Santo do Dia, 9 de maio de 1968
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Amanhã é festa de Santo Antonino, Bispo e Confessor. Lutou contra a Renascença em sua diocese de Florença. Grande amigo de Fra Angélico, foi por ele indicado para essa diocese.
Agora vem a biografia de Santo Antônio feita pelo Rohrbacher:
“Antônio que por sua pequena estatura foi chamado Antonino” – portanto, é Antoninho – “nasceu em 1389, sendo filho de um notável de Florença. Destacou-se desde cedo nos estudos por sua invulgar inteligência.
“Muito cedo desejou entrar na Ordem Dominicana, pela santidade dos seus membros e pela influência das pregações do Beato João Dominici. A este pregador dirigiu-se Antônio pedindo o hábito, mas Dominici, achando-o criança e fraco, prometeu atendê-lo quando houvesse decorado a obra “Decretos de Graciano”.
Decretos de Graciano!… Um Código Civil!
“Antes de um ano, para pasmo do dominicano, voltou o menino decorada a obra e foi admitido aos dezesseis anos somente.
“Religioso exemplar, foi mais tarde Prior dos dominicanos de Toscana e Nápoles. Em 1445, o Papa Eugênio IV procurava um arcebispo para Florença. Um frade dominicano, pintor, que mais tarde seria conhecido como Fra Angélico, indicou Antonino como modelo de virtudes. O Papa acedeu à sugestão e nomeando-o arcebispo, o Santo entrou em Florença com pompa magnífica, segundo o costume, mas suprimindo o que havia de secular – quer dizer de profano – nessa solenidade.
“No trono episcopal mostrou todas as virtudes de um verdadeiro pastor. Trabalhou com tanto zelo para reformar os escândalos públicos, que o Papa Pio II o escolheu para a reforma da Cúria Romana. Mas antes que pudesse iniciar este grande mister, Deus chamou-o a Si. Era o ano de 1459.”
Aqui há uma outra ficha:
“Santo Antonino, dominicano, grande orador, foi Arcebispo de Florença. Sua santidade e cultura levaram-no a ser consultado pelos grandes da época o que lhe valeu o apelido de Antônio, o Conselheiro. Seu lema de vida era: “Servir a Deus é reinar”. Cosimo de Medici o tinha em tão alta consideração que afirmava que a cidade de Florença tudo devia às orações do santo arcebispo. O Papa Nicolau V dizia não temer canonizar Antonino em vida.
“Sobrecarregado de trabalhos, o Santo não abandonava um só dia nenhuma de suas orações costumeiras e nunca perdia a serenidade de alma. Francisco Castilho, seu secretário, disse-lhe uma vez que os bispos eram dignos de lástima se, como ele, vivessem sob tantas e incalculáveis responsabilidades. Respondeu Antonino: “Todos os trabalhos não nos impedirão de gozar a paz interior se nós reservarmos em nossos corações um retiro, onde possamos estar sozinhos e onde o embaraço do mundo jamais tenha liberdade para entrar”.
A relíquia de Santo Antonino na Capela Salviati da igreja de São Marcos, Florença (foto: Wikipedia por I, Sailko, CC BY 2.5)
Parece-me que há uma analogia marcante entre esta vida e o que tratei ontem a respeito de São Gregório Nazianzeno. Porque se é verdade que Bizâncio era uma dessas grandes cidades que iluminavam a História com um matiz de alma especial, o mesmo se pode dizer – e talvez a fortiori – da cidade de Florença.
Florença, que é a cidade das flores, floresceu precisamente numa época em que a história italiana estava num dos seus “tournants”, quer dizer, num ponto em que tomava rumos novos e que virava uma página histórica. Ela estava nesta situação porque a Itália tinha atrás de si a tradição medieval e já iam altos então os ventos da Renascença, mas numa situação aonde ainda a opinião italiana podia ser sensibilizada por grandes santos que combatessem de frente a Renascença. E Florença era propriamente a boca da Renascença.
Era o lugar onde os maiores talentos renascentistas irradiavam sobre a Itália e realizavam, naquela própria cidade, obras de arte de um valor extraordinário!
Florença era uma metrópole do Grão-ducado de Toscana – não era uma cidade secundária como é hoje. Tinha uma dinastia que haveria de ligar-se por vários laços de casamentos – os Médicis – com a casa da França e que deveria dar mais de um Papa. Era uma das famílias mais poderosas e mais importantes da Europa. Florença era, naquele tempo, um luzeiro do mundo e tudo quanto acontecia lá tinha um realce, uma importância e um significado especial.
Os senhores veem nessa situação da Providência: para esta cidade um santo, que é nosso recolhido, nosso diáfano, nosso sobrenatural Fra Angélico, que foi ele mesmo beatificado, e é o Beato Fra Angélico de Fiesole.
Todos os senhores já folhearam álbuns do Beato Angélico, mas para terem uma idéia própria e viva do que seria sua arte, basta lembrar daqueles Anjos que estão na Sala do Reino de Maria, colocados em torno da imagem de Nossa Senhora, para verem tudo quanto havia de delicado, de cândido, eu quase diria de santamente ingênuo em seu talento! Pois bem, quando foi preciso indicar um santo para ser Arcebispo de Florença este mesmo homem mostrou sagacidade, mostrou perspicácia e vemos um santo indicar outro santo.
Um santo que fora formado por outro beato, o Beato Dominici. E vemos então a contextura da obra da Providência em Florença: ao mesmo tempo em que permitia que as hidras da Renascença deitassem ali todo o fogo, fazia florescer santos, gênios como Fra Angélico, para dentro da própria Florença, a fim de disputar influência e para ali tentarem contrarrestar com os incêndios da Renascença.
Vemos então chegar o nosso Antonino, como Bispo de Florença. Os senhores podem imaginar, se o Lisio produz ainda hoje tão magníficos veludos e damascos em Florença, o que seria as roupagens dos personagens que tomaram parte no cortejo de Santo Antonino, quando ele tomou posse da Sé Arquiepiscopal da cidade! Os senhores podem imaginar o que teria sido a pompa da qual ele tirou tudo quanto fosse profano, mas que era uma grande pompa para que o pequeno Antônio tomasse conta da Sé de Florença!
O que não está contado aqui nestas duas fichas é que ele desenvolveu uma ação enorme a favor da austeridade de costumes e que combateu a influência da Renascença de frente. E vários historiadores daquele período reconhecem que por sua presença na Sé de Florença, o movimento renascentista perdeu algo do seu vigor e de sua velocidade no se espraiar por toda cidade e daí por toda Itália.
Os senhores considerem, portanto, o que pode um santo: uma das figuras mais eminentes – para não dizer das mais condenáveis da Renascença -, que era Cosimo de Médicis, dizer que a cidade devia tudo às orações de Santo Antonino de Florença! E quanta receptividade havia ainda para ele.
Os senhores me dirão: “mas que sentido tem essa obra da Providência?! É um santo que passa por esse lugar como um meteoro que brilha, mas que vai embora; que detém um pouco o curso das coisas, mas cuja obra – afinal de contas – não consegue evitar o cataclismo! Que grande alcance histórico tem que a Providência haja posto Santo Antonino em Florença?!”
Em primeiro lugar, uma pessoa zelosa nunca poria essa pergunta. Porque basta ter durante algum tempo contido a onda renascentista que já nisto iria para Deus Nosso Senhor uma glória muito grande.
Não sei se os senhores se lembram de um santo – creio que foi santo Inácio de Loiola – que afirmou que se ele devesse passar a vida inteira lutando e padecendo para que uma mulher de má vida condenada ao inferno, cometesse um pecado mortal a menos, ele – por amor à glória de Deus – daria isto como bem feito! Os senhores compreendem que deter um pouco a imensa onda de pecados da Renascença é, evidentemente, uma coisa que tem muito significado para quem ama a glória de Deus…!
Além disto, existe um outro aspecto: Santo Antonino, com certeza, confirmou em Florença uma porção de raízes de bem, e assim como houve o Beato Angélico, o Beato Dominici, Santo Antonino, deveria existir algumas outras almas que tinham a obrigação de continuar o trabalho deles e – naturalmente apoiadas pelo Papado – continuar na ofensiva contra a Renascença. Aí se pode observar que com certeza a obra da Providência não foi completada pela obra dos homens. E as almas chamadas por Santo Antonino para continuarem sua vocação não corresponderam ou não tiveram o apoio necessário e a obra de Santo Antonino então caiu.
Agora os senhores considerem o que é o papel da história de uma alma. Os senhores têm uma cidade que irradia pecado para o mundo inteiro, mas que é ao mesmo tempo de tal maneira tocada pelos dons do talento, que se as almas nela chamadas a sustentar a tocha da reação anti-renascentista tivessem sido fiéis, é possível que a cidade tivesse se convertido. Se essa cidade se tivesse convertido, era possível que a história do mundo fosse outra. E então temos este resultado: Florença podia ter alterado a história do mundo; por outro lado, algumas almas próximas de Santo Antonino podiam ter alterado a história de Florença.
Portanto, se o mundo se derramou pelo despenhadeiro da Renascença – e aí até a Revolução Francesa e o comunismo… – isto se deveu a algumas almas que foram fracas, algumas almas que não tiveram generosidade, que disseram “não” ou que disseram um “sim” incompleto ao convite da Providência. Por causa dessas almas a história do mundo não mudou. Não venham nos dizer que é por causa do grande talento deste ou daquele renascentista… Deus não foge à sua obra, não recua diante do grande talento deste ou daquele. A questão é a Providência encontrar fiéis os homens que Ela escolheu como seus instrumentos. Se esses homens, de fato, fossem fiéis não há quem impeça os planos da Providência de se executarem.
E daí, meus caros, vem exatamente uma aplicação. É a pergunta que devemos nos fazer: nós não somos almas destas? Não somos exatamente almas chamadas para sermos de uma fidelidade ilibada? E uma falta de generosidade pequena nossa às vezes não determina um recuo notável nos planos da Providência? Aqui, dentro do Grupo, às vezes temos possibilidade de fazer bem a esta alma ou àquela alma. Esta alma, por sua vez, faria bem a uma outra e depois esta faria bem a uma outra dentro do Grupo. E de uma ação de apostolado interno poderia resultar o reverdecimento do Grupo debaixo de vários aspectos! Com isso, um golpe no adversário! Agora, eu pergunto se não é verdade que muitas vezes uma coisa dessas não se faz, porque a gente não teve paciência com uma pessoa, um apostolado não pode ir água abaixo? Às vezes está por uma ninharia e, entretanto, é uma infidelidade numa hora dessas que faz o apostolado ir água abaixo…
Poderíamos nos perguntar se não há ocasiões em que podíamos fazer um apostolado que não fazemos. E, nesse caso, não é bem verdade que a história do Grupo e a partir daí a história de “n” outras partes poderia ser influenciada por nossa atuação? Isto é bem verdade!…
Então devemos nos voltar para Santo Antonino e pedir que ele, que foi colocado pela Providência numa situação tão chave, tenha pena de nós que estamos numa situação ainda mais chave do que a dele, e que reze por nós para seguirmos seu exemplo. Sermos inteiramente fiéis, de modo completo e absoluto, ao apostolado incontestavelmente precioso que Nossa Senhora colocou nas mãos dos que devem fazer a Contra-Revolução.