto e, com este, também seu espírito. Eliseu, herdeiro do espírito de Elias, ficou assim em condições de dirigir a Ordem do Carmo, que este fundara.
Esta transmissão do espírito mostra-nos a importância da graça que se constitui um “espírito”: “bom espírito”, ou “espírito jesuítico”, “espírito carmelitano”, “espírito beneditino”, tomadas as palavras em seu bom e verdadeiro sentido. Isto não são apenas coisas doutrinárias, mas são graças, que se comunicam depois de pessoa para pessoas, para formar depois as grandes famílias de almas que tem a Igreja Católica.
Tais graças são suscetíveis de serem transmitidas de uma pessoa para outra, e é essa transmissão que constitui propriamente a família de almas.
Devemos, então, pedir a Nossa Senhora que nos ponha a todos sob o mesmo manto, e que aí recebamos o mesmo espírito, e nosso movimento seja sempre uno, com esse espirito um que tem, com a fidelidade ao espirito que tem. Essa unidade do nosso movimento, é preciso que sobre ela não tenhamos a menor dúvida.
De acordo com a “heresia branca”, o santo deve ser uma pessoa sem astúcia. A recomendação do Nosso Senhor, de que se deve unir a simplicidade da pomba à astúcia da serpente, para a “heresia branca” é nada! Pensam apenas na pomba e realizam com isso aquilo de que fala o profeta Oséias: “não sejais pombas imbecis, sem inteligência”. Os “heresia brancas” são precisamente “pombas” imbecis, sem inteligência.
O “Conselho de Consciência”, tela de Jean-François de Troy representando São Vicente de Paulo lendo ante Mazzarino, Pierre Séguier, a Rainha Ana d’Áustria e Luís XIV (Wikipedia CC)
É, portanto, muito formativo sabermos, por exemplo que um grande santo, como São Vicente de Paulo – santo este imerecidamente tido como única e exclusivamente da caridade – fundou uma sociedade chamada a “Cabala dos Devotos”, que atuava na corte de Luís XIV, e que reunia o duque de Ventatour, o príncipe de Condé, Conti, Bossuet e várias outras figuras.
Eles mantinham grandes relações entre si, faziam reuniões e nelas combinavam atividades para desenvolver na corte a influência da verdadeira religião e para atuar também na sociedade.
Quando estive agora no Rio de Janeiro, pedi emprestado, a esmo, na biblioteca do Grupo, um livro para me distrair e levei um “La vie quotidienne sous Louis XIV”, de um tal George Mongrédien, que tem um capítulo bastante informativo, se bem que de mau espírito, a respeito das corporações e das condições em geral de trabalho no tempo de Luís XIV. Lido com cuidado, o livro é aproveitável. A horas tantas, com surpresa para mim, esse autor, que no fundo tem inspiração comunista, começa a falar nas sociedades secretas operárias…!
(Aparte inaudível)
A sociedade de São Vicente de Paula não era uma “sociedade secreta” no sentido hoje condenado pela Igreja, porque a autoridade eclesiástica tinha conhecimento de sua existência. Então, vemos essa sociedade “secreta” dirigida por um santo em luta direta com um dos ramos mais importantes da maçonaria do tempo.