Santo do Dia, 22 de dezembro de 1969
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Deram-me para comentar hoje uma biografia de Santa Francisca Xavier Cabrini, tirada da obra de Wilhelm Schamoni “A verdadeira fisionomia dos santos”. O texto é o seguinte:
“Esta santa, nascida a 15 de junho de 1850, era a décima terceira filha de um piedoso matrimônio de camponeses da Lombardia. A sagrada Confirmação, na idade de sete anos, foi, para ela – como para Santa Rosa de Lima e tantas outras santas – a hora da sua vocação e entrega a Deus. No momento em que foi ungida, diz: Senti algo que nunca saberei explicar. Acreditei não me encontrar na Terra, tão cheio senti o coração de uma puríssima alegria, que não sabia dizer o que experimentei. Sei que era o Espírito Santo.
“Foi professora. Várias vezes tentou ingressar no convento, porém sempre teve que desistir da ideia, por causa de sua debilidade física. Seu desejo mais ardente era o trabalho missionário. Seu antigo pároco foi buscar aquela professora de 24 anos para levá-la a Codogno, e pedir-lhe que pusesse em ordem a casa-asilo da localidade. Depois de três anos ela possuía um grupo de sete colaboradoras, que com ela fez votos religiosos, o que lhe acarretou dificuldades com os diretores da casa. O bispo de Lodi dissolveu, sob pena de excomunhão, a pequena congregação que se iniciava.
“Durante esses anos de prova, foi seu propósito acompanhar Jesus na agonia, no combate das Oliveiras, até o fim do mundo, enquanto os discípulos, os superiores, dormiam. Ao dissolver-se a casa conventual, disse-lhe o bispo: Sei que queres ser missionária. Não sei de nenhuma congregação religiosa apropriada para ti. Funda uma. A santa refletiu durante alguns momentos e disse com energia: Procurarei uma casa! Dessa casa surgiam outras, e Leão XIII, numa audiência concedida à jovem fundadora das Missionárias do Sagrado Coração, indicou-lhe a América do Norte como campo de atividade, onde poderia influir em milhões de imigrantes italianos, muitos dos quais, exilados de sua religião e de sua pátria, deixavam atrofiar-se sua alma, vivendo nos desertos de pedra das grandes cidades.
“Trinta vezes cruzou Francisca Xavier o Atlântico e recrutou milhares de irmãs que levou para seus hospitais, escolas e orfanatos. Trabalhemos, trabalhemos, dizia continuamente a suas companheiras. Teremos uma eternidade para descansar. Se trabalharmos retamente, o Senhor fará o resto. A santa, cujo lema foi Amar ou morrer, caiu fisicamente esgotada no dia 22 de dezembro, de 1917, em Chicago. Sua festa se celebra nesse mesmo dia”.
Essa biografia sugere uma porção de ideias, sendo a mais importante – e que se relaciona com as tristezas do Menino Jesus nesse santo Natal – a que se relaciona com a vocação que ela sentia de reparação, e de reparação até o fim do mundo! Sofrer a agonia com Nosso Senhor no Horto, pelo sono e pela indiferença dos maiores e dos superiores. Isso é o que está escrito aqui.
A ideia é muito bonita! Em primeiro lugar, a de reparação. Nós sabemos o que essa ideia significa. Segundo a ordem das coisas humanas, um homem pode ter uma dívida muito grande e não dispor dos recursos com que pagá-la. Se, entretanto, tem um amigo rico, este último pode lhe pagar a dívida por ele. Desse modo fica assim isento das penalidades que decorrem do fato de não o fazer. Ora, isso que é tão fácil de compreender nas relações terrenas, sendo um fato corrente, tem uma realidade muito mais alta no que diz respeito às nossas relações para com Deus.
Temos, para com Deus Nosso Senhor, dívidas: cometemos pecados, os quais retraem para longe de nós a graça de Deus. É necessário que alguém pague por nós, porque o pecador não é capaz de fazê-lo por si. Pois ele está em estado de pecado! Ele não é grato a Deus. Tudo aquilo, portanto, que ele faz, de nenhum modo pode ser aceito por Deus. É preciso que um inocente pague pelo pecador, que sofra em si – por assim dizer, é claro que estou falando de um modo algum tanto metafórico – a quantidade de padecimento correspondente à quantidade do gozo ilícito que teve o pecador.
Mais precisamente, imaginemos um homem que passou um ano sem ir à Missa, por preguiça, gozando um repouso ilícito. Porque aquelas horas que ele deveria ter um incômodo – ora maior, ora menor – de se deslocar de sua casa, de interromper o sono, ou uma diversão, para ir à Missa, nessas horas esteve gozando algo. Mas era algo do qual não tinha direito. Então, para falar numa linguagem análoga, é preciso que alguém padeça um sofrimento que pague aquele gozo dele. Aquele gozo ilícito tem que ser purgado e remediado por alguém. Então é preciso haver alguém inocente que sofra por ele, como que resgatando aquele gozo ilícito que teve, de maneira que a cólera de Deus se aplaque por causa disso.
Esse é – em termos talvez um pouco palpáveis e geométricos demais – o pensamento que está na ideia da reparação.
Então, muitas vezes Deus pune o pecador como reparação. Quer dizer, faz-lhe acontecer algo de ruim, para que se resgate por essa forma o gozo ilícito que teve. Mas às vezes Deus aceita que outro – inocente – sofra pelo pecador. Porque o pecado pode ter sido tão grande, que uma pessoa só não basta para expiá-lo; ou porque Deus quer receber essa prova de amor de uma outra alma: “Venha e expie”. Então, é Deus que convoca almas para expiarem por outras.
Não sei se está bem clara essa noção de reparação. Reparar, o que quer dizer aqui? O que quer dizer, por exemplo, reparar um tecido estragado? É restaurá-lo. É tecer de novo – a cerzideira faz isso – as fibras do tecido que se haviam rompido. Assim também, reparar por alguém é restaurar a situação desse alguém junto de Deus, sofrendo por ele, de maneira que a misericórdia de Deus baixe sobre ele, e assim receba novas graças e possa se converter. Nosso Senhor Jesus Cristo, na Cruz, ofereceu um sofrimento reparador. Foi a reparação por excelência. A única reparação plena, total e verdadeira foi a de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas quis que nós, homens, completássemos a eficácia de Seu sofrimento, padecendo uns pelos outros. Ele nos convida a um sofrimento reparador. Ele nos bate na alma e diz: “Meu filho, não quer aceitar tal sofrimento para expiar os seus pecados? Não quer aceitar um tal sofrimento pelo bem da Igreja Católica? Pelo bem daquela ou daquela outra alma? Eu lhe peço por esmola, meu filho. E sofra por essa intenção”. E a graça então nos apresenta essa ou aquela intenção: uma pessoa que se quer converter, um defeito nosso e se que quer eliminar. A gente sofre por causa disso. Isso é a reparação.
Nossa Senhora, infinitamente abaixo de Jesus Cristo, incomensuravelmente acima de qualquer ser criado, é uma alma ardentemente reparadora. As sete chagas, os sete gládios que Ela teve no coração que simbolizam as Suas sete grandes dores, esses sete gládios foram de reparação pelos homens.
Nós devemos ser almas reparadoras também. Aceitar sofrer para que as coisas andem bem, para que nossa alma vá bem, para que as almas dos outros vão bem.
Quantas vezes vejo gente empenhada em apostolado. Eu penso: Coitado! Ele se esforça tanto! Será que ele reza? Às vezes vejo alguém que se esforça e reza. Eu penso: Coitado! Ele reza tanto! Será que ele repara? Será que sofre por alguém?
Essa necessidade da reparação é enorme e Santa Francisca Xavier Cabrini tinha esse zelo. Mas vejam qual era o ponto dela! O ponto era o seguinte: assim como os Apóstolos, que eram os primeiros bispos, tinham agido vergonhosamente no Monte das Oliveiras, assim ela também via a Hierarquia agir mal. E reparava a preguiça, a modorra, a infidelidade, o egoísmo dos grandes da Igreja e da ordem temporal, em sua época.
Então aí vem narrado todo seu esforço enorme para trabalhar nos Estados Unidos, chamando almas por meio da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, chamando almas à perseverança na fé, de um lado.
Mas ela oferecia esse trabalho com uma intenção reparadora pela Igreja, pelos grandes no campo temporal. Quem sabe se o sacrifício dela concorreu muito para que São Pio X – o santo admirável, o perfeito – sucedesse a Leão XIII no trono pontifício, e causasse aquela derrota tremenda que o modernismo, o progressismo sofreu em seu tempo?
O fato é que ela foi chamada a um apostolado lindíssimo: preservar do ambiente hollywoodiano os imigrantes italianos que iam para os Estados Unidos. Os senhores precisam considerar que o italiano que ia para lá se encontrava em situação muito diferente do italiano que veio ao Brasil. Com efeito, quando chegaram aqui, encontravam um país católico, de mentalidade latina, como aconteceu com o resto da América do Sul, na Argentina, no Uruguai. Fundiram-se completamente. Não houve problema.
Os senhores imaginam aqueles milhões de italianos que desembarcavam nos Estados Unidos: as apostasias eram incontáveis. Então Leão XIII mandou para lá essa santa, para fazer missões. E foi santa no meio dos arranha–céus, da fumaça, da trepidação industrial, do corre-corre, ela mesma muita ativa dando o modelo da alma contemplativa e reparadora. Que admirável exemplo para nós!
Nesse Natal, em que o Menino Jesus sofre no berço em Belém – para Deus não há passado, nem presente, nem futuro – nesse Natal em que Ele padece por tanta miséria dos grandes dentro da Igreja, dentro da sociedade civil – mas, sobretudo, dentro da Igreja -, tenhamos o espírito de reparação. E peçamos a Nossa Senhora que Ela tome os nossos miseráveis sacrifícios, os eleve, os enriqueça, os santifique e apresente a Deus Nosso Senhor.
Nossa Senhora é a Medianeira universal das reparações. É por Sua intercessão que todas as reparações devem ir ao Céu. É por Ela que desce todo o desejo de reparação sobre a Terra. Que Nossa Senhora, portanto, nos ajude nesse espírito reparador.