Santo do Dia, 20 de agosto de 1968
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Verdadeiro retrato de Santa Joana de Chantal, cujo original, pintado em 1639, se encontra no convento das Visitandinas em Turim
Santa Joana de Chantal viveu de 1572 a 1641. Foi canonizada em 1769. Viúva do Barão de Chantal, ela fundou com São Francisco da Sales a Ordem da Visitação. Foi avó da famosa Madame de Sevigné.
“Chegado o dia de sua partida, Santa Joana, que era viúva, devia deixar os seus familiares para ir para o convento que ela ia fundar. A santa viúva, que morava com seu sogro, Barão de Chantal, ajoelhou-se pedindo-lhe a bênção e pediu que a perdoasse se lhe desgostara em alguma coisa, e recomendou-lhe seu filho. O ancião de 86 anos estava inconsolável; abraçou sua nora e desejou-lhe completa felicidade. Os habitantes da região de Monthelon, sobretudo os pobres, acreditando que com essa partida tudo perdiam, testemunhavam publicamente a sua dor”.
Castelo de Monthelon, onde viveu Santa Joana de Chantal
“Em Dijon ela fortificou-se com a Santa Comunhão contra a fraqueza que ela previa aproximar-se quando da separação de seu filho. Enfim, chegando a hora disse adeus a todos os seus parentes. Depois, ajoelhando-se aos pés de seu pai, pediu-lhe a bênção e que cuidasse do filho que ela deixava. Monsieur Frémyot, o velho presidente do parlamento da Bourgogne, que era pai dela, sentiu-se desfalecer. Abraçou chorando a sua filha e disse: ‘Meu Deus, não me pertence mudar os Vossos desígnios. Entretanto eu Vos ofereço esta filha querida, recebei-a e consolai-me’. Depois lhe deu a bênção e a ajudou a erguer-se.
“O jovem Chantal, seu filho de 15 anos, correu para ela e prendeu-se a seu pescoço esperando comovê-la. Não tendo êxito, deitou-se ante a porta por onde ela deveria sair e lhe disse: ‘Sou muito fraco, senhora, para vos reter. Mas ao menos dirão que passastes sobre o corpo de vosso filho único para o abandonar’. A santa chorou amargamente passando pelo jovem, mas instante depois, temendo que pensassem que se arrependia de sua decisão, voltou-se para os que a acompanhavam e com uma face serena disse: ‘É preciso que perdoeis a minha fraqueza, pois deixo meu pai e meu filho para sempre, mas encontrei o meu Deus em toda parte’.”
Os senhores estão vendo o trágico da cena. Santa Joana de Chantal era viúva e era uma pessoa de índole boníssima, cumpridora de todos os seus deveres de família e capaz de atrair toda a amizade, todo o afeto de uma família boa. Se fosse de uma família corrompida, naturalmente seria muito perseguida. Mas tratava-se de um ambiente muito bom, de maneira que era muitíssimo estimada por todos os seus.
Quando ela era o arrimo da velhice – do ponto de vista afetivo e não financeiro – de seu velho sogro, de seu pai, de seu filho, Deus a tocou com a graça da vocação e lhe pediu que estraçalhasse aqueles vínculos de afeto que em torno dela se haviam constituído, para ser fundadora de uma nova família religiosa, de maneira que não mais a poderiam ver.
E ela, cuja bondade tinha criado aqueles vínculos, era chamada portanto a renunciar esses vínculos e, por assim dizer, a destruí-los. Era uma superação de toda a vida anterior dela. Até então tinha sido uma ótima membro de sua família. Deus lhe pedia que oferecesse algo a mais do que a bondade que se tem na família, e era a bondade que se tem adotando o estado religioso e rompendo com os laços de família, entretanto tão santos. Coloca-se, então, essa situação trágica: abandonará seu sogro, abandonará seu pai, abandonará seu filho…
São Francisco de Sales (1567-1622), bispo-príncipe de Genebra e de Annecy, Doutor da Igreja, entregando à santa Joana de Chantal as Regras da Ordem da Visitação. A influência de um e de outro – nobres de nascimento – os coloca entre os mais ilustres personagens da França na época de Luís XIII e Luís XIV (Noël Halle, igreja Saint-Louis-en-l’Ile, Paris)
Se imaginássemos a mesma situação acontecendo hoje, teríamos uma diferença de ambientes muito grande. E constituiria no seguinte: tudo se passaria com muito menos solenidade e muito menos gravidade.
Os senhores não imaginam hoje uma senhora viúva, moça, que deixa a casa paterna para entrar para o convento e que faz todo esse cerimonial antes de ir embora: ajoelha-se diante do velho ancião de 86 anos, pede perdão por tudo quanto lhe fez antes e pede a bênção. O ancião, de seu lado, quase como uma figura de tragédia grega, dela se despede com lágrimas e a entrega a Deus. Depois, outra despedida assim de seu velho pai: nova genuflexão, nova prostração, novas lágrimas e, por fim, o lance dramático do filho.
O filho pendurou-se em seu pescoço pedindo para que não entrasse no convento; ela se recusou-se. Deitou-se ele, então, na soleira da porta e disse: “Já que eu não tive força para vos reter, ao menos se dirá que a senhora passou sobre o corpo de seu filho para ir para o convento”. Em outros termos equivalia a dizer: “a senhora está me abandonando”.
Os senhores estão vendo o trágico de todos esses lances…
Por que esses lances hoje não teriam esse caráter trágico?
A moça ao se despedir do sogro (habitualmente as relações da nora com o sogro são das mais tensas), podemos imaginar um diálogo desse gênero:
– Olha aqui, sr. fulano, eu vim me despedir do senhor…
– Eh! eh! eh!…
– Porque eu vou entrar para o convento!
– Ah! Você vai entrar para o convento? Não diga… ah! Está bom, sei… Olhe, você pensou bem no que você vai fazer?
– Pensei sim.
– Está bom, seja feliz. Até logo.
Pronto, está acabado, está feita a despedida.
Com o pai, uma despedida mais ou menos desse modo:
– Papai, até logo, vou para o convento.
– Não diga! Você para o convento? que idéia é essa?
– É, eu resolvi. O senhor sabe, eu me sinto mais feliz lá.
O pai olha e diz: “Não, é bem esta hora ainda para ver a televisão, mas muda de canal, pois agora deve começar um programa interessante em um canal… Bom, o que você ia dizendo? Que você vai para o convento, é?
– É, papai, eu vou então para o convento, eu vou agora.
– Mas já assim de uma vez, é?
– Papai eu já estou com a mala pronta.
– Ah! Bom, se você já aprontou a sua mala, até logo.
E a filha vai para o convento. Ao menos num país modernizado como é o Brasil as coisas se passariam assim. Talvez em outros fosse ainda pior, no estilo de dizer by-by enquanto masca chicletes e dá aquele sorriso igual para todas as ocasiões e pessoas e está tudo acabado.
Por que tanto cerimonial naquele tempo e tanta ausência dele, tanta superficialidade em nossos dias? É porque nós fomos habituados pelo mundo de Hollywood a não pesar as coisas até o fundo, a não entrar no cerne do significado das coisas e a só nos incomodarmos conosco e a não pensarmos nos outros.
Resultado: para o velho sogro, o problema importante é o jornal que chega de manhã, o leitezinho que toma, a televisão, o chinelo, a saúde… para isso, cuidados de toda ordem. Lê uma notícia sobre o início das cirurgias de transplante de coração para ver se dá para transplantar um nele e viver mais 30 anos… Isto é o importante. A nora que vai ou não vai para o convento já é uma coisa acessória, porque se não tiver nora, ele contrata uma enfermeira para cuidar de si e a vida toca a andar para frente do mesmo jeito…
Também a idéia de ir para o convento não se reveste daquele aspecto semitrágico de outrora, porque o convento é um convento “aggiornato”, não é um convento como de antigamente. A idéia do convento de antigamente era: altas ogivas, torres, sinos, véus, solenidades, compunção, o todo de uma religiosa envolta nos crepes e nos rosários, inteiramente entregue a Deus.
Hoje, não é raro encontrar religiosas “de matéria plástica”, e mesmo essas que antecederam ao estouro atual, não é raro concebê-las em meio a gargalhadas, pois tudo é engraçado, alegre, leve, e vai se espevitando de um lado para outro… O traje preto para religiosas desse tipo já era uma coisa que não tinha relações com a alma, era uma coisa postiça. Quer dizer, o senso da Cruz, da gravidade das coisas, de toda a renúncia que significa alguém ficar religioso, o senso de toda a dignidade que a pessoa assume quando fica religioso, daquele conúbio com Nosso Senhor Jesus Cristo, com toda a serenidade que traz, nada disto está presente a não ser nas fórmulas. Os espíritos perderam a noção disto.
O resultado é que os grandes lances não têm mais essa acuidade, esse caráter dramático, mas são episódios banais.
Assiste-se tanto cinema, tanta televisão, vêem-se tanto drama, tanto romance, tanta despedida, tanto reencontro, que todo mundo já está saturado! Já aconteceram demais coisas. Resultado: já não dá mais para se emocionar com nada. Os atos da vida cotidiana, que teriam tanta grandeza, se esvaziam completamente.
Então, qual é a grande lição que devemos tirar dessa narração?
É – antes de tudo – o espírito profundo da Santa Joana de Chantal que correspondeu à vocação. Ela compreendeu qual é a verdadeira glória da família. Ou seja, que esta é uma instituição tal, que quando Deus lhe dá tudo, a família se supera a si mesma e tende, por uma dilaceração, a produzir filhos religiosos, filhos missionários, filhos guerreiros, filhos apóstolos que são obrigados a se separar dela para realizar a vontade de Deus.
A profundidade de espírito de Santa Joana de Chantal: 1) renunciando a tudo para ser religiosa nesse convento que ia fundar e que tinha todo o aspecto de uma aventura; 2) no ambiente de civilização cristã em que vivia, em que tudo se media, em que tudo se pesava e que, por causa disso, revestia de solenidade e de características próprias todos os atos da vida, esta profundidade de espírito prepara a alma para amar a Deus.
“O reino dos Céus é dos violentos” (Mt. 11,12), está escrito no Evangelho. O reino dos Céus é dos profundos, porque ninguém consegue ser “violento” (no sentido evangélico da expressão) a não ser numa das duas circunstâncias: ou sendo playboy ou sendo profundo. E é claro que a violência do playboy não agrada a Deus, e a “violência” dos profundos é que agrada a Deus.
Então, pedirmos a Nossa Senhora que faça viver em nós essa tradição de profundidade de espírito que encontramos em alguns fiapos da vida dos nossos maiores, dos nossos antepassados, e que vive ainda de algum modo em nós. E que o Grupo procura incutir em seus membros. Profundidade de espírito que é o contrário do egoísmo, que é seriedade, abnegação, e que faz com que tenhamos almas que, por serem profundas, podem encher-se da graça de Deus Nosso Senhor, concedida pelas mãos de Maria.
Que amanhã especialmente, vós façais com profundidade de espírito a vossa coleta de assinaturas (para a mensagem a Paulo VI implorando medidas contra a minoria católica subversiva, n.d.c.) no Viaduto do Chá. Que vós façais essa coleta lembrando-vos das finalidades superiores dela.
Profundidade de espírito. De todos os modos, sede profundos! Deus vos amará inteiramente. O amor dEle vai para as almas profundas. O Espírito Santo procura as almas profundas para nelas se comprazer.