Parte II
Quando TFPs somam seus esforços
Segunda seção
TFPs: ações conjuntas em âmbito internacional
4 – Face à “Ostpolitik” vaticana: omitir-se, não! resistir, sim!
Tito, o perseguidor do Cardeal Stepinac, é recebido em audiência no Vaticano por Paulo VI
A détente mundial, inaugurada em 1972 pelas viagens de Nixon à China e à Rússia, constituiu um verdadeiro rombo no paredão moral que defendia o Ocidente contra a guerra psicológica movida por Moscou e Pequim. Vitória igual, o comunismo não a teve, desde a bolchevização da Rússia em 1917.
Essa distensão realizava, em ponto mundial, a fórmula política lançada em 1971, em escala latino-americana, pelo Presidente Lanusse, da Argentina, no encontro que manteve com Allende na cidade de Salta. Tal política foi então qualificada por ele de “queda das barreiras ideológicas”.
Também o Chanceler Willy Brandt, da Alemanha Ocidental, havia precedido nessa via os Estados Unidos, ao dar início em 1969 à sua famigerada Ostpolitik (1).
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Entretanto, mais grave que tudo isso foi, para os países católicos, a “Ostpolitik vaticana”, que se vinha desenvolvendo desde o Concílio Vaticano II. Consistia ela em uma gradual distensão da Santa Sé em relação aos governos dos países comunistas. Essa política importou em criar um clima cada vez mais difícil, dentro da Igreja, para aqueles que levavam adiante um combate franco e destemido ao comunismo, cujo poder mundial crescia e cresce a olhos vistos.
Uma das vítimas dessa Ostpolitik do Vaticano foi o célebre Cardeal Mindszenty, Arcebispo de Esztergom, na Hungria. Fora ele obrigado a sair de seu “exílio” na embaixada norte-americana em Budapest, por resolução direta de Paulo VI, que atendia assim ao evidente desejo do governo comunista húngaro. Algum tempo depois, tendo o Cardeal se negado a renunciar “voluntariamente” ao cargo de Arcebispo de Esztergom e Primaz da Hungria, Paulo VI o destituiu sumariamente. Assim foi golpeado o herói máximo da resistência anticomunista húngara, que tanto incomodava, em escala nacional e internacional, os comunistas. Era, aos olhos do público, uma vitória do anti-anticomunismo (2).
Em 15 de março de 1974, o Cardeal József Mindszenty, herói máximo da resistência anticomunista húngara, recebeu mensagem de admiração e de homenagem das TFPs, a ele entregue em Viena por enviado especial da entidade, Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Junior
As TFPs não poderiam deixar de fazer chegar ao glorioso Purpurado a manifestação de sua solidariedade. Uma mensagem de admiração e de homenagem pela inquebrantável recusa do Cardeal de se dobrar ante o comunismo lhe foi entregue diretamente em Viena, por um enviado especial, o sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Junior, em audiência a este concedida no dia 15 de março de 1974.
Um ano depois, o egrégio confessor da Fé se encontraria novamente com os sócios e cooperadores de duas TFPs sul-americanas, a da Venezuela [foto acima] e a da Colômbia, na visita que fez àquelas nações poucos dias antes de sua morte, ocorrida em 6 de maio de 1975. Tanto em Caracas como em Bogotá, o eminente Cardeal Mindszenty fez questão de reunir-se com as TFPs locais. Em ambas as ocasiões exortou os membros daquelas Sociedades a continuarem com ânimo a luta ideológica que vêm travando contra o comunismo (3).
As viagens de Mons. Casaroli, então Secretário do Conselho para os Assuntos Públicos do Vaticano, a países do Leste europeu e Cuba, estarreciam pela camaradagem entre o Prelado e os governos daqueles países satélites de Moscou
A “Ostpolitik vaticana” seguia entretanto o seu rumo. Multiplicavam-se os contatos diretos ou indiretos de Paulo VI com os chefes de Estado vermelhos. Provocou numerosos protestos a visita do Cardeal Willebrands, Presidente do Secretariado para a União dos Cristãos, à Rússia, em 1971, para assistir à posse do novo patriarca da igreja cismática, uma dócil marionete nas mãos dos déspotas do Cremlin. As dramáticas dissensões entre a Santa Sé e o Cardeal Slipyj, Arcebispo-Maior dos ucranianos, durante o Sínodo dos Bispos realizado em Roma em 1971, revelaram aspectos até então ignorados das negociações da Igreja com os países comunistas. E, por fim, as viagens de Mons. Casaroli, Secretário do Conselho para os Assuntos Públicos do Vaticano, a países do Leste europeu e a Cuba, estarreciam pela camaradagem entre o Prelado e os governos daqueles países satélites de Moscou.
Por veneração à Cátedra de Pedro, as TFPs relutaram durante muito tempo em tomar, de público, posição perante essa política. Mas, premidas pelos sucessivos avanços da détente vaticana, os quais já não permitiam aos católicos anticomunistas guardar um silêncio no qual eles se iam tornando cada vez mais inexplicáveis aos olhos do público, as sociedades declararam-se em estado de resistência em relação à Ostpolitik de Paulo VI.
Publicada inicialmente no Brasil, a Declaração de Resistência tem o título A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas – Para a TFP: omitir-se? ou resistir? (4). Nesse documento, as TFPs externam sua obediência irrestrita à Igreja e ao Papado, nos termos preceituados pelo Direito Canônico, e dizem ao Pastor dos Pastores: “Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe”.
Ao mesmo tempo, as TFPs afirmavam o direito e o dever de resistir à orientação diplomática do Vaticano, na medida em que esta discrepe da orientação tradicionalmente adotada pela Igreja em relação ao comunismo. Essa resistência se haveria de fazer no espírito em que São Paulo “resistiu em face” a São Pedro (cfr. Gal. 2,11).
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Essa posição de Resistência, as TFPs e organizações afins das duas Américas e da Europa divulgaram-na em seus respectivos órgãos de difusão e em 21 de jornais de dez países: Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, Uruguai e Venezuela (5). O Bureau Tradition-Famille-Proprieté, de Paris, encarregou-se da difusão na França, bem como em meios católicos alemães. Nos Estados Unidos, 80 mil folhetos foram difundidos nas principais cidades dos Estados de Nova York, Califórnia, Michigan, Ohio, Flórida e Louisiana. E se imprimiram volantes em espanhol, polonês e ucraniano.
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No Equador, três dias após a publicação da Declaração de Resistência, o Cardeal-Arcebispo de Quito, Mons. Pablo Muñoz Vega, se refere em entrevista a um jornal – sem mencionar o documento das TFPs – ao problema das relações da Santa Sé com o mundo comunista. O Purpurado argumenta que, estando a virtude no meio, e não nos extremos, a Igreja assume uma posição que não é capitalista nem comunista.
Essas considerações levavam a deduzir, implicitamente, que as TFPs estão em um dos extremos, logo no erro.
Em conseqüência, a TFP equatoriana julgou oportuno difundir uma declaração intitulada Verdade, erro e meio termo. Dela se distribuíram 10 mil exemplares nas ruas de Quito. A TFP reafirma seu acatamento filial e ardoroso ao Santo Padre e ao Cardeal-Arcebispo de Quito, em todos os termos e extensão prescritos pela doutrina e pelas leis da Santa Igreja Católica. Por outro lado, pondera que “se o simples fato de estar nos antípodas do comunismo nos devesse convencer automaticamente de que caímos em erro, não saberíamos como interpretar a atitude de muitos varões santos e canonizados pela Igreja …. que em séculos passados se colocaram nos antípodas de heresias …. Como filhos que somos da Igreja infalível, em lugar de procurar onde está o meio termo, para encontrar a verdade aí, nos parece mais seguro procurar a verdade, para afirmar que aí está o meio termo”. E pergunta ao Purpurado se os escritos da TFP estão conformes aos ensinamentos da Igreja.
Não houve novo pronunciamento do Cardeal Muñoz Vega sobre o tema.
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Na Espanha, a Sociedade Cultural Covadonga começou a divulgação do manifesto entre os 2 mil sacerdotes e 500 leigos que participaram da reunião anual da Irmandade Sacerdotal Espanhola, que teve lugar em Cuenca no mês de setembro. Posteriormente, as caravanas de propaganda da entidade percorreram as diversas províncias espanholas difundindo mais de 300 mil exemplares do documento.
No dia 24 de novembro, o “Boletim da Arquidiocese de Madrid” transcrevia uma carta do Cardeal Tarancón, em que o Purpurado fazia transparente alusão à Declaração de Resistência publicada por Covadonga.
A entidade, em resposta ao Sr. Cardeal, enviou uma carta datada do dia 13 de dezembro do mesmo ano. Nela Covadonga demonstrou que sua atitude teve como objetivo primordial defender a nação espanhola do gravíssimo risco de afrouxamento da sua reatividade contra o comunismo. “Se desta atitude provém, a título secundário, algum desdouro para a diplomacia vaticana, a culpa não está em nosso manifesto, que procurou, esmerando ao máximo a precaução, deixar a salvo o princípio da obediência, em toda a medida preceituada pelo direito canônico”.
“Caso estejamos equivocados, pedimos a V. Emcia. que nos explique nosso equívoco”, dizia a carta. O Sr. Cardeal nada respondeu.
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Embora várias autoridades eclesiásticas, no mundo inteiro, tenham manifestado seu desacordo pessoal com esta tomada de atitude das TFPs e entidades afins, nenhuma delas contestou a legitimidade do estado de resistência, do ponto de vista canônico. O que, evidentemente, não teriam deixado de fazer se houvesse mínima falha nessa posição.
A Declaração de Resistência das TFPs proporcionou aos católicos anticomunistas o material de informação e de análise apto a ajudá-los a se manterem em sua nobre posição, conservando-se em perfeita paz de consciência perante a doutrina e as leis da Igreja. Deu-lhes assim a confortadora segurança de que permaneciam absolutamente firmes na coerência de sua Fé.
Notas:
(1) Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos Silenciosos, 4ª ed., 1977, pp. 65 a 67.
(2) Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Ternuras que arrancariam lágrimas, “Folha de S. Paulo”, 13-10-74; Conforme quer Budapeste, “Folha de S. Paulo”, 20-10-74.
(3) Cfr. “Catolicismo”, nº 281, maio de 1974; e nº 296/298, agosto/outubro de 1975.
(4) O documento foi publicado na íntegra em “Catolicismo”, nº 280, abril de 1974; “Folha de S. Paulo”, 10-4-74 “Folha da Tarde”, São Paulo, 10-4-74; “Diário da Noite”, São Paulo, 10-4-74; “Correio do Ceará”, Fortaleza, 11-4-74 “Estado de Minas”, Belo Horizonte, 16-4-74; “Novo Jornal”, Londrina (PR), 21-4-74; “A Tribuna”, Santos (SP), 21-4-74; “O Globo”, Rio de Janeiro, 23-4-74; “Folha de Londrina” (PR), 23-4-74; “Correio do Povo”, Porto Alegre, 23-4-74; “A Tribuna”, São Carlos (SP), 23-4-74; “Jornal de Santa Catarina”, Blumenau (SC), 27-4-74; “Jornal da Manhã”, Ponta Grossa (PR), 27-4-74; “Diário de Natal”, 27-4-74; “Jornal de Hoje”, Maceió, 28-4-74; “Diário da Região”, São José do Rio Preto (SP), 28-4-74; “A Cidade”, Ribeirão Preto (SP), 28-4-74; “Diário da Manhã”, Recife, 29-4-74; “O Estado do Paraná”, Curitiba, 30-4-74; “Jornal dos Municípios Brasileiros”, Rio de Janeiro, abril de 1974; “Diário de Aracajú”, 3,4, 5 e 6-5-74; “A Tarde”, Salvador, 4-5-74; “Diário de Pernambuco”, Recife, 5-5-74; “O Popular”, Goiânia, 8,9, e 10-5-74; “Jornal da Cidade”, Olimpia (SP), 11-5-74; “A União”, João Pessoa, 12-5-74; “A Província do Pará”, Belém, 12-5-74; “Comércio de Franca” (SP), 28-5-74; “Diário de Borborema”, Campina Grande (PB), 28-5-74; “O Jornal”, Manaus, 30-5, 1º, 2 e 5-6-74; “Centro Sul”, Barra do Piraí (RJ), 1º-6-74; “Jornal da Paraíba”, Campina Grande (PB), 2-6-74; “O Estado do Maranhão”, São Luís, 19-6-74; “Jornal Pequeno”, São Luis, 22-6-74; “A Gazeta”, Vitória, 7-8-74; “Correio Braziliense”, 10-9-74. – Resumos foram publicados na “Folha do Comércio”, Campos (RJ), 14-4-74; “Correio do Povo”, Porto Alegre, 16-4-74; “A Cidade”, Campos (RJ), 16-4-74; “Tribuna do Ceará”, Fortaleza, 17-4-74; “Unitário”, Fortaleza, 18-4-74; “A Nação”, Blumenau (SC), 21-4-74; “Correio do Sul”, Cachoeiro do Itapemirim (ES), 26-4-74; “O Social Democrata”, Cuiabá, 1º-5-74.
(5) A Declaração de Resistência foi publicada nos seguintes órgãos: “Tradición, Familia, Propiedad”, da TFP argentina; “Fiducia”, da TFP chilena; “Cristiandad”, dos Jóvenes Bolivianos Pro Civilización Cristiana; “Reconquista”, da TFP do Equador; “Cruzada”, da TFP colombiana; “Covadonga”, da TFP venezuelana; e “Crusade for a Christian Civilization”, da TFP norte-americana. Além disso, o documento foi publicado na Argentina, em “La Nación”, de Buenos Aires e “Voz del Interior” de Córdoba; na Bolívia, em “El Diário”, de La Paz; no Canadá, em “Speak Up”, de Toronto; no Chile, em “La Tercera” de Santiago, “El Sur” de Concepción, “El Diário Austral” de Temuco e “La Prensa” de Osorno; na Colômbia, em ” El Tiempo”e “El Espectador” de Bogotá; no Equador, em “El Comercio”, de Quito; na Espanha, “Hoja del Lunes” e “Fuerza Nueva”, de Madrid; e “Región”, de Oviedo (resumos foram estampados em mais 17 jornais de 11 cidades); nos Estados Unidos, em “The National Educator” (março de 1975), de Fullerton, na Califórnia; no Uruguai, “El País, de Montevidéu; e na Venezuela, em “El Universal”, “El Nacional”, “Últimas Noticias”, “El Mundo”, e “2001” de Caracas. Nos Estados Unidos, uma tradução para o ucraniano foi divulgada, em campanha nas ruas e por correio.