Santo do Dia, 26 de julho de 1971
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Santo Antonio, por Giotto
A matéria do Santo do Dia é uma ficha biográfica a respeito de Santo Antônio de Pádua, tirada da “Vida dos Santos”, de Rohrbacher.
“[Antônio], nascido em Lisboa, a 15-8-1195, teve como pai Martinho de Buillon, que alguns julgam descender do chefe da primeira Cruzada, e Teresa Pais Taveira, jovem de boa família portuguesa.
“Aos 15 anos, ingressou entre os cônegos regulares de Santo Agostinho. Aborrecido com as frequentes visitas de seus amigos que perturbavam seu desejo de solidão, pediu aos superiores que o afastassem de Lisboa, transferindo-o para o Convento de Santa Cruz em Coimbra. Aí fez-se admirar por seus irmãos, por sua austeridade de vida e seu amor aos estudos e ao isolamento.
“Profundamente dedicado aos estudos, neles fez progressos auxiliado por seu método prudente, seu espírito vivo e penetrante e sua grande maturidade de julgamento. Adquiriu profundo conhecimento de teologia e se formou num gênero de eloquência ágil e persuasiva.
“Estando nesse retiro chegaram a Portugal algumas relíquias de alguns frades menores martirizados em Marrocos. E elas causaram a Fernando viva impressão e um grande desejo de morrer pela fé. Algum tempo depois travou conhecimento com alguns religiosos de São Francisco, decidindo ingressar nesta ordem, onde tomou o nome de Antônio.
“Obteve permissão de ir até a África, mas aí caiu gravemente doente. Procurando regressar, ventos contrários o conduziram à Itália, onde participou em Assis do Capítulo Geral da Ordem. Ao seu término, Antônio foi enviado à Ermida de São Paulo em Bologna, onde continuou sua vida de orações e estudos.
“Logo, entretanto, sua notável inteligência e virtude se revelariam. Chamado para receber ordens sacras e rodeado de irmãos considerados doutos e santos, Antônio foi encarregado de fazer uma exortação piedosa. Começando timidamente, entregou-se inteiramente às inspirações do Espírito Santo e suas palavras adquiriram notável aspecto de grandeza e força.
“São Francisco de Assis, ao ter notícia desse acontecimento, encheu-se de alegria pois desejava que sua Ordem pudesse gloriar-se de uma tríplice coroa: Santidade, Martírio e Ciência. Ordenou a Antônio que continuasse os estudos de teologia.
“Obedecendo, o Santo depois foi professor em Montpellier, Bologna, Parma e Toulouse. Dedicou-se depois à pregação por ordem do mesmo santo.
“Foi superior da Ordem, fundando numerosos conventos onde incentivou sempre o interesse pelo estudo, pois na época os franciscanos eram desprezados como ignorantes.
“Depois de curta vida mas repleta de trabalho por Deus e pela Igreja, Santo Antônio veio a falecer aos 36 anos, a 13 de julho de 1231.”
Alguns aspectos da pregação de Santo Antônio:
“Santo Antônio pregava com entusiasmo. Como sempre fora um desejoso do martírio, nada o intimidava. Enfrentava todos com audácia incrível. Os mais famosos pregadores do seu tempo ficavam pasmos ouvindo suas invectivas, e escondiam seus rostos temendo que alguém percebesse a vergonha que tinham da própria fraqueza”.
Sim senhor, isto é um tom polemista!
“Antônio pregava na cidade e no campo adaptando-se aos auditórios e entremeando doçura e suavidade. O próprio Papa Gregório IX, ao ouvi-lo em 1227, admirando a profundidade de sua ciência na explicação da Escritura, chamou-o “Arca do Testamento”.
Quer dizer, era uma arca na qual estava contida toda a Sagrada Escritura. Ele tinha uma memória prodigiosa e ele citava assim… mas inteiramente exato com as referências e tudo, qualquer trecho da Escritura. E os trechos menos estudados, menos explorados ocorriam à memória dele inesperadamente. De maneira que ele de repente dava brilho e dava uma interpretação nova e uma aplicação extraordinária a um trecho que ninguém tinha ocorrido aprofundar, de tal maneira o talento dele era original, era rápido e brilhante.
“Antônio não se dedicou somente às questões morais, mas também a controvérsia contra os hereges. Converteu numerosos em Rimini e convenceu num menor número em disputas públicas em Milão e em Toulouse”.
A disputa pública é uma coisa de que a Igreja sempre teve receio. Sempre desaconselhou a disputa pública entre hereges e católicos. Mas quando havia regiões infestadas de muitos hereges e algum paladino muito forte da fé católica, a Igreja dava licença. Era uma manifestação de grande confiança em Santo Antônio permitir que ele sustentasse a disputa pública.
De outro lado, as disputas públicas naquele tempo alcançavam uma celebridade incomparavelmente maior do que os números de televisão hoje. Alguém dirá que isto é um absurdo porque o público a quem uma disputa daquele tempo podia interessar era muito menor do que o alcançado por uma televisão. Uma coisa passada na televisão de São Paulo pode ser facilmente um debate, pode ser facilmente assistido em São Paulo e fora desta cidade, por dois, três milhões de pessoas.
Ora, o que é uma cidadezinha como Rimini? É uma cidade de 50.000 habitantes… qualquer coisa assim.
Então as pessoas faziam-se ouvir muito menos bem. Tanto mais que essas disputas se davam em praças públicas pequenas, não havia alto-falantes e o orador tinha dificuldade de fazer ouvir sua voz, que indica bem a pobreza de meios daquele tempo. Havia um púlpito público – quando era em praça pública –, havia uma bandeira colocada mais ou menos à altura do orador e que indicava a alteração de vento. De maneira que quando a bandeira variava, o público ia correndo de um lado para outro para pegar o que o orador dizia.
Os senhores considerando, portanto, o que se perdia nesse vai-e-vem… podem imaginar o tropel de gente correndo, o barulho do tamanco no chão, ainda mais em alguns países mais expansivos… o que isso poderia dar.
Então, a capacidade de se fazer ouvir naquele tempo era muito menor. Então se diria que uma disputa pública era um acontecimento muito menos importante. Os meios de comunicação tão amados pelo Concílio Vaticano II não estavam em dia, nem sequer tinham começado.
De fato, havia uma fabulosa carência de meios de comunicação. Havia uma prodigiosa pululação de gente para comunicar algo, de temas dignos de serem comunicados e de pessoas a quem valia a pena comunicar tais coisas. De maneira que tudo – exceto a técnica – favorecia naquele tempo a comunicação. Hoje é exatamente o contrário: a técnica está presente, tudo o mais está ausente.
Os senhores medem a importância destes desafios públicos pelo seguinte: no tempo de Santo Antônio, quando se dava um desafio deste e que impressionava realmente uma cidade, a fama deste desafio percorria todas as cidades vizinhas.
Como não havia imprensa, as pessoas procuravam lembrar-se do que tinham ouvido, e quando passavam pessoas viajantes pela cidade, perguntavam quais eram as novidades e estas eram repetidas de boca em boca. Os viajantes recebiam as notícias: “Olha, houve aqui tal coisa, uma disputa entre mestre Antônio de Lisboa, ou entre Antônio de Pádua e tal outro herege assim”. O viajante ia contando por toda parte. E assim as notícias se espalhavam de lugar em lugar e se criavam as celebridades nacionais e internacionais com estas notícias.
Depois os trovadores ouviam contar coisas e cantavam muitas vezes o que tinham ouvido. De maneira que às vezes os lances da polêmica se transformavam em trovas que o povo mesmo repetia e às vezes durante gerações…
Uma disputa pública podia conferir a um homem tanta celebridade que numa outra cidade onde ele não tivesse pregado, quando ele fosse chamado para fazê-lo – ou um orador sacro ou um professor universitário – quando fosse chamado para lecionar ou para pregar, era recebido às vezes – era raro, porque a glória é rara por natureza – do lado de fora da cidade pelo clero, pela nobreza e pelas corporações, com tapetes na estrada e gente acompanhando. E pessoas vindo assim do alto dos prédios, às vezes de dois andares, de três andares, olhando para ver a celebridade que passava, e às vezes a celebridade entrava montada a cavalo com todo mundo a pé em volta.
E depois, no dia seguinte – porque o debate raramente era no mesmo dia porque as viagens eram de esfalfar – no dia seguinte se realizava então disputa pública, com o povo atento à bandeira…
Hoje vai um homem falar na televisão… digamos que vá um de nós falar na televisão do Rio de Janeiro, por exemplo. Pode ser ouvido por mil pessoas, por 2 mil, por 5 mil, por 10 mil, por 50 mil, por 100 mil, pelo que for! Alguém vai recebê-lo no aeroporto; talvez… três ou quatro amigos. O sujeito fala, depois volta para casa e não há manifestações especiais. Por quê? Porque tanta gente fala na televisão e não diz nada, ouvido por tanta gente junto à qual não tem repercussão dizer alguma coisa… que os grandes oradores passam em quinto plano. E os que fazem fama na televisão – em grande parte – são as “fassuras” [mulheres de má vida, n.d.c.] que se mostram nuas ou seminuas, alguns cantores… estes é que recebem as grandes manifestações de apoteose.
Quer dizer, tudo virou. Um Santo Antônio de Pádua hoje não sei se falaria na televisão. Se ele lá falasse, podia acontecer de tudo: uma ovação frenética e depois esquecerem dele… Ou, pelo contrário, ele ser reputado cacete e desligarem… Por quê? Porque é um homem que não tem “espírito ecumênico”. É um homem “muito polêmico, não é assim que se conduzem hoje as coisas…” e desligarem a televisão.
Quer dizer, tudo podia acontecer nesta época em que tudo pode acontecer, menos o sensato e o razoável.
“Antônio falava um italiano perfeito embora fosse estrangeiro. Seus discursos eram ardentes, tocantes, penetrantes e eficazes. Pregava todos os dias e não deixava também de confessar”.
Que belo exemplo para os nossos confessores de hoje: não pregam quase nunca e não gostam de confessar…
“Era tão grande a afluência a seus sermões que foi obrigado a pregar quase que só ao ar livre. Em Pádua chegaram a se reunir 30.000 pessoas para ouvi-lo”.
Os senhores vêm o grande triunfo!
“Tão atentas que mal se ouvia algum pequeno ruído. Todos os comerciantes fechavam as lojas para escutá-lo”.
Os senhores ouviram falar que alguém tivesse fechado a loja por causa de um discurso doutrinário na televisão?…
“Um dia em que pregava assim a descoberto, violenta tempestade ia cair sobre o auditório. O Santo rezou e a tempestade caiu ao redor do povo sem atingir ninguém.”
O que dizer?… Os senhores façam ideia: um santo que prega, o povo está atento ouvindo… de repente começam a se acumular as nuvens; todo mundo com medo da tempestade, e ele: “Não, parem de temer porque aqui não vai chover”. Oração… chove em volta. Está pregado o sermão! O assunto está liquidado! Não era necessário para isso os meios de comunicação…
“Os milagres brotavam de seus passos como de São Francisco e os Apóstolos. Santo Antônio jamais abandonou sua primitiva firmeza. “Um governador de Verona Ezzelino…”
Cuja sepultura eu vi: é lindíssima!
“…sanguinário e brutal, foi procurado pelo santo que o invectivou duramente: Inimigo de Deus, tirano cruel, cão raivoso, não cessarás de verter sangue inocente de cristãos? Eis que o juízo de Deus paira sobre ti como uma sentença dura e terrível. Ante a estupefação geral, Ezzelino pediu publicamente perdão, contando depois a seus cúmplices: ‘Não vos admireis porque o que eu disse era verdade. Vi cair do rosto deste pai um esplendor divino que me atemorizou de tal forma que ante seu terrível aspecto, acreditei que ia ser logo mergulhado no fundo do inferno’”.
Os senhores estão vendo o que é a eficácia da pregação de um santo? O que é que deveria ser depois sobre toda a cidade a conversão de Ezzelino, um “cão raivoso” como ele diz, que muda completamente de jeito.
Hoje existe contra os tiranos um remédio: é o “habeas corpus” e os médicos para esses remédios são os Supremos Tribunais…
Por que um Hitler não encontrou um homem assim diante de si? Quando haverá um homem assim que diga coisas dessas diante de um comunista? Ou será que os homens pioraram tanto que um Hitler vendo um fulgor destes num santo não se incomodaria e o mataria na hora? Um Stalin também o mataria na hora?
Ou será que a coisa vai mais longe e os homens pioraram tanto que Deus não concede mais aos seus homens, em nossos dias, ter fulgor para aparecer diante desses miseráveis? São coisas que estão nos mistérios da Providência e que saberemos no fim do mundo.
“Noutra ocasião, querendo pôr o Santo à prova, Ezzelino mandou-lhe um rico presente dizendo aos emissários: ‘Se ele aceitar matai-o; se recusar não lhe façais nada!’
“Chegam os criados a Antônio e lhe dizem: ‘Vosso filho Ezzelino de Romano se recomenda às vossas orações, e vos suplica de receber este presente que ele vos envia por devoção, e que peçais ao Senhor para salvação de sua alma’. Mas Santo Antônio, cheio de indignação, repreendeu-os, repeliu tudo o que lhes ofereciam dizendo que jamais receberia nada por parte de um ladrão cujos bens nada mais eram do que instrumento de perdição. Enfim, gritou-lhes que saíssem logo de sua presença pois temia que conspurcassem sua casa.
“Voltaram eles e relataram ao tirano as palavras do Santo. ‘Deixai-o em paz – disse Ezzelino – pois de fato é um homem de Deus’.
Os senhores estão vendo aí como a figura de Santo Antônio é deformada pelo que em nossa linguagem costumamos chamar de “heresia branca”…
Os senhores pegam essas imagenzinhas de Santo Antônio que se encontram por aí e quantas vezes são imagens de uns mocinhos imberbes, olhando assim… com fisionomia de quem não entendeu nada de nada, mais espantado de estar no mundo, que se tem a impressão de que está nascendo naquela hora…
Como isto é diferente desta figura, deste perfil moral que nos resulta da narração de fatos incontestáveis, históricos, narrados por um historiador de mão cheia, como foi o Rohrbacher! E que conferem, aliás, com a fotografia de uma pintura de Santo Antônio feita por Giotto e que já tive ocasião de projetar para os senhores verem.
Não há quadros do tempo de Santo Antônio, mas Giotto foi um grande artista, que é o mais próximo cronologicamente de Santo Antônio, e que pode ter pintado quadros de acordo com narrações das pessoas que conheceram Santo Antônio. E na Igreja de Santo Antônio em Pádua, se conserva pintado numa coluna, esse famoso quadro de Giotto que eu mesmo vi. Apresenta um homem completamente diferente: homem alto, bem corpulento, com uma cabeça grande, olhar e atitude firmes e ao qual esses fatos todos podiam ser atribuídos sem que se a menor surpresa.
Os senhores imaginem um desses Santos Antoninos que a gente vê por aí, de louça, de repente dizer uma coisas dessas para alguém… A gente tomaria um susto. Não é ele! Mas é por quê? Porque este não é Santo Antônio…
A verdade histórica foi torcida por artistas de segunda, de terceira categoria, imbuídos da ideia de fazer uma figura de santo que convence os fiéis, e não uma figura de santo histórico para formar os fiéis. Uma figura mais feita segundo o desejo dos fiéis em vez de uma figura que formamos os fiéis de acordo com os desejos dos santos.
Os senhores veem que fabulosa distância existe entre a pregação de Santo Antônio inspirada pelo Espírito Santo, profunda, sábia, criteriosa e não preocupada em estar agradando todo mundo. Mas sim preocupada exclusivamente em agradar a Deus, em transmitir a mensagem do Evangelho de Nosso Senhor com autenticidade, confiando em que a graça fará o resto.
Estas noções estropiadas infelizmente existem a respeito da pregação católica, como também do jornalismo católico e do apostolado católico, e vemos tão frequentemente por aí, em que o orador católico deve adaptar-se ao gosto da multidão, caso contrário ele é considerado um fracassado.
De maneira que são os alunos que formam o mestre, é o público que forma o orador: é uma inversão completa de valores.
Creio que já contei aos senhores este fato que se deu há muitos anos, mas é tão típico que nunca me sairá da memória. Eu era ainda diretor do “Legionário” e encontrei um padre na sacristia da igreja do Coração de Maria. Disse-me: “Como vai o “Legionário”? Trocamos algumas palavras, e acrescentou: “O Sr. sabe que não gosto do “Legionário”. Eu disse: “Mas por que, padre?” – “Eu não gosto porque o “Legionário” não é como deve ser a imprensa católica”. Eu disse: “Mas como deve ser a imprensa católica?” E ele voltou-se para mim e soltou esta frase com toda naturalidade: “Qual pomba, qual ave pegureira [apascentadora] que deve ir de lar em lar, de coração em coração, trazendo a paz”…
Eu gostaria que esse sacerdote ouvisse essa ficha biográfica e me dissesse o que Santo Antônio faria da “ave pegureira”…
Com isso, vamos encerrar o Santo do Dia.