Santo do Dia, 21 de janeiro de 1974
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
O que será tratado a seguir faz parte daquele maravilhoso medieval, que é, tantas e tantas vezes, um maravilhoso guerreiro, mas é muitas vezes, também, um maravilhoso gracioso. A alma medieval era encantada por todas as formas de maravilhoso, mesmo as formas mais diversas. Muitas vezes vemos os próprios guerreiros medievais – tão majestosos, tão sérios, tão nobres – se entreterem, se maravilharem com coisas pequenas. Aqui os senhores têm uma maravilha da Idade Média que é do “Fioretti” de São Francisco de Assis, a narração do famoso “Sermão aos Peixes”.
A situação era a seguinte: Santo Antônio de Pádua estava pregando contra hereges e contra pessoas mundanas, na Itália. Apesar de hoje em dia ele ter apenas a reputação do que se chama, ao menos no Brasil, em péssima linguagem “o santo festeiro e casamenteiro”, de fato era um Doutor da Igreja, de grande cultura, de grande ciência, evidentemente de grande santidade e cujo espírito polêmico era tal que era chamado o “Martelo dos hereges”.
Quer dizer, tudo o que ele dizia era como marteladas na cabeça dos hereges. Tinha uma memória prodigiosa, de maneira que se lembrava da Escritura inteira, a conhecia de cor e não só isto, como também a entendia profundamente, citando com profusão o Antigo e o Novo Testamento. E como ele estava em polêmica com hereges a respeito da interpretação do Antigo e do Novo Testamento, isso lhe era de um auxílio que os senhores bem podem imaginar. Dispensava os cérebros eletrônicos escriturísticos, ele tinha o cérebro sobrenatural escriturístico…
Em determinado momento de sua vida, ele foi pregar numa cidade e deu-se um fato autêntico. Como as pessoas do local não lhe davam atenção, ele se voltou para o mar, ou para um rio – não me lembro bem – e começou a pregar, dizendo: “Irmãos peixes, eu vou vos falar, já que os homens não prestam atenção em mim!”
Naturalmente, o pessoal ficou olhando o que ia acontecer. Um milagre! Os peixes todos vêm à tona e ouvem o sermão de Santo Antônio! Ele falava para os peixes, mas era obviamente para ser ouvido pelos homens. E isso causava nestes uma impressão profunda…
Mas os “Fioretti” de São Francisco narram o episódio com o encanto próprio dos “Fioretti”, talvez não com uma grande fidelidade histórica. Mas aí é um caso em que a legenda é, às vezes, mais bela do que a história e contém o que a História tem de mais verdadeiro.
Na ficha que vou ler, os srs. terão uma lição do maravilhoso hierárquico da Idade Média, do maravilhoso sacral, num milagre sumamente gracioso e sumamente ameno… em meio ao lance dramático de uma polêmica! É um pregador que foi falar e os homens não quiseram ouvir. Ele então, se volta aos peixes. É uma coisa dramática! Os peixes vem e praticam um milagre gracioso e converte-se a cidade.
Vou passar a ler o texto:
“Querendo Cristo bendito mostrar a grande santidade de seu fidelíssimo servo Santo Antônio, e como devotadamente devia ser ouvida sua pregação e doutrina santa, inclusive pelos animais irracionais – no caso, os peixes – repreendeu ele, Santo Antônio, a insensatez dos infiéis hereges, como, antigamente, no Velho Testamento, pela boca do jumento, repreendera a ignorância de Balaão”.
A frase está muito longa e é melhor explicar o pensamento. Assim como Deus, pela boca do jumento, no Antigo Testamento, repreendera a ignorância de Balaão, assim Deus quis que, pelos peixes, repreender os hereges por um milagre que Cristo bendito, diz aqui – numa expressão cheia de unção – Cristo bendito praticou em favor de seu servo, Santo Antônio de Pádua.
“Pelo que estando Santo Antônio uma vez em Rimini, onde havia grande número de hereges, querendo conduzi-los ao lume da verdadeira fé e ao caminho da verdade, por muitos dias lhes pregou e com eles polemizou sobre a fé cristã e a Santa Escritura. No entanto, como eles não consentiram em suas santas palavras e mesmo se enraiveceram e obstinaram não querendo mais ouvi-lo, Santo Antônio um dia, por divina inspiração, dirigiu-se à foz de um rio, junto ao mar. Estando assim na praia, entre o mar e o rio, começou a pregar, da parte de Deus, aos peixes”.
Agora vem o sermão dele aos peixes, que é um encanto!
“Ouvi a palavra de Deus, vós, peixes do mar e do rio, já que os infiéis hereges não a querem ouvir. E dito que foi, aproximou-se dele na praia multidão de peixes grandes, pequenos e médios, como nunca naquele mar e naquele rio foi vista uma outra multidão tão grande. E todos tinham a cabeça fora da água e todos estavam atentos para a face de Santo Antônio”.
A cena é encantadora! A situação geográfica é um mimo! É um rio que chega – é o rio chinês no fim… – um rio que chega, felizmente, ao estuário, no ponto em que se encontra a água doce com a salgada. É uma população que, com toda certeza, tinha muita atenção voltada para os assuntos da pesca, provavelmente dela devia viver, em alguma medida. Apareceram peixes em grande quantidade sem precedentes.
Depois, todos os peixes com as cabecinhas de fora, e olhando para Santo Antônio. Haverá uma cena mais curiosa do que essa: as águas que correm, e os peixes todos imóveis, olhando para santo Antônio? É um verdadeiro mimo e, ao mesmo tempo, um grande milagre. Reúne a grandeza com o mimoso.
“E estavam todos os peixes em grandíssima paz e mansidão e ordem. Porque na frente, e mais perto da praia, estavam os peixinhos menores; e atrás deles estavam os peixes médios; depois, mais atrás, onde a água era mais profunda, estavam os peixes maiores”.
Os senhores estão vendo uma espécie de hierarquia no mundo dos peixes, que corresponde à hierarquia da sociedade medieval e à hierarquia da Igreja e à hierarquia do Céu. É a ordem dos peixes, todos bem dispostinhos…
“Estando, pois, em tal ordem e disposição colocados os peixes, Santo Antônio começou a pregar solenemente e a dizer…”
Os senhores devem imaginar, portanto, para terem toda nota do quadro – sorrindo para os peixes. A nós compete sorrir considerando esta cena, mas para se tratava de um lance dramático.
Os senhores estão olhando para os peixes, mas ele estava olhando para os hereges… Ele não queria que as almas dos hereges se perdessem. De maneira que, para ele, era uma coisa dramática.
Então, os “Fioretti” assinalam que ele estava pregando com solenidade, porque era um grande episódio da luta contra a heresia. Ele sabia que esse milagre ia se espalhar pelo mundo inteiro.
Os senhores devem imaginar o gracioso dos peixes e Santo Antônio, parado, inspirado, e falando com grande solenidade…
Santo Antônio como era?
Eu vi em Pádua um afresco, pintado na própria parede –, o quadro de um discípulo de Giotto, que, provavelmente, mais representa Santo Antônio: um homem gordo, corpulento, com pescoço possante e uma cara séria. Muito diferente desses Santo Antônio mocinhos, rosadinhos, ignorantinhos, de barro, que os senhores veem vender em certas casas de imagens.
Os senhores devem imaginar a grande solenidade desse homem – possante, “Martelo dos hereges”, “Arca da Escritura” – falando aos peixes; o vento soprando e levando as palavras dele. Atrás, os hereges olhando. Essa é a cena completa. Eu gostaria de saber pintar, para poder pintar isso.
“Meus irmãos peixes, muito obrigados estais, segundo vossas possibilidades, de agradecer ao vosso Criador, que vos deu tão nobre elemento para vossa habitação”.
Os senhores vejam que bonita ideia: os peixes agradecerem a Deus a nobreza da água!
“Porque, como for do vosso agrado, tendes água salgada ou doce; deu-vos muitos refúgios para fugirdes das tempestades; deu-vos, ainda, elemento claro e transparente e alimento pelo qual podeis viver. Deus, vosso Criador, cortês e benigno…”
Olhem que maravilhosa apresentação do modo de Deus tratar os peixes! Para com os peixes, Ele é cortês e benigno, generoso e cortês; quanto mais o será para nós, homens, resgatados pelo Sangue dele e filhos Dele? –
“…quando vos criou, deu-vos como mandamento de crescerdes e multiplicar-vos e vos deu a Sua bênção, pois quando do dilúvio geral, todos os outros animais morrendo, a vós somente Deus conservou sem dano”.
Quer dizer, são os únicos, da fauna antediluviana que não descendem de uma estirpe só. Porque no dilúvio eles continuaram se regozijando pela multidão das águas. Uma ideia engenhosa, que não ocorreria a ninguém, profunda! Quanta doutrina nessas palavras tão amenas, quanta seriedade por detrás desse sorriso tão afável!…
“E ainda vos deu barbatanas para irdes como for do vosso agrado; a vós foi concedido, por ordem de Deus, conservar o profeta Jonas e depois, ao terceiro dia, lançá-lo à terra são e salvo”.
Os senhores conhecem o famoso caso da baleia.
“Pagastes um imposto a Nosso Senhor Jesus Cristo que, pobre, não tinha com que pagar”.
Os senhores se lembram que apareceu um peixe e Ele tirou uma moeda da boca do peixe, conta o Evangelho.
“Depois, servistes de alimento ao Eterno Rei, Jesus, antes e depois da Ressurreição, por singular mistério. Pelas quais coisas, muito deveis louvar e bendizer a Deus, que vos deu tantos e tais benefícios, mais do que a outras criaturas”.
“A tais e semelhantes palavras e ensinamentos de Santo Antônio, começaram os peixes a abrir a boca e inclinar as cabeças; e com esse e outros sinais de reverência segundo o modo que puderam, a Deus louvaram”.
Vejam a tranquilidade: “Segundo o modo que puderam, a Deus louvaram”.
Depois, o espírito católico como está nisso: o espírito de obediência e de respeito. Os peixes não davam apenas manifestações de alegria, mas faziam reverências para Santo Antônio. Porque o peixe é menos do que o homem e, portanto, deve reverenciar o homem. E assim como os peixes estavam todos em hierarquia de tamanho, diante do homem, que é mais do que eles, faziam suas reverências.
Vejam como tudo é bem pensado, como cada coisa pede um aprofundamento, pede um comentário, contém um ensinamento. Que maravilhoso de gracioso dentro disso!
“Então, Santo Antônio, vendo tanta reverência dos peixes para com Deus Criador, rejubilando-se em espírito, em alta voz disse: Bendito seja Deus Eterno, porque mais O honram os peixes das águas, do que os hereges e melhor escutam sua palavra os animais, do que os homens infiéis”.
Os senhores estão vendo a sapecada: os infiéis são menos do que animais. “Vocês são menos do que animais!” seria uma injúria banal. Dessa maneira, a injúria vem com elevação, mas cai perpendicularmente. Que vergonha! Todos aceitam o que diz o Santo e os hereges não aceitam! Uma grande ação de pulverização do adversário, no meio de sorrisos, de canduras e gentilezas. É uma forma de lutar e de vencer…
“E tanto Santo Antônio mais pregava, mais a multidão dos peixes crescia e nenhum partia do lugar que ocupava. A esse milagre, começou a acorrer o povo da cidade, inclusive os sobreditos hereges, os quais, vendo milagre tão maravilhoso e manifesto, compungidos em seus corações, procuraram Santo Antônio para ouvir-lhe a prédica”.
Os senhores estão vendo que ele falava para os peixes, mas para os homens ouvirem.
“Santo Antônio, então começou a pregar sobre a fé católica e tão nobremente pregou que converteu todos aqueles hereges e os fez voltar à fé cristã. E todos os fiéis ficaram com grandíssima alegria e confortados na fé. E, feito isso, Santo Antônio despediu os peixes, com a benção de Deus”.
Que bonito! Agora está terminado, benção para os peixes! Estão despedidos. O animal foi feito para servir o homem. Não são mais necessários, vão embora. Nenhum peixe foi apanhado, nenhum foi morto, nada. A benignidade em tudo. Voltem em paz, os hereges estão reduzidos.
“E todos se partiram com maravilhosos atos de alegria; e do mesmo modo também o povo”.
Então, o fim do comício humano e animalesco é o povo indo embora dizendo “olhem que santo! Olhem que Doutor!” – os peixes se dissolvendo…
Os senhores podem imaginar Santo Antônio ficando sozinho na praia rezando e pensando nas grandezas de Deus, e louvando Nossa Senhora.
O fim é empolgante: rezando sozinho, o grande silêncio santo; ninguém mais ousa aproximar-se.
Faz-se noite, ele vai para seu convento. Foi um dia cheio, os hereges foram destroçados! Uma grande vitória, uma vitória fluvial e marítima da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana!
“E depois Santo Antônio esteve em Rimini por muito tempo, pregando e fazendo muito fruto espiritual às almas”.
E termina assim:
“Em louvor de Cristo, amém”…
É uma benção para nós, para nos dispersarmos, como os peixes. Vamos imitar o exemplo deles e ficar aqui louvando a Santo Antônio. E compreendendo a alma maravilhosa da Idade Média e pedindo a Nossa Senhora que nos dê esse espírito maravilhoso, que não era intrínseco à Idade Média: era intrínseco à Igreja Católica, ou melhor, é intrínseco à Igreja Católica, porque a Igreja não muda. E a Idade Média tinha por que era católica.
Quando os homens tiverem a fé ardente que tinham os medievais e ainda mais ardente, nós veremos maravilhas ainda maiores!