Santa Genoveva: Fé e Idade Média – naturalismo e ceticismo do mundo revolucionário

Santo do Dia, 3 de janeiro de 1966

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Santa Genoveva (419-512), padroeira de Paris

Hoje é festa de santa  Genoveva, virgem. Ficha biográfica de autoria de Dom Guéranger:

“Genoveva foi célebre no mundo inteiro.  Ela ainda vivia e já no oriente  conheciam o seu nome e suas virtudes.

“Do alto de sua coluna, o estilita [São] Simeão a saudava como sua irmã na perfeição do Cristianismo.

“A capital da França foi-lhe confiada. Uma simples pastora protege os destinos de Paris como um pobre lavrador, santo Isidoro, vela sobre a capital dos espanhóis.

“A escolha que Cristo dignou-se a fazer da jovem de Nanterre para sua esposa, foi relatada por um dos maiores bispos da Gália no século V.

São Germano de Auxerre dirigia-se à Grã-Bretanha pelagiana, aproximadamente no ano de 430.

“Acompanhado de São Lupo, bispo de Troyes, que devia compartilhar sua missão, ele se deteve na vila de Nanterre. E como os dois prelados dirigiam-se para a igreja, onde queriam rezar pelo êxito de sua viagem, o povo fiel rodeou-os com piedosa curiosidade.

“Iluminado por uma inspiração divina, Germano discerniu na multidão uma menina de sete anos, e foi advertido interiormente que o Senhor a escolhera e a elegera singularmente. Perguntou aos assistentes o nome da criança e pediu que a trouxessem em sua presença. Fizeram-na aproximar-se com os pais:

– “Esta criança é vossa?” disse-lhe Germano.

– “Sim, senhor”, responderam-lhe eles.

– “Felizes pais de uma tal filha” – respondeu o bispo. “Quando esta criança nasceu, ficai sabendo, os Anjos fizeram grande festa no Céu. Esta jovem será grande diante do Senhor, e pela santidade de sua vida afastará muitas almas do jugo do pecado”.

“Depois voltando-se  para a criança:

– Genoveva minha filha – disse-lhe.

“Pai santo”- respondeu ela – “vossa serva escuta”.

“Volta-se Germano:

– “Fala-me sem medo: quererias consagrar-te a Cristo numa pureza sem mancha, como sua esposa?”

 Resposta dela:

– “Bendito sejais, meu Pai! O que me pedis é o mais caro desejo de meu coração. E tudo quanto quero, dignais pedir ao Senhor que me conceda”.

– “Tem confiança, minha filha” – respondeu-lhe Germano – “sê firme em tua resolução, que tuas obras sejam conformes à tua fé, e o Senhor juntará sua força à tua beleza”.

“E depois dessas profecias, ela deu a grande Santa Genoveva que salvou Paris de um ataque dos bárbaros, com o Santíssimo Sacramento”.

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Pintura representando Santa Genoveva diante do Hôtel de Ville. À direita, cena recordando o fato dos unos sendo rechaçados  (anônimo, Museu Carnavalet, Paris)

Os senhores todos conhecem esse último episódio, com certeza, é uma das maiores figuras da História naquele tempo.

Como de costume, vamos fazer alguns comentários sobre vários aspectos dessa narração.

Vejam quais são os elementos que explicam o admirável florescimento de almas na Idade Média. Vejam os  homens que figuram nessa história. Em primeiro lugar é o Papa São Bonifácio que manda São Germano de Auxerre para ir defender a Inglaterra contra os pelagianos, e São Germano tem como companheiro de viagem um outro santo que é São Lupo, bispo de Troyes. Quer dizer, são dois bispos, são dois santos mandados por um Papa santo, para defender um País que está ameaçado pela heresia.

Os senhores compreendem o calor de santidade, a intensidade de vida espiritual, o que era afinal de contas esse florilégio enorme de santos sobre os quais a Idade Média,  ponto por ponto, vinha se construindo.

Eles vão viajando e passam por uma cidadezinha pequena que é Nanterre. E qual é o resultado? O primeiro passo não é para o hotel, ou para  a hospedaria, ou para um lugar onde possam se divertir. Mas após uma viagem fatigante, o primeiro passo é ir à igreja para rezar. E tal é a iluminação desses  personagens, tal o seu prestígio, tal a atração que exercem que, apenas tendo entrado na igreja, o povo os rodeia e começa a olhá-los e rezar.

Então os  senhores têm o povinho fiel, os camponesinhos com jeito naturalmente do que seriam os do tempo de Santa Joana d´Arc, alguns séculos depois, rodeando os dois bispos, que, recolhidíssimos diante do Santíssimo Sacramento, numa pequena capela, estão fazendo uma oração intensa. E o povo olhando assim, maravilhado…

Os  senhores reparem como temos poucas ocasiões de ver assim dois bispos santos, rezando numa capela do Santíssimo Sacramento, e um povinho maravilhado olhando…

Então, de repente, nesse ambiente de fervor, uma graça do Céu baixa sobre um dos bispos. E esses dois santos, mandados por um terceiro santo, distinguem aí uma grande santa. E é uma menina de sete anos. Eles chegam, e diante de todo povo embaído, um deles faz a profecia do que a menina haveria de ser. E começa, por dizer assim: “fique sabendo que no Céu houve uma grande alegria quando essa menina nasceu”.

Imaginem a maravilha de toda a aldeinha… Pois se os senhores precisam imaginar uma pequena aldeia onde isso tudo é notícia, é novidade: chegam os bispos, o que já é um acontecimento coisa enorme… De repente, os bispos falam da fulaninha que eles veem correr descalça pelas rudimentares vias da cidade. E esta menina, quando nasceu, houve alegria no Céu!… Ninguém duvidou, ninguém pediu provas, todo mundo acreditou. Porque são os tais “bem-aventurados que creem sem ter visto”.

Todo mundo acredita: a menina, o pai também. É tão natural ter havido alegria no Céu por uma menina santa que nasceu!… Os santos são tão frequentes! São tão numerosos! Estão com um contato tão contínuo com o Céu que eles sabem o que se passa lá! É natural! É uma comunicação normal!

Como isto é diferente desta distância que nos separa do sobrenatural, que nos separa do Céu, mas de léguas! E uma coisa para ser admitida como vinda do Céu, nós nos apetrechamos de todas as “armas” do ceticismo e do naturalismo revolucionário para ver se conseguimos negar, e só depois, sem grande entusiasmo, é que o homem contemporâneo se resigna – de quando em vez – a admitir que aquilo vem do Céu…!

Pelo contrário, São Germano imediatamente resolveu a situação da menina. Ele a chama, a menina não pergunta porquê, nem nada disso:

– Menina, você quer consagrar-se a Deus?

Ela:

– Meu pai, é o mais caro desejo de meu coração!

Já sai de lá para o convento! Está tudo liquidado… E fica naquela cidade um sulco de luz. A cidade começa a ter História. Nasce para a História a cidadezinha porque um grande fato sobrenatural nela se passou…

Pode-se imaginar o complemento: ela provavelmente dali mesmo foi levada para o convento pelos pais.

Chegam num convento onde a prioresa ou a abadessa seria uma santa Hagadulfa, Hagadonga, ou uns nomes meio estranhos daquele tempo, mas santa de verdade.

Chegam e dizem: “Viemos trazer essa menina”.

A abadessa nunca diria: “ah! como ela é engraçadinha…” Mas sim: “Essa menina parece ter o espírito de Deus!”

É possível que Santa Genoveva tenha acrescentado: “Tenho mesmo”. É possível, é possível e sem a mínima megalice, vaidade. E é possível que a abadessa perguntasse para a mãe: “Mas por que trazes a menina?”

– “Ah, porque São Germano de Auxerre e São Lupo de Troyes disseram que a menina tinha assim…” Ah! Ela não vai perguntar se tinha o atestado timbrado da Cúria nem nada disso. Acredita também, recolhe a menina no convento e já começa a crescer em santidade por lá…

A menina vai se elevando como cedro do Líbano. Ela cresce e enche o panorama com sua presença, com seus estilos, florescendo como uma flor no centro do jardim do Ocidente. Não há imprensa – oh! que felicidade!… – não há rádio, não há televisão e, entretanto, sua fama voa. As pessoas andavam muito naquele tempo e havia comunicação como a gente nem  imagina!

Para os senhores terem uma ideia disso: um fato me chamou enormemente a atenção. Quando eu tinha tempo de ler revistas de história, deparei-me com um artigo narrando que uma das maiores coleções de moedas bizantinas, portanto de Constantinopla, se  encontram nos museus de Noruega e da Suécia. Por quê? Porque os bárbaros provenientes de lá desciam a pé, através da Rússia, para vender peles em Constantinopla. Voltavam depois com moedas naturalmente constantinopolitanas, que eles (bárbaros) não tendo onde guardar, enterravam no chão em lugares em que sabiam quais eram. Depois, com as migrações e outros fatores, aquilo acabava ficando no chão.

De maneira que há numerosíssimas moedas de ouro, dos imperadores de Constantinopla, guardadas nos museus da Noruega e da Suécia, constituindo as  melhores coleções do gênero.

Assim, os srs. estão vendo como aquela gente se deslocava, andava e se comunicava.

Voltando à narração dessa ficha. No Oriente, no outro confim do mundo cristão, temos São Simeão Estilita, na Ásia Menor, que ouve falar de Santa Genoveva. Era o famoso santo que vivia no alto de uma coluna e que dela nunca descia, rezando muito, sendo uma forma de verdadeiro eremita.

Ele ouve falar de suas virtudes e por esses “radares” que os santos têm para se sentirem uns aos outros, compreendeu que Santa Genoveva era sua irmã espiritual e a saudou de longe, do alto de sua coluna, a esta flor que nasceu no “doux pays de France” [doce país de França].

Os  senhores estão vendo os contatos que se faziam passando por sobre as vastidões desertas e povoadas, e esses dois santos formando uma espécie de arco voltaico de santidade naquela época.

Depois disso, “rejubilem-se” de viver em 1966, porque é realmente “muito bonito”, “muito agradável”!…

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