Plinio Corrêa de Oliveira
No momento em que escrevo, ainda permanece obscuro o curso que tomará a crise tchecoslovaca. Ao que parece, a nação em peso está se mobilizando para um imenso movimento de resistência. Movimento não apenas volumoso, mas animado de um sopro heróico, e dirigido por líderes ainda desconhecidos, mas aos quais é preciso reconhecer desde já uma superior inteligência.
À vista dessa possante convulsão, que farão os soviéticos? Procurarão desalentar o povo pelo terror de uma repressão, a qual, para ter eficácia, teria de ser de uma ferocidade sem precedentes? Esta perspectiva é, para o Kremlin, cheia de riscos:
1º) A causa comunista sofreria enormes prejuízos, pois tal repressão colocaria os PC, de quase todos os países, na alternativa de romper com Moscou ou perder toda a popularidade;
2º) No terreno diplomático, a União Soviética, com seu bloco de satélites, ficaria mal vista, isolada, e por assim dizer entregue às feras;
3º) Tudo isto poderia estimular os impulsos de “liberalização” que há algum tempo se vêm sucedendo continuamente na Rússia;
4º) Por fim, o êxito da utilização do rolo compressor, na Tchecoslováquia, é incerto: que acontecerá aos dirigentes de Moscou se a pequenina nação se transformar, para eles, no que foi a Espanha para Napoleão? Em tal caso, o agravamento dos três primeiros fatores que enumerei, não poderá conduzir à ruína irremediável o poderio dos atuais déspotas soviéticos? A indignação justíssima da opinião pública, agravada pela brutalidade de eventuais violências, não será aproveitada por Washington ou por Pequim como base psicológica para uma intervenção armada no conflito?
Se este é o quadro visto de Moscou, as perspectivas que se divisam de Praga são mais simples, porém igualmente dramáticas:
- Uma vez que a União Soviética cometeu o erro político – não falemos da inqualificável falta moral – de invadir a Tchecoslováquia, terá ela a finura suficiente para compreender a necessidade de uma retirada, e gênio político bastante para criar circunstâncias que disfarcem o que essa retirada teria de humilhante?
- Sendo de se recear que lhe faltem uma e outra coisa – finura e gênio – não se atirará a União Soviética, cegamente, à destruição da Tchecoslováquia?
- Vale a pena, para esta, correr o risco imenso de resistir ao ocupante? Para quem crê em Deus e na imortalidade da alma, como os espanhóis que lutaram contra Napoleão, a resposta só pode ser em favor da resistência a todo transe. Estou certo de que se a Espanha fosse invadida hoje, a sua atitude não seria diversa. Sei que não falta aos tchecos e aos eslovacos uma coragem que a História tornou famosa. Não ignoro que milhões dentre eles não são comunistas, e conservam a Fé herdada dos maiores. Mas Dubcek e os seus auxiliares são comunistas. Como comunistas são, provavelmente, os líderes ainda ignotos, da presente resistência tcheca. Nas perspectivas de um comunista, vale a pena expor assim à destruição – não um homem, pois para ele o indivíduo nada é – mas uma nação inteira?
Tudo isto está sendo, provavelmente, pesado de lado a lado. No que dará?
É cedo para o dizer. Mas é útil consignar aqui os pontos de vista políticos de ambos os lados. O formidável “suspense” em que estamos se entende melhor assim.
Como melhor se entenderá o desfecho que talvez já tenha ocorrido quando este artigo sair a lume.
* * *
Mas já que no presente momento estamos em “suspense”, aproveitemo-nos dele para pensar um pouco em nós mesmos. “Nós”, aqui, significa o Brasil e todo o mundo livre.
Como foi possível que a opinião pública tenha sido forçada a passar do otimismo de há dias atrás, para as angústias da presente incerteza? A resposta é claríssima. A opinião pública vinha sendo embalada no mito de que os dirigentes da Rússia “desestalinizada” são amantes da paz. A invasão da Tchecoslováquia provou de repente, com a crueldade da evidência, que eles não o são. Desfez-se o mito.
Mas, dada esta resposta, outra pergunta surge desde logo, e esta bem mais árdua de responder: como pôde a opinião mundial ser induzida a crer neste mito tão inconsistente?
Claro está que a causa mais imediatamente visível deste engano reside nas mil pequenas e grandes manobras que a União Soviética pôs em curso para se fazer aceitar como nação pacífica, e gozar, consequentemente, dos benefícios da coexistência.
Estes benefícios foram imensos. A título de exemplo, mencionaremos apenas dois: o desconjuntamento da NATO, ao passo que continuava em vigor o Pacto de Varsóvia, e o “amolecimento” de Johnson no Vietnã.
À vista destes benefícios tão palpáveis, e de outros ainda, uma pergunta de elementar sabedoria política naturalmente se punha: o pacifismo dos soviéticos seria sincero, ou seria de encomenda, com vistas a obter essas mesmas vantagens?
Pois esta pergunta simplicíssima, poucos a fizeram… E os que a fizeram, não receberam resposta explícita nem consistente. Suas vozes [foram] abafadas no “brouhaha” festivo da distensão universal.
Quais as causas dessa ingenuidade, obstinadamente cega, que penetrou em tantos, grandes ou pequenos, cultos ou ignorantes, moços ou velhos?
Ainda aqui julgo conveniente destacar uma só causa, a mais dinâmica, a meu ver, e a mais generalizada. É o cansaço, o terrível cansaço de ser lógico, sério, coerente e arguto. Desde Homero, este cansaço dos povos que se deixam vencer pela indolência do espírito, é causa de tragédias e derrotas sem conta. Pode-se dizer que em muitas guerras ou tensões internacionais, ganhou quem, até o fim, não se deixou penetrar por esse amolecimento fatal.
Ora, foi desse amolecimento que larguíssimos setores da opinião mundial deram provas ao tomar por concludentes os mil indícios discutíveis que a União Soviética “fabricava” para fazer crer na sinceridade de seus supostos propósitos de paz.
Por mais mal parado que esteja o jogo dos soviéticos, no momento, eles ainda têm esta carta inapreciável em mãos: nossa fatigada ingenuidade. E sairão do impasse tcheco salvando todas as suas perspectivas de êxito se, em novos lances, salvarem esta carta.
Daí, a meu ver, o grande critério para analisar a próxima jogada dos ocupantes do Kremlin da Tchecoslováquia: até que medida essa jogada conservaria o mundo na cândida confiança em um comunismo pacifista?