“Revolução e Contra-Revolução” – Obra nascida também da pergunta: qual é o “unum” dessa batalha? Seria ela um santo caos? Pode um caos ser santo?

Auditório Nossa Senhora Auxiliadora, 11 de agosto de 1995

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.

 

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Versões da RCR nos mais variados idiomas, inclusive em chinês tradicional (mandarim)

 

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“Revolução e Contra-revolução”, Introdução:

“Catolicismo” dá a lume, hoje, seu centésimo número, e quer assinalar o fato marcando a presente edição com uma nota especial, que propicie um aprofundamento da comunicação de alma, já tão grande, que tem com seus leitores.

Para isto, nada lhe pareceu mais oportuno do que a publicação de um artigo sobre o tema Revolução e Contra-Revolução.

É fácil explicar a escolha do assunto. “Catolicismo” é um jornal combativo. Como tal, deve ser julgado principalmente em função do fim que seu combate tem em vista. Ora, a quem, precisamente, quer ele combater? A leitura de suas páginas produz a este respeito uma impressão talvez pouco definida. É frequente encontrar, nelas, refutações do comunismo, do socialismo, do totalitarismo, do liberalismo, do liturgicismo, do maritainismo, e de outros tantos “ismos”. Contudo, não se diria que temos tão mais em vista um deles, que por aí nos pudéssemos definir. Por exemplo, haveria exagero em afirmar que “Catolicismo” é uma folha especificamente antiprotestante ou anti-socialista. Dir-se-ia, então, que o jornal tem uma pluralidade de fins. Entretanto, percebe-se que, na perspectiva em que ele se coloca, todos estes pontos de mira têm como que um denominador comum, e que é este o objetivo sempre visado por nossa folha.

O que é esse denominador comum? Uma doutrina? Uma força? Uma corrente de opinião? Bem se vê que uma elucidação a respeito ajuda a compreender até suas profundezas toda a obra de formação doutrinária que “Catolicismo” veio realizando ao longo destes cem meses.

*   *   *

O estudo da “Revolução e da Contra-Revolução excede de muito, em proveito, este objetivo limitado.

Para demonstrá-lo, basta lançar os olhos sobre o panorama religioso de nosso País. Estatisticamente, a situação dos católicos é excelente: segundo os últimos dados oficiais, constituímos 94% da população. Se todos os católicos fôssemos o que devemos ser, o Brasil seria hoje uma das mais admiráveis potências católicas nascidas ao longo dos vinte séculos de vida da Igreja.

Por que, então, estamos tão longe deste ideal? Quem poderia afirmar que a causa principal de nossa presente situação é o espiritismo, o protestantismo, o ateísmo, ou o comunismo? Não. Ela é outra, impalpável, sutil, penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade. Todos lhe sentem os efeitos, mas poucos saberiam dizer-lhe o nome e a essência.

Ao fazer esta afirmação, nosso pensamento se estende das fronteiras do Brasil para as nações hispano-americanas, nossas tão caras irmãs, e daí para todas as nações católicas. Em todas, exerce seu império indefinido e avassalador o mesmo mal. E em todas produz sintomas de uma grandeza trágica. Um exemplo entre outros. Em carta dirigida em 1955 [por lapso, em algumas edições está como sendo de 1956, n.d.c.], a propósito do Dia Nacional de Ação de Graças, a Sua Eminência o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, Arcebispo de São Paulo, o Exmo. Revmo. Mons. Angelo Dell’Acqua, Substituto da Secretaria de Estado, dizia que, “em consequência do agnosticismo religioso dos Estados”, ficou “amortecido ou quase perdido na sociedade moderna o sentir da Igreja”. Ora, que inimigo desferiu contra a Esposa de Cristo este golpe terrível? Qual a causa comum a este e a tantos outros males concomitantes e afins? Com que nome chamá-la? Quais os meios por que ela age? Qual o segredo de sua vitória? Como combatê-la com êxito?

Como se vê, dificilmente um tema poderia ser de mais flagrante atualidade.

*   *   *

Este inimigo terrível tem um nome: ele se chama Revolução. Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo ( ).

O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução.

A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução.

Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente evoluída e “emancipada” de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade.

A Pseudo-Reforma foi uma primeira revolução. Ela implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, em medida variável aliás nas várias seitas a que deu origem.

Seguiu-se-lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo do igualitarismo em dois campos. No campo religioso, sob a forma do ateísmo, especiosamente rotulado de laicismo. E na esfera política, pela falsa máxima de que toda desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo, e a liberdade o bem supremo.

O comunismo é a transposição destas máximas para o campo social e econômico.

Estas três revoluções são episódios de uma só Revolução, dentro da qual o socialismo, o liturgicismo, a “politique de la main tendue”, etc., são etapas de transição ou manifestações atenuadas. Sobre os erros através dos quais se opera a penetração larvada do espírito da Revolução em ambientes católicos, o Exmo. Revmo. Sr. D. Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos, publicou uma Carta Pastoral da maior importância.

Claro está que um processo de tanta profundidade, de tal envergadura e tão longa duração não pode desenvolver-se sem abranger todos os domínios da atividade do homem, como por exemplo a cultura, a arte, as leis, os costumes e as instituições.

Um estudo pormenorizado deste processo em todos os campos em que se vem desenrolando, excederia de muito o âmbito deste artigo.

Nele procuramos – limitando-nos a um veio apenas deste vasto assunto – traçar de modo sumário os contornos da imensa avalanche que é a Revolução, dar-lhe o nome adequado, indicar muito sucintamente suas causas profundas, os agentes que a promovem, os elementos essenciais de sua doutrina, a importância respectiva dos vários terrenos em que ela age, o vigor de seu dinamismo, o “mecanismo” de sua expansão. Simetricamente, tratamos depois de pontos análogos referentes à Contra-Revolução, e estudamos algumas das suas condições de vitória.

Ainda assim, não pudemos explanar, de cada um destes temas, senão as partes que nos pareceram mais úteis, no momento, para esclarecer nossos leitores e facilitar-lhes a luta contra a Revolução. E tivemos de deixar de lado muitos pontos de uma importância realmente capital, mas de atualidade menos premente.

O presente trabalho, como dissemos, constitui um simples conjunto de teses, através das quais melhor se pode conhecer o espírito e o programa de “Catolicismo”. Exorbitaria ele de suas proporções naturais, se contivesse uma demonstração cabal de cada afirmação. Cingimo-nos tão-somente a desenvolver o mínimo de argumentação necessário para pôr em evidência o nexo existente entre as várias teses, e a visão panorâmica de toda uma vertente de nossas posições doutrinárias.

Tendo “Catolicismo” leitores em quase todo o Ocidente, pareceu conveniente publicar uma tradução deste trabalho, em separata. Preferimos o francês, já consagrado pela tradição diplomática, por ser o idioma de país católico mais universalmente conhecido.

Este artigo pode servir de inquérito. O que, no Brasil e fora dele, pensa exatamente sobre a Revolução e a Contra-Revolução o público que lê “Catolicismo”, que é certamente dos mais infensos à Revolução? Nossas proposições, embora abrangendo apenas uma parte do tema, podem dar ocasião a que cada um se interrogue, e nos envie sua resposta, que com todo o interesse acolheremos.

[fim da leitura da introdução]

* Uma introdução feita de um tal modo que não se pode cortar nem sequer um fragmento, sob pena de perder a visão de conjunto

Deve ter causado surpresa aos senhores que, de ponta a ponta, eu não tenha feito uma interrupção, à guisa de comentário. Mas é que essa introdução é feita de um tal modo que, se se corta, se se quebra de qualquer maneira um fragmento, se perde a visão de conjunto. É necessário apanhar a visão de conjunto, para depois se compreenderem as várias partes de trabalho. É a razão pela qual eu me mantive quieto durante toda a exposição.

Parece-me que o verdadeiro seria, agora, ir – pode ser meio monótono – fazendo a releitura, à qual eu iria pondo os comentários necessários. Assim, eu peço o obséquio de fazerem a leitura, e quando eu tocar a sineta, é para interromper:

“Catolicismo” dá a lume, hoje, seu centésimo número, e quer assinalar o fato marcando a presente edição com uma nota especial, que propicie um aprofundamento da comunicação de alma, já tão grande, que tem com seus leitores.

* Na história da RCR está a história de uma questão que germinava na pré-TFP

Essa primeira frase tem uma origem histórica que ninguém conhece, porque ela germinou apenas no meu espírito.

Nós éramos ainda pouco numerosos, nós nos compúnhamos de dois, ou três, ou quatro grupos que se vinham juntando com o correr dos tempos, e que formavam o núcleo inicial do que seria, depois de algum tempo, a TFP. Era, portanto, uma espécie de pré-TFP, que publicava um jornal que era o “Catolicismo”. E os senhores veem por aí que começa a se mostrar de público já com uma irradiação bastante considerável, porque – como será dito daqui a pouco – mais ou menos em todos os continentes “Catolicismo” já era lido, e já era entendido e apreciado por muita gente.

Mas uma questão ficava de pé, e eu estava notando que esta questão germinava no espírito de muitos daqueles jovens que me acompanhavam nesta primeira “démarche”.

Qual era a questão? A questão está exposta aí.

* Qual é o “unum” dessa batalha?

Em última análise, nós atacávamos toda espécie de males, atacávamos toda a espécie de razões, de desorganização, de decadência, de decrepitude do mundo moderno. Mas, afinal de contas, a tudo isto que nós atacávamos, nós não tínhamos um ponto de unidade para todos esses ataques? Então, a TFP era uma espécie de paulada geral em tudo o que encontrássemos pelo caminho, paulada desordenada, paulada furiosa, paulada realmente animada pela força do amor de Deus e de Nossa Senhora, mas dada à direita e à esquerda, sem maior discernimento?

O que “Catolicismo”, em última análise, queria? Qual é o unum dessa batalha? Havia um unum para essa batalha? Ou ela era um caos, um santo caos? Um sagrado caos, se quiserem, mas era um caos? Pode um caos ser santo? Pode um caos ser sagrado? A santidade não é o contrário do caos? O caráter sagrado não é o contrário do caos?

Então, eu esperava, a qualquer momento, essa pergunta da parte dos meus jovens colaboradores. Não digo da primeira hora só, mas da segunda, terceira e quarta hora…

E eu resolvi escrever então um artigo que tratasse dessa questão. Para escrever o artigo, resolvi retirar-me de São Paulo, durante um número não definido de dias, e ir para um hotel de Campinas, que era naquele tempo bastante apreciado, e ali pôr-me a escrever o artigo.

Mas eu mesmo não sabia muito bem como ordenar o pensamento desse artigo. E não sabia dar, com toda precisão, a resposta à pergunta que eu próprio levantava.

Esse hotel em que estávamos – pois que quase toda a TFP de então foi para esse hotel, nele se hospedou, e nele ficou durante todo o tempo que eu fiquei – havia um salão muito amplo, que tomava, creio eu, todo um andar do hotel, com janelas para duas fachadas diferentes. E os meus jovens amigos ficavam o dia inteiro nesse salão, ocupando lugares diversos. Havia muitos boxes, havia muitos lugares onde ficar, olhando pela janela, brincando uns com os outros, rindo, jogando xadrez e outras coisas, enfim, matando o tempo quanto pudessem.

* Revolução e Contra-Revolução: resposta a uma pergunta

Eu, de meu lado, ficava num canto, começando a pensar e depois a escrever o primeiro trabalho oficial publicado pela TFP, que ainda não existia, que posteriormente haveria de se chamar TFP. E esse trabalho é “Revolução e Contra-Revolução”.

Essa pergunta primeira foi destinada a evitar que os meus primeiros cooperadores, segundos ou terceiros, da primeira, segunda, terceira, quarta hora, tivessem uma sensação de desordem no meu espírito, de desordem nos meus propósitos. Portanto, também desordem na minha atuação. Isto seria muito funesto e eu tinha por primeira razão evitar esta sensação de desordem.

Mas a sensação de desordem foi se remediando à medida que eu fui capaz de proporcionar a mim mesmo a resposta unitária a todo esse caos. Todo esse caos tem uma causa, se tivesse várias causas ele seria um caos. Mas como ele tem uma causa e uma só causa profunda que gera todos os males do mundo moderno, então esta causa tinha como que uma personalidade própria, como que uma razão de ser própria. E o nome dela me foi facílimo encontrar uma vez que eu atinei com o pensamento dominante: era Revolução. [Exclamações.]

* Entendi perfeitamente que o mundo inteiro era sacudido e convulsionado por uma Revolução só

Revolução era o nome do mal que nos vinha trazendo desde o Humanismo e da Renascença até nossos dias, através da Revolução Francesa e de quantos outros males, vinha trazendo até o caos e as desordens dos dias em que eu escrevia. E eu entendi então perfeitamente que o mundo inteiro era sacudido e convulsionado por uma Revolução só. Que todas essas revoluções a que os historiadores dão nomes diversos, todas essas revoluções são aspectos de uma só Revolução, e que essa Revolução única tinha que ter um aspecto, por sua vez, de uma atitude errada do espírito humano num ponto fundamental. Uma vez que se compreendesse o erro fundamental, o erro essencial, compreender-se-ia também facilmente toda a defluência de erros que viriam daí. E então o trabalho estava virtualmente feito.

* Finalidade da Revolução: acabar com todas as desigualdades e estabelecer a igualdade completa, a desordem completa

E realmente tornou-se claro para mim que a Revolução tinha uma finalidade: acabar com todas as desigualdades, e acabando com todas as desigualdades, implantar, portanto, a igualdade completa. A igualdade completa é a desordem completa. A igualdade completa é a Revolução porque ela se levanta contra tudo o que é superior, contra tudo quanto é desigual.

Em última, em última análise – nós ouviremos ao longo da exposição – o primeiro revolucionário foi Satanás. Ele teve revelação da Encarnação do Verbo, teve revelação provável de que o Verbo Encarnado nasceria da Virgem Maria e que a Virgem Maria seria Virgem, Imaculada, etc., etc., e vendo que ele, Satanás, o principal de todos os Anjos, o mais formoso, o mais forte, o mais diligente de todos, que de tal maneira exercia o seu poder sobre o mundo angélico – os homens ainda não existiam, não tinham sido criados –, que ele tinha um nome o mais belo que se pode imaginar: Lúcifer. Quer dizer “lux”, luz; depois “fer”, traz – é verbo latino, “fero, fers” [tuli latum feve?]. Quer dizer, aquele que leva a luz diante de si.

* A negação de Lúcifer diante da Revelação que lhe foi apresentada: “non serviam”

Nós podemos imaginar a beleza das Coortes do Céu, com todos os Coros de Anjos e, à frente de todos, como arquétipo, como a perfeição de todos eles, Lúcifer. Lúcifer que, de repente, é convidado – como todos os outros Anjos – pela Revelação de Deus a reconhecer que Deus haveria de criar homens. Homens que por sua própria natureza eram inferiores aos Anjos. E que desses homens – uma coisa que já o irritava – o Verbo de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se encarnaria, tomaria a natureza humana, e que como tal não era Lúcifer que ia comandar toda a Criação, era o Verbo de Deus Encarnado. Era, portanto, um Homem-Deus, era portanto, Deus, mas Deus num homem, numa natureza inferior à dele que dirigiria todas as Coortes Celestes.

Diante desta revelação ele teve o primeiro golpe, o primeiro brado de Revolução. Esse brado repercute até hoje. Ele disse: Non serviam! “Eu não servirei!” Quer dizer, “eu não me inclinarei, não obedecerei a essa criatura unida ao Criador que Deus quer criar. Eu sou Anjo, sou puro espírito, sou o mais esplêndido de todos os Anjos, eu não aceitarei essa sugestão”.

* Uma Revolução no Céu que foi a primeira de todas as demais

Se ele teve conhecimento da existência da Virgem – também superior a ele embora sem a União Hipostática da natureza humana e da Natureza Divina – o seu ódio ainda deve ter crescido mais. E quando ele bradou “não servirei!” esse brado produziu no Céu, sobre os outros Anjos, uma impressão enorme. É certo, pelo que conta o Gênesis, que um número considerável de Anjos – não sabemos quantos – aderiu a Lúcifer e bradou também “non serviam”. E se estabeleceu – diz isso a Escritura – uma revolução no Céu. A primeira de todas as revoluções. Uma revolução no Céu, dos Anjos que não servem.

* Dois exércitos se formam nos espaços celestes, e esses exércitos travaram uma grande guerra: “Belum magnum factum est in Coelis”

E ato contínuo nasceu gloriosamente, luminosamente uma Contra-Revolução. [Exclamações.] É S. Miguel Arcanjo que sendo embora um Anjo de menor hierarquia do que Lúcifer, obedece a Deus e levanta o estandarte da disciplina, da hierarquia, da obediência, contra o estandarte maldito da desobediência, da insolência, da revolta, da negação de Deus que Satanás tinha levantado.

Dois exércitos se formam, portanto, nos espaços celestes, e esses exércitos travaram – diz ainda a Escritura – uma grande guerra: “Belum magnum factum est in Coelis, uma grande guerra foi feita nos Céus”. E nessa guerra São Miguel Arcanjo – naturalmente favorecido por Deus, protegido por Deus – com os Anjos fiéis teve a vitória. Satanás e seus anjos foram derrubados e atirados para o Inferno para todo o sempre, e os Anjos fiéis ficaram sós, brilhando no Céu.

* A primeira das guerras se dava no próprio Céu

Essa era a primeira Revolução. Modelo e causa profunda das demais revoluções. Então a história do mundo começava antes dos homens – a primeira das guerras se dava no próprio Céu –, os anjos derrotados foram lançados ao Inferno, a uma infelicidade, a uma desgraça eterna. Mas tão completa que nos é difícil conceber esta infelicidade. Quer dizer, nele – e qualquer dos habitantes do Inferno, inclusive os de natureza angélica – nada há que não seja padecimento, dor, sofrimento em tudo, por tudo e a todo o momento.

Ele geme, ele sente dor, ele se revolta, ele sente a inutilidade de sua revolta, ele se levanta contra Deus e sente a onipotência Divina que torna frustra toda a Revolução que ele quer proclamar. Ele está condenado às chamas eternas, a tormentos eternos, a desgraças eternas. Nada nele é senão dor – como eu dizia há pouco –, mas não é só dor: é feiura. Ele se torna hediondo, ele que fora Lúcifer, o príncipe da luz, ele se torna o anjo das trevas. Ele todo é escuro, ele todo é tenebroso, ele todo é torto, ele todo é feio, ele todo é como não se deve ser. E nessa totalidade de desgraças, ele não tem nada, nada, nada que represente para ele um instante de alívio, ou um instante de consolo.

* O duelo existente entre os Anjos que louvam a Deus e os demônios que urram contra Ele

Pelo contrário, ele vê, ele sabe que no Céu paira para todo o sempre, feliz infinitamente e por sua própria natureza, Deus, Nosso Senhor. E que abaixo de Deus estão os Anjos da Fidelidade, estão os Anjos da Hierarquia, estão os Anjos da Disciplina, formados em esquadrões magníficos que cantam cânticos eternos de louvor a Deus e de execração ao demônio.

[Exclamações.] O demônio blasfema eternamente contra Deus, os Anjos cantam eternamente o louvor de Deus.

Há, portanto, um dueto, há, portanto, uma dupla interlocução: os Anjos louvam a Deus, os demônios urram contra Deus. Mas há mais! Ao longo dos tempos Deus desenvolve seu plano. Ele cria os homens, a Encarnação do Verbo se dá nas entranhas puríssimas da Virgem Maria, funda-se a Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana. É verdade que houve o pecado original, mas tendo havido o pecado original, o Verbo que Se fez carne e habitou entre nós, sofreu e morreu por nós na Cruz, nos redimiu, e todos caminhamos nos perigos dessa vida, nas incertezas dessa vida para um futuro esplêndido e luminoso, se soubermos ser devotos e fiéis. E esse futuro é o Céu.

* O desfecho da História, no seu sentido geral, termina num ponto fixo: em determinado momento, Deus resolve que é o fim do mundo

De maneira que, o que talvez se pudesse chamar o desfecho histórico de todos os acontecimentos que houve desde a criação dos Anjos até o Fim do Mundo – isto que é a História tomada em seu sentido geral –, termina num ponto fixo: há um momento em que, pelos pecados dos homens etc., Deus resolve [decretar] o fim do mundo. Mas Nosso Senhor Jesus Cristo com o sopro de sua boca o elimina, o liquida. E, pelo contrário, baixa do Céu em grande pompa e majestade a Santíssima Trindade acompanhada de todos os Anjos e Santos; os homens mortos ressuscitam – tanto os que estão no Inferno, quanto os que estavam no Céu ou estão no purgatório, todos eles ressuscitam – e se realiza o Juízo de Deus. A mais exemplar e magnífica lição de História que se possa imaginar.

* A limpeza do mundo feita pelos lixeiros do mundo – os demônios

Quer dizer, o que é história aí? A história é o seguinte: é um desenvolvimento do plano de Deus da salvação dos homens. Então esse desenvolvimento consiste em que Deus – querendo salvar os homens – fez tudo quanto eu estou dizendo, e salvou incontáveis dentre eles. Mas os que se revoltaram foram jogados no Inferno. E depois de pronunciado esse julgamento, Deus dá ordem aos demônios que empurrem para dentro do Inferno – eles são os lixeiros, eles são o lixo do mundo, aos lixeiros cabe o lixo – empurrarem para o Inferno todas as escórias, todas as matérias fétidas, as matérias sujas, as coisas que não devem existir na terra. Deus pairando sobre todo o universo enquanto os que se salvaram cantam os louvores dEle, Deus dá a ordem ao demônio que comece a limpeza do universo.

E depois de ter jogado toda a sordície do universo no Inferno, onde essa sordície vai tornar ainda mais terrível o destino deles, a infelicidade deles; o mau humor fétido de todas as épocas se soma ao mau humor de todos os pecados, de todos os vícios e de todos os gemidos revoltados. Depois de ter feito isto, Ele dá ordem aos demônios que se precipitem no Inferno a si mesmos, uns aos outros, e vão todos para o Inferno, e os Anjos trancam a porta do Inferno. [Exclamações.]

Nunca mais anjos malditos poderão sair do Inferno. Pelo contrário, o universo criado por Deus, limpo, puro, magnífico, casto, tendo no seu ápice a Virgem Santíssima – a qual, por sua vez, tem em Si a qualidade de Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Virgem Mãe –, e depois a Santíssima Trindade, eles pairam sobre tudo isso para uma felicidade eterna, magnífica e reluzente, vitoriosa completamente. Do céu se levantam cânticos contínuos a Deus. Do Inferno se levantam blasfêmias horríveis contra Deus.

* Uma das coisas que dá mais ódio aos demônios no Inferno, é a glória no Céu dos bem-aventurados que eles quiseram perder

Uma das coisas que dá mais ódio ao Inferno é que os que estão no Inferno têm conhecimento de quem está no Céu. E muitas vezes eles veem no Céu, colocados nos tronos que os demônios deixaram vazios, homens que esses próprios demônios procuraram perder. Eles tiveram intenção de perder Fulano, ora, num trono magnífico está Fulano reluzente de glória. Quer dizer, Fulano lutou, Fulano venceu, porque Nossa Senhora o ajudou, porque ele soube ser devoto de Nossa Senhora, devoto de Nosso Senhor Jesus Cristo etc., e ele está brilhando no Céu por toda a eternidade! E o demônio compara a sua hediondez onímoda de todos os modos com aquele lá. E olha para aquele: está reluzente diante da visão beatífica eterna, ele está reluzente, inundado de felicidade, e cantando a glória de Deus.

O demônio, inundado de ódio, blasfema contra aquele.

Não sei se está claro o que estou dizendo.

(Siimmmm!!)

* Polêmica de cânticos: o da blasfêmia versus o cântico da Glória

Blasfema contra aquele e ouve-se o cântico de blasfêmia de um, como cântico de glória do outro. E se estabelece uma como que polêmica em que eternamente os beatificados, os santificados – na medida em que o queiram – podem massacrar o que chamaríamos a cabeça do demônio, e reluzir de glória pensando no demônio que está no chão.

E o demônio blasfema, sente o furor de Deus, mas percebe que a blasfêmia dele nem de longe atinge a Deus Nosso Senhor. E ele fica gritando, gemendo e se revoltando, enquanto o outro fica cantando as belezas da ordem, da hierarquia e da desigualdade.

[Aplausos.]

Sedeatis.

Eu termino num minuto…

(Nããããoooo!!)

… porque está tardíssimo.

Mas, em última análise, o que é que é então a tal lição de história que Deus dá? É como se toda a história, de todos os homens, se repetisse. E todos os homens assistissem à história de todos os homens. Mas não é a história assim: “Ele foi em tal lugar, entrou no Mc’Donalds, comeu não sei que porcaria. Depois saiu”… Não é isso, não. É a história da salvação ou perdição daquela alma. Então um está no Céu e vê a história toda da alma dele: como fez, como lutou, como caiu ou não caiu, como se levantou, e depois, de repente, como morreu e aflorou no Céu como uma estrela de primeira grandeza.

* Cordão histórico magnífico da luta da Revolução x Contra-Revolução

Mas é feita a coisa de tal maneira que se desenvolve como que um cordão histórico magnífico, que todos os homens assistem de tal maneira que eles veem tudo, compreendem tudo, e entendem então o plano de Deus, que é de estabelecer a salvação em favor daqueles que tinham o amor, a ordem, a hierarquia, e, numa última palavra, a Contra-Revolução. [Exclamações.] Portanto, a Deus.

E, do outro lado, a perdição, o castigo tremendo dos que se revoltaram, e que eram a Revolução.

Chegado a esse panorama geral, eu pergunto aos srs.: isso não explica toda a atuação da TFP? Tudo na TFP não é ajudar a salvação? Não é trabalhar pela Santa Igreja Católica? Não é trabalhar pela hierarquia, pela boa ordenação das coisas que reflete as perfeições de Deus adequadamente? E tudo quanto é o contrário disto, não é senão a Revolução maldita e igualitária?

O nome do trabalho, cuja leitura nós iniciamos hoje em comum, estava encontrado: “Revolução e Contra-Revolução“. [Aplausos, brado.]

In nomine Patris, et Filii, et Spiritu Sancto… […]

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