Santa Macrina, a jovem (19/7) – O papel contra-revolucionário da mulher – A vida de Nossa Senhora e São José com o Menino Jesus, na Santa Casa

Santo do Dia, 24 de julho de 1971, Sábado

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

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Eu tenho aqui uma ficha, uma síntese biográfica de Santa Macrina, Virgem (sua festa é comemorada a 19 de julho, n.d.c.).  Tirada do Rohrbacher, de sua obra “Vida dos Santos”:

“Macrina nascida em 327, em Cesareia, era filha dos santos Alexia e Basílio, pai dos santos Basílio Magno, Gregório de Nissa e Pedro de Sebaste.”

Os senhores veem que isto é uma alta genealogia: os pais eram santos, três filhos santos. O pai era São Basílio, a mãe era Santa Alexia. Tiveram um filho, São Basílio o Grande, São Basílio Magno, superou o pai; Gregório de Nissa, grande santo doutor da Igreja e [São] Pedro de Sebaste…

Sua mãe, segundo suas próprias palavras, inspirou-se na Sagrada Escritura, no Livro da Sabedoria de Salomão, para educar a filha.”

Bons tempos em que a mãe, quando ia educar os filhos, abria o Livro da Sabedoria de Salomão, para saber como é que tinha que fazê-lo… Hoje, em muitos dos casos, a mãe não se lembra disso. Se puserem o Livro de Salomão em sua mão, não entenderá e, se entender, não concordará, salvo as honrosas exceções.

“O Saltério [os salmos da David] foi o preceptor dos jovens.

“Aos doze anos Macrina ficou noiva, mas morrendo-lhe o pretendente, não se preocupou com outra coisa senão educar os seus irmãos auxiliando a mãe.

“De fato, passados os anos, já formados, vinham eles visitar a grande Macrina, como a chamavam desde a infância, tratando-a com o respeito devido a uma real educadora.”

Quer dizer, as crianças souberam agradecer a educação que receberam desta irmã.

“Estando gravemente doente, já perto de morrer, São Gregório foi vê-la, encontrando-a deitada sobre uma tábua, com cilício. O grande santo colocou-a cuidadosamente no leito, onde a moribunda evocando o passado, pôs-se a dar graças a Deus por tudo aquilo que bondosamente se dignara conceder-lhe.

“Senhor, Tu acabaste com o medo da morte. Por ti a verdadeira vida começa quando se acaba a vida atual. Dormimos por um tempo. Depois ressuscitar-nos-á ao som da trombeta. Tu nos salvaste da maldição e do pecado, vindo à terra por nossos pecados e nossa maldição.

“Com os crucifixos de ferro que encerravam uma relíquia da Cruz do Salvador, e que sempre trouxera consigo, Santa Macrina morreu serenamente, sendo enterrada ao lado dos pais no ano de 379.”

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Os senhores me dirão que a ficha é um pouco vazia, porque afinal de contas narra quem são seus pais, seus irmãos, que ela ajudou a mãe a educar os irmãos e depois que ela morreu. E que não há muita coisa além disso para narrar…

Quem sabe se do vazio desta ficha se pode tirar alguma coisa que possa encher a nossa noite, porque a ficha é realmente um pouco vazia.

Esse vazio pode ser preenchido com algumas considerações a respeito da vida feminina naquele tempo.

Até mais ou menos a explosão do movimento feminista depois da primeira  Guerra Mundial, havia a respeito da vida da mulher uma ideia que devemos conservar e acentuar, sobretudo nesta época de moda “unissex” execrável em que vivemos.

A ideia que nasce da verdade mais elementar e primeira, mais sensível a qualquer um, é que sendo a mulher e o homem, ambos pertencentes ao gênero humano, mas dentro do gênero humano muito diferentes, tendo naturezas diversas, deve também – à mulher e ao homem – deve caber-lhes tarefas diversas nessa vida.

E que se é próprio ao homem velar pela manutenção da família, trabalhar para que esta tenha o suficiente, é próprio para a mulher ficar dentro de casa e proporcionar ao homem isto que é um verdadeiro tesouro, que é uma casa habitada.

Quer dizer, a mulher deve ter seus filhos e educá-los. Depois dos filhos terem completado a sua educação, se casarem etc., o papel da mulher é de ser o centro natural da família. De maneira que a residência dela é o ponto de encontro dos filhos, dos netos. E o normal é que ela passe a sua vida dentro de casa.

Não quero dizer que a mulher deve viver num harém muçulmano e que não saia nunca. Mas sim que o sair todos os dias de casa não é próprio a uma mulher com espírito feminino completamente bem formado.

A distração, o entretenimento da mulher, o ambiente onde completa sua personalidade é dentro de sua própria casa. Ou então dentro das casas dos parentes muito próximos, aos quais ela não deve ir ver todo dia, mas de vez em quando, com uma relativa assiduidade, de acordo com as circunstâncias. Sua satisfação consiste em estar dentro de sua casa.

Fazendo o quê dentro de casa? Recebendo os seus, tomando conta da casa, rezando e rezando bastante, levando uma vida calma, distendida e recolhida, pois é o que a natureza da mulher pede.

Enquanto a natureza do homem pede que ele saia, que tenha uma atividade, que lute, a natureza da mulher pede esse tipo de vida especial, o qual lhe proporciona as circunstâncias em que ela verdadeiramente pode se santificar e assim se salvar.

Até o surgimento do movimento feminista, havia essa tradição em quase todos os lares brasileiros.

Eu mesmo alcancei – alguns mais idosos aqui de mais ou menos a minha idade também – senhoras para as quais o normal era não sair de casa. Se o faziam, era aos Domingos para ir à Missa e uma vez ou outra para fazer uma visita.

No período em que as filhas tinham que se casar, precisavam sair um pouco mais, às vezes para compras. Exceto isso, estavam dentro de casa e aí levavam sua vida normal.

Essa vida impregnada de calma, de piedade, podia conduzir, conforme fosse o espírito da mulher, a um alto grau de santidade, podendo também conduzir a uma virtude comum, mas a maior parte das vezes proporcionava uma virtude sólida, que  dava um eixo moral, um sustentáculo moral à vida de família.

Os  senhores estão vendo que esta foi, sem dúvida, a vida desta santa.

Depois de haver cumprido sua missão na terra educando três santos para a Igreja, transmitindo-lhes a educação que recebera de dois santos.  Portanto um admirável “funil” entre dois reservatórios de santidade e três recipientes de santidade. Depois de ela ter feito isto, não entrou para um convento.

Os senhores poderiam esperar que sendo uma santa, tivesse resolvido entrar para um convento, ou então ir para uma Tebaida, para um lugar remoto no meio de penitências. Não. Ficou em sua casa. E o que ela fez? Nada que se conte…

Levou a vida de uma mãe de família, de uma senhora que está em casa. Ela fez menu das refeições; cuidou que as coisas não se deteriorassem; substituiu o que fosse preciso; dirigiu as criadas; manteve um certo número de relações que era natural que o fizesse; consagrou o principal de seu tempo à oração. Fez tudo isto com espírito sobrenatural e ficou uma grande santa. Está  acabado.

Quer dizer, é um modo de santificar-se nas condições normais de uma existência sadia, razoável, que não é o corre-corre, a dilaceração, a tropelia na vida de todos os dias de hoje, que é contrária à natureza da mulher — mesmo para o homem, foge da natureza; ainda mais para a mulher! –, mas é a realização de um tipo de vida de uma mulher virtuosa e impregnando aquilo intensamente do sobrenatural e se salva.

Isto  é  o natural, o razoável, assim que tem que ser.

Compreende-se que ela, não tendo recebido de Deus uma vocação especial, não tenha procurado um convento; ficou onde estava, na casa de seus pais.

Os senhores viram, entretanto, que sua vida foi coroada.

Em primeiro lugar pela presença de um tão grande santoseu irmãopara assistir a morte. Foi coroada pelas lindas palavras que ela disse antes de morrer, palavras de fé, de quem sabia que não ia terminar, mas ressuscitaria depois e tinha confiança em que a misericórdia divina a receberia no Céu.

Os senhores viram que ela levou até o fim uma cruz de ferro dentro da qual estava embutido um fragmento da verdadeira Santa Cruz. Em suma, ela morreu como tinha vivido. Quer dizer, santamente, objeto da veneração dos três santos que formou e que a chamavam “a grande Macrina”.

O que essa grande Macrina fez? Nada! Educou três crianças. O que fez? Educou grandemente três santosQue mais ela fez? Educou em sua casa magnificamente, grandemente, rezando… Rezando e vivendo piedosamente uma existência normal. Com isso ela se santificou, adquiriu uma virtude heroica e está no Céu. A Igreja a canonizou!

Aqui os senhores têm um pouco a ideia — subimos então um pouco de consideração — do que é a civilização cristã. Esta pode ser definida, debaixo de certo ponto de vista, como uma ordem de coisas em que tudo convida à prática da virtude e tudo atrapalha para a prática do vício.

É o oposto de uma civilização como a nossa, em que tudo atrapalha a prática da  virtude e tudo convida para a prática do vício.

A civilização cristã criou para esta santa condições de vida que lhe tornavam desembaraçado o caminho do Céu. Eu evitei a palavra “fácil” porque o caminho do Céu nunca é fácil. Mas a questão é que os homens podem torná-lo ainda mais difícil. E é o caso de hoje em dia, por exemplo, em que há todas as dificuldades para uma mulher se salvar.

Não sei se este conceito está bem claro ou não. Não sei se eu consegui  tornar bem claro aos senhores a dignidade e a grandeza que há numa vida assim e como devemos  respeitar uma pessoa que leve uma vida assim. Quer dizer, isto é a verdadeira vida como convém a uma mulher. Está claro ou alguém quer me fazer alguma pergunta?

(Pergunta: O senhor poderia dizer quais são os aspectos contrários a uma vida tranquila?)

Acho o seguinte: as condições de vida da mulher hoje são completamente contra indicadas às conveniências morais e até fisiológicas do sexo feminino. Não trato do aspecto médico porque não entendo, mas a gente intui.

Mas a primeira coisa que há é que normalmente a mulhercompreendo que isto não se possa realizar hojeprecisa ter uma reputação tão ilibada, tão extraordinária, que não possa haver a menor suspeita a respeito de sua virtude.

De maneira que o costume que ainda alcancei em São Paulo, de uma senhora — mesmo quando casada e com filhos — não sair sozinha. Quantas e quantas vezes – eu era menino de 10, 11, 12 anos – fui acompanhar à rua minha mãe, minha tias etc.

Para que? Porque a presença da criança provava que elas iam a um lugar aonde deviam e podiam ir. Não é que a criança fosse defendê-las, mas era uma garantia da reputação delas. E isto é uma coisa fundamental.

E que, portanto, duas mulheres o máximo que se podiam conceder é que saíssem juntas, mas de si a mulher não deveria sair sozinha.

Ela deveria sentir sua virtude recatada e protegida de todos os modos. E este procedimento só valoriza a mulher, porque a apresenta como um tesouro de alta categoria que não pode ser maculado, não pode ser desperdiçado de qualquer maneira.

A gente não põe guarda para aquilo que não vale nada. Se se guarda a mulher, não é porque se desconfie dela, mas porque se desconfia da fraqueza tanto do homem quanto da mulher, e que a virtude dela precisa ser especialmente resguardada.

Hoje o sr. está vendo o contrário: a mulher vai e entra por toda parte, faz de tudo. Depois, de outro lado, a mulher foi lançada pelo movimento feminista numa espécie — de fato, o unissex começou com o movimento feminista — num estilo de vida semelhante ao homem, com os mesmos estudos que o homem, as mesmas atividades comerciais que o homem…

Não digo que uma mulher não estude, mas deve ser diferente do estudo do homem. O da mulher deve ser um estudo que respeite a delicadeza de sua natureza. Deve ser, portanto, muito mais de cultura geral do que um estudo de erudita. E que desenvolva mais a personalidade do que propriamente forme uma dessas pessoas muito sapientes que entende de mil coisas

O sr. considere Santa Macrina: os irmãos de quem ela foi tutora a chamavam “a grande Santa Macrina”. No que ela foi grande? Em fazer coisas não grandes.

Porque educar uma criança qualquer pessoa faz. Brincar com uma criança, qualquer pessoa brinca. Mas ela brincou de maneira a fazer três santos. Não foi uma coisa sublime? Muito mais importante do que aumentar dinheiro, nem tem comparação! Para isso é a mulher tem um modo de ser especial e compete a  ela. Não sei se minha resposta responde à sua pergunta.

Uma formação católica para mulher deveria fazer com que ela lamentasse isso profundamente e que ela soubesse preservar esse feitio de alma, mesmo dentro de todas as circunstâncias inclementes da vida contemporânea.

É mais ou menos como um homem: o sr. imagine um homem que cai na mais extrema miséria e é obrigado a aceitar um emprego de fazer comidinha e brincar com criancinha. Se não for para morrer de fome, tem que fazer! Mas ele poderá, se tiver força de alma, conservar-se inteiramente másculo, cumprindo este seu dever nesta posição.

O fato de eu ver assim o perfil moral da mulher, não quer dizer nem um pouco que ache que ela – como muitas pessoas dizem – seja feita para o sentimento e o homem para a razão. O que equivaleria a dizer que a mulher é mais ou menos um animal irracional, porque onde não está a razão, está a irracionalidade, não há por onde escapar!

Isso eu contesto rotundamente. A mulher deve ser como Santa Teresa de Jesus a Grande – Santa Teresinha do Menino Jesus também — mas estou tendo em vista mais aquela, porque é característica de como são todas as santas. Ou seja, antes de tudo pessoas de princípio, de convicções firmes, decididas, enérgicas. E que introduzem e completam este estado de alma com sua delicadeza, com seu afeto feminino etc. Mas no fundo tem que haver princípios, uma formação doutrinária segura e uma dedicação heroica aos princípios que foram apreendidos. Assim que é a mulher.

Não sei se os senhores conhecem – já repeti aqui várias vezes, mas não sei se é conhecido para todos — o comentário de (?) quando morreu Santa Teresa de Jesus. Ele escreveu a um amigo dando novidades e afirmou o seguinte: “morreu um grande homem: a freira espanhola Teresa de Jesus”. Aqui está bem.

E Santa Teresa terminava frequentemente suas cartas para as freiras com o seguinte: “minhas filhas, não sejais mulhericas”.

Esse gênero de mulherzinha bobinha, adocicada, que não entende dois dedos diante do nariz e na qual se dá um peteleco e cai, não é a “mulher forte” do Evangelho. Isto é outra coisa. Isto é mulherzinha bibelô, vazia… isto é outra coisa, é caricatura da mulher.

Se os senhores querem saber bem o que é mulher, os senhores leiam um trecho da Escritura a respeito da “mulher forte” [Livro dos Provérbios 31,10-13.19-20.30-31 – vide abaixo (*)]. E aí os senhores têm a descrição. Aquilo é magnífico! Assim deve ser!

(Pergunta: Não sei se seria estender demais o Santo do Dia, mas o Sr. podia fazer uma aplicação disto à vida doméstica de Nossa Senhora?)

O exemplo é de tal maneira transcendente que é quase inaplicável. Mas a gente poderia dizer o seguinte: comenta-se que Nosso Senhor passou trinta anos de vida privada e três anos de vida pública. Nossa Senhora só teve vida privada. E Ela o que  fez durante todo esse tempo? Tomar conta da casa, foi isso…

Depois, quando começou a vida pública de Nosso Senhor, Ela mais ou menos de longe, viajava acompanhando–O, rezando segundo Suas intenções.

Mas sua existência foi uma vida doméstica, que foi como a de Santa Macrina.  Quer dizer, cuidando dos assuntos de casa.

Apenas com a enorme diferença que vai  daqui até o sol: Ela tinha dentro de Casa Nosso Senhor Jesus Cristo. E aqui tudo muda, tudo se transfigura, tudo se transpõe para uma clave tão alta e tão transcendental que a gente não sabe o que dizer.

Qual seria o ambiente da Casa de Nossa Senhora? A gente imaginando, por exemplo, uma refeição… Terminou o dia, jantar sendo seis horas, quando está fazendo o ocaso em Nazaré. E Nossa Senhora, São José e o Menino Jesus jantandoNossa Senhora e São José olhando o Menino que come e sabendo que é Deus que está comendo. E que é Deus que Lhes dirige a palavra… E que é Deus que pergunta para Eles o que é tal pratoE que faz as mil perguntas de criança. E que eles sabem que estão respondendo para Deus. E que recebem a todo momento uma lufada de amor de Deus de transportar, uma lição de sublimidade de ficar em êxtase!…

São José, quando não olhava para o Menino Jesus, olhava para Nossa Senhora e o que é olhar para Nossa Senhora…

O encanto que cada um deles tinha dentro de Casa, vendo cada dia o outro progredir, uma vez que até o Menino “crescia em graça e santidade”. Então ir notando os progressos.

Os senhores podem imaginar o êxtase de São José vendo um novo requinte de virtude começar a desabrochar em Nossa Senhora. E onde ele julgava constantemente que Ela era perfeitíssima e já tinha atingido todos os auges, ver um auge nascer naturalmente de outro auge, outro auge, até alturas que ele não podia sondar…

Os senhores podem imaginar o que era uma noite de São José, depois que Nossa Senhora ia se deitar, que o Menino Jesus ia se deitar também. E que ele ficava sozinho fazendo o histórico do dia para pensar em tudo quanto tinha aprendido. O que uma coisa dessas deveria ser?

No silêncio da cidadezinha, no jardinzinho, com um pouco de vegetação, perto talvez de algum terreno baldio, com os grilos fazendo aquele barulhinho característico. Uma brisa, um coqueiro que se agitava, a noite que vinha descendo, estrelas orientais chamejantes no céu… e ele sentado, digamos do lado de fora da Casa, num banquinho e procurando rememorar tudo e fazendo a teologia do dia. Interrompendo e pedindo aos Anjos que lhe ensinassem tal coisa, o que é que queria dizer tal outra e tal outra…

Diz o Evangelho que Nossa Senhora “guardava todas essas coisas, conferindo-as em seu coração” (Lc 2, 9). As “conferições” de São José, o que podem ter sido? Depois, as deliberações: “Amanhã vou perguntar a Ele tal coisa, e a Ela tal outra”.

Depois como seriam essas perguntas, porque tenho a impressão de que na intimidade o Menino Jesus ficava um como que incógnito e que São José e Nossa Senhora não tinham liberdade de chegar para Ele e dizer: “Meu Deus, dizei-me tal coisa”. Mas que Ele queria ser tratado como um menino na sua natureza humana, e que, portanto, era preciso fazer perguntas assim “detourné” [discreto, n.d.c.], que Ele via de longe do que eram e Eles notavam em na fisionomia do Menino que Ele entendia. E depois aquelas respostas de sabedoria…!

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A gente quer ter a ideia do convívio de São José, de Nossa Senhora com o Menino Jesus, é preciso pensar no Menino Jesus no Templo: foi encontrado lá, interpretando as Escrituras e deixando todos os doutores basbaques. Os senhores podem imaginar as interpretações da Escritura que Ele fez para o pai e para a Mãe dentro de Casa, dando certamente muito mais do que concedeu aos doutores do Templo?

Os  senhores podem imaginar Sua atitude, quando Ele começava a monologar… E São José e Nossa Senhora recolhidos ouvindo, ou em êxtases… o aquilo pode ter sido? Quem é que pode fazer uma ideia do que isso pode ter sido? Ninguém pode ter ideia!

Isto tudo que estou dizendo e que parece maravilhoso em relação ao que deve ter sido, é completamente pardacento, desbotado e impreciso. A realidade tem que ter superado a isto de modo indizível!

Certamente havia momentos em que os Anjos se mostravam. E outros em que a própria Santíssima Trindade se mostrava… De repente, Eles olhavam e não estava o Menino comendo mingau…

Também é preciso dizer o seguinte: essa intimidade só Nossa Senhora e São José podiam suportar, porque eram compressões e descompressões. Os senhores dirão: “Não, mas deveria haver uma grande paz”.

É verdade. Eu estou certo de que a presença dEles dava distância psíquica. Mas é grande demais para nós. Nós, do lado de fora, da soleira da porta, se olhássemos pelo buraco da fechadura, teríamos visto uma coisa que tiraria completamente a vontade de viver!

Tenho a impressão de que se um de nós tivesse uma visão e nos apresentasse um minuto dentro da Casa de Nazaré e depois, de repente, a gente caísse em São Paulo no ano de 1971… não funciona!

Quer dizer, não se pode ter ideia do que possa ter sido. Depois Nossa Senhora correspondendo a todo momento às graças de um modo perfeito e superlativo.

São José – dizem alguns, e é certo – que ele não foi preservado do pecado original, mas que logo depois de nascer, foi limpo da culpa original. Portanto não tinha nenhuma inclinação baixa, não tinha nada a resistir a não ser as tentações do demônio, mas esmagadas soberanamente, com o cajado florido dele.

Uma Casa pobre: num canto, um cajado. Um cajado esquisito, é um pedaço de pau seco no qual a gente vê uma pontinha permanentemente verde: era a vara que floriu. Pronto! Adeus joias, tesouros, tudo quanto o ocidental adora e o russo inveja… Lixo! Lixo! Não é nada! O que é isso? Não é nada! Por uma vara com uma pontinha inexplicavelmente verde, onde em certo momento floriu um lírio. Pronto! Está acabado.

Isto é a menor das coisas, hein? É a menor! Os senhores podem imaginar as sucessivas túnicas que o Menino Jesus foi deixando enquanto crescia, o que era cada uma dessas coisas… Não há palavras para exprimir tudo isso adequadamente!

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Niño Jesús de la Cruz del Pichincha (Equador)

Diz Ana Catarina Emmerich que na Casa Santa de Nazaré havia um aposentosinho que era uma capela e que frequentemente Nossa Senhora entrava e via o Menino Jesus rezando lá e por vezes com os braços em forma de Cruz, já se preparando para Sua Crucifixão e que Ela também tomava esta atitude e os dois então se elevavam.

Por mais venerável que fosse a casa de Santa Macrina, os senhores podem imaginar um anoitecer em sua casa. Com os dois pais para lá de velhos, provectos, como que confirmados em graça. Com um modo que às vezes certos velhos têm de olhar as coisas, que a impressão é que já estão vendo o Céu, e esses velhos vão ficando cada vez mais raros, com aqueles que tingem o cabelo…

Então, considerem Santa Macrina auxiliando a inteligência de São Gregório, de São Basílio, tudo o mais… É uma coisa que já isto nos causaria um efeito profundíssimo! O que seria a Sagrada Família?

Termino com uma lenda medieval que diz tudo. Creio que essa narração está na “Legende Dorée” de Jacques de Voragine, mas não tenho certeza.

Havia um sujeito que tinha muita vontade de ver Nossa Senhora, e então,  depois de ele pedir muito, apareceu-lhe um Anjo e disse: “você pode ver, desde que aceite como sacrifício depois ficar cego”. Ele disse que aceitava; viu Nossa Senhora, ficou extasiado! Quando terminou a visão, tinha perdido um olho só. Era uma misericórdia de Nossa  Senhora para ele.

Está bem. Ele foi vivendo, mas continuou com vontade de ver Nossa Senhora mais uma vez. E aquela vontade, vontade ia aumentando… O Anjo lhe apareceu e disse: “você sacrifica o outro olho para ver Nossa Senhora?” Ele respondeu “sim!”

Nossa Senhora lhe apareceu de novo, ele se extasiou! Quando Nossa Senhora na visão se desfez, ele tinha ficado curado da vista cega e não tinha perdido a outra…

Quer dizer, ele deu isso para ver Nossa Senhora uns instantes numa visão. O que seria passar um dia com a Sagrada Família? No Céu, com a misericórdia de Nossa Senhora, vamos ter uma eternidade junto com a Sagrada Família.

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A Santa Casa onde viveram Nossa Senhora, São José e nosso Divino Salvador, e que atualmente se encontra em Loreto (Itália)

(*) Livro dos Provérbios 31,10-13.19-20.30-31:

10Uma mulher forte, quem a encontrará? Ela vale muito mais do que as joias. 11Seu marido confia nela plenamente, e não terá falta de recursos. 12Ela lhe dá só alegria e nenhum desgosto, todos os dias de sua vida. 13Procura lã e linho, e com habilidade trabalham as suas mãos.

19Estende a mão para a roca, e seus dedos seguram o fuso. 20Abre suas mãos ao necessitado e estende suas mãos ao pobre.

30O encanto é enganador e a beleza é passageira; a mulher que teme ao Senhor, essa sim, merece louvor.

31Proclamem o êxito de suas mãos, e na praça louvem-na as suas obras!

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