Santa Maria Madalena (22/7), modelo da alma penitente. Quanto maior a virtude, maior é a tristeza de ter ofendido a Deus – O que é o espírito de penitência?

Santo do Dia, 22 de junho de 1964

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Santa Maria Madalena (séc. I) – Pintura por Ludovico Brea, Crucifixão (sec. XVI) – Wikipedia free

Santa Maria Madalena me sugere exatamente o tema da penitência, mas não no sentido de se privar de coisas e prática de sacrifícios etc. É claro que isto também é um tema muito bom, mas quero considerar um outro elemento, ou seja, no que consiste o suco ou a substância do espírito de penitência.

D. Mayer e Frei Jerônimo me disseram que uma das coisas mais difíceis hoje, é conseguir que as pessoas, ao se dirigirem ao sacramento da penitência, realmente peçam perdão de seus pecados. Quando vão acusar-se de seus pecados, já vão com sua “defesa” preparada: alegam “n” acontecimentos, descarregando a culpa do pecado em outra pessoa, ou em outra circunstância, numa situação qualquer que iria justificar a ação, ou então acabam numa formulação pela qual o “culpado” pelo pecado seria Deus: “Padre, pequei, mas não tive forças, a tentação era grande demais, não pude resistir à solicitação do pecado“. Toda a narração do pecado é feita para, em última análise, tanto quanto possível, descartar-se da responsabilidade e lançá-la por cima dos outros.

Isto confere muito com o modo pelo qual os caipiras, como contou um de nossos conhecidos, dirigem-se à confissão.

Ele chega ao confessionário e pergunta: “o senhor quer acusar-se de seus pecados, ou prefere que eu pergunte?“. A resposta é: “O senhor ataca, que eu me defendo”…

A confissão concebida, no primarismo dessas pessoas que deixam escapar seu subconsciente – mas também no subconsciente de muita gente não primária… – mais como uma defesa do que como um ataque.

Estou mencionando casos extremos. Sempre me impressionou aquela fórmula do “Confiteor”: “quia peccavi, nimis cogitatione verbo et opere, mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa” e batendo no peito reconhece-se que se teve uma culpa, e uma culpa eminente no pecado que foi cometido.

Qual é o espírito de penitência? O verdadeiro espírito de penitência consiste em termos um olhar claro, reto, firme para nossa própria consciência, e com uma imparcialidade inexorável, sabermos ver qual nossa parte de responsabilidade nos atos que cometemos, tendo em consideração que a graça de Deus nunca abandona ninguém e aquilo que fizemos, tivemos a graça para não ter feito, e o que cometemos foi por nossa inteira culpa. Éramos livres para não fazer.

Apesar de haver certas circunstâncias servindo de atenuantes, sem embargo disso, uma coisa fica: poderia não ter feito e fiz, eu poderia não ter praticado a ação pecaminosa e pratiquei; poderia não ter omitido tal coisa e omiti por ação ou por omissão, eu fiz, e sobre mim recai de cheio a responsabilidade daquilo que realmente cometi. E como sei que sou uma criatura humana concebida no pecado original e que, portanto, tenho em relação a mim mesmo todas as molezas do homem que não quer se corrigir e todas as suspeições do homem com amor-próprio, vaidoso, que não quer reconhecer seus pecados, preciso ter um olho carregado por cima de mim mesmo, e preciso olhar-me com uma suma desconfiança.

O ente com relação ao qual preciso ser mais desconfiado é para comigo mesmo. Com relação a mim mesmo, preciso ser mais desconfiado que em relação ao pior comunista, ao maior celerado, porque a Deus  tenho que dar contas, antes de tudo, de mim mesmo. Preciso olhar para mim com essa imparcialidade inexorável, com essa desconfiança meticulosa de todos os momentos compreendendo que se não tiver em consideração a tara do pecado original que existe em nós, eu não me salvarei.

E quando um de nós tiver a infelicidade de cometer um pecado, é preciso olhar sobretudo para a culpa que teve, e não para as atenuantes possíveis, procurar a raiz do pecado em sua própria consciência, lembrar-se do número de vezes em que fechou os olhos para a tentação que vinha, mas não quis ver, não quis evitar, não quis tomar as precauções necessárias e por isso pecou. E devemos nos apresentar no tribunal da penitência com essa imparcialidade, com essa franqueza: “eu pequei por minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa”.

Não adianta constatar que somente cometi pecados veniais. É verdade que mil pecados veniais somados não podem dar um pecado mortal. Mas sabemos que o pecado venial prepara o caminho para o pecado mortal e que de algum modo – é claro que somente de algum modo -, os pecados cometidos pelas almas que Deus ama O ofendem mais que os pecados mortais cometidos pelos pecadores.

Numa revelação célebre, Nosso Senhor apareceu e disse que a chaga que tinha na mão direita era ocasionada pelas faltas veniais das almas que O amavam.

Se quero verdadeiramente ser santo, se quero deixar a tibieza, se quero ser uma alma que não tem pecado nenhum – porque ser santo é isso -, devo ter pesar e um pesar sincero, pesar efetivo pelos meus pecados.

Não conheço fórmula mais esplendida de arrependimento após a queda, do que os sete Salmos penitenciais. São os salmos de Davi, depois de ter pecado, e que caiu na desgraça, foi perseguido: “Tende piedade de mim Senhor, segundo a tua grande misericórdia, e segundo a multidão de vossas compaixões, apagai as minhas iniquidades, porque eu pequei só diante de Vós, e o meu pecado contra mim se levanta continuamente“.

Aí vemos uma alma séria, que considera o pecado e a virtude com seriedade, que é capaz de se arrepender seriamente do pecado que cometeu, capaz de chorá-los seriamente. E quando a gente chora seriamente o pecado, quando se tem verdadeiro pesar do pecado que cometeu, não é uma confissãozinha qualquer e depois acabou tudo… É preciso chorar aquele pecado a vida inteira. E a verdade é que quanto mais vamos nos santificando tanto mais devemos chorar o pecado cometido.

É o caso de Santa Maria Madalena, nossa santa de hoje.

Os senhores sabem que ela foi por excelência pecadora. Sabemos bem até que ponto ela chorou o pecado que cometeu. Depois de ter abandonado tudo por Nosso Senhor, depois de ter privado com Nossa Senhora, depois de ter tido a glória excelsa de receber Nosso Senhor em sua casa, depois de ter a glória, que não tem palavras, de ter estado ao pé da cruz no momento da morte e sepultamento de Nosso Senhor, depois de ter visto Nosso Senhor ressurrecto, esse pecado ela chorou até o fim da sua vida. Quanto maior a virtude, maior é a tristeza de ter ofendido a Deus.

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São Pedro Arrependido (por Frei Agostinho da Piedade – Flickr)

Assim também São Pedro. Ele negou Nosso Senhor três vezes. Contam as tradições, que até o fim de sua vida, chorou a sua negação, e que em sua face havia sulcos que as lágrimas abriram porque frequentemente chorava de novo.

Não podemos pensar que com uma confissão liquidamos nossos pecados e isto, como “bagatela”, fica para trás. Devemos lembrar que esse pecado a gente carrega, que é natural que Deus nos castigue por causa de nossos pecados, e é bom que seja nessa vida e não na outra… Devemos manter em face desses pecados, uma atitude contrita.

Haveria algum pecado que devesse enunciar mais especificamente? Haveria dois: o problema perpétuo do pecado contra a pureza. Isto é uma questão que não basta a gente olhar e considerar. Frei Jerônimo citou uma vez, numa conferência, uma fase de não me recordo que Doutor da Igreja que dizia: “muitos varões santíssimos caíram nesse pecado por causa do excesso de segurança”.

A forma que temos de evitar esse pecado é um arrependimento de qualquer venalidade que tenhamos tido a respeito de uma falta de vigilância constante.

Outro pecado que tomo a esmo, é o da tibieza. Quando a gente ouve palavras de salvação, ouve palavras de vida e nosso coração está duro para isso. Mas o duro não é do comunista bigodudo. Esta não é a dureza pior, mas a dureza pior é a do tíbio…

Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais vosso coração” (Hebr., III, 7-19). Quantas vezes, em nossa vida, ouvimos palavras úteis, quantas vezes ouvimos conselhos que nos conduzem à santidade. Mas damos de ombros, não damos a necessária atenção, não pensamos, não refletimos, não meditamos, não aproveitamos a palavra que foi dita, e tocamos para a frente…

Sei que o que estou dizendo esta noite está um tanto diferente do tom que adoto. Aqui dentro procuro mais animar do que dizer coisas dessas. Mas, de vez em quando, é preciso dizer. E é preciso dizer tomando em consideração a infinita misericórdia de Nosso Senhor especialmente para aqueles que querem ser particularmente filhos de Nossa Senhora. É claro que Nosso Senhor tem muita misericórdia para conosco, mas sabem qual o efeito principal dessa misericórdia? É que Ele tenha a paciência de nos dar o arrependimento que nós não temos.

Devemos nos arrepender com a confiança, com calma, mas com seriedade de espírito. E o que devemos pedir a Santa Maria Madalena na noite de hoje é essa seriedade de espírito diante de nossos pecados, presentes e passados, para pedir perdão. Dos pecados futuros, para ter medo deles e evitá-los, sem perturbação, sem temor, prontos a nos aproximar cada vez de Nosso Senhor com toda confiança, depois de termos pecado, mas compreendendo bem o que é o pecado. Pedir a Ele que nos dê, pelo rogos de Nossa Senhora, inteiramente essa compreensão, um espírito de contrição, de mortificação e uma tendência a compreendermos sem exagero, mas com toda a firmeza e lucidez, a nossa própria responsabilidade.

Essa é a ação do publicano que bate no peito, que sabe que está no fundo da Igreja porque é um publicano, que não tendo coragem de elevar os olhos a Deus, eleva-os a Nossa Senhora, que é nossa Advogada, e por meio dEla tudo espera de Deus Nosso Senhor.

Com confiança, com muita força, peçamos a Nossa Senhora essa graça excelsa, que é o espírito de penitência.

Vamos pedir esse espírito de penitência para nós, e para termos ideia se temos esse espírito de penitência, dou um pequeno teste. A Escritura diz: “Repreende o justo, e ele te amará”. Repreende o homem verdadeiramente penitente, e ele ficará contente; repreende o homem impenitente e ele se zangará inteiro.

Façamos este teste conosco: numa noite assim, com uma reflexão um pouco mais séria como a de hoje, que efeito deixa em nossa alma? Ficamos alegres? ficamos satisfeitos? Então, fiquemos satisfeitos. Sentimos um não sei que esquisito, eu sei o que é: é a tibieza…

Então, pedir a Nossa Senhora, a Santa Maria Madalena, que nos alcance a remoção da tibieza. Quando amarmos a repreensão, então podemos ter certeza de que adquirimos um verdadeiro espírito de penitência.

Nota: A respeito do mesmo tema, veja  “O pior inimigo de Plinio Corrêa de Oliveira são os lados ruins de Plinio Corrêa de Oliveira!” – A dureza e a maldade do pecado. A sublimidade da Confissão (1984-02-18)

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