Conversa durante chá no Eremo Praesto Sum, 22 de fevereiro de 1984
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Santo Ambrósio (cuja festa se comemora a 7 de dezembro) expulsa os hereges arianos (Giovanni Ambrogio Figino – 1590)
Quando uma pessoa conhece um princípio… Talvez não fosse mal a gente definir o que é que é um princípio.
O que vem a ser um princípio? Um princípio, tanto pode ser um princípio de metafísica, quanto um princípio de moral, como de qualquer outra coisa.
Princípio é uma verdade, que serve de princípio para uma porção de outras verdades. Quer dizer, é uma verdade da qual se deduzem muitas outras verdades. Este é um princípio.
Há evidentemente verdades que são princípios dos princípios. E, depois, há verdades que são fins de princípios anteriores, e princípios de outros fins que vêm. Verdades, vamos dizer assim, de segunda escala.
E assim, mesmo nas ordens das verdades menores possíveis, há “principículos” e “consequensículas”. Mas essa concatenação de princípios e verdades vem desde os mais altos e primeiros princípios, até os mais elementares.
Quais são esses mais altos e primeiros princípios?
Para felicidade nossa, não é preciso – para ter deles uma noção – não é preciso nós conhecermos filosofia. É muito conveniente conhecer filosofia, mas não é indispensável conhecer filosofia.
Por quê? Há uma coisa que se chama o “senso do ser”, com o qual todos nós nascemos, e que Deus infunde em nós, com a nossa alma. É natural à nossa alma.
E esse “senso do ser” contém em estado de semente, em estado germinativo, uma multidão, uma verdadeira explosão de princípios que vão se desenvolvendo durante a vida. E que a pessoa reta tem, ainda quando não saiba precisar, ela tem pelo senso do ser e pela retidão da sua consciência, ela tem esses princípios.
Nessas condições nós podemos dizer que o princípio é uma verdade de caráter abstrato – não é uma coisa concreta, por exemplo, dizer: “isso é um guardanapo”, isso não é um princípio, isso é um fato. Um princípio é, por exemplo, [dizer] “guardanapos servem para o asseio da boca”. Mas dizer: “isso é um guardanapo” não é princípio, é um fato.
O princípio é uma verdade de caráter abstrato, mas uma verdade que, por causa disso, se aplica a uma multidão de realidades concretas; e, do qual se podem tirar muitas outras verdades por vias de consequência.
Pode-se tirar de dois modos: ou indo do princípio até às consequências, ou tomando em consideração que o princípio é ele mesmo uma consequência, partindo da consequência até os princípios que o geraram. Por exemplo, uma regra de cortesia: “não se deve ficar sentado quando entra um sacerdote na sala. Entrando o sacerdote na sala, a gente deve se levantar”.
Isso é um princípio de cortesia. Mas esse princípio de cortesia conduz a um princípio mais alto: “o sacerdote é mais do que um leigo”.
Mas esse princípio mais alto conduz a um outro princípio ainda mais alto: “os homens estão escalonados, segundo desigualdades, na Igreja de Deus”.
Mas esse princípio conduz a outro princípio mais alto: “é bom que os homens estejam escalonados em desigualdades, na Igreja de Deus. Porque, do contrário, Deus não teria feito”.
Mas esse próprio princípio conduz mais alto: “não é contrário à justiça, mas é conforme à justiça, que em qualquer outra ordem os homens estejam escalonados. Porque, do contrário, não seria assim na Igreja de Deus”.
Os senhores estão vendo que de um princípio de cortesia se remonta até o mais alto.
Mas ainda a gente poderia remontar mais alto. Não sei se lhes interesse o exemplo. O mais alto é: “se é bom que os homens estejam escalonados, eles escalonados refletem melhor a glória de Deus, do que se não estivessem escalonados. E se eles refletem melhor a glória de Deus assim do que não escalonados, é porque algo na glória de Deus que melhor se deixa refletir assim, do que se eles não estivessem escalonados”.
E o que é que é?
É que, então, a glória de Deus tem um fundamento para todas as hierarquias da terra. Embora Deus seja puro espírito e simplicíssimo, nEle há um fundamento para todos os escalonamentos.
Então, do mais alto, nós partimos por via de consequência ao mais baixo, mais baixo, mais baixo…
Uma vez que a pessoa conheceu um princípio e o amou – como é que se ama um princípio, eu vou tratar daqui a pouco – ela percebe que o princípio vale mais do que qualquer homem. E que os homens a gente só deve amar na medida em que eles estão de acordo com os princípios e que representam os princípios. Se eles violam os princípios, nada com eles. Está rompido o pacto e a aliança, porque romperam o princípio.
Mas se é assim, o homem deve, nos outros, procurar a fidelidade que os outros têm aos princípios da verdade e do bem. Se eles tiverem essa fidelidade, nós os queremos; se eles não tiverem essa fidelidade, nós não os queremos.
Nós não os queremos pelo bem que eles nos querem, a não ser na medida em que assim os princípios são atendidos. Nós não nos colocamos no centro do afeto dos outros; o que está no centro do afeto dos outros são os princípios.
E o resultado é que, o homem que é em geral tão briguento quando se trata dos interesses individuais, quando os princípios estão em cena o homem precisa fazer uma certa força para ser briguento. Porque o espírito de briga vem do interesse pessoal contrariado, não vem do princípio contrariado.
O homem, quando briga por princípios, briga porque ele acha que deve brigar. Quando ele briga por interesses pessoais contrariados, ele briga porque está com vontade de brigar. São duas coisas completamente diferentes.
O homem que é inteiramente reto, ele briga quando deve brigar; e não briga quando não deve brigar. Ou seja, ele é um leão quando os princípios estão em cena; quando está ele em cena, como ele não se ama, como ele não ama a não ser os princípios, ele é um cordeiro.
Então, nós sabemos de uma pessoa que faltou com as regras mais elementares de justiça para conosco. Mas às vezes é por gagueira, é por tonteira, é por não ter sabido ver bem as coisas etc., etc., não houve propriamente uma violação de princípios aí. A gente vê isso: “ah! bom, coitado, ele pensa assim, deixa, não tem importância. Eu de bom grado perdoo”.
Nós vemos um outro que faltou com um princípio em relação a um terceiro: nós nos indignamos. É uma coisa natural, é uma coisa que está bem acertada.
Vamos dizer, há um homem, um parente, ou um amigo com quem nos encontramos frequentemente, e que tem uma questão de limites conosco. Tem uma casa ao lado da nossa e ele entende que a cerca dele vai mais adiante, nós entendemos que vai mais para cá. Se trata da questão de interpretação das escrituras públicas etc., uma questão de advogados.
Nós olhamos e, humanamente falando, dizemos: “esse cara é assim, ele toda vida quis entrar no que era meu, quando já era pequeno ele roubava as minhas balas! E agora está querendo roubar meu terreno. Eu vou esganiçar esse homem!”
Egoísmo! Egoísmo!
Dirá: “mas não há um princípio, ele não está violando a justiça?”
Eu mesmo sei que uma pessoa pode se enganar na análise dessas escrituras. Quem sabe se ele se enganou. Mansidão: “Fulano, vem cá, vamos conversar um pouco, venha tomar um cafezinho em casa, me conta algumas coisas, eu conto a você. Agora vamos falar um pouco a respeito disso, não haveria um acordo possível, não haveria um jeito etc.?”.
Tanto quanto seja possível, sem fazer o papel de bobo, faz um acordo. Não sendo possível, dizer: “fulano, eu lamento muito, mas nós vamos ter que recorrer à arbitragem de um juiz. Nem por isso vamos ser inimigos. Você constitui seu advogado, eu constituo o meu. Mas vamos continuar bons amigos, vamos ver o juiz na sua justiça o que é que resolve”. É o modo normal.
Sabemos deste mesmo homem que ele é favorável ao divórcio: “Plaft!”. Tudo muda…
A gente chama o homem, ainda amavelmente, diz: “fulano, se você ganhar o processo e você ficar dono até de minha casa, ou te entrego a minha casa, mas você ainda fica dono do meu coração. Mas, eu ouvi dizer que você é favorável ao divórcio. Será possível uma coisa dessa? Vamos discutir, eu vou mostrar a você que não deve ser”.
E, se ele de todo em todo, bem explicado, não quiser mudar de opinião, dizer: “meu caro, nós não somos mais os mesmos, porque você quer prostituir a instituição da família, isso eu não posso permitir”. Um princípio foi atingido…
Eu acho isso sumamente reto, sumamente direito, inteiramente santo. Assim nós devemos ser.
Quem com muita facilidade se indigna quando está em foco sua pessoazinha, não tem amor aos princípios.
Quem tem verdadeiro amor aos princípios, quase que instintivamente perdoa quando está em foco a pessoa dele. Mas quase instintivamente, ele perdoa: “está bom, deixa passar, vamos para frente, não vamos olhar para isso, são coisas humanas, são misérias, etc., etc.” Está acabado! É como a gente faz, é como as coisas costumam fazer-se normalmente.
Vamos dizer, por exemplo, a gente escreve um livro. E um amigo da gente escreve ao mesmo tempo um livro, os dois livros saem juntos e se vendem nas mesmas prateleiras da mesma livraria.
Uma pessoa da família do outro diz: “hiii, aquele livro dele não está saindo quase, o do nosso é que está um best-seller” etc., etc. A gente sabe que é o contrário.
O verdadeiro não é, quando se encontra, dizer para a pessoa que comentou: “fulano, eu estou muito contente com a saída do meu livro; eu tirei tanto. Você me dará a alegria de dizer que do fulano já tirou tanto assim também?” Para deixar a pessoa com apuro e com a cara no chão.
Não. Mas, “deixa, deixa correr! Está mal feito. Está bem, eu perdoo!” Não foi contestado um princípio.
Se a pessoa dissesse: “é uma injustiça de Deus ter feito homens com inteligências diferentes, de maneira que o livro de A está saindo mais do que o livro de B, que é meu parente”: aí foi negado um princípio, aí pula encima.
Os senhores aí estão vendo uma distinção que é muito importante, é a distinção entre respeitar um princípio ou violá-lo; professar um princípio ou negá-lo.
Violar um princípio é menos ruim do que negar um princípio. Ser ladrão é menos ruim do quer ser contra a propriedade privada; ter uma “fassura” [mulher ilegítima] é menos ruim do que negar a inviolabilidade do casamento.
Alguém dirá: “não! Porque ter a fassura é um ato impuro; negar a inviolabilidade do casamento é uma questão de princípio”.
Não senhor! O princípio perverte mais o homem do que o fato.
Isso explica um pouco a reunião do MNF.
Há um princípio…
(Ahhhhh…).
É um princípio de ordem operativa, que me mostra que eu preciso mudar de inflexão de voz quando eu quero encerrar o chá. Porque os senhores, eu vejo que estão habituados, pela inflexão de voz, à ideia de que eu estou para encerrar. É um bom princípio de ordem operativa, se eu me lembrar eu vou ser fiel a ele.
Eu não me lembro se tem fatinho no chá…
(Aparte: como Da. Lucilia, mãe de Dr. Plinio, mostrava seu apreço aos princípios)
Não é muito fácil fazer isso, porque para as pessoas que têm uma certa formação intelectual etc., mais própria a homens, a distinção entre o princípio e o fato é muito fácil.
Para as pessoas que têm uma formação mais feminina e que não tiveram assim curso superior etc., o princípio não se enuncia de modo diferente do fato muitas e muitas vezes. Mas o modo de tomar o fato faz com que a gente veja que tem ali um princípio.
Então, por exemplo, em muitos fatos que ela contava da vida do pai dela, a gente via que ela se entusiasmava com os fatos porque via ali princípios. Ela não enunciava o princípio, ela contava o fato. Mas, depois dizia que o fato era uma lição. O que quer dizer que é um princípio.
É o modo das senhoras brasileiras do tempo dela, e nas condições dela, enunciarem a maior parte das coisas. Era o modo de ser assim.
Eu contei a história de um inimigo político de morte do pai dela? Ou, o modo de ela elogiar a pureza, a propósito de uma “fassura” [mulher de má vida, n.d.c.] que morreu na cidade de Pirassununga?
Eu vou contar esse segundo fato. Pirassununga era naquele tempo boca do sertão. Quer dizer, as pessoas se estabeleciam ali e iam tentar aventura desbravando aquilo que era sertão naquele tempo e formando fazendas, comprando terras, derrubando mato e formando fazendas. Para isso, os donos de escravo levavam a escravaria para lá e soltavam no trabalho.
Em geral, como o trabalho de fazendeiro em certas épocas do ano não é muito grande, os homens que queriam fazer bastante dinheiro tinham ao mesmo tempo uma outra profissão. De maneira que, tinham casa na cidade, escritório na cidade, e ao mesmo tempo tinham casa na fazenda e contabilidade da fazenda na fazenda.
Era o caso de meu avô, que tinha uma fazenda nos arredores de Pirassununga e tinha, de outro lado, uma casa com escritório de advocacia na cidade de Pirassununga.
E na cidadezinha, tudo quanto é gente de faroeste afluía. E, naturalmente, os advogados, médicos, engenheiros, fazendeiros, daquele pequeno mundo se conheciam muito.
E foi lá para Pirassununga naturalmente – isso nunca falta no faroeste – foram várias “fassuras”. E foi, sobretudo, uma “fassura” que, na Pirassununguinha daquele tempo, causou sensação pela sua beleza.
Um dia essa “fassura” – que ganhou muito dinheiro – adoeceu gravemente, estando ainda muito moça. E esteve para morrer. E os homens que “fassuravam” lá com ela e que estavam na casa dela, ela falou em testamento – ela tinha dinheiro no banco e queria legar esse dinheiro para X, creio que da família dela – então disse que queria fazer um testamento.
Então, aqueles homens disseram: “pois é só você escolher um de nós aqui – havia vários advogados – nós fazemos esse testamento”.
Ela disse: “não, gente como vocês, que frequentam a minha casa, não têm minha estima, nem minha confiança. Eu quero que venha me fazer o testamento o único homem de Pirassununga que nunca pôs os pés aqui, é o doutor fulano de tal”. Era meu avô.
Então, foram procurar meu avô e dizer: “olha, fulana está para morrer, ela está querendo assim. O senhor aceita de ir lá?”
Ele disse: “nesse ponto, quem manda em mim é minha mulher. Eu vou perguntar a ela se ela concorda em que eu vá. Se ela concorda que eu vá, então eu irei”.
Foi ao quarto de minha avó e disse: “fulana de tal está à morte, e ela está querendo que eu vá fazer o testamento. Parece que está à morte mesmo, e que não é uma comédia, que é verdade. Agora, eu não transporei o limiar daquela casa sem que a minha legítima esposa concorde. Do contrário, não farei. Você está de acordo?”
Minha avó disse: “bom, coitada, ela está para morrer; vá lá e faça o testamento para ela”.
Ele foi, fez o testamento para ela e ela disse: “obrigado ao senhor de ter vindo; o senhor é o único homem daqui que eu não conhecia pessoalmente e, portanto, é um homem honrado. Obrigado de ter vindo”.
Ele fez o testamento – é uma coisa um pouco longa fazer um testamento, ainda mais com as formalidades jurídicas daquele tempo etc. – fez o testamento, terminou, foi embora.
Parece que ela recebeu ainda os sacramentos.
Foi embora, foi para casa e contou à minha avó: “o que se passou lá foi isso”. Minha avó disse: “está bem, está acabado, falemos de outra coisa”. Acabou-se.
Mas minha mãe gostava enormemente de contar o caso. E no último tempo da vida dela, para ela se distrair, etc., eu mandava ela contar fatinhos. E aquilo tudo revivia no espírito dela. Era um modo de dar expansão.
Assim também, quando os senhores tiverem 90 anos, os “enjolras” [jovens] daquele tempo vão pedir para os senhores contarem fatos de antes da “Bagarre”… E os senhores vão contar fatos, vão contar fatos, vão contar fatos etc. E é próprio da velhice gostar de repetir os fatos. E eu a fazia repetir os fatos várias vezes.
Aqui está um fato onde ela por de trás punha um princípio. Os senhores estão vendo bem que é que “o homem que frequenta casas dessas é um sem-vergonha. E que nem a própria fassura tem ilusão, e rejeita-o. E que a casa da “fassurada” é uma espécie de inferno, onde as pessoas que estão lá mútua e merecidamente se desprezam”.
É o que está contado. Não está dado o princípio abstrato, como eu dei aqui. Não está remontado até os VI e IX Mandamentos, porque o modo de expor as coisas, naquele tempo, era mais por parábolas. Isso seria uma parábola.
Mas os senhores estão vendo que está claro o princípio. E o entusiasmo com que ela contava isso, até o extremo da velhice, era um entusiasmo grande, ela contava como se o fato tivesse acontecido ontem.
Está contado um fatinho, está acabado o lanche, nós vamos rezar.
Ave Maria gratia plena…